*Aluízio Palmar
Um mês após o Ministério da Justiça abrir os arquivos da Polícia Federal, relativos à época do regime militar, eu fui credenciado pela Comissão 9140, dos mortos e desaparecidos políticos, para pesquisar a papelada existente na Delegacia de Foz do Iguaçu.
Durante quase dois meses vasculhei os mandados de prisão, informes, radiogramas, ofícios recebidos e expedidos, dossiês, relatórios e outros tipos de documentos produzidos pela burocracia policial.
Reconheço que esta busca é tardia, pois no Brasil, ao contrário do Chile, Argentina e até do Paraguai, os
arquivo da repressão estão sendo abertos fora do tempo apropriado. A nossa Lei da Anistia, além de ter permitido a devolução dos direitos civis e políticos aos perseguidos pela ditadura, serviu também ao propósito do esquecimento do passado. Esta dubiedade reside no fato de que enquanto as vítimas precisam remexer nos arquivos para que histórias sejam reconstruídas, os algozes e seus cúmplices fazem de tudo para que o passado permaneça intacto e possam, assim, terminar em paz os seus dias. Estão normalmente dispostos a pagar a intocabilidade do passado, com o seu próprio
O filme alemão "Cidade sem passado", coloca muito bem esse mecanismo. Nele as pessoas que foram ou colaboraram com os nazistas desejam que o passado continue intocado, e para isso dificultam o trabalho de uma estudante que recebeu a tarefa de escrever uma redação sobre sua cidade durante a Segunda Guerra. Diante do silêncio de seus conterrâneos, a jovem recorreu ao arquivo público da cidade e descobriu como foi o comportamento das pessoas durante o regime nazista.
Durante minha pesquisa no arquivo da Delegacia da Polícia Federal de Foz do Iguaçu eu me senti como a personagem desse clássico do cinema “cult”.
Ao esmiuçar os quase vinte mil documentos, buscando pistas que indicassem as circunstâncias das mortes dos desaparecidos políticos e a localização dos seus restos mortais, eu tive acesso a um conjunto de documentos que traçam a história do oeste e sudoeste do Paraná e em particular de Foz do Iguaçu nos últimos trinta anos. São reclamações, investigações e inquéritos sobre as “guerras camponesas” de defesa contra os despejos executados por jagunços a soldo de latifundiários. Além dos documentos sobre as organizações de esquerda e dos conflitos pela terra, o arquivo da Polícia Federal é farto em documentos sobre questões locais. Essas vão desde as fofocas políticas, controle do movimento estudantil e relatórios de dedos-duros até uma ou outra articulação do movimento estudantil.
Descobri também um fato acontecido em outubro de 1975 e abafado pela cúpula da Itaipu. Trata-se de uma greve de fome ocorrida no canteiro de obras e que só terminou depois
São histórias de prisões, de resistências, de dedos-duros, biltres e lambe-botas. Por enquanto vou relatar alguns casos de prisões pitorescas e de resistências. O resto fica pra depois.
Greve de fome na Itaipu
Durante 21 anos, o regime militar implantado no Brasil em 1964, prendeu, torturou, exilou e assassinou àqueles, que ousaram se opor à ditadura.
O Estado Policial chegou ao seu mais alto grau de terror na década de 70, quando todo o País foi entregue à sanha dos caçadores de bruxas. Era comum haver agentes policiais infiltrados nas escolas, nos ambientes de trabalho e, sobretudo, nos órgãos de comunicação, que, por serem formadores de opinião, sofriam uma vigilância redobrada. Não faltaram também, como instrumentos de incentivo à delação, os IPMs (Inquéritos Policiais-Militares) e as CGIs (Comissões Gerais de Inquérito). Estas foram instaladas em todos os órgãos de governo, inquirindo um a um os servidores e forçando-os a comprometer os demais.
Naquela época qualquer tipo de protesto era considerado um ato subversivo e ainda mais dentro do resguardado Canteiro de Obras da futura maior hidrelétrica do mundo. A Coordenação de Informações e Segurança da empresa binacional, comandada por militares reformados, possuía uma radiografia completa de cada funcionário e trabalhava em conjunto com o Centro de Informações do Exército, especificamente com a 2ª Seção (Serviço Secreto) do 1º Batalhão de Fronteira, hoje 34º BIMTZ, com o Serviço de Informações das polícias Federal e Militar, com o Centro de Informações da Marinha - Cenimar e com o Centro de Informações e Segurança da Aeronáutica – Cisa e Serviço Nacional de Informações- SNI.
As fichas preenchidas pelos candidatos a emprego eram enviadas pela Itaipu para análise de todos os órgãos que compunham o sistema de repressão da ditadura. No decorrer do meu trabalho no arquivo da PF me deparei com diversos casos de pessoas que tiveram seus pedidos de emprego negados por terem tido alguma atividade no movimento sindical ou estudantil.
Apesar de todas estes cuidados e do clima de terror implantado pelos “beleguins” do general Costa Cavalcanti, no dia 28 de outubro de 1975, um grupo de operários iniciou uma greve de fome no Canteiro de Obras de Itaipu, em protesto “contra a péssima alimentação” que era servida. O movimento foi reprimido e trinta e cinco operários foram demitidos para “servir como exemplo e impedir novas demonstrações de rebeldia”.
A greve de fome durou três dias e começou entre os operários da subempreiteira Vila Rica, que por sua vez prestava serviços a empreiteira Adolpho Lindemberg. Foi um movimento espontâneo e pegou todo a direção de surpresa. Roberto Helbling, um militar reformado, escolhido a dedo para dirigir o setor de segurança da Obra, ficou sem ação e pediu ajuda ao SNI. De Brasília veio a ordem de chamar o general Adalberto Massa, delegado Regional do Trabalho. A presidência da República tinha receio que os grevistas fossem reprimidos no cacete e a imprensa tomasse conhecimento do que estava acontecendo “entre os muros” da construção da grande usina.
O general Massa baixou em Foz no segundo dia de greve e foi do aeroporto diretamente para o Hotel Bourbon, onde já se encontravam reunidos para avaliar a situação o general Costa Cavalcanti, Helbling e Junot. Nessa reunião, o general Costa Cavalcanti sugeriu que a greve fosse reprimida de forma exemplar “para acabar definitivamente com os focos comunistas” dentro de “sua obra”. Momentos antes, Helbling havia informado que recebera radiogramas dos órgãos de informações comunicando que nenhum dos grevistas era fichado por atividade política ou sindical.
Por fim foi acolhida a proposta do general Massa, que consistia na demissão sumária e exemplar de todos os líderes do movimento a começar por Miguel Alcanis Gimenez, que havia se apresentado como porta-voz dos grevistas. O principal argumento do Delegado Regional do Trabalho foi de que uma repressão física, com prisões dos grevistas, poderia vazar para a imprensa internacional e desabonar a imagem que a empresa binacional estava construindo no exterior.
No dia trinta de outubro de 1975, três após o início da greve de fome, 35 operários da construtora Vila Rica foram sumariamente
demitidos e enviados à suas cidades de origem. A “operação abafa” foi bem sucedida, a greve virou tabu dentro da Obra.
A prisão do topógrafo
Paulo José Dias era topógrafo e trabalhava para a Planta Engenharia S/A, consorciada da Matrix Engenharia S/A, empresa designada para fazer o cadastro de implantação do Canteiro de Obras da barragem de Itaipu.
Em 12 de dezembro de 1973, ele, esposa e filha mudaram-se de Muriaé, Minas Gerais, para Foz do Iguaçu. Como não conseguiram casa para alugar foram morar no Hotel da Porota, que era localizado na Rua Rio Branco.
Dois meses após terem chegado a Foz, a esposa resolveu voltar para Muriaé. Ela estava entrando no nono mês de gravidez e achou melhor ter a criança ao lado de seus pais, em sua cidade natal.
No dia 14 de fevereiro, logo depois de meio-dia, acompanhada pela filha, ela pegou uma Kombi e foi para o aeroporto.
Chovia muito naquele começo de tarde, o que tornava impraticável o trabalho de topografia. E já que estava parado, o topógrafo pediu à chefia autorização para ir ao aeroporto se despedir de sua filha e da esposa. Disse pro chefe que quando saiu, de madrugada, como todos os dias, a filha estava dormindo. Apesar de seus argumentos e da chuva, que não parava de cair, seu pedido foi negado. Passou o resto da tarde no alojamento com os colegas, pois o tempo não estava propício ao trabalho de campo.
No final do expediente, ainda revoltado, Paulo José foi ao Bar Garfo de Ouro, onde tomou uns tragos. Lá pelas tantas, deitou falação contra o militarismo e disse que era um absurdo em pleno século vinte a humanidade resolver seus problemas na base da guerra. Um soldado do Batalhão não gostou e disse para o topógrafo que ele estava ofendendo o Exército Brasileiro. O militar tentou ainda prendê-lo, mas ele deu um safanão e conseguiu se safar.
Levantou de ressaca no dia seguinte e foi até o bar mais próximo para rebater o porre da véspera. Bebeu uma dose de rum e retornou ao hotel para tomar um banho. Ao chegar, um policial, que já o esperava, levou-o para a delegacia de polícia onde foi rigorosamente interrogado. Queriam que ele confessasse que era comunista e membro de organização subversiva infiltrada na obra de Itaipu. O topógrafo contou sua história. Falou da mulher grávida, da filha e da frustração por não ter ido ao aeroporto se despedir delas.
Da Civil foi conduzido para a Delegacia da Polícia Federal, onde dormiu, depois de nova qualificação e interrogatório. No dia seguinte foi levado para o Batalhão onde ficou três semanas no xadrez. Durante este período novos interrogatórios e ameaças de tortura. Naquela época ainda havia no Batalhão uma sala com diversos aparelhos de tortura. Os últimos presos supliciados na “sala de terror” foram os professores Luíz e Izabel Fávero. Ela estava grávida e abortou depois de uma sessão de choques elétricos.
Os militares estavam convencidos que Paulo José era um perigoso subversivo, membro de alguma célula comunista existente no Canteiro de Obras. Para tanto eles se escoravam em informações fornecidas pelo Centro de Informações do Exército- CIE, que davam conta que um colega do topógrafo na Usiminas havia sido preso como subversivo em 1964. Outro dado também considerado importante pelos militares, era de que uma tia de Paulo José era casada com o tio do padre Geraldo da Cruz, preso em 1967 por ser membro de uma congregação religiosa “suspeita de subversão”.
Apesar de não terem nenhum motivo para manter o topógrafo preso, os militares o mantiveram num cubículo durante vinte e dois dias. Por ultimo foi fichado como subversivo e demitido da Planta Engenharia S.A.
O cerco aos jornais e jornalistas
1. Jornal fechado e diretor mandado embora de Foz
Em 18 de setembro de 1974 surgiu em Foz do Iguaçu um jornal tamanho standard e impresso no sistema offset. Dirigido por Waldomiro de Deus Pereira, que tinha como sócios Norival de Souza e Mário Teixeira, o Jornal Binacional, levava estampado embaixo do título a frase: “Veículo da região de Itaipu para o Brasil e Paraguai”. A redação do novo órgão de imprensa da cidade era na rua Edmundo de Barros e a impressão da primeira e única edição foi na Editora Lítero Técnica, localizada na Rua Alferes Poli, 299, em Curitiba.
Nesta mesma época circulava na cidade o Mini Informativo, de Ignez Sanches de Cristo e a revista Painel, de José Vicente Tezza, que até hoje resiste bravamente.
A edição do Jornal Binacional, que circulou em 18 de setembro de 1974, dedicou seis de suas dez páginas a situação dos colonos que tiveram suas terras desapropriadas na localidade de Santo Alberto, situada nas proximidades do Parque Nacional do Iguaçu.
“Expropriados pedem sindicância federal”, foi a manchete de capa acompanhada de um texto em que a direção do jornal fez questão de dizer que a pretensão da matéria “não era de contestar a ação do governo em desapropriar a área da antiga Gleba Silva Jardim, nem tampouco criticar ou fazer restrições, já que a confiança no Governo da Revolução é irrestrita”.
Depois dessa alisada no governo dos generais, o jornal criticou a forma como estava sendo feita a desapropriação dos pequenos proprietários pelo Incra. Esses colonos, quase todos pioneiros de Foz do Iguaçu estavam sendo tirados de suas propriedades e transferidos para o Projeto Integrado de Colonização, PIC-OCOI, em São Miguel do Iguaçu. Enquanto as benfeitorias eram pagas por um terço do seu valor e as terras com títulos da dívida pública, as novas propriedades no PIC-OCOI eram vendidas aos colonos com financiamento a juro de mercado.
As seis páginas do Binacional dedicadas ao caso dos despejados de Santo Alberto, mostram, por meio de depoimentos e fotografias, a situação de miséria das famílias de agricultores e o clima de apreensão que dominava a região.
Não deu outra, a matéria não agradou os militares e Waldomiro foi intimado a comparecer ao Batalhão. Lá, ele foi severamente interrogado. Queriam saber se o movimento de resistência dos colonos era orientado por organizações subversivas. Depois de ficharem o jornalista mandaram que ele juntasse seus pertences e fosse embora da cidade. Os órgãos de informações da repressão continuaram controlando os passos do jornalista e a última anotação sobre ele no arquivo da PF data de 24 de fevereiro de 1975 e diz que Waldomiro estava trabalhando na Tribuna de Cianorte.
2. Paulo Martins aborta manifesto democrático
Numa tentativa de conter uma previsível vitória oposicionista nas eleições de 1978, o general Ernesto Geisel apertou o cerco e em 1977, após fechar o Congresso por duas semanas, introduziu uma série de medidas conhecidas como o “pacote de abril”, alterando as regras eleitorais com intuito de beneficiar o partido do governo (Arena).
Inconformado com estas medidas Beliamino Júlio Miotto, diretor da Rádio Colméia, de Cascavel, mandou divulgar uma nota escrita pelo jornalista Leopoldo Sefrin Filho, que por meio de metáforas repudiava as novas medidas ditadas pelo ditador.
Ao tomar conhecimento que o texto seria lido pelos locutores da Colméia durante a programação, o então gerente da emissora Paulo Martins, ativo informante dos órgãos de repressão, foi até o estúdio e recolheu o documento, levando-o para o chefe da 2ª Seção, do Grupamento do Exército em Cascavel.
Este fato está registrado entre os milhares de documentos que fazem parte do acervo do arquivo da Polícia Federal de Foz do Iguaçu. Anexado a papelada que trata do caso está o texto que teve sua leitura abortada: “Acaba de falecer esta manhã a respeitável senhora democracia, vítima de mal ainda desconhecido, após recesso parlamentar. Segundo fontes oficiais, a senhora democracia foi acometida possivelmente de um vírus denominado fechamento de questão em torno do caso.
A defunta está sendo velada no lado de fora do salão do Congresso Nacional, após o Presidente da República ter levado um “pacote” de velas ao santuário judicial esta manhã.”
3. Texto de Rui Pires foi parar nas mãos de delegado
Outro caso envolvendo jornalista, aconteceu com Rui Pires, que em 1975 trabalhava na Rádio Matelândia. Num certo dia de outubro, indignado com a situação do País, ele escreveu uma nota que lhe rendeu muitos aborrecimentos. O texto escrito numa máquina Remington da redação era um protesto contra a supressão de eleições nas capitais e municípios localizados nas áreas consideradas de segurança nacional. “O atual regime se diz democrático. Por que então a supressão de autonomia das capitais e dos municípios da fronteira, quando o artigo 1º da Constituição afirma que “todo o poder emana do povo e em seu nome será exercido”, escreveu Pires.
Pois bem, o jornalista esqueceu sobre sua mesa folha de papel datilografada e ela foi parar nas mãos do Delegado de Polícia, 2º sargento PM Benedito Camargo, que a encaminhou ao major responsável pela 2ª Seção do Batalhão.
Rui Pires foi intimado para depor, demitido da Rádio Matelândia e durante anos seus passos passaram a ser controlados pelos agentes dos serviços de informações. Mais tarde foi para Marechal Cândido Rondon, onde se destacou trabalhando na imprensa local e ocupando cargos relevantes na prefeitura local.
4. Baixo meretrício e comunismo internacional
Os arquivos da repressão estão repletos de casos semelhantes aos narrados acima. Vale ainda registrar uma reportagem publicada pelo jornal Hoje Rondon , que era dirigido pelo jornalista Sefrin Filho, e que movimentou a 2ª Seção do 1º Batalhão de Fronteira e deu origem a extensos relatórios.
A matéria que deixou os militares arrepiados foi sobre as condições de vida das mulheres que viviam na Zona de Baixo Meretrício de Rondon. Algumas mulheres foram entrevistadas e contaram para a reportagem a sua origem e como foram parar na prostituição. Quase todas as moradoras da ZBM declararam que eram oriundas do campo.
Apesar da matéria registrar um problema social, real e contemporâneo os militares redigiram o Encaminhamento nº 9S2-78, de 26 de abril de 1978. Diz o documento oficial que “A reportagem do Hoje Rondon – Este jornal foi pra Zona de Meretrício – causou uma reação de revolta e muitas críticas por parte da população do município, tendo em vista o seu teor desagregador da família e em acordo com o esquema subversivo elaborado e preconizado pelo Movimento Comunista Internacional.”
Outro veículo de imprensa, a revista Painel, decana da imprensa iguaçuense, também foi investigada pelos órgãos de repressão. Os olhos e ouvidos dos arapongas estiveram voltados para a revista de José Vicente Tezza por conta dos incisivos e corajosos artigos do advogado Antônio Vanderli Moreira, então presidente do Diretório Municipal do MDB.
Devido as suas vigorosas críticas ao regime discricionário e também pela sua militância social, como foi a heróica defesa dos colonos desapropriados de Santo Alberto, Antônio possui polpudos prontuários nos órgãos de repressão política de Foz do Iguaçu.
A coletiva de
Costa Cavalcanti
Em 15 de outubro de 1981, o general Costa Cavalcanti convidou a imprensa da região para uma coletiva. Foi a primeira desde que ele se instalou aqui para comandar a construção da Hidrelétrica de Itaipu. Arrogante e fazendo questão de demonstrar ares de superioridade, o general quando vinha à Foz do Iguaçu se fechava no Hotel Bourbon e esnobava a imprensa e os políticos da província.
Às 8h da manhã, o grupo de jornalistas foi recebido no Centro Executivo e ficou até às 10h assistindo a projeção de slides e audiovisuais, acompanhados por explicações do empedernido diretor brasileiro da Itaipu Binacional.
Ao término da sessão encher lingüiça chega a hora da tão esperada entrevista. Homem de caserna, acostumado a dar ordens e ainda mais numa época em que os militares eram ainda os todo-poderosos, o general começou ditando regras para os jornalistas.Uma pergunta para cada um e fim de papo. Sua tática para evitar o confronto com a imprensa era ocupar a maior parte do tempo com projeções e palestra, para depois alegar falta de tempo e encurtar a coletiva. Outra tática era falar com os jornalistas como se estivesse comandando um ensaio de ordem-unida.
Emir Sfair, um raposão da imprensa paranaense e diretor do jornal O Paraná, de Cascavel, arriscou fazer duas perguntas e foi cortado rispidamente: “Chega! . É uma pergunta para cada um”. Quando o Hélio Winter, da Rádio Difusora, de Rondon, ensaiou fazer uma pergunta, o general o deixou falando sozinho e pediu para que a representante do Jornal do Brasil falasse. “Quero ouvir uma voz feminina, depois você fala”. Hélio Teixeira, que naquela época era o correspondente da revista Veja no Paraná, quis saber o que pensava a Itaipu sobre certo assunto e foi cortado abruptamente por Costa Cavalcanti: “Itaipu não pensa meu filho, quem pensa são os governos do Brasil e do Paraguai”.
O momento mais tenso da entrevista foi quando o general de forma ríspida impediu que o repórter Miguel Tanamati, da TV Paranaense, terminasse de formular sua pergunta. Ele queria saber se possíveis mudanças nas políticas internas no Brasil ou Paraguai poderiam influir no Tratado de Itaipu. Do alto de sua prepotência o homem forte da ditadura deu de dedo e disse para o repórter: “Você está sendo inconveniente”.
Dito isso largou o microfone em cima da mesa e retirou-se do auditório acompanhado por seus assessores.
A comunidade árabe e os delírios
dos “arapongas”
Não é de hoje que a comunidade árabe de Foz do Iguaçu e Ciudad del Este vem sendo vítima de perseguições. Data de setembro de 1970, uma onda de investigações desencadeadas pela “Turma de Ordem Política e Social”, do Departamento de Polícia Federal, para investigar os membros da colônia.
Um boletim com carimbo de confidencial, com o título “Atividade das Organizações Terroristas Árabes em Foz do Iguaçu”, acusa vários comerciantes de origem libanesa, de terem respaldado o assassinato de Edna Peer, secretária da Embaixada de Israel em Assunção, ocorrido em maio daquele ano.
Apesar de não possuírem nenhuma prova que comprometesse os membros da colônia árabe, os responsáveis pelas investigações relataram aos seus superiores, que Mohsen Ali Sakar, Ahmed Ibrain Barakat, Alif Zakariya Ashilita, Mohamed Ali Sakar e Abdul Nagib Said Rahal, todos residentes e estabelecidos em Foz do Iguaçu, teriam dado apoio ao atentado.
Depois de submetidos ao constrangimento dos interrogatórios, os comerciantes de origem libanesa foram libertados por falta de prova.
Como este fato ocorreu em plena ditadura militar, quando os cárceres estavam lotados de presos políticos e a tortura e o assassinato dos dissidentes políticos eram habituais, não faltaram os alcagüetes, que faziam plantão na Divisão da Polícia Federal.
Fazendo coro aos caçadores de “terroristas árabes” em Foz do Iguaçu o temível chefe do Dops no Paraná,Ozias Algauer, enviou em 15 de setembro de 1970, ofício nº 698/70, também com carimbo de confidencial, solicitando ao delegado de polícia de Foz do Iguaçu informações sobre a ideologia dos membros da comunidade árabe alvos da investigação.Ozias Algauer é conhecido por ter chefiado em Curitiba as torturas aos prisioneiros políticos. A investigação encomendada por Ozias Algauer, cujo nome consta na lista de torturadores elaborada pelo Tortura Nunca Mais, também acabou em nada. Com os resultados das diligências caíram por terra as intrigas, oriundas dos serviços secretos de Israel e dos Estados Unidos.
A greve de fome dos vereadores
Em 1982, o governo militar estava enfraquecido e o regime esgotado. Inflação em alta, classe média descontente e greves operárias no ABC paulista. As eleições daquele ano seriam diretas e para evitar uma grande derrota o governo tomou uma série de medidas, como: formação de novos partidos, proibição de coligações, voto vinculado (os eleitores deveriam votar em candidatos do mesmo partido), fim do voto de legenda e continuidade da Lei Falcão (a propaganda eleitoral se restringia a divulgação do currículo dos candidatos). Mesmo com todas essas medidas o governo perdeu feio.
Após as eleições de 1982, começou em todo o país a luta por eleições diretas.
Aqui em Foz do Iguaçu, algumas vozes clamavam pelo retorno da autonomia do município, com eleição para prefeito. Desde 4 de junho de 1968, os municípios de Foz do Iguaçu, Barracão,Capanema,Guairá, Medianeira, Marechal Cândido Rondon, Pérola do Oeste, Planalto, Santo Antônio do Sudoeste e São Miguel do Iguaçu, foram declarados áreas indispensáveis à segurança nacional. Os prefeitos desses municípios, juntamente com Santa Helena, que seria incluída depois, eram interventores nomeados pelo governador, mediante prévia autorização do presidente da República.
Em Foz do Iguaçu, o movimento emancipacionista crescia, com manifestações em frente à Prefeitura. Na Câmara Municipal o clamor das ruas repercutia nos discursos categóricos de Evandro Stelle Teixeira, Severino Sacomori, Emerson Wagner e outros vereadores.
Em 1983 foi criado o Conam (Comitê Nacional de Autonomia dos Municípios), que teve o então deputado estadual Sérgio Spada, juntamente com Gernote Kirinus, Caito Quintana e José Fonseca como seus primeiros membros.
Apesar do clamor popular, e das atividades do Conam a reconquista de eleições nos municípios considerados estratégicos não saía. Neste rol estavam capitais, as estâncias hidrominerais, os municípios da chamada faixa de fronteira e as cidades portuárias e industriais consideradas estratégicas.
Foi então que em 11 de fevereiro de 1984, o prefeito nomeado, coronel Clóvis Cunha Vianna, oficializou no dia 11 de fevereiro de 1984, nove anos após sua nomeação, seu pedido de afastamento. Hostilizado pela população, o coronel reformado e engenheiro da Itaipu, já havia anteriormente manifestado ao Conselho de Segurança Nacional sua intenção de entregar o cargo.
Entretanto, a demora na nomeação de um novo prefeito, levou com que cinco vereadores: Emerson Wagner, Severino Sacomori, Justino Bianco, João Kuster e José Arceno, entrassem em greve de fome, para pressionar o governo a se definir por um dos três nomes indicados numa lista tríplice, confeccionada em comum acordo entre o PDS e PMDB.
O PMDB contava como fava contada que seu indicado, Nadir Rafain fosse o novo prefeito nomeado. Os outros nomes eram Mário Boff (PDS ligado a Canet Júnior) e Wádis Benvenutti (PDS com alguma articulação nos meios militares). Por fora corria o engenheiro Sérgio Levy, apadrinhado pelo general Costa Cavalcanti, então diretor da Itaipu e um dos homens fortes do regime.
A greve de fome dos vereadores
II
No dia 11 de fevereiro de 1984, o coronel Clóvis Cunha Vianna oficializou o seu pedido de afastamento do cargo de prefeito. Nove anos antes, ele havia chegado a Foz do Iguaçu., sob o manto protetor do general Costa Cavalcanti, para assumir a chefia do Poder Executivo. Semanas antes de sua renúncia, Vianna já havia manifestado ao Conselho de Segurança Nacional seu interesse em ir embora de Foz do Iguaçu.
Foram dias tumultuados aqueles que precederam o afastamento do coronel reformado. Quase que diariamente os partidos de oposição faziam manifestações em frente à prefeitura, pedindo a renúncia de Vianna e clamando por eleição direta para prefeito. O município de Foz do Iguaçu estava sob intervenção federal desde quatro de junho de 1968, quando foi declarado “área de segurança nacional”.
Agradando os militares
A notícia de que o coronel nomeado prefeito estava entregando o cargo deflagrou uma corrida para ocupar o cargo. O PMDB se achava com direito, por ser o partido o então governador José Richa. Por outro lado o PDS se considerava dono do cargo, por ser o partido do presidente João Figueiredo e do general Costa Cavalcanti.De olho na nomeação surgiram no PMDB os nomes de Nadir Rafain, Mário Boff, Salvador Ramos e Álvaro Albuquerque. Pelo PDS se apresentaram, Wádis Benvenutti, Tércio Albuquerque, Paulo Mac Donald e Sérgio Lobato. Por fora, corria o engenheiro Sergio Levy, nome preferido do general Costa Cavalcanti.
Naqueles dias a maioria desses candidatos à nomeação corria atrás de comendas, certificados, menções e tudo que provasse lealdade aos militares. Lobato chegou a tirar do baú um surrado certificado de reservista, Wádis Benvenutti, fez questão de mandar fazer e pendurar um quadro com o certificado da Associação dos Diplomados na Escola Superior de Guerra.
Depois de muitas reuniões, viagens à capital, golpes nos diretórios e acusações, PDS e PMDB, chegaram a um acordo e elaboraram uma lista tríplice, com os nomes de Wádis Benvenutti, Mário Boff e Nadir Rafain.
Com o coronel Vianna de malas prontas, a lista foi enviada para as “instâncias superiores”.
Passaram-se dias, semanas e nada de nomeação. A demora levou com que os vereadores José Arceno, Sérgio Lobato, Severino Sacomori, Emerson Wagner e João Kuster deflagrassem uma greve de fome para acelerar a nomeação.
Enquanto a greve dos cinco vereadores chamava a atenção da opinião pública e da mídia, acusações mútuas rolavam dentro do PDS e PMDB. Paulo Mac Donald acusava os vereadores grevistas, de estarem a serviço de Tércio Albuquerque para tumultuar o processo de escolha. Dentro do PMDB, a ala jovem acusava Dobrandino e Zizo de terem queimado os nomes de Mário Boff e Nadir Rafain, depois de não conseguirem emplacar Salvador Ramos na lista tríplice.
A greve dos vereadores
III
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Alegando demora para a nomeação de um novo prefeito, os vereadores Severino Sacomori, Emerson Wagner, José Arceno, João Kuster, Sérgio Lobato, entraram no início do mês de fevereiro em greve de fome. A greve durou oito dias, tendo apoio e desaprovação das facções tanto do PDS quando do PMDB, únicos partidos com assento na Câmara Municipal.
Ás 15 horas do dia 8 de fevereiro a greve de fome teve o seu desfecho. Na presença de dois canais de televisão (Naipi e Tarobá), rádios e jornais, o vereador João Kuster engasgou a voz e mal conseguiu terminar de ler a mensagem de agradecimento. As lágrimas correram pela face do vereador e ele mal pôde pronunciar que a greve dos cinco vereadores era oferecida ao povo de Foz do Iguaçu. Enxugando as lágrimas, o vereador Sérgio Lobato homenageou Severino Sacomori e José Arceno que foram internados na Santa Casa Monsenhor Guilherme. Lobato afirmou para a imprensa que a greve havia sido encerrada porque a questão sucessória vinha apresentando um quadro favorável.
Terminada a solenidade na Câmara, os vereadores que fizeram a greve dirigiram-se à Santa Casa Monsenhor Guilherme para encontrar-se com Arceno e Sacomori que foram internados dias antes. O encontro foi emocionante e entre abraços e lágrimas, José Arceno com seu vozeirão exclamou: “Graças a Deus, tudo terminou!”
Por fim, depois de marchas e contramarchas a lista tríplice contendo os nomes e currículos de Mário Boff (PMDB), Nadir Rafagnin (PMDB) e Wádis Benvenutti (PDS), foi entregue no início da segunda quinzena de março de 1984, para o governador José Richa (PMDB). A lista passaria ainda pelo crivo do Conselho de Segurança Nacional, para então ser aprovada pelo presidente da República, na época general João Figueiredo.
No início de março de 1983, chega a notícia de que Wádis Benvenutti havia sido escolhido. Seria ele, o último prefeito nomeado de uma série que havia começado em quatro de junho de 1968, quando Foz do Iguaçu, juntamente com outros dez municípios do oeste e sudoeste do Paraná haviam sido declarados pela ditadura militar “áreas indispensáveis para a segurança nacional”. Foram quase dezoito anos de atraso para estes municípios.Por terem suas lideranças castradas durante o período de exceção do Estado de Direito surgiram nestes municípios castas que passaram a ter poder político e econômico graças ao apoio dos militares.
