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domingo, 20 de maio de 2018

'Eu poderia ser um deles', diz ex-perseguido político sobre mortos na ditadura militar de Geisel


Por Fabiula Wurmeister, G1 PR, Foz do Iguaçu
 

Há cerca de 40 anos, o jornalista Aluízio Palmar tenta encontrar os corpos de seis desaparecidos políticos (Foto: Arquivo Pessoal)Há cerca de 40 anos, o jornalista Aluízio Palmar tenta encontrar os corpos de seis desaparecidos políticos (Foto: Arquivo Pessoal)
Há cerca de 40 anos, o jornalista Aluízio Palmar tenta encontrar os corpos de seis desaparecidos políticos (Foto: Arquivo Pessoal)
Informações que levem ao paradeiro dos corpos de seis desaparecidos durante o governo do general Ernesto Geisel são o objetivo do jornalista e ex-perseguido político Aluízio Ferreira Palmar há quase 40 anos.
Um documento secreto da CIA divulgado na quinta-feira (10) pelo governo norte-americano revela uma conversa em março de 1974 entre o então presidente brasileiro e outros militares em que o general autorizava execuções de opositores da ditadura militar.
"Eu poderia ser um deles. Se não tivesse desconfiado e recusado o convite para uma viagem ao Brasil em 1974, quando eu estava escondido na Argentina, também teria morrido como eles morreram", aponta.
Na época, Palmar, que nasceu no Rio de Janeiro e estava com 30 anos, morava no interior da Argentina, para onde foi depois de deixar o Chile, país em que havia se exilado por dois anos.
"O encontro em Buenos Aires, em janeiro, foi por acaso. Na hora disse que ia. Mas, enquanto ele me esperava para outro encontro à noite eu já estava bem longe de lá, já próximo de Misiones [estado argentino que faz fronteira com o Brasil]. Infelizmente a clandestinidade dificultava saber onde os outros estavam e não consegui avisar ninguém sobre a armadilha."
Somente em 1979, quando voltou ao Brasil por conta da Lei da Anistia, e passou a morar em Foz do Iguaçu, no oeste do Paraná, Palmar se convenceu que os seis tinham sido assassinados e que precisava descobrir como tudo havia acontecido.
Ele também foi considerado morto pelas forças de repressão e chegou a ter o nome em uma lista do Comitê Brasileiro pela Anistia.
"Todo mundo voltou do exílio, menos eles", lembra.

Investigações

A análise de documentos, depoimentos de militares e conversas com familiares e outros perseguidos políticos o levaram a concluir que o grupo foi morto no dia 13 de julho de 1974 em uma emboscada na antiga Estrada do Colono, que cortava o Parque Nacional do Iguaçu, entre Medianeira, no oeste, e Capanema, no sudoeste do Paraná.
As investigações fazem parte do livro "Onde foi que vocês enterraram nossos mortos?", escrito pelo jornalista e publicado em 2005.
No grupo convencido a entrar no Brasil com segurança pelo ex-sargento da Brigada Militar do Rio Grande do Sul, Alberi Vieira dos Santos, revela, estavam os irmãos Joel José e Daniel José de Carvalho, José Lavéchia, Victor Carlos Ramos e o argentino Enrique Ernesto Ruggia.
De acordo com as investigações, o grupo atraído pelo ex-sargento Alberi Vieira dos Santos  foi morto no dia 13 de julho de 1974 (Foto: Reprodução)De acordo com as investigações, o grupo atraído pelo ex-sargento Alberi Vieira dos Santos  foi morto no dia 13 de julho de 1974 (Foto: Reprodução)
De acordo com as investigações, o grupo atraído pelo ex-sargento Alberi Vieira dos Santos foi morto no dia 13 de julho de 1974 (Foto: Reprodução)
"De repente, no meio da floresta exuberante, os cinco militantes da esquerda revolucionária caíram fuzilados pelo grupo de extermínio. Os cães de guerra comandados pelos chefões do Centro de Inteligência do Exército executavam a fase final da Operação Juriti, que consistia em atrair exilados políticos para áreas fictícias de guerrilha e matá-los", destaca um trecho do livro.
Onofre Pinto, outro perseguido político e um dos fundadores do grupo de resistência Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), foi atraído para a mesma armadilha, mas foi morto em Foz do Iguaçu, também no oeste, dias depois.
O corpo, apontam as investigações, foi jogado em um rio na região de Santa Helena, área que cerca de seis anos mais tarde foi alagada para a formação do Lago de Itaipu.
Local onde os cinco perseguidos podem ter sido mortos, em um trecho da antiga Estrada do Colono, no Parque Nacional do Iguaçu (Foto: Reprodução/"Onde foi que vocês enterraram nossos mortos?")Local onde os cinco perseguidos podem ter sido mortos, em um trecho da antiga Estrada do Colono, no Parque Nacional do Iguaçu (Foto: Reprodução/"Onde foi que vocês enterraram nossos mortos?")
Local onde os cinco perseguidos podem ter sido mortos, em um trecho da antiga Estrada do Colono, no Parque Nacional do Iguaçu (Foto: Reprodução/"Onde foi que vocês enterraram nossos mortos?")

