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terça-feira, 19 de novembro de 2019

MINHA DOCE TROTKISTA


MINHA DOCE TROTSKISTA  
                                           
No final do primeiro semestre de 1964, eu voltei pra Niterói, após o recuo ordenado pela direção do PCB. As razzias realizadas pela repressão haviam se amainado. A tarefa era juntar o que sobrou e organizar as bases. O golpe militar havia desbaratado os comitês municipais, de fábricas e células do Partido, com exceção das bases nos cursos da UFF e dos colégios.   
Naqueles meses de juntar cacos e organizar a resistência eu estreitei meus contatos com os trotskistas do PORT - Partido Operário Revolucionário dos Trabalhadores. Eles tinham um jornal chamado Tribuna Operária, que antes do golpe militar eram estampados nas bancas de jornais, e seguiam as teorias de J. Posadas, codinome do argentino Homero Cristalli Frasnelli.
Em Niterói, resumiam-se a um grupo pequeno e a gente se encontrava na Praça da Igreja de São Lourenço, começo da Alameda Boa Ventura ou  sob as marquises da Avenida Amaral Peixoto. Meu contato mais freqüente era com Helena, uma loira de cabelos encaracolados e olhos claros. Parecia a encantadora Ingrid Bergman, que no deslumbrava nas sessões de cineclube. Pois bem, a linda trotskista mexeu fundo com meus sentimentos e quase me recrutou para o PORT.
Helena morava nas proximidades da estação rodoviária de Niterói e seu pai era coronel da reserva."Um profissional com idéias nacionalistas e democráticas", dizia ela, que já percebia minha atração por sua beleza e cultura. Meus deus!, eu estava tão a fim da doce Helena, que naquela altura do campeonato, eu já conhecia as teses e comentários de J. Posadas, de cor e salteado. 
Num de nossos encontros, quando a gente fazia planos de fazer uma panfletagem nos estaleiros navais, eu avancei o sinal e dei uma rasteira no temor reverencial que me intimidava daquela militante maravilhosa, que defendia com ardor a classe operária e pregava a revolução mundial. Ela estava encostada em uma das imensas colunas que sustentam a marquise do antigo Banco Predial e então, com as pernas bambas, confesso, dei um passo à frente e aproximei meu corpo do corpo dela. “Não”, disse minha doce trotskista, enquanto me afastava tocando o indicador no meu peito.
Ainda, com o dedo em riste, afastando meu corpo, Helena me deu uma baita lição de moral. "Camarada, nessa etapa da luta, todas nossas energias devem estar voltadas para o combate à burguesia e não devemos desperdiçá-las com este negócio de sexo"
Esta foi a última vez em que me encontrei com Helena. Nunca mais a vi ou tive notícias dela. Os anos seguintes foram intensos, tensos e de abnegação.   


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