Os municípios considerados “área de segurança nacional” só voltaram a eleger seus prefeitos depois que entrou em vigor o decreto-lei 2.183, assinado pelo general João Figueiredo em 19 de dezembro de 1984, que devolveu a autonomia clamada nas ruas e praças do interior do Brasil.
A noite do desabafo
Eu venho acompanhando os acontecimentos da Câmara Municipal há cinco legislaturas. Há vinte anos a história vem se repetindo. Vereadores são eleitos por determinado partido e alguns meses após a posse mudam de mala e cuia para o partido do prefeito.
Até que antes a troca de partido não era tão descarada. Lembro-me do escândalo que foi armado quando a Zuleide Ruas Lucas trocou o MDB pela Arena. Isso aconteceu no final da década de 70. Naquela época o prefeito era o coronel Clóvis Cunha Viana.
Mas a degringolada começou mesmo foi em 89, quando um grupo expressivo de vereadores eleitos pelo PMDB acompanhou o então prefeito Álvaro Neumann em sua mudança para o PSDB. Neumann, eleito pelo PMDB, rompeu com Dobrandino, que pretendia continuar dando as cartas na prefeitura.
O velho cacique foi à guerra denegrindo pelos quatro cantos da cidade o seu sucessor. Dobrandino, havia sido prefeito com mandato tampão no período 86/88. A campanha de 92 a disputa polarizou entre os candidatos Dobrandino e Sérgio Beltrame e foi marcada pelos discursos enfurecidos dos peemedebistas contra Álvaro Neumann, seu candidato e a bancada do PSDB. Eleito com expressiva votação Dobrandino tratou em seguida de dominar a Câmara Municipal. Graças às articulações de Zizo e as benesses do poder vereadores tucanos deixaram o ninho e voltaram para o PMDB de cabeças baixadas..
Dobrandino manteve a maioria esmagadora até o final de seu mandato. Na gestão seguinte (93/96), os articuladores passaram a ser Paulo Ynoe e Adilson Rabelo. Dessa vez foram os peemedebistas, de carteirinha ou não, que passaram a apoiar Daijó e, em troca de alguns favores, votaram, inclusive, pela rejeição das contas do ex-chefe. Aliás, este foi o motivo pelo qual Dobrandino teve seus direitos políticos suspensos.
Naquela ocasião, o diretório do PMDB, reunido em peso na Chácara do Pinheiro, declarou guerra aos “traidores”. Zizo chegou a acusar aqueles vereadores de terem sido comprados. “Todos eles comiam na casa do Dino e agora viraram o cocho”, declarou irritado o irmão mais velho na histórica reunião de casa cheia, conhecida como “a noite do desabafo”.
Reunidos em clima de alta emoção os peemedebistas deram início mais uma vez a caça às bruxas.Vingança e expulsão eram as palavras-de-ordem mais ouvidas. Os vereadores do PMDB e dos partidos aliados, que votaram a favor da rejeição das contas de Dobrandino, foram satanizados e taxados de traidores, enquanto Vânio e Adilmar Sartori saíram da reunião consagrados como heróis e guerreiros peemedebistas. Dias antes,Vânio, filho de Zizo, sobrinho de Dobrandino e primo do atual prefeito Sâmis da Silva, havia sido acusado de falta de decoro e por isso suspenso, com o voto, inclusive, de seus correligionários, para ser julgado por uma Comissão Processante. O único voto que teve a seu favor foi do amigo Adilmar Sartori. Os demais seguiram o Rabelo que pedia a cabeça do filho de Dobrandino numa bandeja.
Hoje, a história se repete. Muitos daqueles que foram considerados traidores estão ocupando cargos e voltaram para o PMDB. É como disse Dobrandino na reunião do perdão, realizada dia desses na sede da rua Santos Dumont, “um bom filho a casa torna”. “Ainda mais quando a casa é opulenta e a mesa é farta”, completou uma veterana militante peemedebista.
A quem
Interessar possa
Dias atrás, numa daquelas tardes em que a temperatura estava em torno dos 40 graus, um grupo de garotos da Favela da Guarda Mirim limpava um terreno ali das proximidades. Lá pelas tantas os bracinhos finos, que mal conseguiam segurar as ferramentas, pararam de bater com as enxadas na terra e o sonho do campinho de futebol foi adiado.
Desanimados, os meninos foram sentar à sombra de um abacateiro onde desde cedo estavam reunidos alguns viciados. Que merda! Aquilo me chocou e saí a campo para conversar com os meninos, seus pais e demais moradores da favela.
Apresentei para eles a idéia da construção de um espaço para a prática de esportes e cultura. Todos toparam na hora. Mão-de-obra é que não falta na favela. Lá tem pedreiros e dos bons - são eles que constroem as mansões e levantam os edifícios no centro; tem eletricistas, marceneiros, pintores e encanadores.
Terreno, há vários. Um deles (aonde os meninos capinavam) pertence ao João Batista, da Fronteira Outdoor. Outro, de esquina, que é ideal para o projeto, pertence ao guia de turismo, Jorge Dorneles. Ele o vende por R$ 20 mil.
Não é difícil juntar dinheiro e comprar um desses terrenos. Basta formatar o projeto, ter uma Ong para as formalidades e ir a luta. Os meninos da Favela da Guarda Mirim querem superar a exclusão a que estão sendo condenados.Eles estão a fim de praticar esportes, fazer cultura, ser cidadãos. Portanto, avante empresários, sindicatos e clubes de serviço. Vamos sair do casulo e do corporativismo e sermos co-responsáveis.
Faço esta proposta simples, concreta e direta porque já cansei de tanta ladainha, de tanta lengalenga e divagações em torno da miséria e da fome, que aliás estão virando modismo entre socialites e empreiteiros
Para mostrar que não é mais um blábláblá, eu, funcionário público federal aposentado e jornalista - portanto cidadão de parcos recursos - entro nessa corrente contribuindo com a totalidade de meus proventos por três meses.
Amargas lembranças
Cheguei em casa por volta das nove horas da manhã. Era primeiro de abril de 1964 e eu havia ido apanhar algumas mudas de roupa e me despedir de meus pais. Mamãe estava na cozinha quando chegamos, eu e o Aquiles. Ela abaixou o volume do rádio, que naquele dia transmitia somente marchas e dobrados, tirou o avental e nos recebeu com beijos. Não foi nem preciso que eu lhe dissesse o porquê de chegar, assim, sem mais nem menos. Com sua intuição sutil ela percebeu o que estava acontecendo.Sabia que eu estava indo em direção ao desconhecido. Por isso não disse nada. Preparou o café com leite, destapou a manteigueira e enquanto eu e Aquiles nos servíamos ela ficou muda. Tomamos o café em poucos minutos e ela nos acompanhou até o portão. Beijei-lhe a face molhada pelas lágrimas de seu pranto mudo e fui. Eu tinha 21 anos e Aquiles, acho que um pouco menos. Nosso plano era ir direto para o Sindicato dos Operários Navais de Niterói, onde faríamos contato com a resistência contra os golpistas. Porém, nem descemos do ônibus. O sindicato, os estaleiros e os bairros operários estavam ocupados pelos fuzileiros. Fomos direto para o apartamento de Aquiles. Assim que entramos Geraldo Reis levantou-se da poltrona e disse: “Vamos para a Amaral Peixoto. É hora de resistir”. Foi assim que de improviso, no dia primeiro de abril de 1964, fizemos a primeira manifestação popular contra o golpe em plena avenida principal de Niterói. Assim que terminou a passeata, Geraldo me abraçou e disse: “Essa merda não vai durar muito tempo”.
Os golpistas ficaram no poder por mais de vinte anos. Geraldo foi perseguido e demitido de seu emprego na Coletoria de Rendas e do colégio onde lecionava. Trocou o apartamento por uma casa modesta e morreu de tristeza anos depois. Eu fui para a clandestinidade e Aquiles seguiu carreira musical, fazendo da arte uma forma de participar da luta contra a ditadura.
Conto isso porque neste final de semana nos reencontramos 39 anos depois. Aquiles veio a Foz, com os seus três companheiros de MP4 para uma apresentação no Ipê Clube. Conversamos essencialmente sobre nossa juventude em Niterói e nessa viagem pelo tempo eu me reencontrei com meu passado e avivei passagens que o tempo havia apagado de minha memória.
Os caraiguassu e
os árabes da fronteira
As blitze que os órgãos policiais do Paraguai andam fazendo nas lojas de Ciudad del Este, sob alegação de buscar terroristas, me fazem lembrar de um fato acontecido há 16 anos. Naquela época quem mandava no país vizinho era o todo-poderoso general Alfredo Stroessner e a atual Ciudad del Este levava o nome do ditador.
Apesar de desconfiados e de pouco falar, quando se trata de estranhos, os paraguaios são possuidores de uma sátira picante que usam e muito bem para denominar àqueles que desprezam. E o fazem muito bem em tom de deboche. Os dedos duros são conhecidos como piragues e caraiguassú aqueles que estão por cima. Os soldados da repressão eles chamam de para-í , o que em português seria algo como pintadinho, numa alusão ao uniforme de campanha.
Pois bem, no dia 11 de janeiro de 1985, os para-í saíram de seu acampamento no quilômetro 28 e deram batidas em várias casas comerciais da hoje Ciudad del Este. Chefiados pelo coronel Cabrera Cardun, os soldados saquearam mais de dez estabelecimentos comerciais. Em sua sanha os homens de Cardun depenaram o Hotel Hernandárias, a Comercial São José, a Casa Alberta, o Hotel Hernandárias, o Supermercado Neide, a Casa Portilho, o Restaurante Fama e outros. O barbarismo dos para-í chegou a tal ponto que 45 mil guaranis “sumiram” do Hotel Hernandárias.
Esse acontecimento revoltou os comerciantes da cidade vizinha. Que formaram uma comissão para falar com o então governador do Departamento do Alto Paraná, Antônio Sarubbi. Posando de patriarca e demonstrando solidariedade com seus conterrâneos Sarubbi abriu os braços e disse para todos: “Que lástima mis hijos. Eso es cosa de los caraiguassu. No hay nada que hacer”.
Passados 16 anos, os que estão por cima continuam dando ordens, atropelando leis e direitos. As recentes invasões nos estabelecimentos de comerciantes de origem árabe são um exemplo disso. A diferença é que antes as ordens partiam de Assunção, agora elas saem de Washington e com apoio da mídia internacional, notadamente da CNN.
De olho na imprensa
Seguindo a linha desta coluna, que é contar fatos da história não oficial de Foz do Iguaçu, a partir desta edição a imprensa será a pauta.
O primeiro caso, que se tem conhecimento e documentado, de controle policial da imprensa iguaçuense data de 1959. O Chefe de Polícia do Estado do Paraná, Pinheiro Junior, zeloso em seu afã de descobrir atividades comunista na região de fronteira, enviou telegrama ao Tenente Carlos Pinto, delegado regional de polícia de Foz do Iguaçu, solicitando um exemplar do jornal O Trabalhador, que era editado por Francisco Guaraná de Meneses. Naquela época qualquer atividade, desde círculos de estudos, entidades filantrópicas ou beneficentes, até jornais e revistas que fizessem alguma alusão ao trabalhador, operário ou proletário era alvo de investigação.
Por meio do ofício de número 121, o tenente enviou em 29 de maio de 1959 um exemplar d’O Trabalhador para Curitiba. No dia dois de junho do mesmo ano, Pinheiro Junior encaminhou o jornal, acompanhado do ofício originado de Foz do Iguaçu, ao chefe do DOPS, onde o assunto foi arquivado. O periódico iguaçuense trazia em suas páginas apenas notícias e artigos de variedades e de interesse da comunidade.
Fac- símile
Fac- símile
Fac-símile
Na próxima edição, as investigações do Serviço Nacional de Informações (SNI) sobre um artigo sobre corrupção na prefeitura de Foz do Iguaçu, assinado por Sady Maria Bordim e publicado em 31 de outubro de 1967, pelo jornal O Estado do Paraná.
De olho na imprensa
Em 1967, os órgãos de informações ficaram assanhados e de prontidão depois da publicação, como matéria paga, no jornal O Estado do Paraná, de um artigo que levou o título “Terra de Ninguém”. O artigo, assinado por Sadí Bordin, continha denúncias de corrupção na prefeitura de Foz do Iguaçu.
Em caráter confidencial, o Serviço Nacional de Informações (SNI), enviou à Delegacia de Ordem Política e Social (DOPS) do Paraná, em sete de setembro
De 1967, pedido de busca de número 533, solicitando dados sobre o autor da matéria, os motivos que o levaram a escreve-la e o nome dos outras três pessoas, que segundo informação da diretoria do jornal, também seriam responsáveis pelo artigo..
No mesmo documento o SNI informou que a publicação havia custado dois mil cruzeiros novos e que o pagamento foi efetuado com cheque do Banco Nacional do Comércio, datado de 27 de outubro de 1967.
Em resposta ao ofício do SNI, o delegado de polícia de Foz do Iguaçu informou, por meio de ofício datado de 22 de janeiro de 1969, que além de Sadí Bordin, os outros responsáveis pelo artigo “Terra de Ninguém”, foram
Júlio Rocha Netto, Evandro Stelle Teixeira e Emerson Wagner, que segundo o policial seriam inimigos do prefeito.
Como se vê, a prática de controlar a imprensa é um vício maldito dos regimes ditatoriais. Naquele período negro de nossa história recente, a crítica aos governantes era impedida até mesmo como matéria paga.
Devido a autoria da matéria denunciando corrupção na Prefeitura, os nomes de Sadi, Julio Rocha, Evandro Teixeira e Emerson Wagner, passaram a constar nos arquivos dos órgãos de repressão. Quanto ao prefeito e suas maracutaias nada foi feito. Não houve sequer a apuração dos fatos denunciados.
Dobrandino e os grãos
do Jaime de Oliveira
Jaime de Oliveira subiu todo estabanado os dois lances de escada da prefeitura. Dobrandino havia assumido poucos dias antes e naquela tarde calorenta de janeiro a sala que antecede o gabinete estava cheia. Eram secretários esperando para despachar, empreiteiros para fechar negócios e outros que diziam estar ali apenas para cumprimentar o prefeito recém empossado. Alvir Preissner, que era o chefe de Gabinete, pediu para o Jaimão, que suava às bicas, esperar um pouco. Sérgio Marder, o homem da Redran, balbuciou que era sua vez de ser atendido. Plantado junto à porta que dá acesso ao gabinete do prefeito, o diretor de Administração, Elói Lohman, segurava uma pilha de pastas.
Mas o velho jornalista, editor do semanário Tríplice Fronteira, não quis saber de ficar tomando cafezinho e jogando conversa fora. Ele estava convencido de que sua missão era mais essencial que o dia-a-dia burocrático da administração pública. De súbito, Jaimão segurou a maçaneta, abriu a porta e foi entrando na sala aonde o prefeito despachava com o secretário da Fazenda, Hugo Galeano. “Dobrandino eu tenho aqui uma coisa muito importante para te mostrar”, disse o Jaimão com aquele vozeirão que era a sua característica. Pasmo, pela audácia do jornalista, Alvir entrou na sala e olhou pro Dobrandino esperando uma “mijada” do chefe. “Eu já disse pra ele que essas coisas de verbas para a imprensa é lá embaixo na Comunicação”, disse o Chefe de Gabinete, tentando explicar aquela entrada repentina e impetuosa do veterano jornalista na sala do todo-poderoso.
“Que mané verba, cara, não vim aqui pra isso”, disse o Jaimão enquanto tirava uns potes de uma sacola de plástico, enfileirando-os em cima da mesa, junto aos decretos, portarias e a posição financeira do Município que Hugo estava apresentando ao prefeito. Eram cinco ou seis os recipientes de vidro, que um dia devem ter servido para embalar nescafé ou maionese. Dobrandino olhou as vasilhas sobre a mesa e perguntou: “Que é isso, algum veneno ou é macumba da braba?”.
Foi então que o velho Jaime de Oliveira com voz impostada disse solenemente: “Aqui está a solução para resolver o problema da fome”. Em seguida ele abriu um dos potes, esparramou alguns grãos em cima do vidro que cobria a mesa do prefeito e disse: “Pegue Dobrandino, experimente”. Impaciente, o cacique político, apanhou um punhado daqueles grãos e os levou a boca. Deu uma mastigada, engoliu, e com cara de quem não estava entendendo nada olhou pro Hugo, pro Alvir e disse dirigindo-se ao Jaime: “E agora, diga logo quanto você quer de verba”.
Emburrado, o velho jornalista juntou seus potes, pôs todos eles na sacola de plástico e saiu do gabinete subitamente, do mesmo jeito que havia entrado. Antes, porém, disse bem alto para todos ouvirem: “Prefeito, o senhor não captou a minha mensagem”.
É do Paraguai
Entusiasta pelas causas de Foz do Iguaçu, Sérgio Lobato não deixa por menos quando o assunto é turismo. Obstinado, ele insiste, articula e acaba conseguindo levar adiante suas idéias.
Em 1994, Lobato liderou uma excursão de empresários e políticos a São Paulo com objetivo de divulgar nossos atrativos turísticos. Organizou um jantar no Bourbon paulista e convidou agentes de viagem e a imprensa especializada.
O prato principal do banquete seria carne de paca. Lobato fez questão de dizer que seria uma forma de mostrar ao trade paulista a variedade de nossa fauna silvestre.
Por volta das nove horas da noite as mesas do restaurante do hotel já estavam todas ocupadas. Agitados, maîtres e garçons andavam ligeiros de um lado para outro servindo bebidas e tira-gostos, enquanto os convidados esperavam ansiosos a iguaria que seria oferecida por Foz do Iguaçu.
Repentinamente um bochinche toma conta do salão. Alguém havia alertado que repórteres do Estadão estavam para chegar e iriam denunciar o jantar como uma agressão ao meio ambiente. Não deu outra, os maîtres foram chamados para comparecerem ao escritório e depois de algum tempo voltaram anunciando que o prato principal seria substituído por um tradicional virado paulista.
Contrariado pela mudança de última hora, Lobato foi pro meio do salão e exclamou: “Pra que isso minha gente! É só dizer pros caras que as pacas são do Paraguai”.
Guerrilha e piolhos
Em 1985, Álvaro Albuquerque mergulhou de corpo, alma e lenço vermelho no pescoço na campanha eleitoral. Saiu candidato a prefeito pelo PDT, juntamente com Dobrandino, PMDB; Tércio Albuquerque, PDS; Osires Santos, PFL e Caetano pelo PT.
Profissional de escritório e Fórum, doutor Álvaro meteu a cara e saiu todo animado pelos bairros em busca de votos.
Em certa ocasião, num comício realizado na Vila Carimã, o candidato do PDT trepou na carroceria de madeira de um caminhãozinho e fez um discurso pra lá de esquerdista. Falou de Che Guevara, da revolução cubana e da guerrilha castrista. De repente, fez uma pausa e disse que se eleito prefeito iria fazer uma campanha para acabar com o piolho.
Animado com sua proposta de governo o advogado prometeu que iria criar centenas de brigadas para cortar os cabelos das crianças das favelas de Foz do Iguaçu.
Assistindo o comício postado na calçada de um boteco, Arthur Mello, um velho comunista morador da Favela do Cemitério, ficou arrepiado e comentou: “Agora o doutor Álvaro vai querer fazer guerrilha contra o piolho”.
Ilações de um jornalista prestes a pendurar as chuteiras
Cada vez que ligo o computador e me preparo para escrever esta coluna eu vacilo e questiono. Será que vale pena? Escrever sobre o quê? Sobre a vergonhosa política de votos marcados, prova cabal do cabresteamento que desonra nossas maiores, mas não as melhores, instituições municipais? Não, definitivamente não concilio com esse tipo de coisa. Tenho nojo, pois aquele que não hesita em tratar um vereador como gado marcado seguramente está acostumado a fazer o mesmo com o povo.
Por essas e outras e por minha alma não ser pequena sinto que não vale a pena continuar escrevendo sobre as pequenezes do cotidiano político de Foz do Iguaçu. Afinal já testemunhei mais da metade da vida republicana do país. Comecei cedo. Ainda moleque, de calça curta, vestindo o uniforme do Grupo Escolar Barão de Macaúbas de minha cidade natal, lá no norte do Estado do Rio, eu saia para brigar com os udenistas e defender Getúlio. E chorei quando Heron Domingos, o Repórter Esso, anunciou a morte do presidente.
Mais tarde, o debate nacional durante o governo de Juscelino me conscientizou que a miséria e a desigualdade social não seriam resolvidas pelas classes dominantes. Procurei entender, como muitos jovens daquela época, as causas dos problemas do país. O porquê de tanta pobreza, analfabetismo e atraso cultural. O marxismo me deu as ferramentas para descobrir as origens da infelicidade humana. Tornei-me comunista.
Veio o governo Jango e a possibilidade de progresso social e humano foi castrada pelo golpe de 64. Minha empolgação caiu por terra e chorei novamente. Então vieram mais de duas décadas de ditadura e resistimos. Sobrevivi e aqui estou depois da luta pela redemocratização e das conquistas da Constituição de 88.
Hoje, depois das frustrações das eleições presidenciais de 89, de 94 e 98, estamos vivendo o momento mágico de ver um filho do povo, humanista e democrata assumir a Presidência. Não tenho ilusões e sei muito bem que Lula não vai conseguir em quatro anos fazer tudo que gostaríamos que fizesse. Mas uma coisa é certa, depois dele o Brasil será mais solidário, mais justo e mais igual.
Uma história da
eleição de 82
Ele era conhecido na Gleba Guarani por João Seboso e habitava, há anos, uma
casa de madeira com uma pequena varanda onde gostava de jogar tranca em família aos domingos. Durante anos trabalhou vendendo bilhete de loteria, até que um dia, aborrecido, largou da profissão e entregou-se de corpo e alma à política, à intriga partidária, à cabala eleitoral. Toda vez que se anunciava um pleito punha em jogo as mil e uma sutilezas que só o seu espírito sagaz podia conceber. Ele mesmo preparava em letra firme e aprumada os prospectos para distribuir aos eleitores. Na defesa de seus candidatos, discutia, falava alto e com convicção. Mas fazia política visando sempre tirar resultado financeiro nas campanhas eleitorais.
Dinheiro é o que ele queria, não lhe fossem falar em política sem interesse pessoal. Que ele trabalhava, lá isso era inegável. Andava a pé por toda Três Lagoas e ainda percorria as casas e comercios de conhecidos no Porto Meira e Carimã. Ele dava o couro na busca de votos.
Por último andava descoroçoado. A única eleição que trabalhou por ideal, por amizade o seu candidato perdeu. Na eleição para vereador, em 1982, ele apostou todas as fichas em seu xará João Nó Cego.
- Perdeu não perdeu, ele não cansava de repetir durante os jogos de tranca, que já não eram apenas aos domingos.
- Mas que ele ganhou, ganhou. Deu na Rádio Cultura e teve até a carreata da vitória do Oeste Paraná Clube até a Vila Yolanda. Roubaram, deram uma rasteira no xará, ou então, quem sabe, o povo tem razão, ele desistiu em troca de algum dinheiro.
Aquela eleição foi a que ele mais trabalhou e olha que não foi por dinheiro. Trabalhou e apostou em seu candidato do coração. Foi cabalar voto até no Paraguai. Por isso não se conformava com a derrota de seu candidato, que todos, até os adversários e os mesários, durante a apuração, cumprimentaram como eleito.
- Agora chega. Como pode um cara dormir vereador e amanhecer segundo ou terceiro suplente? Por que o xará não ficou lá naquele Oeste até sair o mapa final?
Decepcionado João Seboso largou da política. Ela só lhe trouxera enganos e inimigos. Não estava mais para servir de degrau a figurão algum. Trabalhara que nem besta de carga para no fim das contas ganhar o quê?
Depois dessa frustração, com efeito, ninguém o viu mais com seus “santinhos” e prospectos, a esbravejar contra os adversários. Por algum tempo voltou a vender bilhete de loteria até que foi embora, dizem que pra Rondônia.
A trapalhada
de João Barulho
Em 1942, com a decretação da Lei da Fronteira, policiais e militares passaram a agir com extremo rigor no controle dos imigrantes alemães.
Durante a caça aos “espiões nazistas” as perseguições eram desencadeadas a partir de informações fornecidas principalmente por vizinhos. Uns para fazer média com as autoridades, outros por pura ignorância.
Acredito que foi a ignorância dos matutos, moradores da zona rural de Foz do Iguaçu, que levou à prisão de Augusto Gunther, morador na região da Sanga Funda.
Há tempo que a vizinhança cochichava que havia algo estranho lá pros lados da chácara dos Gunther. Depois de alguns tragos de cachaça este era o assunto que rolava nos boliches de Sanga Funda, Santo Alberto e Aparecidinha. Houve até quem jurasse ter ouvido discursos de Adolf Hitler no meio da noite. Outros diziam que uma luz muito forte acendia quando o dia amanhecia.
Como toda fofoca contada ao pé do ouvido, o caso dos Gunther ia sendo acrescentado de novos detalhes, na medida que era passado pra frente. Com o tempo já diziam que o Gunther possuía um potente rádio transmissor e por meio dele mandava mensagens para a Alemanha.
E pra frente a história foi , até que um dia um hortaliceiro comentou o caso numa mesa de truco na Rua do Lamarque, hoje a Santos Dumont. Pra que! Participava do carteado o temível comissário de polícia João Batista Franco, conhecido como João Barulho. Naquela noite o comissário ficou quieto. Mas antes do dia amanhecer ele organizou uma patrulha e se enfiou pela estradinha carroçável, hoje a Avenida Felipe Wandsher, em direção a Sanga Funda. Chegou na chácara do “espião do eixo” quando o Gunther tirava leite da única vaca da propriedade. O comissário não quis conversa, prendeu o chacareiro, tirou as armas de caça que ele possuía e o fez caminhar sob a mira dos mosquetes até o Batalhão. August Gunther ficou preso uma semana e só foi solto quando os militares descobriram que tudo não havia passado de fofoca e precipitação do João Barulho.
O rádio transmissor de alta potência nada mais era do que uma hélice de bambu, com as pontas das pás cobertas por folhas de zinco, que os filhos de August colocaram em cima de um frondoso lapacho que dava sombra ao potreiro.
Provavelmente alguém, em tempo de paranóia coletiva, viu a hélice de longe, refletindo as primeiras luzes do dia e assim começou a deitar a falação no imaginário coletivo do povo da roça.
Júlio Rocha Neto
e o delegado
Argeu Saraiva Valério era um daqueles delegados de polícia zelosos em servir e bajular seus superiores. Em 1972, ocupando a chefia da delegacia de Foz do Iguaçu, ele entrou em choque com o comando político do município, que na época era exercido por Júlio Rocha Neto, então presidente da Arena. No país, governado pelo general Garrastazu Médici, a Arena mandava e desmandava e seus chefes eram as autoridades máximas nos municípios.
Certa ocasião, Argeu Saraiva foi convocado para ir até o escritório de Julio Rocha Neto. Imaginando que deveria ser alguma bronca, o delegado, antes que Julinho dissesse alguma coisa, encheu o chefe da Arena de elogios e jurou lealdade ao partido e a “revolução”. Comentou, inclusive, seus serviços de espionagem e delação daqueles que se opunham ao sistema político imposto ao País. Mas a lengalenga do delegado não durou muito. Todo-poderoso, o representante do partido da ditadura em Foz do Iguaçu interrompeu Argeu Saraiva e foi logo dizendo:
- O senhor está contrariando meus amigos e correligionários e isso eu não admito.
- Mas doutor ...
- Já falei com o deputado João Mansur e o senhor vai ser transferido
- ... eu sou um homem leal ao governo, doutor e se depender de mim não vou pedir minha transferência.
- Eu só estou comunicando ao senhor a nossa decisão.
Dito isso Julio Rocha Neto, ajeitou uns papéis que estavam em cima da escrivaninha, levantou-se da cadeira, caminhou até a porta do escritório e a abriu de par a par para o delegado sair.
Magoado com o acontecido, Argeu Saraiva foi até a delegacia que funcionava num prédio localizado na Rua Rio Branco, onde hoje é a Praça da Paz, e escreveu um longo relatório ao delegado Chefe da Divisão Policial do Interior, Ricardo Taborda Ribas.
Em sua narração, Saraiva botou merda no ventilador e escrachou de uma só vez todos os políticos iguaçuenses. Destilando veneno, o delegado relatou pormenores da vida particular de cada um, para por fim dizer que nenhum deles tinha moral para pedir sua cabeça.
Não deu outra. Saraiva acabou se queimando com seus superiores. Quebrou a cara ao revelar a vida íntima de seus desafetos.
A memória perdida
Naquele início do verão de 85, Saulo Martinho Brasil fazia de volta o mesmo caminho que o trouxera de Florianópolis há 15 anos. Embarcou no bagageiro do ônibus cinco caixas contendo parte da memória de Foz. Eram fotografias e documentos recolhidos das famílias pioneiras e em suas andanças pelos órgãos públicos.
Fotógrafo de profissão, como qualquer outro profissional da área, Saulo trabalhou em seus primeiros anos na cidade, tirando retratos dos pontos turísticos e cobrindo os eventos. Com o passar do tempo descobriu que os dados históricos de Foz do Iguaçu estavam dispersos e que sua sistematização poderia ser um bom negócio.
Desembaraçado e bem-falante, Saulo Brasil não encontrou dificuldade em sua tarefa de juntar fotografias e todo documento que pudesse ser útil no futuro. Na medida que pesquisava ia depositando numa caixa de papelão tudo que encontrava pela frente, desde fotos que o tempo havia amarelado até alguns livros raros e documentos diversos. Aos poucos foi reconstruindo a história da cidade.
“Um dia esse material vai ter muito valor” – costumava dizer exibindo uma de suas raridades, um livro caixa da prefeitura de 1924, quando o prefeito era Jorge Sanwais. Neste livro, com as anotações feitas com caneta tinteiro, estavam registrados os pagamentos das taxas e tributos municipais que os pioneiros faziam com galinhas e porcos.
Outra preciosidade que Saulo Brasil resgatou em suas pesquisas foi o livro de Silveira Neto, “Do Guayra aos Saltos do Iguassú”, impresso em 1914, pela Tipografia do Diário Oficial do Paraná.
Com estes materiais ele chegou a editar três edições da revista Memórias de Foz, onde contou parte da história do município. Por falta de condições financeiras não conseguiu ir além deste projeto. Bateu de porta em porta em busca de apoio, até que um dia, desiludido por não conseguir apoio, Saulo Brasil foi embora de Foz, levando consigo as fotos antigas recuperadas, os documentos históricos e os livros raros. A última vez que falei com ele foi por telefone. Ligou de Porto Alegre, ou Florianópolis, não me lembro bem. Disse que o material estava guardado e muito bem conservado. “Avisa ao pessoal aí que parte da história de Foz está comigo. Se quiserem recuperar é só dar um toque”. Disse isso e desligou o telefone esquecendo de me passar o número para um retorno.