Desaparecidos

As mortes foram confirmadas pelos depoimentos do soldado Otávio Camargo, militar do Centro de Informações do Exército (CIE), que dirigia o carro que levou o grupo para o Parque Nacional do Iguaçu, e do coronel Paulo Malhães, um dos coordenadores da operação.
Os seis foram oficialmente considerados desaparecidos políticos em 2003 pela Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos. Um ano depois, a Comissão Nacional da Verdade (CNV) reforçou a condição, o que garantiu uma reparação financeira às famílias.
Os nomes deles estão na lista levantada pelo G1 das 89 pessoas que morreram ou desapareceram após encontro entre o ex-presidente Ernesto Geisel, o então chefe do Serviço Nacional de Informações (SNI) e logo depois presidente do Brasil, João Batista Figueiredo, e os generais Milton Tavares de Souza e Confúcio Danton de Paula Avelino, do CIE.
No livro, Palmar já chamava a atenção para as ordens dadas por Geisel, empossado três meses antes da suposta emboscada.
"A operação de trazer para o território brasileiro os militantes que estavam exilados, até a chacina e o sepultamento dos mesmos numa cova dentro do Parque Nacional do Iguaçu, foi uma ação preparada com frieza e oficialmente pelo governo militar."
Foram várias viagens para a região e três incursões na área da reserva onde testemunhas revelaram ter sido o local aproximado da execução. Os corpos, no entanto, nunca foram encontrados.
"Devo fazer uma nova busca em breve, agora com mais tecnologia. Espero que desta vez a gente possa encontrar os corpos e concluir esta história", diz Palmar.
Aluízio Palmar em uma das buscas pelos corpos que teriam sido enterrados em uma vala comum às margens da Estrada do Colono (Foto: Arquivo Pessoal)Aluízio Palmar em uma das buscas pelos corpos que teriam sido enterrados em uma vala comum às margens da Estrada do Colono (Foto: Arquivo Pessoal)
Aluízio Palmar em uma das buscas pelos corpos que teriam sido enterrados em uma vala comum às margens da Estrada do Colono (Foto: Arquivo Pessoal)

Arquivos

Os anos de investigações levaram Palmar a montar um dos maiores arquivos digitais de documentos produzidos pelos órgãos oficiais que integravam o governo militar e dos movimentos da resistência.
site “Documentos Revelados”, criado em 2009, conta com mais de 85 mil arquivos da época e de acontecimentos recentes. Desde então, foram cerca de 2 milhões de acessos.
O acervo físico foi doado para o campus da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste) em Marechal Cândido Rondon, onde foram restaurados e catalogados e estão disponíveis para consulta pública.
"Esses documentos ajudaram a revelar a história de muitas pessoas", garante.

Relatório da CIA

Um memorando elaborado pela CIA relata uma reunião entre Geisel, João Batista Figueiredo e os generais Milton Tavares de Souza e Confúcio Danton de Paula Avelino, ocorrida em 30 de março de 1974.
"Em 1º de abril, o presidente Geisel disse ao general Figueiredo que a política deve continuar, mas deve-se tomar muito cuidado para assegurar que apenas subversivos perigosos fossem executados", diz o documento.
O então presidente da República Ernesto Geisel durante evento em São Paulo em novembro de 1978 (Foto: Estadão Conteúdo/Arquivo)O então presidente da República Ernesto Geisel durante evento em São Paulo em novembro de 1978 (Foto: Estadão Conteúdo/Arquivo)
O então presidente da República Ernesto Geisel durante evento em São Paulo em novembro de 1978 (Foto: Estadão Conteúdo/Arquivo)
Ainda segundo o relato, todas as execuções deveriam ser aprovadas pelo general João Baptista Figueiredo, sucessor de Geisel – e ocupante da Presidência de 1979 a 1985. Partes do documento continuam em sigilo.
Outro relatório divulgado em 2014 pela CNV aponta que durante a ditadura militar ocorreram 434 mortes e desaparecimentos, e 377 agentes eram responsáveis pela repressão.
"Isto tudo a gente já sabia. Mas, é importante que esteja documentado. Porque até então o governo dizia que as mortes eram resultado de excessos nos porões da ditadura, que não havia um comando, um conhecimento das autoridades maiores. Tudo o que é oficial tem documento. Estes registros estão por aí e com o tempo vão aparecer", destaca Palmar.
Mortos e desaparecidos durante a ditadura em 1974 (Foto: Igor Estrella/G1)Mortos e desaparecidos durante a ditadura em 1974 (Foto: Igor Estrella/G1)
Mortos e desaparecidos durante a ditadura em 1974 (Foto: Igor Estrella/G1)
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