O primeiro candidato comunista
de Foz do Iguaçu
O pioneiro Tarquínio Santos teve nos anos do governo Dutra uma série de constrangimentos por conta da Polícia Política. Com o decreto que tornou o Partido Comunista ilegal, o farmacêutico que morava em Cascavel, então distrito do município de Foz do Iguaçu teve seu nome fichado nos arquivos do DOPS paranaense.
Entusiasta das idéias socialistas, o pai do ex-prefeito iguaçuense Osires Santos, assumiu oficialmente em 1945 sua filiação ao então legal partido liderado por Luiz Carlos Prestes.
Com a derrota do nazi-fascismo e o fim do Estado Novo em 1945, o Partido Comunista ressurgiu com excelente performance nas eleições constituintes de 1946. Em 1947, ano em que o PC crescia em todo o país, Tarquínio, que era dono de uma farmácia em Cascavel decidiu sair candidato a deputado estadual. Pode se afirmar que foi ele o primeiro candidato comunista do município de Foz do Iguaçu.
Com as eleições estaduais de 1947, o PC tornou-se o quarto maior partido nacional. Esses êxitos eleitorais dos comunistas acabou assustando a direita e o então presidente general Eurico Gaspar Dutra baixou um decreto logo depois do pleito cassando o registro do partido e o mandato dos eleitos.
Pois bem, com o decreto de ilegalidade, o farmacêutico tornou-se alvo permanente dos órgãos de repressão política. Em 10 de maio de 1948, suas atividades foram motivo de um ofício enviado pelo chefe delegado de polícia de Foz do Iguaçu, tenente Herculano de Araújo Filho, ao chefe geral de polícia do Estado. No ofício, o delegado informou ser Tarquínio Santos o único “elemento comunista” no município de Foz do Iguaçu. Informa ainda o delegado que o farmacêutico foi candidato a deputado estadual nas eleições de 1947, tendo conseguido 15 votos.
O juiz e os seios proibidos
O calor naquela tarde de março de 1985 estava insuportável quando Santo Rafain saiu da rua João Rouver e entrou pela contramão na JK para estacionar seu carro no pátio da prefeitura. Tirando com o indicador o suor da testa, ele saiu às pressas do carro e ia se dirigindo para o gabinete quando deu de cara com o juiz de Direito João Kopytowsky. “Doutor vou multá-lo e processá-lo por esta manobra”, disse juiz ao jovem e brilhante advogado, que também era presidente da subseção da OAB e diretor jurídico do Município.
“Cumpra com o seu dever doutor, pois eu tenho de cumprir com o meu. O prefeito me espera. Passe bem”.
Quem assistiu a cena ficou impressionado. Foi hilariante ver o juiz, que estava na calçada do prédio do Banestado, atravessar correndo a avenida, dando uma de guarda de trânsito somente para constranger o advogado que vinha se destacando na defesa dos direitos humanos.
Este caso acontecido naquela tarde - que até hoje acho ter sido a mais quente de todas que já vivi em Foz do Iguaçu, é um dos muitos fatos pitorescos protagonizados pelo empedernido juiz durante sua passagem pela comarca.
Direitista convicto, membro da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (entidade surgida com a guerra-fria), Kopytowsky apontava como perigo comunista tudo e todos que contestavam o regime implantado com o golpe militar de 64.
Conservador até a medula, para o juiz até mulher seminua era subversão. E foi por haver publicado uma foto de mulher com os seios à mostra que o semanário Hoje Foz teve toda sua edição apreendida. Isso aconteceu em 1979, quando era comum o Pasquim e os jornais populares do eixo Rio-São Paulo publicarem fotos de mulheres desnudas da cintura para cima. Considerando que a ousadia dos jornalistas que editavam o Hoje Foz, “subvertia os bons costumes”, Kopytowsky mandou apreender os exemplares do jornal nas bancas e jornaleiros. Mais tarde ao responder a uma petição do advogado dos proprietários do Hoje, Kopytowsky escreveu em seu despacho que aquela edição do jornal poderia ser vendida somente nas bancas, desde que fossem acondicionados em sacos plásticos com uma tarja escrita “proibido para menores de 18 anos”.
O mala
Ele ganhou o apelido posposto depois ao nome de batismo por ter trabalhado no banco. Foi candidato a vereador em 92 e seu elegeu com o apoio do eleitorado de confissão evangélica.
Todo chato é nato. Já nasce chato e é irreversível”, diz Mário Prata. Está coberto de razão. Aníbal Curi, que dedicou a vida à observação de aves raras da política paranaense, classificou os chatos nativos da seguinte forma: os de galocha, os de sobretudo e os de perdigotos.Os primeiros, dizia Aníbal, são os chatos pegajosos. Chatos de galocha porque pedestres. Gente do baixo clero que marca homem a homem, segura no paletó, tropeça nas pernas do interlocutor, até conseguir a prebenda. É chato epidêmico. Nos períodos pré-eleitorais infesta as ante-salas do Centro Cívico. Pede retribuição pela lealdade e logo que é atendido, quando o cidadão imagina que se viu livre do inoportuno, lá vem ele com mais um pedido. O chato de parlamento sempre quer mais um favor. Os chatos de sobretudo são solenes, pomposos, incapazes de dizer um simples bom-dia sem aquele ar de canastrão de filmes da Metro. Muito comuns no ecossistema da política nativa. Normalmente, são pessoas dotadas de poucas idéias, mas que procuram disfarçar esta carência apresentando um ar inteligente e fazendo de conta que sabem de tudo. Proliferam nas assessorias de políticos. Costumam atravessar o samba e a articulação política, dão conselhos estapafúrdios aos governantes, quando não repetem frases feitas, lugares comuns. Desta categoria são também os chatos pregadores. Os apaixonados pelo líder. Almas penadas que costumam gravitar em torno de políticos que esbanjam o que lhes falta: personalidade que às vezes se confunde com arbitrariedade.Por fim, os chatos de perdigoto. Aníbal Curi detestava os políticos de discurso vazio, os falantes, especialmente aqueles que gastam saliva em auto-elogios. Sobram figuras do tipo. Aqui mesmo, na praça de Curitiba, há exemplares grotescos do gênero.Esta classificação dos chatos políticos do Paraná poderia juntar-se ao Tratado Geral dos Chatos, escrito há 40 anos por Guilherme Figueiredo. Livro útil. Tanto quanto as contribuições de Aníbal Curi.
O pileque de “Henriquinho”
Henrique Weirich era um daqueles brizolistas fanáticos. Participava de um núcleo do “grupo dos onze”, moia no cacete o “imperialismo norte-americano” e defendia com unhas de dentes as reformas de base.
Depois do golpe que derrubou o governo de João Goulart, “Henriquinho”, como era chamado pelos amigos, se recolheu como a maioria das pessoas na época. De política só falava para os mais íntimos. Afinal, o pau estava comendo pelo Brasil afora e em Foz do Iguaçu os militares tinham olheiros por toda parte. Alguns de seus companheiros haviam sido presos e outros eram controlados pelo S2. Havia o exemplo do alfaiate Antônio Machado que passou vários dias recolhido no Batalhão.
Um dia, era fim de tarde, ele estava tomando umas e outras com os amigos no Bar Ciclone, que era localizado na avenida Brasil, e lá pelas tantas ficou entusiasmado e disse que Brizola voltaria ao país pela fronteira de Foz do Iguaçu e que à frente de um grupo de milicianos iria tomar o Batalhão. Pra quê? Não deu outra. Na mesma noite foi levado à frente do comandante para se explicar. Conversa vai, conversa vem, pressão pra lá pressão pra cá e nada do Henrique dar uma explicação plausível para a conversa no bar.
Lá pelas tantas, ele olhou pro comandante, deu uma piscadela e cochichou, para que nem as paredes ouvissem.
- Cá entre nós chefe, em que sala está o Brizola? Apresente-me que eu quero conhecer o homem.
O general e o filósofo
Na década de 70, um importante comerciante de Foz do Iguaçu, amigo do ex-presidente Alfredo Stroessner e de altas autoridades em Brasília e Curitiba, deu uma grande festa binacional no casamento da filha. Estava lá o mundo político e social da fronteira, inclusive o recém transferido general comandante do 34º Batalhão de Fronteira, naqueles tempos do poder militar, o homem mais importante da cidade.
O salão do Country Clube estava lotado. Enquanto esperavam o jantar, comerciantes, políticos, advogados, funcionários públicos e jornalistas andavam de um lado para outro segurando seus copos de uísque dando tapinhas nas costas uns nos outros e apanhando tira-gostos nas bandejas carregadas pelos garçons.
Quando o comandante entrou no salão de festas do country , a orquestra interrompeu o pout-pourri de baladas que estava executando e lascou “Pra frente Brasil”, aquela marchinha horrorosa que na década de 70 se tornou o hino oficial da tal de revolução.Para agradar o militar, um grupo de convidados puxou o coro que foi acompanhado pelos demais. Balançando os copos de uísque com a mão esquerda acompanharam a orquestra e cantaram: “Noventa milhões em ação/Pra frente Brasil/Do meu coração”.
Impressionado com o fausto da festa o general perguntou a Ney Braga, então Ministro da Educação de Ernesto Geisel.- Ministro, o senhor que é paranaense e amigo do pai da noiva, me diga uma coisa. Qual é o forte dessa gente? É o comércio?- General, não procure se aprofundar. Existe algo mais nesta fronteira que a nossa vã filosofia não consegue explicar.
O Totonho do Requião
Eu não sei o nome dele e aposto que poucos o sabem. Eu o conheço por Ganso, e acho que, com exceção dos parentes e amigos mais íntimos, a maioria das pessoas só o conhece por este apelido. Talvez porque o som de sua voz é parecido com o grasnar do pássaro, talvez devido aquele cacoete de jogar repentinamente a cabeça para baixo.
Pois é, o Ganso tinha o costume de não perder comício. Não sei como ele ficava sabendo da agenda dos partidos e coligações, mas quando pintava algum lá estava ele grasnando e batendo a cabeça. Em certas ocasiões chegava a acompanhar pela região o candidato na “caravana da vitória”. Havia sempre um cabo eleitoral, que lhe dava carona. E pegar carona em época de cabala de votos é moleza.
E foi num final de semana de 1990 que o Ganso se incorporou à caravana de Roberto Requião. Não conseguiu ir além de São Miguel do Iguaçu. Mas, adiante pra quê? O comício estava bom. Uma multidão cercava o palanque instalado na praça. No tablado candidatos a deputado e a senador atropelavam caixas de som, holofotes e um emaranhado de cabos, enquanto se revezavam ao microfone. Requião, que se manteve de cara fechada durante a fala de seus companheiros, só voltou a mostrar interesse quando o mestre-de-cerimônias da campanha anunciou sua vez de falar. Era o primeiro turno daquela eleição para governador e naqueles dias no palanque e na tevê Requião massacrava José Richa. Por fora corria solto José Carlos Martinez, que no segundo turno deu um baita susto no candidato do PMDB e quase leva a governança do Estado. Mas isso é outra história. Naquela noite, Requião estava inspirado e sua metralhadora giratória não perdoava os adversários. Embaixo, no gargarejo, o Ganso se esforçava para dobrar a cabeça para trás para assistir o show proporcionado pelo candidato a governador.No final de ser discurso, Requião arrancou longos aplausos ao contar que a caminho de São Miguel, havia parado em Santa Terezinha de Itaipu para visitar o Totonho da Madalena, que picava fumo na varanda de sua casa. Em silêncio, a multidão ouvia o caso contado com seriedade e voz grave.”Então eu perguntei ao Totonho. Pra que este fumo companheiro? Ai ele respondeu que era o fumo que o povo ia dar pro Richa e o Martinez no dia das eleições”.
Enquanto a assistência ia ao delírio, o Ganso, de cabeça baixa , pensou lá com seus botões: “Ué! Mas o tal do Totonho não é de Três Lagoas?” Requião havia contado aquela mesma história horas antes num comício realizado no Profilurb, dizendo que a caminho do Porto Meira, parou na casa de seu amigo o “Totonho da Madalena, antigo morador de Três Lagoas”.
Obituário de um amigo
Perdi um amigo na quinta-feira, dia 26. Ele morreu por volta das oito horas da noite. Antes, porém, se arrastou a duras penas por uns míseros cinco metros e ofegante deitou à sombra de um pé de carambola. Em seu momento de agonia ele encarava-me com seus imensos olhos negros, não sei se pedindo ajuda ou se desculpando por não poder ir mais à frente. Aquele olhar me partiu a alma e chorei de dó diante daquela sua luta contra a morte. Eu pressentia que ele estava para morrer, mas não queria acreditar que ia me deixar, assim, sem mais nem menos. Esperava por um milagre que pudesse devolver a vitalidade de seus melhores anos àquele ser especial, que durante sua existência foi testemunha de nossos momentos de alegria e tristeza. Acompanhou o crescimento dos meus filhos e dos hibiscos, palmeiras e buganvíleas que plantei no jardim.
Rex lutou bravamente pela vida nos últimos três meses. Em dezembro a displasia no fêmur quase que o derrubou. Mas ele foi valente mais uma vez, superou a doença e voltou a ser forte e bravio. Medo mesmo teve apenas de trovoada e dos foguetórios nas noites de Natal e Ano Novo. Mesmo arrastando a pata direita o meu cão Pastor Capa Preta foi rei e senhor de seu domínio, o quintal de casa.
Daqui pra frente os dias e noites do cantinho onde moro na Vila Maracanã não serão os mesmos sem o seu ladrar anunciando a chegada do entregador de pizza ou do jornaleiro.
Ao fechar seus olhos na noite em que ele morreu, eu pedi desculpa por não ajudá-lo em sua luta pela vida, por não ter corrido atrás de todos os recursos possíveis e imagináveis; pelas vezes em que não atendi seus pedidos de carinho e por tê-lo impedido de mover-se livremente mantendo-o preso no pátio por treze anos. Uma volta pela quadra, entre minha casa e a rua Mato Grosso foi o mais distante que o deixei ir.
Rex foi enterrado no quintal que durante sua existência dominou com elegância, lealdade e nobreza de caráter. Não tive coragem de presenciar o seu sepultamento.
Obrajes e mensus
Quando a expedição comandada pelo tenente engenheiro José Joaquim Firmino chegou em 22 de novembro de 1889 na foz do rio Iguaçu encontrou uma terra dominada por empresas concessionárias da exploração de erva-mate e madeira de lei. Nos obrajes, o trabalho era escravo e os trabalhadores, suas mulheres e filhos eram tratados com violência.
Os mensus, uma derivação do espanhol mensualista, eram a mão-de-obra quase absoluta empregada nos trabalhos de extração. Sua arregimentação era feita pela força e eles deviam obediência irrestrita aos obrajeros e seus capatazes, verdadeiros monarcas, com poder de vida e morte sobre os trabalhadores.
Essa situação perdurou mesmo depois da instalação da Colônia Militar. As autoridades constituídas da Colônia atuavam sempre em defesa dos donos dos obrajes.
Arthur Martins de Franco, em suas Recordações de viagem ao Alto Paraná, conta que o Tenente Pimenta de Araújo, comandante da força pública, para melhor castigar os peões que caiam em seu desagrado, mandara colocar dentro de um dos quartos da casa, que servia de cadeia, uma caixa grande onde cabia uma pessoa de cócoras ou mal sentada e dentro dela mandava prender quem desejava castigar.
A arbitrariedade e a corrupção não se restringiam unicamente à força policial.Segundo ainda Martins de Franco muitos oficiais encarregados de administrar a Colônia Militar agiam de maneira, no mínimo incorreta, fazendo vistas grossas ao que acontecia nos obrajes.
A violência, corriqueira nos acampamentos madeireiros e de extração da erva-mate, não era contestada pelos mensus. Fracos, descalços, eles passavam meses embrenhados no mato. Fugir era impossível. Quem se aventurava acabava boiando nas águas do rio Paraná ou preso na caixa do Tenente Pimenta. A vigilância sobre eles era severa e constante.
Os atos de violência mais contundentes ocorriam na hora do acerto de contas. Os mensus estavam sempre devendo para o patrão. Esse endividamento constante e progressivo aumentava o grau de dependência, que já começava na contratação do peão. Ao começar a trabalhar a peonada recebia um adiantamento, chamado de antecipo. O dinheiro era dado a peonada antes do embarque para os futuros locais de trabalho. As embarcações atrasavam de propósito até cinco dias e durante esse tempo os peões gastavam todo o antecipo com mulheres e bebidas e já chegavam no obraje devendo para o patrão. O desgraçado do trabalhador nunca mais conseguia pagar o que havia recebido.
Off-set e rebeldia
Mulher culta e com tino para os negócios, Ignez Sanches de Christo, foi a pioneira na impressão off-set em Foz do Iguaçu. Desde 1968, ela vinha editando mensalmente a revista Cataratas, uma publicação de variedades e notícias da fronteira. Mais tarde passou a publicar o Mini Informativo, um folder semanal, com a programação do Cine Star como seu carro-chefe e distribuído na bilheteria do cinema da família Basso, localizado na Avenida Brasil. Tanto o Cataratas como o Mini Informativo eram montados no sistema tipográfico. Palavras e frases surgiam juntando letrinhas e sinais de chumbo fundido. A chegada da máquina off-set no início da década de 70 agitou o meio gráfico da Foz do Iguaçu pré Itaipu. Velhos tipógrafos, de vista cansada, peregrinavam diariamente até o casarão da Almirante Barroso para conhecer o milagre da tecnologia, que aposentava os tipos e clichês. Alguns torciam o nariz premunindo que aquela coisa iria um dia encostá-los de vez, outros, curiosos, queriam saber como as escritas e imagens eram gravadas numa chapa de metal e a impressão era feita por meio do contato desta com o papel.
Nada extraordinário, mas o Mini Informativo foi uma publicação que marcou época, mais pela apresentação gráfica do que pelo seu conteúdo. Além da programação semanal do Cine Star, alguma notícia oficial e o resto eram anedotas, dicas e curiosidades – essas coisas que até hoje são publicadas nos tradicionais almanaques da indústria farmacêutica brasileira.
Além da impressão off-set, o extraordinário, não tanto para a época, mas para a Foz do Iguaçu de então, era o comportamento dos filhos de dona Ignez. Rebeldes, mais para hippies do que para revolucionários, em várias ocasiões eles escandalizaram a sociedade conservadora, neourbanizada da cidade que possuía na época pouco mais de 20 mil habitantes. Pedro, que eu vim conhecer mais tarde, era um contestador das tradições burguesas e devorador de livros. Jóia, usava cabelos soltos e saias compridas, como os hippies, especialmente no que respeita à aparência pessoal e aos hábitos de vida. Naqueles tempos negros, quando o general Garrastazu Médici, tratava os dissidentes com prisão, tortura e morte, a menina Jóia de Christo foi o contato de organizações de esquerda na fronteira. Pelas mãos dela passaram muitos militantes da Polope ( Política Operária), partido de tendência trotskista, a caminho da Argentina e do Chile. Fizeram história, não oficial e inovadora, nesta Tríplice Fronteira.
O panelaço iguaçuense
Maria Rosa não saiu de casa para trabalhar naquela manhã de dezembro de 1983. Apanhou a caçarola de alumínio e foi se juntar às vizinhas da Rua Canindé, no Rincão São Francisco. Na noite anterior, depois de sair da reunião na igreja da Mário Filho, ela areou a panela, deixando-a como nova. As outras mulheres fizeram o mesmo, mas a sua era a maior de todas. De pouco uso, ficava pendurada num prego fincado na parede da cozinha. Às vezes emprestava para os risotos de domingo na Associação de Moradores ou então quando reunia toda a família. Naquele doze de dezembro não era para cozinhar que ela deixou a vasilha brilhando, mas sim para protestar em frente à prefeitura contra o aumento nas tarifas do transporte coletivo, que da noite para o dia havia passado de cem para cento e quarenta cruzeiros. O povo já não agüentava tanta carestia e de repente o prefeito com uma assinatura tornava os empresários mais ricos e os trabalhadores mais pobres. Por isso a proposta de caminhar a pé batendo panela até a prefeitura pegou em todos os bairros.
Nove horas da manhã e estavam todos concentrados em frente à Câmara Municipal. Eram mais de 500 pessoas. O grupo do Porto Meira, liderado por Agnelo Rocha era o mais numeroso. Do Rincão saíram cerca de 100 pessoas.No meio da multidão Maria Rosa se destacava pelo seu tamanho. Alta, de quadris volumosos e voz poderosa ela batia a tampa no fundo da caçarola e seu grito se sobrepunha no coro que pedia a revogação do decreto que havia aumentado as tarifas. Do outro lado, no prédio da prefeitura, de vez em quando, um ou outro funcionário meio que descerrava as cortinas do sobrado e espiava com modos esquivos a multidão. Assustado um guarda fechou de chofre a pesada porta de ferro enquanto os manifestantes iam se aproximando do prédio da prefeitura. Eles pediram para falar com o prefeito e a resposta foi de que o coronel Clóvis não se encontrava. Finalmente, depois de meia hora de manifestação, com a calçada e a pista da Avenida JK tomadas pelos grupos que caminharam desde os bairros, alguém avisou que o chefe-de-gabinete iria receber uma comissão. Passado algum tempo a porta foi entreaberta para que os membros da comissão entrassem. Foi então que Maria Rosa deu um empurrão, escancarou a porta e atrás dela a multidão entrou com suas panelas, frigideiras e caçarolas. Já porta adentro e com a forte e grandalhona empregada doméstica a frente, os manifestantes subiram os dois lances de escada e ocuparam todo o espaço da recepção ao gabinete.
De pé encostado em uma das poltronas Wilson Batista assistiu impassível a multidão gritar contra o aumento do preço da passagem. Lá pelas tantas, Sebastião Oliveira, líder do Jardim das Flores, assumiu o posto de porta-voz do grupo e leu as reivindicações levantadas pelo movimento. Wilson pediu silêncio, explicou que já havia entrado em contato com o prefeito e anunciou que todas as demandas seriam estudadas e atendidas dentro das possibilidades.
Com as nádegas espremidas na cadeira de braços e a caçarola em cima da mesa do prefeito, Maria Rosa interrompeu a fala do chefe-de-gabinete e disse com seu vozeirão: “Escute aí moço. Fala pra esse coronel aí que é pra botar mais coletivo pro Rincão e mandar tirar aqueles ’roletes’, que nós não somos gado”.
Por conta da saideira
Era agosto de 85, Adolfo Perez Esquivel, o argentino Prêmio Nobel da Paz de 1980, veio a Foz do Iguaçu participar da 2ª Jornada de Solidariedade ao Povo Paraguaio.
Durante dois dias exilados paraguaios e representantes de entidades defensoras dos direitos humanos vindos de vários estados brasileiros lotaram o auditório do Colégio Agrícola, para debater as formas de luta contra uma das ditaduras mais sangrentas do cone sul. Políticos e autoridades iguaçuenses primaram pela ausência naquela demonstração pública que marcou a história da cidade. Jornalistas, apenas a turma do semanário Nosso Tempo. Os demais, ah, os demais, sei lá, não importa.
Apesar de estar com a agenda cheia, requisitado que era para proferir palestras em vários países, Esquivel veio a Foz e participou ativamente das reuniões de grupo e da plenária. Brilhou nas intervenções em defesa da democracia e dos direitos humanos.
Naquele final de semana, por coincidência, estava marcada a inauguração de uma espécie de tribuna que o então prefeito Perci Lima havia construído sobre a calçada da esquina da Belarmino com a Brasil. Nas imediações reunia-se nas tardes de sábado um grupo de amigos para tomar cerveja e jogar conversa fora. E foi entre umas e outras que alguém teve a idéia de convidar Perez Esquivel para a inaugurar o lugar. Porém, nenhum dos membros da confraria se animou a ir até o Agrícola. Todos se cagavam de medo do SNI a da polícia secreta do general Stroessner. Foi então que o Jorge Figueiredo, que era assessor de imprensa da prefeitura, dispôs-se a levar o prefeito para fazer o convite.
Perci topou a parada e foi até o local onde se realizava a Jornada. Conversa vai, conversa vem e acabou convencendo o ilustre convidado dos coordenadores das Jornadas de Solidariedade. Meio em dúvida se valia a pena, mas em consideração ao prefeito da cidade, Esquivel saiu do salão do Colégio Agrícola e inaugurou o local, que alguns batizaram como “Tribuna Livre”, outros de “Garganta do Diabo”, mas que acabou sendo conhecido pelo popular nome de “Boca Maldita”.
Terminada a solenidade o Prêmio Nobel convidou o prefeito e as demais pessoas presentes para participarem dos atos finais da Jornada de Solidariedade ao Povo Paraguaio. Educados, os membros do pequeno grupo presente na inauguração disseram que iriam em seguida. Perez Esquivel agradeceu e voltou para o encerramento do fórum antiditatorial, enquanto os “gargantudos” passaram o resto da tarde sentados no bar por conta da saideira.
O berço
Naquele outono de pouca chuva, o cheiro de merda humana entrava no corpo pelos poros e narinas. Como todos os anos, a exalação cálida de fezes humanas depositadas às margens do Monjolo, se misturava à poeira vermelha levantada pelos ventos vindos do Paraguai.
Era um sábado de abril e os altos e baixos das poucas e esburacadas ruas estavam vazias, desertas. Foz do Iguaçu, que tinha o privilégio ingrato de ser o maior mercado de mensus da região, estava às moscas. Com a chegada dos revolucionários, nem os ervateiros ousaram descer do Porto Mendes para contratar peões e comprar provisões.
No casarão de muitos cômodos e salão amplo, que às vezes servia como pensão, Ana Rosa reavivava o fogo e esquentava água para o chimarrão na chaleira de ferro fundido, preta de fuligem. Enquanto batia os tições ela resmungava pela falta de movimento. Também não era para menos. Além do fedor das latrinas transbordadas que empestava cada canto da cidade, nem os colonos, que costumavam fazer suas compras, tomar cachaça e jogar do bolão ao truco apareceram naquele final de semana. Funcionários públicos e comerciantes então nem se fala. Bandearam todos para o outro lado do Rio Iguaçu.
Ana Rosa estava uma arara. Praguejava enquanto mexia nas brasas, dirigindo suas queixas a uma rapariga que cevava o mate na cuia. “Que façam bom proveito na Argentina, pois aqui não gastam nada mesmo. Bando de cagões! Agora estamos nessa soneira, esperando a soldadesca sair da toca. Quando carajo esses molengas vão dar as caras? Desde que chegaram estão acantonados lá pros lados dos depósitos de madeira. Morrem de medo dos oficiais. É como dizem, quem não deve não teme. Que mal carinho de mulher pode fazer para a revolução? Desse tipo de apuro os oficiais não sofrem. Eles bem que têm por lá suas vivandeiras”.
Entre uma e outra cuia de chimarrão, Ana Rosa continuou reclamando da falta de movimento. E assim era, pois naqueles dias de revolução, com a cidade ocupada pela tropa do general Isidoro, ninguém se atrevia a freqüentar os boliches e muito menos a pensão. Uns e outros que ousaram dar as caras no casarão da “baixada do botafogo” acabaram sendo castigados pelos sargentos que, tal perdigueiros, vistoriavam cada palmo das ruas da cidade. De vez em quando eles davam batida na pensão, rodeavam a casa, espiavam através das telas de arame, fuçavam os quartos, proseavam com as mulheres e iam embora sem gastar um pila sequer.
A quietude da tarde e os pensamentos de Ana Rosa só foram quebrados quando um sargento entrou no salão. Conhecedora de todos os meandros da existência, ela pressentiu que aquele não era um perdigueiro qualquer, não estava em missão de caçar soldados, nem tampouco atrás de mulher ou pinga. Continuou sentada, sem lengalenga ou recordações, enquanto o militar vistoriava o salão e os cômodos da casa.Tinha a paciência curtida e sabia muito bem manejar o tempo. Apenas esperou e só ficou de pé quando o sargento se dirigiu a ela após cumprir sua diligência.
- Dona Rosa, venho de parte do Tenente Cabanas. Ele mandou avisar que amanhã o general Isidoro vai precisar deste salão para uma reunião com o capitão Luiz Carlos Prestes. Arrume mais uns bancos e cadeiras, pois devem participar todos os oficiais que estão no Depósito Central e outros tantos que estão a caminho. Veja acomodação para quarenta homens.
Dado o recado o sargento saiu, assim como chegou, sozinho, trazendo o uniforme e o corpo tomados por uma crosta de suor e poeira.
Na madrugada do dia seguinte, João Cabanas foi pessoalmente inspecionar o casarão de Ana Rosa. Estava ainda escuro quando apareceu com seu inseparável chapelão e apito pendurado no pescoço. Mandou preparar o almoço para os oficiais e disse que todas as despesas seriam pagas pelo comando. Em seguida ordenou que os quatro costados da casa fossem guarnecidos; e enquanto esperava a tropa cumprir suas ordens enrolou um cigarro.
Ficou de pé, encostado no balcão e olhou para a rapariga que antes cevava mate. Formosa ela era. Morena, de olhos grandes e cabelos tão compridos que lhe vestiam as costas, a moça, postada num dos pés-direitos do salão, notou a mirada do tenente e fixou os seus no chão. Ficou vexada e sentiu quentura na face, coisas que já até havia esquecido. Talvez fosse aquele olhar a oportunidade esperada para se livrar daquela vida.
Enquanto baforava colunas de fumo, Cabanas fazia planos de levar a moça para o acampamento e depois – por que não? – levá-la para seguir viagem pelos caminhos da revolução. Afinal, quase todos os outros oficiais tinham companhia e ele com trinta anos ainda não completados andava de jejum desde que saíram de São Paulo e se embrenharam no sertão. Olhava a rapariga e parecia que uma onda de fogo percorria-lhe as veias. Imaginava-a nua sobre sua cama de pelegos de carneiro, os cabelos compridos cobrindo seus seios.
Perdido em seus pensamentos, Cabanas não sentiu passar as horas nem a entrada no salão do general Isidoro, que chegava acompanhado por um grupo de oficiais, entre eles um homem franzino, baixo e barbudo. Era Luiz Carlos Prestes. Ele vinha de Barracão, depois de três meses de marcha pelos campos e florestas do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e sudoeste do Paraná.
Quando Prestes entrou na pousada o clima entre os revolucionários era de desânimo e capitulação. Diante das dificuldades o homem franzino fez-se gigante. Pediu a palavra e defendeu com paixão a marcha revolucionária contra o governo de Artur Bernardes.
Debruçadas no balcão, as duas mulheres assistiram com ar distante a reunião e a euforia que tomou conta dos militares. Ana Rosa esperou os oficiais retirarem-se, com passos mansos caminhou até o meio do salão e pôs em ordem os bancos e cadeiras. Cabanas foi o ultimo a sair. Antes porém, olhou para a moça e pegou na aba do chapéu. A rapariga retribuiu o aceno lançando um sorriso discreto para o tenente, como se tivesse adivinhado suas intenções e aceitado o convite.
Lá fora o tropel desordenado da cavalaria levantou novas nuvens de poeira, deixando pra trás o casarão de madeira, sem cor definida e com telhado de folhas de zinco, onde momentos antes haviam nascidos a coluna e o mito.
Um sacrifício por Foz
Em 1959, três jovens de Foz do Iguaçu foram a pé até o Rio de Janeiro como forma de protesto pelo abandono em que se encontrava o município. A tiracolo levavam um manifesto que recebeu o pomposo título de “Mensagem do povo de Foz do Iguaçu”.
O objetivo era chamar a atenção da opinião pública e fazer chegar o documento ao presidente Juscelino Kubitschek.
No dia 16 de janeiro, depois de terem sido entrevistados pela Rádio Cultura, Paulo Borne, Fortunato Borges e Ramón Gutierrez, todos eles funcionários da Industrial Madeireira, partiram em direção a então capital federal, portando a mensagem escrita por Roberto “Coco”Grignet. O documento contendo mais de 200 assinaturas, apresentava as seguintes reivindicações: motores de alta potência para a eletrificação da cidade ou então a conclusão da usina hidrelétrica do Rio Ocoí; nivelamento e calçamento das ruas; construção dos portos fluvial rodo-ferroviário de Porto Epitácio e Foz do Iguaçu, viabilizando assim o caminho hidroviário via Guaíra; ampliação da pista e melhoramentos no aeroporto de Foz do Iguaçu; abertura, conclusão e conservação de estradas para o escoamento da produção agrícola do Oeste do Paraná; construção de um hospital maior e melhor aparelhado e um grupo escolar.
Quando saíram rumo ao Rio de Janeiro, Borne, Fortunato e Gutierrez levaram nas mochilas, além da mensagem escrita por Grignet, um caderno de anotações para registrar tudo que aconteceria na viagem e as doações recebidas para o cumprimento da missão. Na primeira página do livro constaram os vistos do prefeito capitão Jacob Becker e do comandante interino do Batalhão de Fronteiras, Major Saião.
Durante o percurso prefeitos, vereadores, delegados de polícia e cidadãos comuns anotaram no livro-diário da viagem as reivindicações dirigidas ao presidente JK. Um vereador de Guaraniaçu escreveu pedindo que as roupas usadas do Exército fossem doadas aos agricultores da região. Em Laranjeiras, o presidente da Associação Rural pediu maior atenção ao homem do campo. Em Imbituva, a diretora da escola normal pediu ao presidente da República um livro autografado para ser o número um da biblioteca recém criada. E foi assim durante toda a caminhada. Os mensageiros de Foz acabaram se transformando em estafetas da esperança do povo da região Oeste.
Depois de caminharem dois mil quilômetros em 54 dias, Paulo Borne e Fortunato Borges chegaram ao Rio de Janeiro no dia nove de novembro. Ramón Gutierrez havia ficado doente e abandonou a aventura em Laranjeiras do Sul, 14 dias depois da partida.
Um sacrifício por Foz II
Na edição da semana passada eu comecei a contar a histórica caminhada que Paulo Borne, Fortunato Borges e Ramón Gutierrez fizeram ao Rio de Janeiro para entregar uma mensagem com reivindicações de Foz do Iguaçu ao presidente Juscelino Kubitscheck . Eles saíram de Foz do Iguaçu no dia 16 de setembro de1959 e chegaram na então capital de República em nove de novembro portando um manifesto que recebeu o pomposo título de “Mensagem do povo de Foz do Iguaçu”. O objetivo era chamar a atenção da opinião pública e fazer chegar o documento contendo uma série de reivindicações ao presidente Juscelino Kubitschek.
Depois de caminharem 54 dias, Paulo Borne e Fortunato chegaram ao Rio de Janeiro para a tão sonhada audiência com o presidente JK. Ramón Gutierrez ficou doente durante a viagem e abandonou a aventura em Laranjeiras do Sul, 14 dias depois da partida.
Depois de percorrerem os veículos de imprensa do Rio de Janeiro Borne e Fortunato dirigiram-se ao Palácio do Catete que vivia momentos de agitação por conta da revolta de Aragarças, quando oficiais da FAB se rebelaram contra o presidente. Os dois iguaçuenses cruzaram o saguão e subiram até a sala do Gabinete Civil. Lá foram informados que JK não estava no Palácio. Apesar das dificuldades não desistiram. Bateram nos gabinetes dos deputados paranaenses Ney Braga e Rafael Rezende. Ambos deram as costas para os mensageiros de Foz do Iguaçu. Procuraram os senadores paranaenses Souza Neves e Gaspar Veloso e toda a ajuda que tiveram foi a oferta de passagens para voltarem à fronteira.
Decididos a não voltar de mãos vazias Borne e Fortunato retornaram ao Palácio e entregaram a mensagem ao major Múrcio, que a encaminhou a Paulo Nonato, oficial de gabinete da Presidência. Faltava a resposta e ela não vinha. Foi então que os dois jovens iguaçuenses decidiram fazer um protesto andando ininterruptamente durante 72 horas em volta do jardim da Praça Floriano, na Cinelândia. Naqueles dias eles tiveram uma excelente cobertura da imprensa. O Jornal do Brasil chegou a afirmar que somente o presidente da República poderia parar a caminhada.
Depois de 15 horas de iniciado o protesto eles foram levados à Câmara de Deputados de carro oficial. Lá um grupo de deputados aconselhou os dois a suspender a manifestação, que estava sendo aproveitada por grupos oposicionistas. Disseram ainda os deputados que naquele momento, com a revolta de Aragarças, não era prudente continuar com o protesto, que o presidente JK estava ciente do propósito dos dois e que daria uma resposta em dez dias. Garantiram ainda que o povo iguaçuense seria beneficiado.
Borne e Fortunato voltaram a Foz do Iguaçu e ganharam a conta na Industrial Madereira, onde trabalhavam. Mas a luta não foi em vão. Um dia receberam um telegrama da Casa Civil comunicando que a Presidência da República havia encaminhado as reivindicações de
Foz do Iguaçu ao Governo do Estado e que uma verba havia sido liberada e depositada na conta da prefeitura no Banco do Brasil.
Uma história da eleição de 82
Ele era conhecido na Gleba Guarani por João Seboso e habitava, há anos, uma
casa de madeira com uma pequena varanda onde gostava de jogar tranca em família aos domingos. Durante anos trabalhou vendendo bilhete de loteria, até que um dia, aborrecido, largou da profissão e entregou-se de corpo e alma à política. Toda vez que se anunciava um pleito punha em jogo as mil e uma sutilezas que só o seu espírito sagaz de cabo-eleitoral dedicado e fiel podia conceber. Ele mesmo preparava em letra firme e aprumada os prospectos para distribuir aos eleitores e na defesa de seus candidatos, discutia, falava alto, impunha-se. Fazia da cabala de votos um ofício, visando sempre tirar resultado financeiro nas campanhas eleitorais. Era uma questão de princípio.
Dinheiro é o que ele queria, não lhe fossem falar em política sem interesse pessoal. Que ele trabalhava, isso era inegável. Andava a pé por toda Três Lagoas e ainda percorria as casas e comércios do Porto Meira e Carimã. Dava o couro na busca de votos.
Só mudou de comportamento em 82. Andava descoroçoado, retraído. Foi a única eleição que trabalhou por ideal, por amizade e seu candidato perdeu. No pleito para vereador, em 1982, ele apostou todas as fichas em seu xará João Nó Cego.
- Perdeu não perdeu, ele não cansava de repetir durante os jogos de tranca, que já não eram apenas aos domingos.
- Mas que ele ganhou, ganhou. Deu na Rádio Cultura e teve até a carreata da vitória do Oeste Paraná Clube até o Jardim São Paulo. Roubaram, deram uma rasteira no xará, ou então, quem sabe, o povo tem razão, ele desistiu em troca de algum dinheiro.
Aquela eleição foi a que ele mais trabalhou e olha que não foi por dinheiro. Trabalhou e apostou em seu candidato do coração. Foi cabalar voto até no Paraguai. Por isso não se conformava com a derrota de seu candidato, que todos, até os adversários e os mesários, durante a apuração, cumprimentaram como eleito.
- Agora chega. Como pode um cara dormir vereador e amanhecer segundo ou terceiro suplente? Por que o xará não ficou plantado lá naquele Oeste até sair o mapa final?
Decepcionado João Seboso largou da política. Ela só lhe trouxera enganos e inimigos. Trabalhara que nem besta de carga para no fim das contas ganhar o quê?
Depois dessa frustração, com efeito, ninguém o viu mais com seus “santinhos” e prospectos, a esbravejar contra os adversários. Por algum tempo voltou a vender bilhete de loteria até que um dia foi embora, dizem que pra Rondônia.
Documentos revelam participação de Itaipu na Operação Condor
Pesquisa realizada no arquivo da Delegacia da Polícia Federal de Foz do Iguaçu comprova que no período da ditadura a Assessoria de Informações e Segurança de Itaipu participou ativamente da rede de espionagem integrada pelo Brasil, Argentina, Paraguai, Chile e Uruguai
Aluízio Palmar
Na edição do dia 7 de outubro do Observatório da Imprensa, o jornalista Cláudio Julio Tognolli expõe as principais decisões tomadas pelo seminário realizado em Brasília pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji). Nesse evento que reuniu jornalistas e convidados foram debatidas a transparência e a acessibilidade a informações consideradas sigilosas. Tognolli, que é diretor da Abraji, ironicamente escreve em seu artigo que “há uma luz no fim do túnel quando se fala sobre o acesso às informações públicas no Brasil: a luz é justamente o trem vindo no sentido contrário, pronto para atropelar, com rigores de burocracia medieval, todo e qualquer brasileiro que pretenda receber documentos do Estado”.
Esse trem em sentido contrário citado pelo presidente da Abraji é o decreto 4.553, sancionado por Fernando Henrique e regulamentado por Lula, que amplia os prazos de sigilo de documentos secretos, confidenciais e reservados e prevê a renovação indefinida para documentos ultra-secretos.
Esse decreto coloca o Brasil em absoluto atraso perante a comunidade internacional, à medida que viola o direito fundamental de acesso à informação. Está lá, escrito no artigo 5º, inciso 33, da Constituição: “Todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas na forma da lei, sob pena de responsabilidade”.
Além de atentar contra o direito cidadão garantido pela Carta Magna, o temor em dar transparência aos atos governamentais tem sido um obstáculo no dia-a-dia dos jornalistas e outros profissionais.
Quando se fala então em pesquisar documentos do período ditatorial é um deus-nos-acuda. Com exceção dos arquivos das delegacias de ordem política e social, que foram abertos pelos governos estaduais na década de 90, os demais continuam fechados a sete chaves.
Pastas e mais pastas com informações relevantes estão depositadas nas repartições policiais e militares e em outros lugares incertos e não sabidos. Não é preciso ir longe em busca de exemplo. Aqui mesmo, debaixo de nossos narizes, no arquivo da Delegacia da Polícia Federal de Foz do Iguaçu, milhares de documentos registram informações importantes para quem estiver interessado em pesquisar o período ditatorial. Especificamente sobre Foz do Iguaçu e região Oeste, estão lá no arquivo da PF, depositados no porão, onde antes funcionava a carceragem, documentos sobre a esquerda, movimentos sociais, conflitos de terra, imprensa, índios Avá-Guaranis, igreja e Itaipu.
Quanto à Itaipu, a sua Assessoria Especial de Segurança e Informações (AESI), durante quinze anos, espionou e emitiu relatórios que eram difundidos sistematicamente aos órgãos de repressão do regime ditatorial. De 1973 a 1988 a agência foi um reduto de militares e policiais torturadores que pertenciam à estrutura repressiva da ditadura. Alguns desses agentes atuaram num aparelho paralelo que era mantido pelo consórcio de construtoras – Unicon. Tanto a estrutura formal (AESI) como a clandestina tinham suas similares no Paraguai, onde funcionava a versão guarani dos “tonton macoute” (1). Diversas cidades espalhadas pelo Brasil faziam parte do organograma da espionagem e repressão da binacional, com suas principais bases operacionais situadas no Rio de Janeiro, Brasília, Curitiba e Assunção além de Foz e Ciudad del Este (na época Ciudad Puerto Presidente Stroessner).
Participação de Itaipu na “Operação Condor” (2)
A Assessoria Especial de Segurança e Informações não se limitava a espionar os empregados e os candidatos a emprego na empresa binacional. Moradores de Foz do Iguaçu e região eram investigados e os paraguaios, argentinos, uruguaios e chilenos que trabalhavam na obra recebiam uma atenção especial.
A participação de Itaipu na Operação Condor pode ser comprovada em diversos expedientes que se encontram no arquivo da PF de Foz do Iguaçu, como por exemplo o informe 031/76, de 15/12/76, enviado pela AESI brasileira à sua similar paraguaia. Atendendo ao pedido de seus colegas paraguaios, os beleguins do general Costa Cavalcanti puseram os seus agentes no encalço do médico ortopedista e dirigente do Movimento Popular Colorado (Mopoco), Agostín Goiburú Gimenez.
Dois meses após a AESI/Itaipu ter enviado o relatório aos militares paraguaios, Goiburú, que estava asilado na Argentina e costumava vir a Foz do Iguaçu visitar os amigos, desapareceu. Anos mais tarde o professor paraguaio Martins Almada (3) descobriu durante pesquisa no arquivo secreto da polícia de Stroessner que Agostín Goiburú havia sido seqüestrado e levado para o Paraguai, onde foi torturado até a morte no Regimento Escolta Presidencial, em Assunção.
Durante minha pesquisa no arquivo da Polícia Federal, encontrei cópias de alguns documentos que comprovam a participação dos militares que atuavam no Centro de Informações do Exército (Ciex) e na Assessoria Especial de Informações de Itaipu, no seqüestro e morte de Agostín Goiburú. Como meu acesso ao arquivo da PF aconteceu numa condição excepcional, não me foi permitido fazer cópias dos documentos.(4) Durante os três meses em que vasculhei a papelada enchi três cadernos anotando as informações que considerei mais relevantes. A respeito do caso Goiburú encontrei os seguintes registros:
Origem: Ciex
Pedido de Busca 0140/75
“Dr. Goiburú fugiu do território argentino onde estava asilado e se encontra em território brasileiro possivelmente em Foz do Iguaçu”.
Origem: SNI
Pedido de Busca 1664
10/11/76
Está prevista a chegada em Foz na primeira quinzena de setembro de Eduardo Sardi, Agostín Goiburú, Silvestre Gomes e do Tenente Caselli.
Origem: S2 do 1º Batalhão de Fronteiras
11/2/77
Relação de elementos subversivos paraguaios em Foz do Iguaçu
Agostín Goiburú Gimenez, Tito Martinez, César Cabral, Rodolfo Mongelos Leguizamón, Eduardo Sardi Ostergag, Silvestre Gomes Caselli
5º Região Militar
Centro de Informações do Exército (Ciex)
Informe 0089/76
Recebemos informações que será realizada reunião em Guaíra com a presença de Aníbal Abatte Soley, Alejandro Stumpfs, Rodolfo Monjelos, Nielse Fernandes, Aluízio Ferreira Palmar, César Cabral, Epifânio, Tito e Xisto Fleitas
Itaipu Binacional (5)
Assessoria Especial de Segurança e Informações
Informe 031/76, de 15/12/76
Subversivos paraguaios em Foz do Iguaçu
a – Coordenação de Segurança informa que subversivos paraguaios planejavam reunião em Guaíra, a qual não chegou a se concretizar.
Tal fato já confirmado pela Coordenação de Segurança do Paraguai, que enviou na ocasião elementos de busca àquela cidade.
b – Há indícios de que Goiburú e Aníbal Abate Soley sejam a mesma pessoa.
1. Goiburú é visto constantemente em companhia de companheiros de Aníbal.
2. Ambos nunca foram vistos juntos nas reuniões da organização.
3. Goiburú faz viagens para Buenos Aires, Foz do Iguaçu, Cambé e Ponta Porã e viaja em companhia de Tito Mendes. Aníbal tem negócios em Cuiabá.
4. Goiburú viaja com documentação falsa e como disfarce usa peruca. Aníbal é visto constantemente de peruca.
Morte na travessia para Puerto Iguazú
Diversos documentos que se encontram no arquivo da Polícia Federal de Foz do Iguaçu registram a participação de Itaipu na Operação Condor. A AESI mantinha correspondência direta e constante com os órgãos de repressão das ditaduras argentina, paraguaia, uruguaia e chilena. É o caso de diversos pedidos de informações sobre militantes do marxista Exército Revolucionário do Povo (ERP) e do peronista de esquerda Montoneros enviados pelos militares argentinos ao departamento de inteligência de Itaipu.
No arquivo da PF há várias listas com nomes de pessoas que estariam trabalhando na construção da hidrelétrica. Para atender seus colegas argentinos, os militares que dirigiam o serviço secreto de Itaipu elaboraram um plano repressivo que recebeu o nome de Operação Mesopotâmia.
Comandada pessoalmente pelo general Costa Cavalcanti e pelo capitão Roberto Henrique Helbling (ex-chefe da 2ª Seção do então 1º Bfront) e posteriormente pelo coronel Bruno Castro da Graça a operação constou de investigações minuciosas de todos os latino-americanos que trabalhavam na obra. Por conta dessa operação diversos trabalhadores suspeitos de serem “subversivos” foram entregues aos militares argentinos como é o caso de Carlos Roberto Albarracin. Sobre esse e outros casos existem abundantes cópias de documentos emitidos pela AESI/Itaipu no arquivo da Delegacia da Polícia Federal de Foz do Iguaçu.
Outro exemplo do conluio que havia entre as ditaduras do Cone Sul é a morte dos argentinos Lílian Inês Goldemberg e Eduardo Gonzalo Escabosa, ocorrida durante a travessia do casal do Porto Meira, em Foz do Iguaçu, a Puerto Iguazú, na Argentina.
Num sábado, 2 de agosto de 1980, Lílian, de 27 anos, loura e franzina, e seu companheiro Eduardo, de 30 anos, embarcaram na lancha Caju IV, pilotada por Antonio Alves Feitosa, conhecido na região como “Tatu”. Antes da atracação no lado argentino, dois policiais brasileiros que estavam a bordo mandaram o piloto parar a lancha e apontaram suas armas para o casal. Cercados, Lílian e Eduardo ainda puderam ver que mais policiais desciam ao atracadouro, vindos da aduana argentina. Assim que perceberam ter caído numa cilada, Lílian e Eduardo se ajoelharam diante de um grupo de religiosos que estava a bordo e gritaram que eram perseguidos políticos e preferiam morrer ali a serem torturados. Em seguida abriram um saco plástico, tiraram uns comprimidos e os engoliram bebendo a água barrenta do Rio Paraná. Morreram em trinta segundos, envenenados por uma dose fortíssima de cianureto.
Os religiosos italianos sumiram. Tatu foi convocado à Capitania dos Portos de Foz do Iguaçu e à Prefectura Naval de Puerto Iguazú e aconselhado a esquecer a morte dos jovens argentinos ocorrida em sua lancha.
Ao cobrir esse caso na época para o jornal O Globo, eu procurei a Capitania dos Portos para saber que providências as autoridades navais de Foz do Iguaçu iriam tomar; se seria aberta uma sindicância, como é de praxe nesse tipo de acontecimento. A resposta que recebi foi curta e grossa. O oficial que me atendeu disse que o incidente ocorrera do “lado de lá”, e em seguida mandou um marinheiro me acompanhar até a porta de saída.
Esqueceu-se de que o fato ocorrera também em barco brasileiro, portanto sob jurisdição nacional. Mas como nossa democracia estava engatinhando e o País ainda era governado pelos militares e a Lei de Segurança Nacional estava em pleno vigor, a morte do casal argentino e a participação de policiais brasileiros na emboscada foram parar no esquecimento dos arquivos inacessíveis.
Passados mais de vinte anos do desaparecimento de Agostín Goiburú, da morte dos jovens argentinos na lancha e do desaparecimento na região de Foz do Iguaçu de seis brasileiros (Onofre Pinto, Daniel e Joel de Carvalho, José Lavechia, Vitor Ramos e possivelmente Gilberto Faria Lima) e de um argentino (Ernesto Ruggia) (6), uma cortina de mistério impede que os detalhes da participação brasileira nessas e outras ações da Operação Condor sejam conhecidos.
Algumas pistas, como os casos relatados neste texto, indicam que a Tríplice Fronteira esteve no olho do furacão antidemocrático que fustigou a América Latina na década de 70. Entretanto, informações mais completas e detalhadas somente serão conhecidas quando o decreto 4.553 for revogado e todos os arquivos que guardam documentos sobre a época forem abertos.
NOTAS
1 – Polícia política do ditador Jean-Claude Duvalier, do Haiti, famosa pelo controle que exercia sobre a população e pelas atrocidades que cometia contra seus prisioneiros.
2 – A Operação Condor baseava-se em um sistema centralizado de coleta e intercâmbio de informações e compreendia missões de execução, seqüestro e extradição clandestina de militantes da esquerda latino-americana que em sua fuga ou exílio radicavam-se em países vizinhos e inclusive fora dos limites continentais. Essa rede operacional contou com a integração plena dos serviços de inteligência do Brasil, Chile, Argentina, Uruguai e Paraguai.
3 – Em dezembro de 1992 o ex-prisioneiro político Martin Almada, acompanhado pelo juiz paraguaio José Fernandes, entrou na delegacia de polícia de Lambaré, subúrbio de Assunção, para procurar seu dossiê no arquivo policial. Eles acabaram encontrando décadas de história documental sobre a repressão no Paraguai e outros países.
4 – O autor teve acesso ao arquivo da delegacia de Foz do Iguaçu da Polícia Federal graças ao credenciamento que recebeu da Comissão 9.140, dos Mortos e Desaparecidos Políticos, vinculada ao Ministério da Justiça.
5 – Neste informe a AESI toma uma pessoa por outra. Aníbal Abatte Soley, também membro do Mopoco, é um antigo comerciante de Foz do Iguaçu. Enquanto Goiburú era médico radicado na Argentina.
6 – Onofre, Daniel, Joel, Lavechia, Vitor, Gilberto e Ruggia faziam parte do grupo remanescente da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) que desapareceu no mês de julho de 1974 entre Santo Antônio do Sudoeste e Foz do Iguaçu, na fronteira entre Brasil e Argentina .
Prisões na colônia alemã de Foz do Iguaçu
Em 1942 foi decretada a “Lei de Fronteira” que dava total autonomia para as autoridades policiais e militares agirem no controle e repressão às colônias alemãs e italianas no Brasil. As informações foram desencadeadas a partir de informações coletadas, que davam conta da existência de uma forte organização ligada ao Partido Nazista Alemão, através da Ação Integralista Brasileira, dirigida por Plínio Salgado. Entre as organizações que atuavam no Brasil estavam os Círculos de Apoio ao Partido Nazista, a Juventude Teuto-Brasileira, a Comunhão das Mulheres Nazistas e outras. Exerciam estas organizações uma flagrante autoridade sobre as escolas, hospitais, maternidades, sociedades de todo o gênero,comércio e indústrias pertencentes a alemães.
Não é, portanto, de se estranhar que, dentro deste contexto, a colônia alemã de Foz do Iguaçu sofresse perseguições, provocadas, na maioria das vezes, por informações de indivíduos interessados em estar bem com as autoridades e por aproveitadores que estavam de olho nas propriedades dos colonos.
Naquela época o medo reinava entre os colonos de origem alemã, espalhados em pequenas e médias chácaras ao longo da Estrada Velha para Guarapuava e nas regiões de Santo Alberto e São João.
Havia rumores de que os colonos estavam fazendo reuniões e que muitos de seus membros colaboravam com o nazismo.
É aí que entra em cena o escrivão de polícia Aracy Albuquerque Neira, considerado por muitos como um dos responsáveis pelas perseguições e prisões ocorridas em Foz do Iguaçu.
Falar alemão naqueles dias era extremamente perigoso. Podia significar prisão, confinamento ou morte. Testemunhas desses acontecimentos acusaram o delegado Cláucio Guiss e o agrimensor da prefeitura Otto Kucinski, como responsáveis pelas informações chegadas a Curitiba de que “os alemães de Foz do Iguaçu estavam se armando e que durante as reuniões gritavam a famosa saudação nazista “Heil Hitler”.
Devido a esses boatos, foram presos Carlos Rahmeir, Kurt Mahler, Martin Nieuwenhoff, Gustav Leninger, família Roth, Kurt Steiner, August Gunther e outros. No relatório policial consta que “a cooperativa agrícola era a base de espionagem do Eixo”.
Depois das primeiras prisões, o medo se transformou em pânico e os colonos passaram a viver apreensivos. O ambiente se tornou mais tenso após a morte do tenente Nelson Fleital, que servia no Batalhão de Fronteiras. Algumas famílias abandonaram tudo que possuíam e esses bens foram tomados por aproveitadores, muitos deles os mesmos alcagüetes responsáveis pelos boatos.
Prisão do Pároco de Foz
Processo contra a Congregação do Verbo Divino
As deduragens durante a segunda guerra mundial não perdoaram nem as autoridades religiosas. Em 1942, a partir de uma denúncia do escrivão Aracy Albuquerque Neira, o prelado de Foz do Iguaçu, monsenhor dom Manoel Koenner, foi preso e processado sob a acusação de “haver praticado delito previsto pelo artigo 13 da Lei de Segurança Nacional”. As autoridades policiais alegaram como motivo para a prisão, ocorrida em 19 de janeiro de 1942, terem encontrado uns caixotes na Prelazia, contendo armas de caça, munição,discos alemães e materiais de farmácia, entre outros objetos.
Em seu relatório, o delegado regional de Polícia, Gláucio Guiss, chegou ao cúmulo de afirmar que a congregação do Verbo Divino, a que pertencia dom Manoel Koenner, era uma “grande rede de espionagem alemã no Brasil”.
Esses fatos, minimizados na biografia do padre que exerceu a chefia da paróquia de Foz do Iguaçu no ano de 1942, são considerados pelo diretor da escola que leva seu nome, no município de Santa Terezinha de Itaipu, como perseguição política. O mesmo afirma laconicamente o padre Germano Lauk. Segundo ele, tudo não passou de um equivoco e que no final dom Manoel Koenner foi reabilitado. Indo mais a fundo o professor Cláudio Dier,
um dos biógrafos do monsenhor, assegurou que o vigário foi vítima de provas fabricadas.
Na ânsia de mostrar serviço aos seus superiores, o delegado Gláucio Guiss informou, no relatório que escreveu às autoridades de Curitiba, que nos caixotes depositados na prelazia, foram encontrados “material bélico e munições de guerra, além de propaganda da Ação Integralista do Brasil, organização de inspiração fascista e dirigida por Plínio Salgado”.
O caso dos caixotes misteriosos
Já em seu depoimento, prestado ao delegado Gláucio Guiss em 19 de janeiro de 1942, dom Manoel Koenner afirmou que desconhecia o conteúdo dos caixões, nos quais nunca mexeu por recomendação de seus antecessores, padres Theodoro Harnecke e Vicente Hackl, presumindo serem de propriedade de um “arquiduque, um médico, um químico e um piloto, todos de nacionalidade húngara, que estiveram hospedados na Prelazia em 1937”. Quanto a acusação de ser simpatizante da Ação Integralista, dom Manoel Koenner afirmou que de fato no ano de 1933 foi simpatizante desse movimento político, mas que em 1934 ele se desligou do mesmo por considerar que os dirigentes políticos do Integralismo não inspiravam confiança. Com relação ao material encontrado em seu arquivo particular, o padre declarou que o encontrou por “debaixo da porta principal da Prelazia e o guardou sem segundas intenções”.
Apesar de jurar inocência diante das acusações, dom Manoel Koenner foi mantido preso e processado pelo Tribunal de Segurança Nacional.
O caso dos caixotes só foi esclarecido no depoimento prestado ao chefe do DOPS, delegado Valfrido Piloto, em sete de junho de 1943, pelo padre Vicente Hackl, ex-vigário de Foz do Iguaçu.
Segundo o padre Hackl, os caixotes foram deixados na Prelazia por uma comissão composta por quatro pessoas de nacionalidade húngara e chefiada por um arquiduque da Casa da Áustria, de nome Albrecht de Habsburg. Esse arquiduque chegara a Foz do Iguaçu em agosto de 1937 num avião de sua propriedade e se hospedara, juntamente com os demais membros, da comissão na casa paroquial.
Ainda segundo o padre Hackl, o tempo de permanência do Arquiduque e sua comitiva em Foz do Iguaçu foi de trinta dias. Antes, porém, de seguirem viagem para Assunção, pediram permissão ao vigário para deixarem os caixotes até março do ano seguinte, quando voltariam para buscá-los.
Rigorosamente, a prisão dos padres da Congregação do Verbo Divino não passou de mais um erro policial causado pela histeria e preconceito racial. Tanto que no ofício de número 1.374/43, enviado ao chefe da 2ª Seção do Estado Maior da 5ª Região Militar, o delegado do Dops, Valfrido Piloto, informou que os proprietários dos caixotes faziam parte de uma “expedição destinada à escolha de um latifúndio no território paraguaio, a fim de ser estabelecida uma grande propriedade agrícola, naturalmente com colonização estrangeira”. Quanto as suspeitas de que essa propriedade pudesse vir a ser futuramente, um ponto de apoio a serviço de espionagem para as potências do Eixo, o delegado do Dops afirmou que não foi “descoberto nenhum indício que confirmasse esta conjectura”. Valfrido Piloto informou ainda à autoridade militar que todos os serviços de verificação realizados pela comissão húngara “foram feitos às claras, tendo sido acompanhados, até por pessoas estranhas à Comitiva e que os caixotes foram deixados em sala aberta e de fácil acesso, aí ficando como que abandonados pelos vários sacerdotes que exerceram a Prelazia”.
Apesar de todas as evidências inocentado-o das acusações, no dia nove de outubro de 1943, dom Manoel Koenner foi condenado a três anos de prisão pelo Tribunal de Segurança Nacional. Sua libertação só foi possível graças aos pedidos encaminhados pelos religiosos à dona Carmela, esposa do então ministro da Guerra, marechal Eurico Gaspar Dutra, conhecida por sua extremada fé católica. Seu caso foi revisto pelos juízes, tendo sido absolvido e reabilitado em sua plenitude. Três anos depois, já eleito presidente da República,sempre influenciado por dona Carmela, Dutra cancelou o registro do Partido Comunista, cassou o mandato de seus parlamentares e fechou os sindicatos. Foi, sem dúvida um carrasco da classe trabalhadora e bom amigo e protetor do clero. Suas simpatias pela causa integralista e pelo fascismo eram conhecidas publicamente.
Meus esqueletos
Foi por volta de agosto de 1980 que eu, Adelino de Souza, Juvêncio Mazzarollo e Jessé Vidigal, decidimos fazer um jornal que fugisse dos padrões da imprensa do interior. Naquele mesmo mês nós havíamos sido demitidos do Hoje Foz, depois deste semanário ter sido vendido para o político arenista Jucundino Furtado, então presidente do Banco do Estado do Paraná e homem chave no esquema de poder montado por Ney Braga. Nossa permanência naquele jornal era incompatível com a ideologia e os negócios que o grupo neista alavancava nos órgãos de governo.
Eu, fichado como terrorista e chegado do exílio a menos de um ano; Juvêncio, considerado como pessoa de idéias subversivas e Adelino e Jessé, queimados como rebeldes e parte do nosso grupo.
Desempregados e sem perspectiva de conseguir uma colocação em curto prazo, partimos então para pôr em circulação o novo jornal até o final do ano. As condições, de acordo com nossas avaliações, eram propícias para uma publicação que tivesse como linha editorial a luta pelas reivindicações cidadãs a partir de um enfoque democrático e conseqüentemente de contestação ao governo militar.
Apesar do País estar passando naquele momento por uma situação excepcional, de retorno a democracia, com o povo nas ruas portando as bandeiras das demandas reprimidas pelo regime militar, Foz do Iguaçu ainda era um território dominado pelos militares que juntamente com os civis adesguianos (membros da Associação dos Diplomados na Escola Superior de Guerra) ocupavam todos os órgãos públicos.
Naquela época quem não possuísse uma carteirinha da Adesg estava alijado pelo grupo que detinha o poder, e portando de suas benesses e prebendas.
Políticos e empresários fixavam nas paredes de seus escritórios os certificados emitidos pela associação encarregada de defender a ditadura. O papelucho era o passaporte para o sucesso. Quem não o possuísse estava condenado a ficar excluído dos negócios com o governo e empresas estatais, e também de assumir cargos de destaque na administração pública.
Em 1982, quando o prefeito nomeado de Foz do Iguaçu, coronel Clóvis Cunha Bueno, decidiu pendurar a chuteira, os candidatos a substituí-lo exibiam o certificado-passaporte que abria caminhos para a intimidade do poder. Há o caso de um hoteleiro que precisou correr na última hora e, mediante não sei que artifícios, conseguiu com o juiz João Kopytovski o seu precioso passaporte para o poder. O juiz era um defensor intransigente da ditadura e inimigo de morte de qualquer tendência política de esquerda.
Pois bem, foi justamente nessa terra dominada pelos sátrapas da autocracia, seus beleguins e puxa-sacos que decidimos fazer um jornal rebelde, de oposição ao regime militar e engajado nas lutas populares.
Sabíamos que enfrentaríamos muitas dificuldades e a principal delas seria a impressão. Em Foz só havia uma máquina capaz de imprimir no formato tablóide, era a do Hoje, que obviamente não iria rodar um jornal feito por nós. Como havíamos decidido ter desde o começo um mínimo de autonomia resolvemos fazer a composição e montagem em Foz do Iguaçu e levar os past-ups para Cascavel, onde o jornal seria impresso.
Foi então que compramos uma máquina eletrônica de fotocomposição.
Durante minha pesquisa no arquivo da Delegacia da Polícia Federal de Foz do Iguaçu eu me senti como a personagem desse clássico do cinema “cult”.
Ao esmiuçar os quase vinte mil documentos, buscando pistas que indicassem as circunstâncias das mortes dos desaparecidos políticos e a localização dos seus restos mortais, eu tive acesso a um conjunto de documentos que traçam a história do oeste e sudoeste do Paraná e em particular de Foz do Iguaçu nos últimos trinta anos. São reclamações, investigações e inquéritos sobre as “guerras camponesas” de defesa contra os despejos executados por jagunços a soldo de latifundiários. Além dos documentos sobre as organizações de esquerda e dos conflitos pela terra, o arquivo da Polícia Federal é farto em documentos sobre questões locais. Essas vão desde as fofocas políticas, controle do movimento estudantil e relatórios de dedos-duros até uma ou outra articulação do movimento estudantil.
Descobri também um fato acontecido em outubro de 1975 e abafado pela cúpula da Itaipu. Trata-se de uma greve de fome ocorrida no canteiro de obras e que só terminou depois
São histórias de prisões, de resistências, de dedos-duros, biltres e lambe-botas. Por enquanto vou relatar alguns casos de prisões pitorescas e de resistências. O resto fica pra depois.
Greve de fome na Itaipu
Durante 21 anos, o regime militar implantado no Brasil em 1964, prendeu, torturou, exilou e assassinou àqueles, que ousaram se opor à ditadura.
O Estado Policial chegou ao seu mais alto grau de terror na década de 70, quando todo o País foi entregue à sanha dos caçadores de bruxas. Era comum haver agentes policiais infiltrados nas escolas, nos ambientes de trabalho e, sobretudo, nos órgãos de comunicação, que, por serem formadores de opinião, sofriam uma vigilância redobrada. Não faltaram também, como instrumentos de incentivo à delação, os IPMs (Inquéritos Policiais-Militares) e as CGIs (Comissões Gerais de Inquérito). Estas foram instaladas em todos os órgãos de governo, inquirindo um a um os servidores e forçando-os a comprometer os demais.
Naquela época qualquer tipo de protesto era considerado um ato subversivo e ainda mais dentro do resguardado Canteiro de Obras da futura maior hidrelétrica do mundo. A Coordenação de Informações e Segurança da empresa binacional, comandada por militares reformados, possuía uma radiografia completa de cada funcionário e trabalhava em conjunto com o Centro de Informações do Exército, especificamente com a 2ª Seção (Serviço Secreto) do 1º Batalhão de Fronteira, hoje 34º BIMTZ, com o Serviço de Informações das polícias Federal e Militar, com o Centro de Informações da Marinha - Cenimar e com o Centro de Informações e Segurança da Aeronáutica – Cisa e Serviço Nacional de Informações- SNI.
As fichas preenchidas pelos candidatos a emprego eram enviadas pela Itaipu para análise de todos os órgãos que compunham o sistema de repressão da ditadura. No decorrer do meu trabalho no arquivo da PF me deparei com diversos casos de pessoas que tiveram seus pedidos de emprego negados por terem tido alguma atividade no movimento sindical ou estudantil.
Apesar de todas estes cuidados e do clima de terror implantado pelos “beleguins” do general Costa Cavalcanti, no dia 28 de outubro de 1975, um grupo de operários iniciou uma greve de fome no Canteiro de Obras de Itaipu, em protesto “contra a péssima alimentação” que era servida. O movimento foi reprimido e trinta e cinco operários foram demitidos para “servir como exemplo e impedir novas demonstrações de rebeldia”.
A greve de fome durou três dias e começou entre os operários da subempreiteira Vila Rica, que por sua vez prestava serviços a empreiteira Adolpho Lindemberg. Foi um movimento espontâneo e pegou todo a direção de surpresa. Roberto Helbling, um militar reformado, escolhido a dedo para dirigir o setor de segurança da Obra, ficou sem ação e pediu ajuda ao SNI. De Brasília veio a ordem de chamar o general Adalberto Massa, delegado Regional do Trabalho. A presidência da República tinha receio que os grevistas fossem reprimidos no cacete e a imprensa tomasse conhecimento do que estava acontecendo “entre os muros” da construção da grande usina.
O general Massa baixou em Foz no segundo dia de greve e foi do aeroporto diretamente para o Hotel Bourbon, onde já se encontravam reunidos para avaliar a situação o general Costa Cavalcanti, Helbling e Junot. Nessa reunião, o general Costa Cavalcanti sugeriu que a greve fosse reprimida de forma exemplar “para acabar definitivamente com os focos comunistas” dentro de “sua obra”. Momentos antes, Helbling havia informado que recebera radiogramas dos órgãos de informações comunicando que nenhum dos grevistas era fichado por atividade política ou sindical.
Por fim foi acolhida a proposta do general Massa, que consistia na demissão sumária e exemplar de todos os líderes do movimento a começar por Miguel Alcanis Gimenez, que havia se apresentado como porta-voz dos grevistas. O principal argumento do Delegado Regional do Trabalho foi de que uma repressão física, com prisões dos grevistas, poderia vazar para a imprensa internacional e desabonar a imagem que a empresa binacional estava construindo no exterior.
No dia trinta de outubro de 1975, três após o início da greve de fome, 35 operários da construtora Vila Rica foram sumariamente
demitidos e enviados à suas cidades de origem. A “operação abafa” foi bem sucedida, a greve virou tabu dentro da Obra.
A prisão do topógrafo
Paulo José Dias era topógrafo e trabalhava para a Planta Engenharia S/A, consorciada da Matrix Engenharia S/A, empresa designada para fazer o cadastro de implantação do Canteiro de Obras da barragem de Itaipu.
Em 12 de dezembro de 1973, ele, esposa e filha mudaram-se de Muriaé, Minas Gerais, para Foz do Iguaçu. Como não conseguiram casa para alugar foram morar no Hotel da Porota, que era localizado na Rua Rio Branco.
Dois meses após terem chegado a Foz, a esposa resolveu voltar para Muriaé. Ela estava entrando no nono mês de gravidez e achou melhor ter a criança ao lado de seus pais, em sua cidade natal.
No dia 14 de fevereiro, logo depois de meio-dia, acompanhada pela filha, ela pegou uma Kombi e foi para o aeroporto.
Chovia muito naquele começo de tarde, o que tornava impraticável o trabalho de topografia. E já que estava parado, o topógrafo pediu à chefia autorização para ir ao aeroporto se despedir de sua filha e da esposa. Disse pro chefe que quando saiu, de madrugada, como todos os dias, a filha estava dormindo. Apesar de seus argumentos e da chuva, que não parava de cair, seu pedido foi negado. Passou o resto da tarde no alojamento com os colegas, pois o tempo não estava propício ao trabalho de campo.
No final do expediente, ainda revoltado, Paulo José foi ao Bar Garfo de Ouro, onde tomou uns tragos. Lá pelas tantas, deitou falação contra o militarismo e disse que era um absurdo em pleno século vinte a humanidade resolver seus problemas na base da guerra. Um soldado do Batalhão não gostou e disse para o topógrafo que ele estava ofendendo o Exército Brasileiro. O militar tentou ainda prendê-lo, mas ele deu um safanão e conseguiu se safar.
Levantou de ressaca no dia seguinte e foi até o bar mais próximo para rebater o porre da véspera. Bebeu uma dose de rum e retornou ao hotel para tomar um banho. Ao chegar, um policial, que já o esperava, levou-o para a delegacia de polícia onde foi rigorosamente interrogado. Queriam que ele confessasse que era comunista e membro de organização subversiva infiltrada na obra de Itaipu. O topógrafo contou sua história. Falou da mulher grávida, da filha e da frustração por não ter ido ao aeroporto se despedir delas.
Da Civil foi conduzido para a Delegacia da Polícia Federal, onde dormiu, depois de nova qualificação e interrogatório. No dia seguinte foi levado para o Batalhão onde ficou três semanas no xadrez. Durante este período novos interrogatórios e ameaças de tortura. Naquela época ainda havia no Batalhão uma sala com diversos aparelhos de tortura. Os últimos presos supliciados na “sala de terror” foram os professores Luíz e Izabel Fávero. Ela estava grávida e abortou depois de uma sessão de choques elétricos.
Os militares estavam convencidos que Paulo José era um perigoso subversivo, membro de alguma célula comunista existente no Canteiro de Obras. Para tanto eles se escoravam em informações fornecidas pelo Centro de Informações do Exército- CIE, que davam conta que um colega do topógrafo na Usiminas havia sido preso como subversivo em 1964. Outro dado também considerado importante pelos militares, era de que uma tia de Paulo José era casada com o tio do padre Geraldo da Cruz, preso em 1967 por ser membro de uma congregação religiosa “suspeita de subversão”.
Apesar de não terem nenhum motivo para manter o topógrafo preso, os militares o mantiveram num cubículo durante vinte e dois dias. Por ultimo foi fichado como subversivo e demitido da Planta Engenharia S.A.
O cerco aos jornais e jornalistas
1. Jornal fechado e diretor mandado embora de Foz
Em 18 de setembro de 1974 surgiu em Foz do Iguaçu um jornal tamanho standard e impresso no sistema offset. Dirigido por Waldomiro de Deus Pereira, que tinha como sócios Norival de Souza e Mário Teixeira, o Jornal Binacional, levava estampado embaixo do título a frase: “Veículo da região de Itaipu para o Brasil e Paraguai”. A redação do novo órgão de imprensa da cidade era na rua Edmundo de Barros e a impressão da primeira e única edição foi na Editora Lítero Técnica, localizada na Rua Alferes Poli, 299, em Curitiba.
Nesta mesma época circulava na cidade o Mini Informativo, de Ignez Sanches de Cristo e a revista Painel, de José Vicente Tezza, que até hoje resiste bravamente.
A edição do Jornal Binacional, que circulou em 18 de setembro de 1974, dedicou seis de suas dez páginas a situação dos colonos que tiveram suas terras desapropriadas na localidade de Santo Alberto, situada nas proximidades do Parque Nacional do Iguaçu.
“Expropriados pedem sindicância federal”, foi a manchete de capa acompanhada de um texto em que a direção do jornal fez questão de dizer que a pretensão da matéria “não era de contestar a ação do governo em desapropriar a área da antiga Gleba Silva Jardim, nem tampouco criticar ou fazer restrições, já que a confiança no Governo da Revolução é irrestrita”.
Depois dessa alisada no governo dos generais, o jornal criticou a forma como estava sendo feita a desapropriação dos pequenos proprietários pelo Incra. Esses colonos, quase todos pioneiros de Foz do Iguaçu estavam sendo tirados de suas propriedades e transferidos para o Projeto Integrado de Colonização, PIC-OCOI, em São Miguel do Iguaçu. Enquanto as benfeitorias eram pagas por um terço do seu valor e as terras com títulos da dívida pública, as novas propriedades no PIC-OCOI eram vendidas aos colonos com financiamento a juro de mercado.
As seis páginas do Binacional dedicadas ao caso dos despejados de Santo Alberto, mostram, por meio de depoimentos e fotografias, a situação de miséria das famílias de agricultores e o clima de apreensão que dominava a região.
Não deu outra, a matéria não agradou os militares e Waldomiro foi intimado a comparecer ao Batalhão. Lá, ele foi severamente interrogado. Queriam saber se o movimento de resistência dos colonos era orientado por organizações subversivas. Depois de ficharem o jornalista mandaram que ele juntasse seus pertences e fosse embora da cidade. Os órgãos de informações da repressão continuaram controlando os passos do jornalista e a última anotação sobre ele no arquivo da PF data de 24 de fevereiro de 1975 e diz que Waldomiro estava trabalhando na Tribuna de Cianorte.
2. Paulo Martins aborta manifesto democrático
Numa tentativa de conter uma previsível vitória oposicionista nas eleições de 1978, o general Ernesto Geisel apertou o cerco e em 1977, após fechar o Congresso por duas semanas, introduziu uma série de medidas conhecidas como o “pacote de abril”, alterando as regras eleitorais com intuito de beneficiar o partido do governo (Arena).
Inconformado com estas medidas Beliamino Júlio Miotto, diretor da Rádio Colméia, de Cascavel, mandou divulgar uma nota escrita pelo jornalista Leopoldo Sefrin Filho, que por meio de metáforas repudiava as novas medidas ditadas pelo ditador.
Ao tomar conhecimento que o texto seria lido pelos locutores da Colméia durante a programação, o então gerente da emissora Paulo Martins, ativo informante dos órgãos de repressão, foi até o estúdio e recolheu o documento, levando-o para o chefe da 2ª Seção, do Grupamento do Exército em Cascavel.
Este fato está registrado entre os milhares de documentos que fazem parte do acervo do arquivo da Polícia Federal de Foz do Iguaçu. Anexado a papelada que trata do caso está o texto que teve sua leitura abortada: “Acaba de falecer esta manhã a respeitável senhora democracia, vítima de mal ainda desconhecido, após recesso parlamentar. Segundo fontes oficiais, a senhora democracia foi acometida possivelmente de um vírus denominado fechamento de questão em torno do caso.
A defunta está sendo velada no lado de fora do salão do Congresso Nacional, após o Presidente da República ter levado um “pacote” de velas ao santuário judicial esta manhã.”
3. Texto de Rui Pires foi parar nas mãos de delegado
Outro caso envolvendo jornalista, aconteceu com Rui Pires, que em 1975 trabalhava na Rádio Matelândia. Num certo dia de outubro, indignado com a situação do País, ele escreveu uma nota que lhe rendeu muitos aborrecimentos. O texto escrito numa máquina Remington da redação era um protesto contra a supressão de eleições nas capitais e municípios localizados nas áreas consideradas de segurança nacional. “O atual regime se diz democrático. Por que então a supressão de autonomia das capitais e dos municípios da fronteira, quando o artigo 1º da Constituição afirma que “todo o poder emana do povo e em seu nome será exercido”, escreveu Pires.
Pois bem, o jornalista esqueceu sobre sua mesa folha de papel datilografada e ela foi parar nas mãos do Delegado de Polícia, 2º sargento PM Benedito Camargo, que a encaminhou ao major responsável pela 2ª Seção do Batalhão.
Rui Pires foi intimado para depor, demitido da Rádio Matelândia e durante anos seus passos passaram a ser controlados pelos agentes dos serviços de informações. Mais tarde foi para Marechal Cândido Rondon, onde se destacou trabalhando na imprensa local e ocupando cargos relevantes na prefeitura local.
4. Baixo meretrício e comunismo internacional
Os arquivos da repressão estão repletos de casos semelhantes aos narrados acima. Vale ainda registrar uma reportagem publicada pelo jornal Hoje Rondon , que era dirigido pelo jornalista Sefrin Filho, e que movimentou a 2ª Seção do 1º Batalhão de Fronteira e deu origem a extensos relatórios.
A matéria que deixou os militares arrepiados foi sobre as condições de vida das mulheres que viviam na Zona de Baixo Meretrício de Rondon. Algumas mulheres foram entrevistadas e contaram para a reportagem a sua origem e como foram parar na prostituição. Quase todas as moradoras da ZBM declararam que eram oriundas do campo.
Apesar da matéria registrar um problema social, real e contemporâneo os militares redigiram o Encaminhamento nº 9S2-78, de 26 de abril de 1978. Diz o documento oficial que “A reportagem do Hoje Rondon – Este jornal foi pra Zona de Meretrício – causou uma reação de revolta e muitas críticas por parte da população do município, tendo em vista o seu teor desagregador da família e em acordo com o esquema subversivo elaborado e preconizado pelo Movimento Comunista Internacional.”
Outro veículo de imprensa, a revista Painel, decana da imprensa iguaçuense, também foi investigada pelos órgãos de repressão. Os olhos e ouvidos dos arapongas estiveram voltados para a revista de José Vicente Tezza por conta dos incisivos e corajosos artigos do advogado Antônio Vanderli Moreira, então presidente do Diretório Municipal do MDB.
Devido as suas vigorosas críticas ao regime discricionário e também pela sua militância social, como foi a heróica defesa dos colonos desapropriados de Santo Alberto, Antônio possui polpudos prontuários nos órgãos de repressão política de Foz do Iguaçu.
A coletiva de
Costa Cavalcanti
Em 15 de outubro de 1981, o general Costa Cavalcanti convidou a imprensa da região para uma coletiva. Foi a primeira desde que ele se instalou aqui para comandar a construção da Hidrelétrica de Itaipu. Arrogante e fazendo questão de demonstrar ares de superioridade, o general quando vinha à Foz do Iguaçu se fechava no Hotel Bourbon e esnobava a imprensa e os políticos da província.
Às 8h da manhã, o grupo de jornalistas foi recebido no Centro Executivo e ficou até às 10h assistindo a projeção de slides e audiovisuais, acompanhados por explicações do empedernido diretor brasileiro da Itaipu Binacional.
Ao término da sessão encher lingüiça chega a hora da tão esperada entrevista. Homem de caserna, acostumado a dar ordens e ainda mais numa época em que os militares eram ainda os todo-poderosos, o general começou ditando regras para os jornalistas.Uma pergunta para cada um e fim de papo. Sua tática para evitar o confronto com a imprensa era ocupar a maior parte do tempo com projeções e palestra, para depois alegar falta de tempo e encurtar a coletiva. Outra tática era falar com os jornalistas como se estivesse comandando um ensaio de ordem-unida.
Emir Sfair, um raposão da imprensa paranaense e diretor do jornal O Paraná, de Cascavel, arriscou fazer duas perguntas e foi cortado rispidamente: “Chega! . É uma pergunta para cada um”. Quando o Hélio Winter, da Rádio Difusora, de Rondon, ensaiou fazer uma pergunta, o general o deixou falando sozinho e pediu para que a representante do Jornal do Brasil falasse. “Quero ouvir uma voz feminina, depois você fala”. Hélio Teixeira, que naquela época era o correspondente da revista Veja no Paraná, quis saber o que pensava a Itaipu sobre certo assunto e foi cortado abruptamente por Costa Cavalcanti: “Itaipu não pensa meu filho, quem pensa são os governos do Brasil e do Paraguai”.
O momento mais tenso da entrevista foi quando o general de forma ríspida impediu que o repórter Miguel Tanamati, da TV Paranaense, terminasse de formular sua pergunta. Ele queria saber se possíveis mudanças nas políticas internas no Brasil ou Paraguai poderiam influir no Tratado de Itaipu. Do alto de sua prepotência o homem forte da ditadura deu de dedo e disse para o repórter: “Você está sendo inconveniente”.
Dito isso largou o microfone em cima da mesa e retirou-se do auditório acompanhado por seus assessores.
A comunidade árabe e os delírios
dos “arapongas”
Não é de hoje que a comunidade árabe de Foz do Iguaçu e Ciudad del Este vem sendo vítima de perseguições. Data de setembro de 1970, uma onda de investigações desencadeadas pela “Turma de Ordem Política e Social”, do Departamento de Polícia Federal, para investigar os membros da colônia.
Um boletim com carimbo de confidencial, com o título “Atividade das Organizações Terroristas Árabes em Foz do Iguaçu”, acusa vários comerciantes de origem libanesa, de terem respaldado o assassinato de Edna Peer, secretária da Embaixada de Israel em Assunção, ocorrido em maio daquele ano.
Apesar de não possuírem nenhuma prova que comprometesse os membros da colônia árabe, os responsáveis pelas investigações relataram aos seus superiores, que Mohsen Ali Sakar, Ahmed Ibrain Barakat, Alif Zakariya Ashilita, Mohamed Ali Sakar e Abdul Nagib Said Rahal, todos residentes e estabelecidos em Foz do Iguaçu, teriam dado apoio ao atentado.
Depois de submetidos ao constrangimento dos interrogatórios, os comerciantes de origem libanesa foram libertados por falta de prova.
Como este fato ocorreu em plena ditadura militar, quando os cárceres estavam lotados de presos políticos e a tortura e o assassinato dos dissidentes políticos eram habituais, não faltaram os alcagüetes, que faziam plantão na Divisão da Polícia Federal.
Fazendo coro aos caçadores de “terroristas árabes” em Foz do Iguaçu o temível chefe do Dops no Paraná,Ozias Algauer, enviou em 15 de setembro de 1970, ofício nº 698/70, também com carimbo de confidencial, solicitando ao delegado de polícia de Foz do Iguaçu informações sobre a ideologia dos membros da comunidade árabe alvos da investigação.Ozias Algauer é conhecido por ter chefiado em Curitiba as torturas aos prisioneiros políticos. A investigação encomendada por Ozias Algauer, cujo nome consta na lista de torturadores elaborada pelo Tortura Nunca Mais, também acabou em nada. Com os resultados das diligências caíram por terra as intrigas, oriundas dos serviços secretos de Israel e dos Estados Unidos.
A greve de fome dos vereadores
Em 1982, o governo militar estava enfraquecido e o regime esgotado. Inflação em alta, classe média descontente e greves operárias no ABC paulista. As eleições daquele ano seriam diretas e para evitar uma grande derrota o governo tomou uma série de medidas, como: formação de novos partidos, proibição de coligações, voto vinculado (os eleitores deveriam votar em candidatos do mesmo partido), fim do voto de legenda e continuidade da Lei Falcão (a propaganda eleitoral se restringia a divulgação do currículo dos candidatos). Mesmo com todas essas medidas o governo perdeu feio.
Após as eleições de 1982, começou em todo o país a luta por eleições diretas.
Aqui em Foz do Iguaçu, algumas vozes clamavam pelo retorno da autonomia do município, com eleição para prefeito. Desde 4 de junho de 1968, os municípios de Foz do Iguaçu, Barracão,Capanema,Guairá, Medianeira, Marechal Cândido Rondon, Pérola do Oeste, Planalto, Santo Antônio do Sudoeste e São Miguel do Iguaçu, foram declarados áreas indispensáveis à segurança nacional. Os prefeitos desses municípios, juntamente com Santa Helena, que seria incluída depois, eram interventores nomeados pelo governador, mediante prévia autorização do presidente da República.
Em Foz do Iguaçu, o movimento emancipacionista crescia, com manifestações em frente à Prefeitura. Na Câmara Municipal o clamor das ruas repercutia nos discursos categóricos de Evandro Stelle Teixeira, Severino Sacomori, Emerson Wagner e outros vereadores.
Em 1983 foi criado o Conam (Comitê Nacional de Autonomia dos Municípios), que teve o então deputado estadual Sérgio Spada, juntamente com Gernote Kirinus, Caito Quintana e José Fonseca como seus primeiros membros.
Apesar do clamor popular, e das atividades do Conam a reconquista de eleições nos municípios considerados estratégicos não saía. Neste rol estavam capitais, as estâncias hidrominerais, os municípios da chamada faixa de fronteira e as cidades portuárias e industriais consideradas estratégicas.
Foi então que em 11 de fevereiro de 1984, o prefeito nomeado, coronel Clóvis Cunha Vianna, oficializou no dia 11 de fevereiro de 1984, nove anos após sua nomeação, seu pedido de afastamento. Hostilizado pela população, o coronel reformado e engenheiro da Itaipu, já havia anteriormente manifestado ao Conselho de Segurança Nacional sua intenção de entregar o cargo.
Entretanto, a demora na nomeação de um novo prefeito, levou com que cinco vereadores: Emerson Wagner, Severino Sacomori, Justino Bianco, João Kuster e José Arceno, entrassem em greve de fome, para pressionar o governo a se definir por um dos três nomes indicados numa lista tríplice, confeccionada em comum acordo entre o PDS e PMDB.
O PMDB contava como fava contada que seu indicado, Nadir Rafain fosse o novo prefeito nomeado. Os outros nomes eram Mário Boff (PDS ligado a Canet Júnior) e Wádis Benvenutti (PDS com alguma articulação nos meios militares). Por fora corria o engenheiro Sérgio Levy, apadrinhado pelo general Costa Cavalcanti, então diretor da Itaipu e um dos homens fortes do regime.
A greve de fome dos vereadores
II
No dia 11 de fevereiro de 1984, o coronel Clóvis Cunha Vianna oficializou o seu pedido de afastamento do cargo de prefeito. Nove anos antes, ele havia chegado a Foz do Iguaçu., sob o manto protetor do general Costa Cavalcanti, para assumir a chefia do Poder Executivo. Semanas antes de sua renúncia, Vianna já havia manifestado ao Conselho de Segurança Nacional seu interesse em ir embora de Foz do Iguaçu.
Foram dias tumultuados aqueles que precederam o afastamento do coronel reformado. Quase que diariamente os partidos de oposição faziam manifestações em frente à prefeitura, pedindo a renúncia de Vianna e clamando por eleição direta para prefeito. O município de Foz do Iguaçu estava sob intervenção federal desde quatro de junho de 1968, quando foi declarado “área de segurança nacional”.
Agradando os militares
A notícia de que o coronel nomeado prefeito estava entregando o cargo deflagrou uma corrida para ocupar o cargo. O PMDB se achava com direito, por ser o partido o então governador José Richa. Por outro lado o PDS se considerava dono do cargo, por ser o partido do presidente João Figueiredo e do general Costa Cavalcanti.De olho na nomeação surgiram no PMDB os nomes de Nadir Rafain, Mário Boff, Salvador Ramos e Álvaro Albuquerque. Pelo PDS se apresentaram, Wádis Benvenutti, Tércio Albuquerque, Paulo Mac Donald e Sérgio Lobato. Por fora, corria o engenheiro Sergio Levy, nome preferido do general Costa Cavalcanti.
Naqueles dias a maioria desses candidatos à nomeação corria atrás de comendas, certificados, menções e tudo que provasse lealdade aos militares. Lobato chegou a tirar do baú um surrado certificado de reservista, Wádis Benvenutti, fez questão de mandar fazer e pendurar um quadro com o certificado da Associação dos Diplomados na Escola Superior de Guerra.
Depois de muitas reuniões, viagens à capital, golpes nos diretórios e acusações, PDS e PMDB, chegaram a um acordo e elaboraram uma lista tríplice, com os nomes de Wádis Benvenutti, Mário Boff e Nadir Rafain.
Com o coronel Vianna de malas prontas, a lista foi enviada para as “instâncias superiores”.
Passaram-se dias, semanas e nada de nomeação. A demora levou com que os vereadores José Arceno, Sérgio Lobato, Severino Sacomori, Emerson Wagner e João Kuster deflagrassem uma greve de fome para acelerar a nomeação.
Enquanto a greve dos cinco vereadores chamava a atenção da opinião pública e da mídia, acusações mútuas rolavam dentro do PDS e PMDB. Paulo Mac Donald acusava os vereadores grevistas, de estarem a serviço de Tércio Albuquerque para tumultuar o processo de escolha. Dentro do PMDB, a ala jovem acusava Dobrandino e Zizo de terem queimado os nomes de Mário Boff e Nadir Rafain, depois de não conseguirem emplacar Salvador Ramos na lista tríplice.
A greve dos vereadores
III
.
Alegando demora para a nomeação de um novo prefeito, os vereadores Severino Sacomori, Emerson Wagner, José Arceno, João Kuster, Sérgio Lobato, entraram no início do mês de fevereiro em greve de fome. A greve durou oito dias, tendo apoio e desaprovação das facções tanto do PDS quando do PMDB, únicos partidos com assento na Câmara Municipal.
Ás 15 horas do dia 8 de fevereiro a greve de fome teve o seu desfecho. Na presença de dois canais de televisão (Naipi e Tarobá), rádios e jornais, o vereador João Kuster engasgou a voz e mal conseguiu terminar de ler a mensagem de agradecimento. As lágrimas correram pela face do vereador e ele mal pôde pronunciar que a greve dos cinco vereadores era oferecida ao povo de Foz do Iguaçu. Enxugando as lágrimas, o vereador Sérgio Lobato homenageou Severino Sacomori e José Arceno que foram internados na Santa Casa Monsenhor Guilherme. Lobato afirmou para a imprensa que a greve havia sido encerrada porque a questão sucessória vinha apresentando um quadro favorável.
Terminada a solenidade na Câmara, os vereadores que fizeram a greve dirigiram-se à Santa Casa Monsenhor Guilherme para encontrar-se com Arceno e Sacomori que foram internados dias antes. O encontro foi emocionante e entre abraços e lágrimas, José Arceno com seu vozeirão exclamou: “Graças a Deus, tudo terminou!”
Por fim, depois de marchas e contramarchas a lista tríplice contendo os nomes e currículos de Mário Boff (PMDB), Nadir Rafagnin (PMDB) e Wádis Benvenutti (PDS), foi entregue no início da segunda quinzena de março de 1984, para o governador José Richa (PMDB). A lista passaria ainda pelo crivo do Conselho de Segurança Nacional, para então ser aprovada pelo presidente da República, na época general João Figueiredo.
No início de março de 1983, chega a notícia de que Wádis Benvenutti havia sido escolhido. Seria ele, o último prefeito nomeado de uma série que havia começado em quatro de junho de 1968, quando Foz do Iguaçu, juntamente com outros dez municípios do oeste e sudoeste do Paraná haviam sido declarados pela ditadura militar “áreas indispensáveis para a segurança nacional”. Foram quase dezoito anos de atraso para estes municípios.Por terem suas lideranças castradas durante o período de exceção do Estado de Direito surgiram nestes municípios castas que passaram a ter poder político e econômico graças ao apoio dos militares.
Os municípios considerados “área de segurança nacional” só voltaram a eleger seus prefeitos depois que entrou em vigor o decreto-lei 2.183, assinado pelo general João Figueiredo em 19 de dezembro de 1984, que devolveu a autonomia clamada nas ruas e praças do interior do Brasil.
A noite do desabafo
Eu venho acompanhando os acontecimentos da Câmara Municipal há cinco legislaturas. Há vinte anos a história vem se repetindo. Vereadores são eleitos por determinado partido e alguns meses após a posse mudam de mala e cuia para o partido do prefeito.
Até que antes a troca de partido não era tão descarada. Lembro-me do escândalo que foi armado quando a Zuleide Ruas Lucas trocou o MDB pela Arena. Isso aconteceu no final da década de 70. Naquela época o prefeito era o coronel Clóvis Cunha Viana.
Mas a degringolada começou mesmo foi em 89, quando um grupo expressivo de vereadores eleitos pelo PMDB acompanhou o então prefeito Álvaro Neumann em sua mudança para o PSDB. Neumann, eleito pelo PMDB, rompeu com Dobrandino, que pretendia continuar dando as cartas na prefeitura.
O velho cacique foi à guerra denegrindo pelos quatro cantos da cidade o seu sucessor. Dobrandino, havia sido prefeito com mandato tampão no período 86/88. A campanha de 92 a disputa polarizou entre os candidatos Dobrandino e Sérgio Beltrame e foi marcada pelos discursos enfurecidos dos peemedebistas contra Álvaro Neumann, seu candidato e a bancada do PSDB. Eleito com expressiva votação Dobrandino tratou em seguida de dominar a Câmara Municipal. Graças às articulações de Zizo e as benesses do poder vereadores tucanos deixaram o ninho e voltaram para o PMDB de cabeças baixadas..
Dobrandino manteve a maioria esmagadora até o final de seu mandato. Na gestão seguinte (93/96), os articuladores passaram a ser Paulo Ynoe e Adilson Rabelo. Dessa vez foram os peemedebistas, de carteirinha ou não, que passaram a apoiar Daijó e, em troca de alguns favores, votaram, inclusive, pela rejeição das contas do ex-chefe. Aliás, este foi o motivo pelo qual Dobrandino teve seus direitos políticos suspensos.
Naquela ocasião, o diretório do PMDB, reunido em peso na Chácara do Pinheiro, declarou guerra aos “traidores”. Zizo chegou a acusar aqueles vereadores de terem sido comprados. “Todos eles comiam na casa do Dino e agora viraram o cocho”, declarou irritado o irmão mais velho na histórica reunião de casa cheia, conhecida como “a noite do desabafo”.
Reunidos em clima de alta emoção os peemedebistas deram início mais uma vez a caça às bruxas.Vingança e expulsão eram as palavras-de-ordem mais ouvidas. Os vereadores do PMDB e dos partidos aliados, que votaram a favor da rejeição das contas de Dobrandino, foram satanizados e taxados de traidores, enquanto Vânio e Adilmar Sartori saíram da reunião consagrados como heróis e guerreiros peemedebistas. Dias antes,Vânio, filho de Zizo, sobrinho de Dobrandino e primo do atual prefeito Sâmis da Silva, havia sido acusado de falta de decoro e por isso suspenso, com o voto, inclusive, de seus correligionários, para ser julgado por uma Comissão Processante. O único voto que teve a seu favor foi do amigo Adilmar Sartori. Os demais seguiram o Rabelo que pedia a cabeça do filho de Dobrandino numa bandeja.
Hoje, a história se repete. Muitos daqueles que foram considerados traidores estão ocupando cargos e voltaram para o PMDB. É como disse Dobrandino na reunião do perdão, realizada dia desses na sede da rua Santos Dumont, “um bom filho a casa torna”. “Ainda mais quando a casa é opulenta e a mesa é farta”, completou uma veterana militante peemedebista.
A quem
Interessar possa
Dias atrás, numa daquelas tardes em que a temperatura estava em torno dos 40 graus, um grupo de garotos da Favela da Guarda Mirim limpava um terreno ali das proximidades. Lá pelas tantas os bracinhos finos, que mal conseguiam segurar as ferramentas, pararam de bater com as enxadas na terra e o sonho do campinho de futebol foi adiado.
Desanimados, os meninos foram sentar à sombra de um abacateiro onde desde cedo estavam reunidos alguns viciados. Que merda! Aquilo me chocou e saí a campo para conversar com os meninos, seus pais e demais moradores da favela.
Apresentei para eles a idéia da construção de um espaço para a prática de esportes e cultura. Todos toparam na hora. Mão-de-obra é que não falta na favela. Lá tem pedreiros e dos bons - são eles que constroem as mansões e levantam os edifícios no centro; tem eletricistas, marceneiros, pintores e encanadores.
Terreno, há vários. Um deles (aonde os meninos capinavam) pertence ao João Batista, da Fronteira Outdoor. Outro, de esquina, que é ideal para o projeto, pertence ao guia de turismo, Jorge Dorneles. Ele o vende por R$ 20 mil.
Não é difícil juntar dinheiro e comprar um desses terrenos. Basta formatar o projeto, ter uma Ong para as formalidades e ir a luta. Os meninos da Favela da Guarda Mirim querem superar a exclusão a que estão sendo condenados.Eles estão a fim de praticar esportes, fazer cultura, ser cidadãos. Portanto, avante empresários, sindicatos e clubes de serviço. Vamos sair do casulo e do corporativismo e sermos co-responsáveis.
Faço esta proposta simples, concreta e direta porque já cansei de tanta ladainha, de tanta lengalenga e divagações em torno da miséria e da fome, que aliás estão virando modismo entre socialites e empreiteiros
Para mostrar que não é mais um blábláblá, eu, funcionário público federal aposentado e jornalista - portanto cidadão de parcos recursos - entro nessa corrente contribuindo com a totalidade de meus proventos por três meses.
Amargas lembranças
Cheguei em casa por volta das nove horas da manhã. Era primeiro de abril de 1964 e eu havia ido apanhar algumas mudas de roupa e me despedir de meus pais. Mamãe estava na cozinha quando chegamos, eu e o Aquiles. Ela abaixou o volume do rádio, que naquele dia transmitia somente marchas e dobrados, tirou o avental e nos recebeu com beijos. Não foi nem preciso que eu lhe dissesse o porquê de chegar, assim, sem mais nem menos. Com sua intuição sutil ela percebeu o que estava acontecendo.Sabia que eu estava indo em direção ao desconhecido. Por isso não disse nada. Preparou o café com leite, destapou a manteigueira e enquanto eu e Aquiles nos servíamos ela ficou muda. Tomamos o café em poucos minutos e ela nos acompanhou até o portão. Beijei-lhe a face molhada pelas lágrimas de seu pranto mudo e fui. Eu tinha 21 anos e Aquiles, acho que um pouco menos. Nosso plano era ir direto para o Sindicato dos Operários Navais de Niterói, onde faríamos contato com a resistência contra os golpistas. Porém, nem descemos do ônibus. O sindicato, os estaleiros e os bairros operários estavam ocupados pelos fuzileiros. Fomos direto para o apartamento de Aquiles. Assim que entramos Geraldo Reis levantou-se da poltrona e disse: “Vamos para a Amaral Peixoto. É hora de resistir”. Foi assim que de improviso, no dia primeiro de abril de 1964, fizemos a primeira manifestação popular contra o golpe em plena avenida principal de Niterói. Assim que terminou a passeata, Geraldo me abraçou e disse: “Essa merda não vai durar muito tempo”.
Os golpistas ficaram no poder por mais de vinte anos. Geraldo foi perseguido e demitido de seu emprego na Coletoria de Rendas e do colégio onde lecionava. Trocou o apartamento por uma casa modesta e morreu de tristeza anos depois. Eu fui para a clandestinidade e Aquiles seguiu carreira musical, fazendo da arte uma forma de participar da luta contra a ditadura.
Conto isso porque neste final de semana nos reencontramos 39 anos depois. Aquiles veio a Foz, com os seus três companheiros de MP4 para uma apresentação no Ipê Clube. Conversamos essencialmente sobre nossa juventude em Niterói e nessa viagem pelo tempo eu me reencontrei com meu passado e avivei passagens que o tempo havia apagado de minha memória.
Os caraiguassu e
os árabes da fronteira
As blitze que os órgãos policiais do Paraguai andam fazendo nas lojas de Ciudad del Este, sob alegação de buscar terroristas, me fazem lembrar de um fato acontecido há 16 anos. Naquela época quem mandava no país vizinho era o todo-poderoso general Alfredo Stroessner e a atual Ciudad del Este levava o nome do ditador.
Apesar de desconfiados e de pouco falar, quando se trata de estranhos, os paraguaios são possuidores de uma sátira picante que usam e muito bem para denominar àqueles que desprezam. E o fazem muito bem em tom de deboche. Os dedos duros são conhecidos como piragues e caraiguassú aqueles que estão por cima. Os soldados da repressão eles chamam de para-í , o que em português seria algo como pintadinho, numa alusão ao uniforme de campanha.
Pois bem, no dia 11 de janeiro de 1985, os para-í saíram de seu acampamento no quilômetro 28 e deram batidas em várias casas comerciais da hoje Ciudad del Este. Chefiados pelo coronel Cabrera Cardun, os soldados saquearam mais de dez estabelecimentos comerciais. Em sua sanha os homens de Cardun depenaram o Hotel Hernandárias, a Comercial São José, a Casa Alberta, o Hotel Hernandárias, o Supermercado Neide, a Casa Portilho, o Restaurante Fama e outros. O barbarismo dos para-í chegou a tal ponto que 45 mil guaranis “sumiram” do Hotel Hernandárias.
Esse acontecimento revoltou os comerciantes da cidade vizinha. Que formaram uma comissão para falar com o então governador do Departamento do Alto Paraná, Antônio Sarubbi. Posando de patriarca e demonstrando solidariedade com seus conterrâneos Sarubbi abriu os braços e disse para todos: “Que lástima mis hijos. Eso es cosa de los caraiguassu. No hay nada que hacer”.
Passados 16 anos, os que estão por cima continuam dando ordens, atropelando leis e direitos. As recentes invasões nos estabelecimentos de comerciantes de origem árabe são um exemplo disso. A diferença é que antes as ordens partiam de Assunção, agora elas saem de Washington e com apoio da mídia internacional, notadamente da CNN.
De olho na imprensa
Seguindo a linha desta coluna, que é contar fatos da história não oficial de Foz do Iguaçu, a partir desta edição a imprensa será a pauta.
O primeiro caso, que se tem conhecimento e documentado, de controle policial da imprensa iguaçuense data de 1959. O Chefe de Polícia do Estado do Paraná, Pinheiro Junior, zeloso em seu afã de descobrir atividades comunista na região de fronteira, enviou telegrama ao Tenente Carlos Pinto, delegado regional de polícia de Foz do Iguaçu, solicitando um exemplar do jornal O Trabalhador, que era editado por Francisco Guaraná de Meneses. Naquela época qualquer atividade, desde círculos de estudos, entidades filantrópicas ou beneficentes, até jornais e revistas que fizessem alguma alusão ao trabalhador, operário ou proletário era alvo de investigação.
Por meio do ofício de número 121, o tenente enviou em 29 de maio de 1959 um exemplar d’O Trabalhador para Curitiba. No dia dois de junho do mesmo ano, Pinheiro Junior encaminhou o jornal, acompanhado do ofício originado de Foz do Iguaçu, ao chefe do DOPS, onde o assunto foi arquivado. O periódico iguaçuense trazia em suas páginas apenas notícias e artigos de variedades e de interesse da comunidade.
Fac- símile
Fac- símile
Fac-símile
Na próxima edição, as investigações do Serviço Nacional de Informações (SNI) sobre um artigo sobre corrupção na prefeitura de Foz do Iguaçu, assinado por Sady Maria Bordim e publicado em 31 de outubro de 1967, pelo jornal O Estado do Paraná.
De olho na imprensa
Em 1967, os órgãos de informações ficaram assanhados e de prontidão depois da publicação, como matéria paga, no jornal O Estado do Paraná, de um artigo que levou o título “Terra de Ninguém”. O artigo, assinado por Sadí Bordin, continha denúncias de corrupção na prefeitura de Foz do Iguaçu.
Em caráter confidencial, o Serviço Nacional de Informações (SNI), enviou à Delegacia de Ordem Política e Social (DOPS) do Paraná, em sete de setembro
De 1967, pedido de busca de número 533, solicitando dados sobre o autor da matéria, os motivos que o levaram a escreve-la e o nome dos outras três pessoas, que segundo informação da diretoria do jornal, também seriam responsáveis pelo artigo..
No mesmo documento o SNI informou que a publicação havia custado dois mil cruzeiros novos e que o pagamento foi efetuado com cheque do Banco Nacional do Comércio, datado de 27 de outubro de 1967.
Em resposta ao ofício do SNI, o delegado de polícia de Foz do Iguaçu informou, por meio de ofício datado de 22 de janeiro de 1969, que além de Sadí Bordin, os outros responsáveis pelo artigo “Terra de Ninguém”, foram
Júlio Rocha Netto, Evandro Stelle Teixeira e Emerson Wagner, que segundo o policial seriam inimigos do prefeito.
Como se vê, a prática de controlar a imprensa é um vício maldito dos regimes ditatoriais. Naquele período negro de nossa história recente, a crítica aos governantes era impedida até mesmo como matéria paga.
Devido a autoria da matéria denunciando corrupção na Prefeitura, os nomes de Sadi, Julio Rocha, Evandro Teixeira e Emerson Wagner, passaram a constar nos arquivos dos órgãos de repressão. Quanto ao prefeito e suas maracutaias nada foi feito. Não houve sequer a apuração dos fatos denunciados.
Dobrandino e os grãos
do Jaime de Oliveira
Jaime de Oliveira subiu todo estabanado os dois lances de escada da prefeitura. Dobrandino havia assumido poucos dias antes e naquela tarde calorenta de janeiro a sala que antecede o gabinete estava cheia. Eram secretários esperando para despachar, empreiteiros para fechar negócios e outros que diziam estar ali apenas para cumprimentar o prefeito recém empossado. Alvir Preissner, que era o chefe de Gabinete, pediu para o Jaimão, que suava às bicas, esperar um pouco. Sérgio Marder, o homem da Redran, balbuciou que era sua vez de ser atendido. Plantado junto à porta que dá acesso ao gabinete do prefeito, o diretor de Administração, Elói Lohman, segurava uma pilha de pastas.
Mas o velho jornalista, editor do semanário Tríplice Fronteira, não quis saber de ficar tomando cafezinho e jogando conversa fora. Ele estava convencido de que sua missão era mais essencial que o dia-a-dia burocrático da administração pública. De súbito, Jaimão segurou a maçaneta, abriu a porta e foi entrando na sala aonde o prefeito despachava com o secretário da Fazenda, Hugo Galeano. “Dobrandino eu tenho aqui uma coisa muito importante para te mostrar”, disse o Jaimão com aquele vozeirão que era a sua característica. Pasmo, pela audácia do jornalista, Alvir entrou na sala e olhou pro Dobrandino esperando uma “mijada” do chefe. “Eu já disse pra ele que essas coisas de verbas para a imprensa é lá embaixo na Comunicação”, disse o Chefe de Gabinete, tentando explicar aquela entrada repentina e impetuosa do veterano jornalista na sala do todo-poderoso.
“Que mané verba, cara, não vim aqui pra isso”, disse o Jaimão enquanto tirava uns potes de uma sacola de plástico, enfileirando-os em cima da mesa, junto aos decretos, portarias e a posição financeira do Município que Hugo estava apresentando ao prefeito. Eram cinco ou seis os recipientes de vidro, que um dia devem ter servido para embalar nescafé ou maionese. Dobrandino olhou as vasilhas sobre a mesa e perguntou: “Que é isso, algum veneno ou é macumba da braba?”.
Foi então que o velho Jaime de Oliveira com voz impostada disse solenemente: “Aqui está a solução para resolver o problema da fome”. Em seguida ele abriu um dos potes, esparramou alguns grãos em cima do vidro que cobria a mesa do prefeito e disse: “Pegue Dobrandino, experimente”. Impaciente, o cacique político, apanhou um punhado daqueles grãos e os levou a boca. Deu uma mastigada, engoliu, e com cara de quem não estava entendendo nada olhou pro Hugo, pro Alvir e disse dirigindo-se ao Jaime: “E agora, diga logo quanto você quer de verba”.
Emburrado, o velho jornalista juntou seus potes, pôs todos eles na sacola de plástico e saiu do gabinete subitamente, do mesmo jeito que havia entrado. Antes, porém, disse bem alto para todos ouvirem: “Prefeito, o senhor não captou a minha mensagem”.
É do Paraguai
Entusiasta pelas causas de Foz do Iguaçu, Sérgio Lobato não deixa por menos quando o assunto é turismo. Obstinado, ele insiste, articula e acaba conseguindo levar adiante suas idéias.
Em 1994, Lobato liderou uma excursão de empresários e políticos a São Paulo com objetivo de divulgar nossos atrativos turísticos. Organizou um jantar no Bourbon paulista e convidou agentes de viagem e a imprensa especializada.
O prato principal do banquete seria carne de paca. Lobato fez questão de dizer que seria uma forma de mostrar ao trade paulista a variedade de nossa fauna silvestre.
Por volta das nove horas da noite as mesas do restaurante do hotel já estavam todas ocupadas. Agitados, maîtres e garçons andavam ligeiros de um lado para outro servindo bebidas e tira-gostos, enquanto os convidados esperavam ansiosos a iguaria que seria oferecida por Foz do Iguaçu.
Repentinamente um bochinche toma conta do salão. Alguém havia alertado que repórteres do Estadão estavam para chegar e iriam denunciar o jantar como uma agressão ao meio ambiente. Não deu outra, os maîtres foram chamados para comparecerem ao escritório e depois de algum tempo voltaram anunciando que o prato principal seria substituído por um tradicional virado paulista.
Contrariado pela mudança de última hora, Lobato foi pro meio do salão e exclamou: “Pra que isso minha gente! É só dizer pros caras que as pacas são do Paraguai”.
Guerrilha e piolhos
Em 1985, Álvaro Albuquerque mergulhou de corpo, alma e lenço vermelho no pescoço na campanha eleitoral. Saiu candidato a prefeito pelo PDT, juntamente com Dobrandino, PMDB; Tércio Albuquerque, PDS; Osires Santos, PFL e Caetano pelo PT.
Profissional de escritório e Fórum, doutor Álvaro meteu a cara e saiu todo animado pelos bairros em busca de votos.
Em certa ocasião, num comício realizado na Vila Carimã, o candidato do PDT trepou na carroceria de madeira de um caminhãozinho e fez um discurso pra lá de esquerdista. Falou de Che Guevara, da revolução cubana e da guerrilha castrista. De repente, fez uma pausa e disse que se eleito prefeito iria fazer uma campanha para acabar com o piolho.
Animado com sua proposta de governo o advogado prometeu que iria criar centenas de brigadas para cortar os cabelos das crianças das favelas de Foz do Iguaçu.
Assistindo o comício postado na calçada de um boteco, Arthur Mello, um velho comunista morador da Favela do Cemitério, ficou arrepiado e comentou: “Agora o doutor Álvaro vai querer fazer guerrilha contra o piolho”.
Ilações de um jornalista prestes a pendurar as chuteiras
Cada vez que ligo o computador e me preparo para escrever esta coluna eu vacilo e questiono. Será que vale pena? Escrever sobre o quê? Sobre a vergonhosa política de votos marcados, prova cabal do cabresteamento que desonra nossas maiores, mas não as melhores, instituições municipais? Não, definitivamente não concilio com esse tipo de coisa. Tenho nojo, pois aquele que não hesita em tratar um vereador como gado marcado seguramente está acostumado a fazer o mesmo com o povo.
Por essas e outras e por minha alma não ser pequena sinto que não vale a pena continuar escrevendo sobre as pequenezes do cotidiano político de Foz do Iguaçu. Afinal já testemunhei mais da metade da vida republicana do país. Comecei cedo. Ainda moleque, de calça curta, vestindo o uniforme do Grupo Escolar Barão de Macaúbas de minha cidade natal, lá no norte do Estado do Rio, eu saia para brigar com os udenistas e defender Getúlio. E chorei quando Heron Domingos, o Repórter Esso, anunciou a morte do presidente.
Mais tarde, o debate nacional durante o governo de Juscelino me conscientizou que a miséria e a desigualdade social não seriam resolvidas pelas classes dominantes. Procurei entender, como muitos jovens daquela época, as causas dos problemas do país. O porquê de tanta pobreza, analfabetismo e atraso cultural. O marxismo me deu as ferramentas para descobrir as origens da infelicidade humana. Tornei-me comunista.
Veio o governo Jango e a possibilidade de progresso social e humano foi castrada pelo golpe de 64. Minha empolgação caiu por terra e chorei novamente. Então vieram mais de duas décadas de ditadura e resistimos. Sobrevivi e aqui estou depois da luta pela redemocratização e das conquistas da Constituição de 88.
Hoje, depois das frustrações das eleições presidenciais de 89, de 94 e 98, estamos vivendo o momento mágico de ver um filho do povo, humanista e democrata assumir a Presidência. Não tenho ilusões e sei muito bem que Lula não vai conseguir em quatro anos fazer tudo que gostaríamos que fizesse. Mas uma coisa é certa, depois dele o Brasil será mais solidário, mais justo e mais igual.
Uma história da
eleição de 82
Ele era conhecido na Gleba Guarani por João Seboso e habitava, há anos, uma
casa de madeira com uma pequena varanda onde gostava de jogar tranca em família aos domingos. Durante anos trabalhou vendendo bilhete de loteria, até que um dia, aborrecido, largou da profissão e entregou-se de corpo e alma à política, à intriga partidária, à cabala eleitoral. Toda vez que se anunciava um pleito punha em jogo as mil e uma sutilezas que só o seu espírito sagaz podia conceber. Ele mesmo preparava em letra firme e aprumada os prospectos para distribuir aos eleitores. Na defesa de seus candidatos, discutia, falava alto e com convicção. Mas fazia política visando sempre tirar resultado financeiro nas campanhas eleitorais.
Dinheiro é o que ele queria, não lhe fossem falar em política sem interesse pessoal. Que ele trabalhava, lá isso era inegável. Andava a pé por toda Três Lagoas e ainda percorria as casas e comercios de conhecidos no Porto Meira e Carimã. Ele dava o couro na busca de votos.
Por último andava descoroçoado. A única eleição que trabalhou por ideal, por amizade o seu candidato perdeu. Na eleição para vereador, em 1982, ele apostou todas as fichas em seu xará João Nó Cego.
- Perdeu não perdeu, ele não cansava de repetir durante os jogos de tranca, que já não eram apenas aos domingos.
- Mas que ele ganhou, ganhou. Deu na Rádio Cultura e teve até a carreata da vitória do Oeste Paraná Clube até a Vila Yolanda. Roubaram, deram uma rasteira no xará, ou então, quem sabe, o povo tem razão, ele desistiu em troca de algum dinheiro.
Aquela eleição foi a que ele mais trabalhou e olha que não foi por dinheiro. Trabalhou e apostou em seu candidato do coração. Foi cabalar voto até no Paraguai. Por isso não se conformava com a derrota de seu candidato, que todos, até os adversários e os mesários, durante a apuração, cumprimentaram como eleito.
- Agora chega. Como pode um cara dormir vereador e amanhecer segundo ou terceiro suplente? Por que o xará não ficou lá naquele Oeste até sair o mapa final?
Decepcionado João Seboso largou da política. Ela só lhe trouxera enganos e inimigos. Não estava mais para servir de degrau a figurão algum. Trabalhara que nem besta de carga para no fim das contas ganhar o quê?
Depois dessa frustração, com efeito, ninguém o viu mais com seus “santinhos” e prospectos, a esbravejar contra os adversários. Por algum tempo voltou a vender bilhete de loteria até que foi embora, dizem que pra Rondônia.
A trapalhada
de João Barulho
Em 1942, com a decretação da Lei da Fronteira, policiais e militares passaram a agir com extremo rigor no controle dos imigrantes alemães.
Durante a caça aos “espiões nazistas” as perseguições eram desencadeadas a partir de informações fornecidas principalmente por vizinhos. Uns para fazer média com as autoridades, outros por pura ignorância.
Acredito que foi a ignorância dos matutos, moradores da zona rural de Foz do Iguaçu, que levou à prisão de Augusto Gunther, morador na região da Sanga Funda.
Há tempo que a vizinhança cochichava que havia algo estranho lá pros lados da chácara dos Gunther. Depois de alguns tragos de cachaça este era o assunto que rolava nos boliches de Sanga Funda, Santo Alberto e Aparecidinha. Houve até quem jurasse ter ouvido discursos de Adolf Hitler no meio da noite. Outros diziam que uma luz muito forte acendia quando o dia amanhecia.
Como toda fofoca contada ao pé do ouvido, o caso dos Gunther ia sendo acrescentado de novos detalhes, na medida que era passado pra frente. Com o tempo já diziam que o Gunther possuía um potente rádio transmissor e por meio dele mandava mensagens para a Alemanha.
E pra frente a história foi , até que um dia um hortaliceiro comentou o caso numa mesa de truco na Rua do Lamarque, hoje a Santos Dumont. Pra que! Participava do carteado o temível comissário de polícia João Batista Franco, conhecido como João Barulho. Naquela noite o comissário ficou quieto. Mas antes do dia amanhecer ele organizou uma patrulha e se enfiou pela estradinha carroçável, hoje a Avenida Felipe Wandsher, em direção a Sanga Funda. Chegou na chácara do “espião do eixo” quando o Gunther tirava leite da única vaca da propriedade. O comissário não quis conversa, prendeu o chacareiro, tirou as armas de caça que ele possuía e o fez caminhar sob a mira dos mosquetes até o Batalhão. August Gunther ficou preso uma semana e só foi solto quando os militares descobriram que tudo não havia passado de fofoca e precipitação do João Barulho.
O rádio transmissor de alta potência nada mais era do que uma hélice de bambu, com as pontas das pás cobertas por folhas de zinco, que os filhos de August colocaram em cima de um frondoso lapacho que dava sombra ao potreiro.
Provavelmente alguém, em tempo de paranóia coletiva, viu a hélice de longe, refletindo as primeiras luzes do dia e assim começou a deitar a falação no imaginário coletivo do povo da roça.
Júlio Rocha Neto
e o delegado
Argeu Saraiva Valério era um daqueles delegados de polícia zelosos em servir e bajular seus superiores. Em 1972, ocupando a chefia da delegacia de Foz do Iguaçu, ele entrou em choque com o comando político do município, que na época era exercido por Júlio Rocha Neto, então presidente da Arena. No país, governado pelo general Garrastazu Médici, a Arena mandava e desmandava e seus chefes eram as autoridades máximas nos municípios.
Certa ocasião, Argeu Saraiva foi convocado para ir até o escritório de Julio Rocha Neto. Imaginando que deveria ser alguma bronca, o delegado, antes que Julinho dissesse alguma coisa, encheu o chefe da Arena de elogios e jurou lealdade ao partido e a “revolução”. Comentou, inclusive, seus serviços de espionagem e delação daqueles que se opunham ao sistema político imposto ao País. Mas a lengalenga do delegado não durou muito. Todo-poderoso, o representante do partido da ditadura em Foz do Iguaçu interrompeu Argeu Saraiva e foi logo dizendo:
- O senhor está contrariando meus amigos e correligionários e isso eu não admito.
- Mas doutor ...
- Já falei com o deputado João Mansur e o senhor vai ser transferido
- ... eu sou um homem leal ao governo, doutor e se depender de mim não vou pedir minha transferência.
- Eu só estou comunicando ao senhor a nossa decisão.
Dito isso Julio Rocha Neto, ajeitou uns papéis que estavam em cima da escrivaninha, levantou-se da cadeira, caminhou até a porta do escritório e a abriu de par a par para o delegado sair.
Magoado com o acontecido, Argeu Saraiva foi até a delegacia que funcionava num prédio localizado na Rua Rio Branco, onde hoje é a Praça da Paz, e escreveu um longo relatório ao delegado Chefe da Divisão Policial do Interior, Ricardo Taborda Ribas.
Em sua narração, Saraiva botou merda no ventilador e escrachou de uma só vez todos os políticos iguaçuenses. Destilando veneno, o delegado relatou pormenores da vida particular de cada um, para por fim dizer que nenhum deles tinha moral para pedir sua cabeça.
Não deu outra. Saraiva acabou se queimando com seus superiores. Quebrou a cara ao revelar a vida íntima de seus desafetos.
A memória perdida
Naquele início do verão de 85, Saulo Martinho Brasil fazia de volta o mesmo caminho que o trouxera de Florianópolis há 15 anos. Embarcou no bagageiro do ônibus cinco caixas contendo parte da memória de Foz. Eram fotografias e documentos recolhidos das famílias pioneiras e em suas andanças pelos órgãos públicos.
Fotógrafo de profissão, como qualquer outro profissional da área, Saulo trabalhou em seus primeiros anos na cidade, tirando retratos dos pontos turísticos e cobrindo os eventos. Com o passar do tempo descobriu que os dados históricos de Foz do Iguaçu estavam dispersos e que sua sistematização poderia ser um bom negócio.
Desembaraçado e bem-falante, Saulo Brasil não encontrou dificuldade em sua tarefa de juntar fotografias e todo documento que pudesse ser útil no futuro. Na medida que pesquisava ia depositando numa caixa de papelão tudo que encontrava pela frente, desde fotos que o tempo havia amarelado até alguns livros raros e documentos diversos. Aos poucos foi reconstruindo a história da cidade.
“Um dia esse material vai ter muito valor” – costumava dizer exibindo uma de suas raridades, um livro caixa da prefeitura de 1924, quando o prefeito era Jorge Sanwais. Neste livro, com as anotações feitas com caneta tinteiro, estavam registrados os pagamentos das taxas e tributos municipais que os pioneiros faziam com galinhas e porcos.
Outra preciosidade que Saulo Brasil resgatou em suas pesquisas foi o livro de Silveira Neto, “Do Guayra aos Saltos do Iguassú”, impresso em 1914, pela Tipografia do Diário Oficial do Paraná.
Com estes materiais ele chegou a editar três edições da revista Memórias de Foz, onde contou parte da história do município. Por falta de condições financeiras não conseguiu ir além deste projeto. Bateu de porta em porta em busca de apoio, até que um dia, desiludido por não conseguir apoio, Saulo Brasil foi embora de Foz, levando consigo as fotos antigas recuperadas, os documentos históricos e os livros raros. A última vez que falei com ele foi por telefone. Ligou de Porto Alegre, ou Florianópolis, não me lembro bem. Disse que o material estava guardado e muito bem conservado. “Avisa ao pessoal aí que parte da história de Foz está comigo. Se quiserem recuperar é só dar um toque”. Disse isso e desligou o telefone esquecendo de me passar o número para um retorno.
O primeiro candidato comunista
de Foz do Iguaçu
O pioneiro Tarquínio Santos teve nos anos do governo Dutra uma série de constrangimentos por conta da Polícia Política. Com o decreto que tornou o Partido Comunista ilegal, o farmacêutico que morava em Cascavel, então distrito do município de Foz do Iguaçu teve seu nome fichado nos arquivos do DOPS paranaense.
Entusiasta das idéias socialistas, o pai do ex-prefeito iguaçuense Osires Santos, assumiu oficialmente em 1945 sua filiação ao então legal partido liderado por Luiz Carlos Prestes.
Com a derrota do nazi-fascismo e o fim do Estado Novo em 1945, o Partido Comunista ressurgiu com excelente performance nas eleições constituintes de 1946. Em 1947, ano em que o PC crescia em todo o país, Tarquínio, que era dono de uma farmácia em Cascavel decidiu sair candidato a deputado estadual. Pode se afirmar que foi ele o primeiro candidato comunista do município de Foz do Iguaçu.
Com as eleições estaduais de 1947, o PC tornou-se o quarto maior partido nacional. Esses êxitos eleitorais dos comunistas acabou assustando a direita e o então presidente general Eurico Gaspar Dutra baixou um decreto logo depois do pleito cassando o registro do partido e o mandato dos eleitos.
Pois bem, com o decreto de ilegalidade, o farmacêutico tornou-se alvo permanente dos órgãos de repressão política. Em 10 de maio de 1948, suas atividades foram motivo de um ofício enviado pelo chefe delegado de polícia de Foz do Iguaçu, tenente Herculano de Araújo Filho, ao chefe geral de polícia do Estado. No ofício, o delegado informou ser Tarquínio Santos o único “elemento comunista” no município de Foz do Iguaçu. Informa ainda o delegado que o farmacêutico foi candidato a deputado estadual nas eleições de 1947, tendo conseguido 15 votos.
O juiz e os seios proibidos
O calor naquela tarde de março de 1985 estava insuportável quando Santo Rafain saiu da rua João Rouver e entrou pela contramão na JK para estacionar seu carro no pátio da prefeitura. Tirando com o indicador o suor da testa, ele saiu às pressas do carro e ia se dirigindo para o gabinete quando deu de cara com o juiz de Direito João Kopytowsky. “Doutor vou multá-lo e processá-lo por esta manobra”, disse juiz ao jovem e brilhante advogado, que também era presidente da subseção da OAB e diretor jurídico do Município.
“Cumpra com o seu dever doutor, pois eu tenho de cumprir com o meu. O prefeito me espera. Passe bem”.
Quem assistiu a cena ficou impressionado. Foi hilariante ver o juiz, que estava na calçada do prédio do Banestado, atravessar correndo a avenida, dando uma de guarda de trânsito somente para constranger o advogado que vinha se destacando na defesa dos direitos humanos.
Este caso acontecido naquela tarde - que até hoje acho ter sido a mais quente de todas que já vivi em Foz do Iguaçu, é um dos muitos fatos pitorescos protagonizados pelo empedernido juiz durante sua passagem pela comarca.
Direitista convicto, membro da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (entidade surgida com a guerra-fria), Kopytowsky apontava como perigo comunista tudo e todos que contestavam o regime implantado com o golpe militar de 64.
Conservador até a medula, para o juiz até mulher seminua era subversão. E foi por haver publicado uma foto de mulher com os seios à mostra que o semanário Hoje Foz teve toda sua edição apreendida. Isso aconteceu em 1979, quando era comum o Pasquim e os jornais populares do eixo Rio-São Paulo publicarem fotos de mulheres desnudas da cintura para cima. Considerando que a ousadia dos jornalistas que editavam o Hoje Foz, “subvertia os bons costumes”, Kopytowsky mandou apreender os exemplares do jornal nas bancas e jornaleiros. Mais tarde ao responder a uma petição do advogado dos proprietários do Hoje, Kopytowsky escreveu em seu despacho que aquela edição do jornal poderia ser vendida somente nas bancas, desde que fossem acondicionados em sacos plásticos com uma tarja escrita “proibido para menores de 18 anos”.
O mala
Ele ganhou o apelido posposto depois ao nome de batismo por ter trabalhado no banco. Foi candidato a vereador em 92 e seu elegeu com o apoio do eleitorado de confissão evangélica.
Todo chato é nato. Já nasce chato e é irreversível”, diz Mário Prata. Está coberto de razão. Aníbal Curi, que dedicou a vida à observação de aves raras da política paranaense, classificou os chatos nativos da seguinte forma: os de galocha, os de sobretudo e os de perdigotos.Os primeiros, dizia Aníbal, são os chatos pegajosos. Chatos de galocha porque pedestres. Gente do baixo clero que marca homem a homem, segura no paletó, tropeça nas pernas do interlocutor, até conseguir a prebenda. É chato epidêmico. Nos períodos pré-eleitorais infesta as ante-salas do Centro Cívico. Pede retribuição pela lealdade e logo que é atendido, quando o cidadão imagina que se viu livre do inoportuno, lá vem ele com mais um pedido. O chato de parlamento sempre quer mais um favor. Os chatos de sobretudo são solenes, pomposos, incapazes de dizer um simples bom-dia sem aquele ar de canastrão de filmes da Metro. Muito comuns no ecossistema da política nativa. Normalmente, são pessoas dotadas de poucas idéias, mas que procuram disfarçar esta carência apresentando um ar inteligente e fazendo de conta que sabem de tudo. Proliferam nas assessorias de políticos. Costumam atravessar o samba e a articulação política, dão conselhos estapafúrdios aos governantes, quando não repetem frases feitas, lugares comuns. Desta categoria são também os chatos pregadores. Os apaixonados pelo líder. Almas penadas que costumam gravitar em torno de políticos que esbanjam o que lhes falta: personalidade que às vezes se confunde com arbitrariedade.Por fim, os chatos de perdigoto. Aníbal Curi detestava os políticos de discurso vazio, os falantes, especialmente aqueles que gastam saliva em auto-elogios. Sobram figuras do tipo. Aqui mesmo, na praça de Curitiba, há exemplares grotescos do gênero.Esta classificação dos chatos políticos do Paraná poderia juntar-se ao Tratado Geral dos Chatos, escrito há 40 anos por Guilherme Figueiredo. Livro útil. Tanto quanto as contribuições de Aníbal Curi.
O pileque de “Henriquinho”
Henrique Weirich era um daqueles brizolistas fanáticos. Participava de um núcleo do “grupo dos onze”, moia no cacete o “imperialismo norte-americano” e defendia com unhas de dentes as reformas de base.
Depois do golpe que derrubou o governo de João Goulart, “Henriquinho”, como era chamado pelos amigos, se recolheu como a maioria das pessoas na época. De política só falava para os mais íntimos. Afinal, o pau estava comendo pelo Brasil afora e em Foz do Iguaçu os militares tinham olheiros por toda parte. Alguns de seus companheiros haviam sido presos e outros eram controlados pelo S2. Havia o exemplo do alfaiate Antônio Machado que passou vários dias recolhido no Batalhão.
Um dia, era fim de tarde, ele estava tomando umas e outras com os amigos no Bar Ciclone, que era localizado na avenida Brasil, e lá pelas tantas ficou entusiasmado e disse que Brizola voltaria ao país pela fronteira de Foz do Iguaçu e que à frente de um grupo de milicianos iria tomar o Batalhão. Pra quê? Não deu outra. Na mesma noite foi levado à frente do comandante para se explicar. Conversa vai, conversa vem, pressão pra lá pressão pra cá e nada do Henrique dar uma explicação plausível para a conversa no bar.
Lá pelas tantas, ele olhou pro comandante, deu uma piscadela e cochichou, para que nem as paredes ouvissem.
- Cá entre nós chefe, em que sala está o Brizola? Apresente-me que eu quero conhecer o homem.
O general e o filósofo
Na década de 70, um importante comerciante de Foz do Iguaçu, amigo do ex-presidente Alfredo Stroessner e de altas autoridades em Brasília e Curitiba, deu uma grande festa binacional no casamento da filha. Estava lá o mundo político e social da fronteira, inclusive o recém transferido general comandante do 34º Batalhão de Fronteira, naqueles tempos do poder militar, o homem mais importante da cidade.
O salão do Country Clube estava lotado. Enquanto esperavam o jantar, comerciantes, políticos, advogados, funcionários públicos e jornalistas andavam de um lado para outro segurando seus copos de uísque dando tapinhas nas costas uns nos outros e apanhando tira-gostos nas bandejas carregadas pelos garçons.
Quando o comandante entrou no salão de festas do country , a orquestra interrompeu o pout-pourri de baladas que estava executando e lascou “Pra frente Brasil”, aquela marchinha horrorosa que na década de 70 se tornou o hino oficial da tal de revolução.Para agradar o militar, um grupo de convidados puxou o coro que foi acompanhado pelos demais. Balançando os copos de uísque com a mão esquerda acompanharam a orquestra e cantaram: “Noventa milhões em ação/Pra frente Brasil/Do meu coração”.
Impressionado com o fausto da festa o general perguntou a Ney Braga, então Ministro da Educação de Ernesto Geisel.- Ministro, o senhor que é paranaense e amigo do pai da noiva, me diga uma coisa. Qual é o forte dessa gente? É o comércio?- General, não procure se aprofundar. Existe algo mais nesta fronteira que a nossa vã filosofia não consegue explicar.
O Totonho do Requião
Eu não sei o nome dele e aposto que poucos o sabem. Eu o conheço por Ganso, e acho que, com exceção dos parentes e amigos mais íntimos, a maioria das pessoas só o conhece por este apelido. Talvez porque o som de sua voz é parecido com o grasnar do pássaro, talvez devido aquele cacoete de jogar repentinamente a cabeça para baixo.
Pois é, o Ganso tinha o costume de não perder comício. Não sei como ele ficava sabendo da agenda dos partidos e coligações, mas quando pintava algum lá estava ele grasnando e batendo a cabeça. Em certas ocasiões chegava a acompanhar pela região o candidato na “caravana da vitória”. Havia sempre um cabo eleitoral, que lhe dava carona. E pegar carona em época de cabala de votos é moleza.
E foi num final de semana de 1990 que o Ganso se incorporou à caravana de Roberto Requião. Não conseguiu ir além de São Miguel do Iguaçu. Mas, adiante pra quê? O comício estava bom. Uma multidão cercava o palanque instalado na praça. No tablado candidatos a deputado e a senador atropelavam caixas de som, holofotes e um emaranhado de cabos, enquanto se revezavam ao microfone. Requião, que se manteve de cara fechada durante a fala de seus companheiros, só voltou a mostrar interesse quando o mestre-de-cerimônias da campanha anunciou sua vez de falar. Era o primeiro turno daquela eleição para governador e naqueles dias no palanque e na tevê Requião massacrava José Richa. Por fora corria solto José Carlos Martinez, que no segundo turno deu um baita susto no candidato do PMDB e quase leva a governança do Estado. Mas isso é outra história. Naquela noite, Requião estava inspirado e sua metralhadora giratória não perdoava os adversários. Embaixo, no gargarejo, o Ganso se esforçava para dobrar a cabeça para trás para assistir o show proporcionado pelo candidato a governador.No final de ser discurso, Requião arrancou longos aplausos ao contar que a caminho de São Miguel, havia parado em Santa Terezinha de Itaipu para visitar o Totonho da Madalena, que picava fumo na varanda de sua casa. Em silêncio, a multidão ouvia o caso contado com seriedade e voz grave.”Então eu perguntei ao Totonho. Pra que este fumo companheiro? Ai ele respondeu que era o fumo que o povo ia dar pro Richa e o Martinez no dia das eleições”.
Enquanto a assistência ia ao delírio, o Ganso, de cabeça baixa , pensou lá com seus botões: “Ué! Mas o tal do Totonho não é de Três Lagoas?” Requião havia contado aquela mesma história horas antes num comício realizado no Profilurb, dizendo que a caminho do Porto Meira, parou na casa de seu amigo o “Totonho da Madalena, antigo morador de Três Lagoas”.
Obituário de um amigo
Perdi um amigo na quinta-feira, dia 26. Ele morreu por volta das oito horas da noite. Antes, porém, se arrastou a duras penas por uns míseros cinco metros e ofegante deitou à sombra de um pé de carambola. Em seu momento de agonia ele encarava-me com seus imensos olhos negros, não sei se pedindo ajuda ou se desculpando por não poder ir mais à frente. Aquele olhar me partiu a alma e chorei de dó diante daquela sua luta contra a morte. Eu pressentia que ele estava para morrer, mas não queria acreditar que ia me deixar, assim, sem mais nem menos. Esperava por um milagre que pudesse devolver a vitalidade de seus melhores anos àquele ser especial, que durante sua existência foi testemunha de nossos momentos de alegria e tristeza. Acompanhou o crescimento dos meus filhos e dos hibiscos, palmeiras e buganvíleas que plantei no jardim.
Rex lutou bravamente pela vida nos últimos três meses. Em dezembro a displasia no fêmur quase que o derrubou. Mas ele foi valente mais uma vez, superou a doença e voltou a ser forte e bravio. Medo mesmo teve apenas de trovoada e dos foguetórios nas noites de Natal e Ano Novo. Mesmo arrastando a pata direita o meu cão Pastor Capa Preta foi rei e senhor de seu domínio, o quintal de casa.
Daqui pra frente os dias e noites do cantinho onde moro na Vila Maracanã não serão os mesmos sem o seu ladrar anunciando a chegada do entregador de pizza ou do jornaleiro.
Ao fechar seus olhos na noite em que ele morreu, eu pedi desculpa por não ajudá-lo em sua luta pela vida, por não ter corrido atrás de todos os recursos possíveis e imagináveis; pelas vezes em que não atendi seus pedidos de carinho e por tê-lo impedido de mover-se livremente mantendo-o preso no pátio por treze anos. Uma volta pela quadra, entre minha casa e a rua Mato Grosso foi o mais distante que o deixei ir.
Rex foi enterrado no quintal que durante sua existência dominou com elegância, lealdade e nobreza de caráter. Não tive coragem de presenciar o seu sepultamento.
Obrajes e mensus
Quando a expedição comandada pelo tenente engenheiro José Joaquim Firmino chegou em 22 de novembro de 1889 na foz do rio Iguaçu encontrou uma terra dominada por empresas concessionárias da exploração de erva-mate e madeira de lei. Nos obrajes, o trabalho era escravo e os trabalhadores, suas mulheres e filhos eram tratados com violência.
Os mensus, uma derivação do espanhol mensualista, eram a mão-de-obra quase absoluta empregada nos trabalhos de extração. Sua arregimentação era feita pela força e eles deviam obediência irrestrita aos obrajeros e seus capatazes, verdadeiros monarcas, com poder de vida e morte sobre os trabalhadores.
Essa situação perdurou mesmo depois da instalação da Colônia Militar. As autoridades constituídas da Colônia atuavam sempre em defesa dos donos dos obrajes.
Arthur Martins de Franco, em suas Recordações de viagem ao Alto Paraná, conta que o Tenente Pimenta de Araújo, comandante da força pública, para melhor castigar os peões que caiam em seu desagrado, mandara colocar dentro de um dos quartos da casa, que servia de cadeia, uma caixa grande onde cabia uma pessoa de cócoras ou mal sentada e dentro dela mandava prender quem desejava castigar.
A arbitrariedade e a corrupção não se restringiam unicamente à força policial.Segundo ainda Martins de Franco muitos oficiais encarregados de administrar a Colônia Militar agiam de maneira, no mínimo incorreta, fazendo vistas grossas ao que acontecia nos obrajes.
A violência, corriqueira nos acampamentos madeireiros e de extração da erva-mate, não era contestada pelos mensus. Fracos, descalços, eles passavam meses embrenhados no mato. Fugir era impossível. Quem se aventurava acabava boiando nas águas do rio Paraná ou preso na caixa do Tenente Pimenta. A vigilância sobre eles era severa e constante.
Os atos de violência mais contundentes ocorriam na hora do acerto de contas. Os mensus estavam sempre devendo para o patrão. Esse endividamento constante e progressivo aumentava o grau de dependência, que já começava na contratação do peão. Ao começar a trabalhar a peonada recebia um adiantamento, chamado de antecipo. O dinheiro era dado a peonada antes do embarque para os futuros locais de trabalho. As embarcações atrasavam de propósito até cinco dias e durante esse tempo os peões gastavam todo o antecipo com mulheres e bebidas e já chegavam no obraje devendo para o patrão. O desgraçado do trabalhador nunca mais conseguia pagar o que havia recebido.
Off-set e rebeldia
Mulher culta e com tino para os negócios, Ignez Sanches de Christo, foi a pioneira na impressão off-set em Foz do Iguaçu. Desde 1968, ela vinha editando mensalmente a revista Cataratas, uma publicação de variedades e notícias da fronteira. Mais tarde passou a publicar o Mini Informativo, um folder semanal, com a programação do Cine Star como seu carro-chefe e distribuído na bilheteria do cinema da família Basso, localizado na Avenida Brasil. Tanto o Cataratas como o Mini Informativo eram montados no sistema tipográfico. Palavras e frases surgiam juntando letrinhas e sinais de chumbo fundido. A chegada da máquina off-set no início da década de 70 agitou o meio gráfico da Foz do Iguaçu pré Itaipu. Velhos tipógrafos, de vista cansada, peregrinavam diariamente até o casarão da Almirante Barroso para conhecer o milagre da tecnologia, que aposentava os tipos e clichês. Alguns torciam o nariz premunindo que aquela coisa iria um dia encostá-los de vez, outros, curiosos, queriam saber como as escritas e imagens eram gravadas numa chapa de metal e a impressão era feita por meio do contato desta com o papel.
Nada extraordinário, mas o Mini Informativo foi uma publicação que marcou época, mais pela apresentação gráfica do que pelo seu conteúdo. Além da programação semanal do Cine Star, alguma notícia oficial e o resto eram anedotas, dicas e curiosidades – essas coisas que até hoje são publicadas nos tradicionais almanaques da indústria farmacêutica brasileira.
Além da impressão off-set, o extraordinário, não tanto para a época, mas para a Foz do Iguaçu de então, era o comportamento dos filhos de dona Ignez. Rebeldes, mais para hippies do que para revolucionários, em várias ocasiões eles escandalizaram a sociedade conservadora, neourbanizada da cidade que possuía na época pouco mais de 20 mil habitantes. Pedro, que eu vim conhecer mais tarde, era um contestador das tradições burguesas e devorador de livros. Jóia, usava cabelos soltos e saias compridas, como os hippies, especialmente no que respeita à aparência pessoal e aos hábitos de vida. Naqueles tempos negros, quando o general Garrastazu Médici, tratava os dissidentes com prisão, tortura e morte, a menina Jóia de Christo foi o contato de organizações de esquerda na fronteira. Pelas mãos dela passaram muitos militantes da Polope ( Política Operária), partido de tendência trotskista, a caminho da Argentina e do Chile. Fizeram história, não oficial e inovadora, nesta Tríplice Fronteira.
O panelaço iguaçuense
Maria Rosa não saiu de casa para trabalhar naquela manhã de dezembro de 1983. Apanhou a caçarola de alumínio e foi se juntar às vizinhas da Rua Canindé, no Rincão São Francisco. Na noite anterior, depois de sair da reunião na igreja da Mário Filho, ela areou a panela, deixando-a como nova. As outras mulheres fizeram o mesmo, mas a sua era a maior de todas. De pouco uso, ficava pendurada num prego fincado na parede da cozinha. Às vezes emprestava para os risotos de domingo na Associação de Moradores ou então quando reunia toda a família. Naquele doze de dezembro não era para cozinhar que ela deixou a vasilha brilhando, mas sim para protestar em frente à prefeitura contra o aumento nas tarifas do transporte coletivo, que da noite para o dia havia passado de cem para cento e quarenta cruzeiros. O povo já não agüentava tanta carestia e de repente o prefeito com uma assinatura tornava os empresários mais ricos e os trabalhadores mais pobres. Por isso a proposta de caminhar a pé batendo panela até a prefeitura pegou em todos os bairros.
Nove horas da manhã e estavam todos concentrados em frente à Câmara Municipal. Eram mais de 500 pessoas. O grupo do Porto Meira, liderado por Agnelo Rocha era o mais numeroso. Do Rincão saíram cerca de 100 pessoas.No meio da multidão Maria Rosa se destacava pelo seu tamanho. Alta, de quadris volumosos e voz poderosa ela batia a tampa no fundo da caçarola e seu grito se sobrepunha no coro que pedia a revogação do decreto que havia aumentado as tarifas. Do outro lado, no prédio da prefeitura, de vez em quando, um ou outro funcionário meio que descerrava as cortinas do sobrado e espiava com modos esquivos a multidão. Assustado um guarda fechou de chofre a pesada porta de ferro enquanto os manifestantes iam se aproximando do prédio da prefeitura. Eles pediram para falar com o prefeito e a resposta foi de que o coronel Clóvis não se encontrava. Finalmente, depois de meia hora de manifestação, com a calçada e a pista da Avenida JK tomadas pelos grupos que caminharam desde os bairros, alguém avisou que o chefe-de-gabinete iria receber uma comissão. Passado algum tempo a porta foi entreaberta para que os membros da comissão entrassem. Foi então que Maria Rosa deu um empurrão, escancarou a porta e atrás dela a multidão entrou com suas panelas, frigideiras e caçarolas. Já porta adentro e com a forte e grandalhona empregada doméstica a frente, os manifestantes subiram os dois lances de escada e ocuparam todo o espaço da recepção ao gabinete.
De pé encostado em uma das poltronas Wilson Batista assistiu impassível a multidão gritar contra o aumento do preço da passagem. Lá pelas tantas, Sebastião Oliveira, líder do Jardim das Flores, assumiu o posto de porta-voz do grupo e leu as reivindicações levantadas pelo movimento. Wilson pediu silêncio, explicou que já havia entrado em contato com o prefeito e anunciou que todas as demandas seriam estudadas e atendidas dentro das possibilidades.
Com as nádegas espremidas na cadeira de braços e a caçarola em cima da mesa do prefeito, Maria Rosa interrompeu a fala do chefe-de-gabinete e disse com seu vozeirão: “Escute aí moço. Fala pra esse coronel aí que é pra botar mais coletivo pro Rincão e mandar tirar aqueles ’roletes’, que nós não somos gado”.
Por conta da saideira
Era agosto de 85, Adolfo Perez Esquivel, o argentino Prêmio Nobel da Paz de 1980, veio a Foz do Iguaçu participar da 2ª Jornada de Solidariedade ao Povo Paraguaio.
Durante dois dias exilados paraguaios e representantes de entidades defensoras dos direitos humanos vindos de vários estados brasileiros lotaram o auditório do Colégio Agrícola, para debater as formas de luta contra uma das ditaduras mais sangrentas do cone sul. Políticos e autoridades iguaçuenses primaram pela ausência naquela demonstração pública que marcou a história da cidade. Jornalistas, apenas a turma do semanário Nosso Tempo. Os demais, ah, os demais, sei lá, não importa.
Apesar de estar com a agenda cheia, requisitado que era para proferir palestras em vários países, Esquivel veio a Foz e participou ativamente das reuniões de grupo e da plenária. Brilhou nas intervenções em defesa da democracia e dos direitos humanos.
Naquele final de semana, por coincidência, estava marcada a inauguração de uma espécie de tribuna que o então prefeito Perci Lima havia construído sobre a calçada da esquina da Belarmino com a Brasil. Nas imediações reunia-se nas tardes de sábado um grupo de amigos para tomar cerveja e jogar conversa fora. E foi entre umas e outras que alguém teve a idéia de convidar Perez Esquivel para a inaugurar o lugar. Porém, nenhum dos membros da confraria se animou a ir até o Agrícola. Todos se cagavam de medo do SNI a da polícia secreta do general Stroessner. Foi então que o Jorge Figueiredo, que era assessor de imprensa da prefeitura, dispôs-se a levar o prefeito para fazer o convite.
Perci topou a parada e foi até o local onde se realizava a Jornada. Conversa vai, conversa vem e acabou convencendo o ilustre convidado dos coordenadores das Jornadas de Solidariedade. Meio em dúvida se valia a pena, mas em consideração ao prefeito da cidade, Esquivel saiu do salão do Colégio Agrícola e inaugurou o local, que alguns batizaram como “Tribuna Livre”, outros de “Garganta do Diabo”, mas que acabou sendo conhecido pelo popular nome de “Boca Maldita”.
Terminada a solenidade o Prêmio Nobel convidou o prefeito e as demais pessoas presentes para participarem dos atos finais da Jornada de Solidariedade ao Povo Paraguaio. Educados, os membros do pequeno grupo presente na inauguração disseram que iriam em seguida. Perez Esquivel agradeceu e voltou para o encerramento do fórum antiditatorial, enquanto os “gargantudos” passaram o resto da tarde sentados no bar por conta da saideira.
O berço
Naquele outono de pouca chuva, o cheiro de merda humana entrava no corpo pelos poros e narinas. Como todos os anos, a exalação cálida de fezes humanas depositadas às margens do Monjolo, se misturava à poeira vermelha levantada pelos ventos vindos do Paraguai.
Era um sábado de abril e os altos e baixos das poucas e esburacadas ruas estavam vazias, desertas. Foz do Iguaçu, que tinha o privilégio ingrato de ser o maior mercado de mensus da região, estava às moscas. Com a chegada dos revolucionários, nem os ervateiros ousaram descer do Porto Mendes para contratar peões e comprar provisões.
No casarão de muitos cômodos e salão amplo, que às vezes servia como pensão, Ana Rosa reavivava o fogo e esquentava água para o chimarrão na chaleira de ferro fundido, preta de fuligem. Enquanto batia os tições ela resmungava pela falta de movimento. Também não era para menos. Além do fedor das latrinas transbordadas que empestava cada canto da cidade, nem os colonos, que costumavam fazer suas compras, tomar cachaça e jogar do bolão ao truco apareceram naquele final de semana. Funcionários públicos e comerciantes então nem se fala. Bandearam todos para o outro lado do Rio Iguaçu.
Ana Rosa estava uma arara. Praguejava enquanto mexia nas brasas, dirigindo suas queixas a uma rapariga que cevava o mate na cuia. “Que façam bom proveito na Argentina, pois aqui não gastam nada mesmo. Bando de cagões! Agora estamos nessa soneira, esperando a soldadesca sair da toca. Quando carajo esses molengas vão dar as caras? Desde que chegaram estão acantonados lá pros lados dos depósitos de madeira. Morrem de medo dos oficiais. É como dizem, quem não deve não teme. Que mal carinho de mulher pode fazer para a revolução? Desse tipo de apuro os oficiais não sofrem. Eles bem que têm por lá suas vivandeiras”.
Entre uma e outra cuia de chimarrão, Ana Rosa continuou reclamando da falta de movimento. E assim era, pois naqueles dias de revolução, com a cidade ocupada pela tropa do general Isidoro, ninguém se atrevia a freqüentar os boliches e muito menos a pensão. Uns e outros que ousaram dar as caras no casarão da “baixada do botafogo” acabaram sendo castigados pelos sargentos que, tal perdigueiros, vistoriavam cada palmo das ruas da cidade. De vez em quando eles davam batida na pensão, rodeavam a casa, espiavam através das telas de arame, fuçavam os quartos, proseavam com as mulheres e iam embora sem gastar um pila sequer.
A quietude da tarde e os pensamentos de Ana Rosa só foram quebrados quando um sargento entrou no salão. Conhecedora de todos os meandros da existência, ela pressentiu que aquele não era um perdigueiro qualquer, não estava em missão de caçar soldados, nem tampouco atrás de mulher ou pinga. Continuou sentada, sem lengalenga ou recordações, enquanto o militar vistoriava o salão e os cômodos da casa.Tinha a paciência curtida e sabia muito bem manejar o tempo. Apenas esperou e só ficou de pé quando o sargento se dirigiu a ela após cumprir sua diligência.
- Dona Rosa, venho de parte do Tenente Cabanas. Ele mandou avisar que amanhã o general Isidoro vai precisar deste salão para uma reunião com o capitão Luiz Carlos Prestes. Arrume mais uns bancos e cadeiras, pois devem participar todos os oficiais que estão no Depósito Central e outros tantos que estão a caminho. Veja acomodação para quarenta homens.
Dado o recado o sargento saiu, assim como chegou, sozinho, trazendo o uniforme e o corpo tomados por uma crosta de suor e poeira.
Na madrugada do dia seguinte, João Cabanas foi pessoalmente inspecionar o casarão de Ana Rosa. Estava ainda escuro quando apareceu com seu inseparável chapelão e apito pendurado no pescoço. Mandou preparar o almoço para os oficiais e disse que todas as despesas seriam pagas pelo comando. Em seguida ordenou que os quatro costados da casa fossem guarnecidos; e enquanto esperava a tropa cumprir suas ordens enrolou um cigarro.
Ficou de pé, encostado no balcão e olhou para a rapariga que antes cevava mate. Formosa ela era. Morena, de olhos grandes e cabelos tão compridos que lhe vestiam as costas, a moça, postada num dos pés-direitos do salão, notou a mirada do tenente e fixou os seus no chão. Ficou vexada e sentiu quentura na face, coisas que já até havia esquecido. Talvez fosse aquele olhar a oportunidade esperada para se livrar daquela vida.
Enquanto baforava colunas de fumo, Cabanas fazia planos de levar a moça para o acampamento e depois – por que não? – levá-la para seguir viagem pelos caminhos da revolução. Afinal, quase todos os outros oficiais tinham companhia e ele com trinta anos ainda não completados andava de jejum desde que saíram de São Paulo e se embrenharam no sertão. Olhava a rapariga e parecia que uma onda de fogo percorria-lhe as veias. Imaginava-a nua sobre sua cama de pelegos de carneiro, os cabelos compridos cobrindo seus seios.
Perdido em seus pensamentos, Cabanas não sentiu passar as horas nem a entrada no salão do general Isidoro, que chegava acompanhado por um grupo de oficiais, entre eles um homem franzino, baixo e barbudo. Era Luiz Carlos Prestes. Ele vinha de Barracão, depois de três meses de marcha pelos campos e florestas do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e sudoeste do Paraná.
Quando Prestes entrou na pousada o clima entre os revolucionários era de desânimo e capitulação. Diante das dificuldades o homem franzino fez-se gigante. Pediu a palavra e defendeu com paixão a marcha revolucionária contra o governo de Artur Bernardes.
Debruçadas no balcão, as duas mulheres assistiram com ar distante a reunião e a euforia que tomou conta dos militares. Ana Rosa esperou os oficiais retirarem-se, com passos mansos caminhou até o meio do salão e pôs em ordem os bancos e cadeiras. Cabanas foi o ultimo a sair. Antes porém, olhou para a moça e pegou na aba do chapéu. A rapariga retribuiu o aceno lançando um sorriso discreto para o tenente, como se tivesse adivinhado suas intenções e aceitado o convite.
Lá fora o tropel desordenado da cavalaria levantou novas nuvens de poeira, deixando pra trás o casarão de madeira, sem cor definida e com telhado de folhas de zinco, onde momentos antes haviam nascidos a coluna e o mito.
Um sacrifício por Foz
Em 1959, três jovens de Foz do Iguaçu foram a pé até o Rio de Janeiro como forma de protesto pelo abandono em que se encontrava o município. A tiracolo levavam um manifesto que recebeu o pomposo título de “Mensagem do povo de Foz do Iguaçu”.
O objetivo era chamar a atenção da opinião pública e fazer chegar o documento ao presidente Juscelino Kubitschek.
No dia 16 de janeiro, depois de terem sido entrevistados pela Rádio Cultura, Paulo Borne, Fortunato Borges e Ramón Gutierrez, todos eles funcionários da Industrial Madeireira, partiram em direção a então capital federal, portando a mensagem escrita por Roberto “Coco”Grignet. O documento contendo mais de 200 assinaturas, apresentava as seguintes reivindicações: motores de alta potência para a eletrificação da cidade ou então a conclusão da usina hidrelétrica do Rio Ocoí; nivelamento e calçamento das ruas; construção dos portos fluvial rodo-ferroviário de Porto Epitácio e Foz do Iguaçu, viabilizando assim o caminho hidroviário via Guaíra; ampliação da pista e melhoramentos no aeroporto de Foz do Iguaçu; abertura, conclusão e conservação de estradas para o escoamento da produção agrícola do Oeste do Paraná; construção de um hospital maior e melhor aparelhado e um grupo escolar.
Quando saíram rumo ao Rio de Janeiro, Borne, Fortunato e Gutierrez levaram nas mochilas, além da mensagem escrita por Grignet, um caderno de anotações para registrar tudo que aconteceria na viagem e as doações recebidas para o cumprimento da missão. Na primeira página do livro constaram os vistos do prefeito capitão Jacob Becker e do comandante interino do Batalhão de Fronteiras, Major Saião.
Durante o percurso prefeitos, vereadores, delegados de polícia e cidadãos comuns anotaram no livro-diário da viagem as reivindicações dirigidas ao presidente JK. Um vereador de Guaraniaçu escreveu pedindo que as roupas usadas do Exército fossem doadas aos agricultores da região. Em Laranjeiras, o presidente da Associação Rural pediu maior atenção ao homem do campo. Em Imbituva, a diretora da escola normal pediu ao presidente da República um livro autografado para ser o número um da biblioteca recém criada. E foi assim durante toda a caminhada. Os mensageiros de Foz acabaram se transformando em estafetas da esperança do povo da região Oeste.
Depois de caminharem dois mil quilômetros em 54 dias, Paulo Borne e Fortunato Borges chegaram ao Rio de Janeiro no dia nove de novembro. Ramón Gutierrez havia ficado doente e abandonou a aventura em Laranjeiras do Sul, 14 dias depois da partida.
Um sacrifício por Foz II
Na edição da semana passada eu comecei a contar a histórica caminhada que Paulo Borne, Fortunato Borges e Ramón Gutierrez fizeram ao Rio de Janeiro para entregar uma mensagem com reivindicações de Foz do Iguaçu ao presidente Juscelino Kubitscheck . Eles saíram de Foz do Iguaçu no dia 16 de setembro de1959 e chegaram na então capital de República em nove de novembro portando um manifesto que recebeu o pomposo título de “Mensagem do povo de Foz do Iguaçu”. O objetivo era chamar a atenção da opinião pública e fazer chegar o documento contendo uma série de reivindicações ao presidente Juscelino Kubitschek.
Depois de caminharem 54 dias, Paulo Borne e Fortunato chegaram ao Rio de Janeiro para a tão sonhada audiência com o presidente JK. Ramón Gutierrez ficou doente durante a viagem e abandonou a aventura em Laranjeiras do Sul, 14 dias depois da partida.
Depois de percorrerem os veículos de imprensa do Rio de Janeiro Borne e Fortunato dirigiram-se ao Palácio do Catete que vivia momentos de agitação por conta da revolta de Aragarças, quando oficiais da FAB se rebelaram contra o presidente. Os dois iguaçuenses cruzaram o saguão e subiram até a sala do Gabinete Civil. Lá foram informados que JK não estava no Palácio. Apesar das dificuldades não desistiram. Bateram nos gabinetes dos deputados paranaenses Ney Braga e Rafael Rezende. Ambos deram as costas para os mensageiros de Foz do Iguaçu. Procuraram os senadores paranaenses Souza Neves e Gaspar Veloso e toda a ajuda que tiveram foi a oferta de passagens para voltarem à fronteira.
Decididos a não voltar de mãos vazias Borne e Fortunato retornaram ao Palácio e entregaram a mensagem ao major Múrcio, que a encaminhou a Paulo Nonato, oficial de gabinete da Presidência. Faltava a resposta e ela não vinha. Foi então que os dois jovens iguaçuenses decidiram fazer um protesto andando ininterruptamente durante 72 horas em volta do jardim da Praça Floriano, na Cinelândia. Naqueles dias eles tiveram uma excelente cobertura da imprensa. O Jornal do Brasil chegou a afirmar que somente o presidente da República poderia parar a caminhada.
Depois de 15 horas de iniciado o protesto eles foram levados à Câmara de Deputados de carro oficial. Lá um grupo de deputados aconselhou os dois a suspender a manifestação, que estava sendo aproveitada por grupos oposicionistas. Disseram ainda os deputados que naquele momento, com a revolta de Aragarças, não era prudente continuar com o protesto, que o presidente JK estava ciente do propósito dos dois e que daria uma resposta em dez dias. Garantiram ainda que o povo iguaçuense seria beneficiado.
Borne e Fortunato voltaram a Foz do Iguaçu e ganharam a conta na Industrial Madereira, onde trabalhavam. Mas a luta não foi em vão. Um dia receberam um telegrama da Casa Civil comunicando que a Presidência da República havia encaminhado as reivindicações de
Foz do Iguaçu ao Governo do Estado e que uma verba havia sido liberada e depositada na conta da prefeitura no Banco do Brasil.
Uma história da eleição de 82
Ele era conhecido na Gleba Guarani por João Seboso e habitava, há anos, uma
casa de madeira com uma pequena varanda onde gostava de jogar tranca em família aos domingos. Durante anos trabalhou vendendo bilhete de loteria, até que um dia, aborrecido, largou da profissão e entregou-se de corpo e alma à política. Toda vez que se anunciava um pleito punha em jogo as mil e uma sutilezas que só o seu espírito sagaz de cabo-eleitoral dedicado e fiel podia conceber. Ele mesmo preparava em letra firme e aprumada os prospectos para distribuir aos eleitores e na defesa de seus candidatos, discutia, falava alto, impunha-se. Fazia da cabala de votos um ofício, visando sempre tirar resultado financeiro nas campanhas eleitorais. Era uma questão de princípio.
Dinheiro é o que ele queria, não lhe fossem falar em política sem interesse pessoal. Que ele trabalhava, isso era inegável. Andava a pé por toda Três Lagoas e ainda percorria as casas e comércios do Porto Meira e Carimã. Dava o couro na busca de votos.
Só mudou de comportamento em 82. Andava descoroçoado, retraído. Foi a única eleição que trabalhou por ideal, por amizade e seu candidato perdeu. No pleito para vereador, em 1982, ele apostou todas as fichas em seu xará João Nó Cego.
- Perdeu não perdeu, ele não cansava de repetir durante os jogos de tranca, que já não eram apenas aos domingos.
- Mas que ele ganhou, ganhou. Deu na Rádio Cultura e teve até a carreata da vitória do Oeste Paraná Clube até o Jardim São Paulo. Roubaram, deram uma rasteira no xará, ou então, quem sabe, o povo tem razão, ele desistiu em troca de algum dinheiro.
Aquela eleição foi a que ele mais trabalhou e olha que não foi por dinheiro. Trabalhou e apostou em seu candidato do coração. Foi cabalar voto até no Paraguai. Por isso não se conformava com a derrota de seu candidato, que todos, até os adversários e os mesários, durante a apuração, cumprimentaram como eleito.
- Agora chega. Como pode um cara dormir vereador e amanhecer segundo ou terceiro suplente? Por que o xará não ficou plantado lá naquele Oeste até sair o mapa final?
Decepcionado João Seboso largou da política. Ela só lhe trouxera enganos e inimigos. Trabalhara que nem besta de carga para no fim das contas ganhar o quê?
Depois dessa frustração, com efeito, ninguém o viu mais com seus “santinhos” e prospectos, a esbravejar contra os adversários. Por algum tempo voltou a vender bilhete de loteria até que um dia foi embora, dizem que pra Rondônia.
Documentos revelam participação de Itaipu na Operação Condor
Pesquisa realizada no arquivo da Delegacia da Polícia Federal de Foz do Iguaçu comprova que no período da ditadura a Assessoria de Informações e Segurança de Itaipu participou ativamente da rede de espionagem integrada pelo Brasil, Argentina, Paraguai, Chile e Uruguai
Aluízio Palmar
Na edição do dia 7 de outubro do Observatório da Imprensa, o jornalista Cláudio Julio Tognolli expõe as principais decisões tomadas pelo seminário realizado em Brasília pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji). Nesse evento que reuniu jornalistas e convidados foram debatidas a transparência e a acessibilidade a informações consideradas sigilosas. Tognolli, que é diretor da Abraji, ironicamente escreve em seu artigo que “há uma luz no fim do túnel quando se fala sobre o acesso às informações públicas no Brasil: a luz é justamente o trem vindo no sentido contrário, pronto para atropelar, com rigores de burocracia medieval, todo e qualquer brasileiro que pretenda receber documentos do Estado”.
Esse trem em sentido contrário citado pelo presidente da Abraji é o decreto 4.553, sancionado por Fernando Henrique e regulamentado por Lula, que amplia os prazos de sigilo de documentos secretos, confidenciais e reservados e prevê a renovação indefinida para documentos ultra-secretos.
Esse decreto coloca o Brasil em absoluto atraso perante a comunidade internacional, à medida que viola o direito fundamental de acesso à informação. Está lá, escrito no artigo 5º, inciso 33, da Constituição: “Todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas na forma da lei, sob pena de responsabilidade”.
Além de atentar contra o direito cidadão garantido pela Carta Magna, o temor em dar transparência aos atos governamentais tem sido um obstáculo no dia-a-dia dos jornalistas e outros profissionais.
Quando se fala então em pesquisar documentos do período ditatorial é um deus-nos-acuda. Com exceção dos arquivos das delegacias de ordem política e social, que foram abertos pelos governos estaduais na década de 90, os demais continuam fechados a sete chaves.
Pastas e mais pastas com informações relevantes estão depositadas nas repartições policiais e militares e em outros lugares incertos e não sabidos. Não é preciso ir longe em busca de exemplo. Aqui mesmo, debaixo de nossos narizes, no arquivo da Delegacia da Polícia Federal de Foz do Iguaçu, milhares de documentos registram informações importantes para quem estiver interessado em pesquisar o período ditatorial. Especificamente sobre Foz do Iguaçu e região Oeste, estão lá no arquivo da PF, depositados no porão, onde antes funcionava a carceragem, documentos sobre a esquerda, movimentos sociais, conflitos de terra, imprensa, índios Avá-Guaranis, igreja e Itaipu.
Quanto à Itaipu, a sua Assessoria Especial de Segurança e Informações (AESI), durante quinze anos, espionou e emitiu relatórios que eram difundidos sistematicamente aos órgãos de repressão do regime ditatorial. De 1973 a 1988 a agência foi um reduto de militares e policiais torturadores que pertenciam à estrutura repressiva da ditadura. Alguns desses agentes atuaram num aparelho paralelo que era mantido pelo consórcio de construtoras – Unicon. Tanto a estrutura formal (AESI) como a clandestina tinham suas similares no Paraguai, onde funcionava a versão guarani dos “tonton macoute” (1). Diversas cidades espalhadas pelo Brasil faziam parte do organograma da espionagem e repressão da binacional, com suas principais bases operacionais situadas no Rio de Janeiro, Brasília, Curitiba e Assunção além de Foz e Ciudad del Este (na época Ciudad Puerto Presidente Stroessner).
Participação de Itaipu na “Operação Condor” (2)
A Assessoria Especial de Segurança e Informações não se limitava a espionar os empregados e os candidatos a emprego na empresa binacional. Moradores de Foz do Iguaçu e região eram investigados e os paraguaios, argentinos, uruguaios e chilenos que trabalhavam na obra recebiam uma atenção especial.
A participação de Itaipu na Operação Condor pode ser comprovada em diversos expedientes que se encontram no arquivo da PF de Foz do Iguaçu, como por exemplo o informe 031/76, de 15/12/76, enviado pela AESI brasileira à sua similar paraguaia. Atendendo ao pedido de seus colegas paraguaios, os beleguins do general Costa Cavalcanti puseram os seus agentes no encalço do médico ortopedista e dirigente do Movimento Popular Colorado (Mopoco), Agostín Goiburú Gimenez.
Dois meses após a AESI/Itaipu ter enviado o relatório aos militares paraguaios, Goiburú, que estava asilado na Argentina e costumava vir a Foz do Iguaçu visitar os amigos, desapareceu. Anos mais tarde o professor paraguaio Martins Almada (3) descobriu durante pesquisa no arquivo secreto da polícia de Stroessner que Agostín Goiburú havia sido seqüestrado e levado para o Paraguai, onde foi torturado até a morte no Regimento Escolta Presidencial, em Assunção.
Durante minha pesquisa no arquivo da Polícia Federal, encontrei cópias de alguns documentos que comprovam a participação dos militares que atuavam no Centro de Informações do Exército (Ciex) e na Assessoria Especial de Informações de Itaipu, no seqüestro e morte de Agostín Goiburú. Como meu acesso ao arquivo da PF aconteceu numa condição excepcional, não me foi permitido fazer cópias dos documentos.(4) Durante os três meses em que vasculhei a papelada enchi três cadernos anotando as informações que considerei mais relevantes. A respeito do caso Goiburú encontrei os seguintes registros:
Origem: Ciex
Pedido de Busca 0140/75
“Dr. Goiburú fugiu do território argentino onde estava asilado e se encontra em território brasileiro possivelmente em Foz do Iguaçu”.
Origem: SNI
Pedido de Busca 1664
10/11/76
Está prevista a chegada em Foz na primeira quinzena de setembro de Eduardo Sardi, Agostín Goiburú, Silvestre Gomes e do Tenente Caselli.
Origem: S2 do 1º Batalhão de Fronteiras
11/2/77
Relação de elementos subversivos paraguaios em Foz do Iguaçu
Agostín Goiburú Gimenez, Tito Martinez, César Cabral, Rodolfo Mongelos Leguizamón, Eduardo Sardi Ostergag, Silvestre Gomes Caselli
5º Região Militar
Centro de Informações do Exército (Ciex)
Informe 0089/76
Recebemos informações que será realizada reunião em Guaíra com a presença de Aníbal Abatte Soley, Alejandro Stumpfs, Rodolfo Monjelos, Nielse Fernandes, Aluízio Ferreira Palmar, César Cabral, Epifânio, Tito e Xisto Fleitas
Itaipu Binacional (5)
Assessoria Especial de Segurança e Informações
Informe 031/76, de 15/12/76
Subversivos paraguaios em Foz do Iguaçu
a – Coordenação de Segurança informa que subversivos paraguaios planejavam reunião em Guaíra, a qual não chegou a se concretizar.
Tal fato já confirmado pela Coordenação de Segurança do Paraguai, que enviou na ocasião elementos de busca àquela cidade.
b – Há indícios de que Goiburú e Aníbal Abate Soley sejam a mesma pessoa.
1. Goiburú é visto constantemente em companhia de companheiros de Aníbal.
2. Ambos nunca foram vistos juntos nas reuniões da organização.
3. Goiburú faz viagens para Buenos Aires, Foz do Iguaçu, Cambé e Ponta Porã e viaja em companhia de Tito Mendes. Aníbal tem negócios em Cuiabá.
4. Goiburú viaja com documentação falsa e como disfarce usa peruca. Aníbal é visto constantemente de peruca.
Morte na travessia para Puerto Iguazú
Diversos documentos que se encontram no arquivo da Polícia Federal de Foz do Iguaçu registram a participação de Itaipu na Operação Condor. A AESI mantinha correspondência direta e constante com os órgãos de repressão das ditaduras argentina, paraguaia, uruguaia e chilena. É o caso de diversos pedidos de informações sobre militantes do marxista Exército Revolucionário do Povo (ERP) e do peronista de esquerda Montoneros enviados pelos militares argentinos ao departamento de inteligência de Itaipu.
No arquivo da PF há várias listas com nomes de pessoas que estariam trabalhando na construção da hidrelétrica. Para atender seus colegas argentinos, os militares que dirigiam o serviço secreto de Itaipu elaboraram um plano repressivo que recebeu o nome de Operação Mesopotâmia.
Comandada pessoalmente pelo general Costa Cavalcanti e pelo capitão Roberto Henrique Helbling (ex-chefe da 2ª Seção do então 1º Bfront) e posteriormente pelo coronel Bruno Castro da Graça a operação constou de investigações minuciosas de todos os latino-americanos que trabalhavam na obra. Por conta dessa operação diversos trabalhadores suspeitos de serem “subversivos” foram entregues aos militares argentinos como é o caso de Carlos Roberto Albarracin. Sobre esse e outros casos existem abundantes cópias de documentos emitidos pela AESI/Itaipu no arquivo da Delegacia da Polícia Federal de Foz do Iguaçu.
Outro exemplo do conluio que havia entre as ditaduras do Cone Sul é a morte dos argentinos Lílian Inês Goldemberg e Eduardo Gonzalo Escabosa, ocorrida durante a travessia do casal do Porto Meira, em Foz do Iguaçu, a Puerto Iguazú, na Argentina.
Num sábado, 2 de agosto de 1980, Lílian, de 27 anos, loura e franzina, e seu companheiro Eduardo, de 30 anos, embarcaram na lancha Caju IV, pilotada por Antonio Alves Feitosa, conhecido na região como “Tatu”. Antes da atracação no lado argentino, dois policiais brasileiros que estavam a bordo mandaram o piloto parar a lancha e apontaram suas armas para o casal. Cercados, Lílian e Eduardo ainda puderam ver que mais policiais desciam ao atracadouro, vindos da aduana argentina. Assim que perceberam ter caído numa cilada, Lílian e Eduardo se ajoelharam diante de um grupo de religiosos que estava a bordo e gritaram que eram perseguidos políticos e preferiam morrer ali a serem torturados. Em seguida abriram um saco plástico, tiraram uns comprimidos e os engoliram bebendo a água barrenta do Rio Paraná. Morreram em trinta segundos, envenenados por uma dose fortíssima de cianureto.
Os religiosos italianos sumiram. Tatu foi convocado à Capitania dos Portos de Foz do Iguaçu e à Prefectura Naval de Puerto Iguazú e aconselhado a esquecer a morte dos jovens argentinos ocorrida em sua lancha.
Ao cobrir esse caso na época para o jornal O Globo, eu procurei a Capitania dos Portos para saber que providências as autoridades navais de Foz do Iguaçu iriam tomar; se seria aberta uma sindicância, como é de praxe nesse tipo de acontecimento. A resposta que recebi foi curta e grossa. O oficial que me atendeu disse que o incidente ocorrera do “lado de lá”, e em seguida mandou um marinheiro me acompanhar até a porta de saída.
Esqueceu-se de que o fato ocorrera também em barco brasileiro, portanto sob jurisdição nacional. Mas como nossa democracia estava engatinhando e o País ainda era governado pelos militares e a Lei de Segurança Nacional estava em pleno vigor, a morte do casal argentino e a participação de policiais brasileiros na emboscada foram parar no esquecimento dos arquivos inacessíveis.
Passados mais de vinte anos do desaparecimento de Agostín Goiburú, da morte dos jovens argentinos na lancha e do desaparecimento na região de Foz do Iguaçu de seis brasileiros (Onofre Pinto, Daniel e Joel de Carvalho, José Lavechia, Vitor Ramos e possivelmente Gilberto Faria Lima) e de um argentino (Ernesto Ruggia) (6), uma cortina de mistério impede que os detalhes da participação brasileira nessas e outras ações da Operação Condor sejam conhecidos.
Algumas pistas, como os casos relatados neste texto, indicam que a Tríplice Fronteira esteve no olho do furacão antidemocrático que fustigou a América Latina na década de 70. Entretanto, informações mais completas e detalhadas somente serão conhecidas quando o decreto 4.553 for revogado e todos os arquivos que guardam documentos sobre a época forem abertos.
NOTAS
1 – Polícia política do ditador Jean-Claude Duvalier, do Haiti, famosa pelo controle que exercia sobre a população e pelas atrocidades que cometia contra seus prisioneiros.
2 – A Operação Condor baseava-se em um sistema centralizado de coleta e intercâmbio de informações e compreendia missões de execução, seqüestro e extradição clandestina de militantes da esquerda latino-americana que em sua fuga ou exílio radicavam-se em países vizinhos e inclusive fora dos limites continentais. Essa rede operacional contou com a integração plena dos serviços de inteligência do Brasil, Chile, Argentina, Uruguai e Paraguai.
3 – Em dezembro de 1992 o ex-prisioneiro político Martin Almada, acompanhado pelo juiz paraguaio José Fernandes, entrou na delegacia de polícia de Lambaré, subúrbio de Assunção, para procurar seu dossiê no arquivo policial. Eles acabaram encontrando décadas de história documental sobre a repressão no Paraguai e outros países.
4 – O autor teve acesso ao arquivo da delegacia de Foz do Iguaçu da Polícia Federal graças ao credenciamento que recebeu da Comissão 9.140, dos Mortos e Desaparecidos Políticos, vinculada ao Ministério da Justiça.
5 – Neste informe a AESI toma uma pessoa por outra. Aníbal Abatte Soley, também membro do Mopoco, é um antigo comerciante de Foz do Iguaçu. Enquanto Goiburú era médico radicado na Argentina.
6 – Onofre, Daniel, Joel, Lavechia, Vitor, Gilberto e Ruggia faziam parte do grupo remanescente da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) que desapareceu no mês de julho de 1974 entre Santo Antônio do Sudoeste e Foz do Iguaçu, na fronteira entre Brasil e Argentina .
Prisões na colônia alemã de Foz do Iguaçu
Em 1942 foi decretada a “Lei de Fronteira” que dava total autonomia para as autoridades policiais e militares agirem no controle e repressão às colônias alemãs e italianas no Brasil. As informações foram desencadeadas a partir de informações coletadas, que davam conta da existência de uma forte organização ligada ao Partido Nazista Alemão, através da Ação Integralista Brasileira, dirigida por Plínio Salgado. Entre as organizações que atuavam no Brasil estavam os Círculos de Apoio ao Partido Nazista, a Juventude Teuto-Brasileira, a Comunhão das Mulheres Nazistas e outras. Exerciam estas organizações uma flagrante autoridade sobre as escolas, hospitais, maternidades, sociedades de todo o gênero,comércio e indústrias pertencentes a alemães.
Não é, portanto, de se estranhar que, dentro deste contexto, a colônia alemã de Foz do Iguaçu sofresse perseguições, provocadas, na maioria das vezes, por informações de indivíduos interessados em estar bem com as autoridades e por aproveitadores que estavam de olho nas propriedades dos colonos.
Naquela época o medo reinava entre os colonos de origem alemã, espalhados em pequenas e médias chácaras ao longo da Estrada Velha para Guarapuava e nas regiões de Santo Alberto e São João.
Havia rumores de que os colonos estavam fazendo reuniões e que muitos de seus membros colaboravam com o nazismo.
É aí que entra em cena o escrivão de polícia Aracy Albuquerque Neira, considerado por muitos como um dos responsáveis pelas perseguições e prisões ocorridas em Foz do Iguaçu.
Falar alemão naqueles dias era extremamente perigoso. Podia significar prisão, confinamento ou morte. Testemunhas desses acontecimentos acusaram o delegado Cláucio Guiss e o agrimensor da prefeitura Otto Kucinski, como responsáveis pelas informações chegadas a Curitiba de que “os alemães de Foz do Iguaçu estavam se armando e que durante as reuniões gritavam a famosa saudação nazista “Heil Hitler”.
Devido a esses boatos, foram presos Carlos Rahmeir, Kurt Mahler, Martin Nieuwenhoff, Gustav Leninger, família Roth, Kurt Steiner, August Gunther e outros. No relatório policial consta que “a cooperativa agrícola era a base de espionagem do Eixo”.
Depois das primeiras prisões, o medo se transformou em pânico e os colonos passaram a viver apreensivos. O ambiente se tornou mais tenso após a morte do tenente Nelson Fleital, que servia no Batalhão de Fronteiras. Algumas famílias abandonaram tudo que possuíam e esses bens foram tomados por aproveitadores, muitos deles os mesmos alcagüetes responsáveis pelos boatos.
Prisão do Pároco de Foz
Processo contra a Congregação do Verbo Divino
As deduragens durante a segunda guerra mundial não perdoaram nem as autoridades religiosas. Em 1942, a partir de uma denúncia do escrivão Aracy Albuquerque Neira, o prelado de Foz do Iguaçu, monsenhor dom Manoel Koenner, foi preso e processado sob a acusação de “haver praticado delito previsto pelo artigo 13 da Lei de Segurança Nacional”. As autoridades policiais alegaram como motivo para a prisão, ocorrida em 19 de janeiro de 1942, terem encontrado uns caixotes na Prelazia, contendo armas de caça, munição,discos alemães e materiais de farmácia, entre outros objetos.
Em seu relatório, o delegado regional de Polícia, Gláucio Guiss, chegou ao cúmulo de afirmar que a congregação do Verbo Divino, a que pertencia dom Manoel Koenner, era uma “grande rede de espionagem alemã no Brasil”.
Esses fatos, minimizados na biografia do padre que exerceu a chefia da paróquia de Foz do Iguaçu no ano de 1942, são considerados pelo diretor da escola que leva seu nome, no município de Santa Terezinha de Itaipu, como perseguição política. O mesmo afirma laconicamente o padre Germano Lauk. Segundo ele, tudo não passou de um equivoco e que no final dom Manoel Koenner foi reabilitado. Indo mais a fundo o professor Cláudio Dier,
um dos biógrafos do monsenhor, assegurou que o vigário foi vítima de provas fabricadas.
Na ânsia de mostrar serviço aos seus superiores, o delegado Gláucio Guiss informou, no relatório que escreveu às autoridades de Curitiba, que nos caixotes depositados na prelazia, foram encontrados “material bélico e munições de guerra, além de propaganda da Ação Integralista do Brasil, organização de inspiração fascista e dirigida por Plínio Salgado”.
O caso dos caixotes misteriosos
Já em seu depoimento, prestado ao delegado Gláucio Guiss em 19 de janeiro de 1942, dom Manoel Koenner afirmou que desconhecia o conteúdo dos caixões, nos quais nunca mexeu por recomendação de seus antecessores, padres Theodoro Harnecke e Vicente Hackl, presumindo serem de propriedade de um “arquiduque, um médico, um químico e um piloto, todos de nacionalidade húngara, que estiveram hospedados na Prelazia em 1937”. Quanto a acusação de ser simpatizante da Ação Integralista, dom Manoel Koenner afirmou que de fato no ano de 1933 foi simpatizante desse movimento político, mas que em 1934 ele se desligou do mesmo por considerar que os dirigentes políticos do Integralismo não inspiravam confiança. Com relação ao material encontrado em seu arquivo particular, o padre declarou que o encontrou por “debaixo da porta principal da Prelazia e o guardou sem segundas intenções”.
Apesar de jurar inocência diante das acusações, dom Manoel Koenner foi mantido preso e processado pelo Tribunal de Segurança Nacional.
O caso dos caixotes só foi esclarecido no depoimento prestado ao chefe do DOPS, delegado Valfrido Piloto, em sete de junho de 1943, pelo padre Vicente Hackl, ex-vigário de Foz do Iguaçu.
Segundo o padre Hackl, os caixotes foram deixados na Prelazia por uma comissão composta por quatro pessoas de nacionalidade húngara e chefiada por um arquiduque da Casa da Áustria, de nome Albrecht de Habsburg. Esse arquiduque chegara a Foz do Iguaçu em agosto de 1937 num avião de sua propriedade e se hospedara, juntamente com os demais membros, da comissão na casa paroquial.
Ainda segundo o padre Hackl, o tempo de permanência do Arquiduque e sua comitiva em Foz do Iguaçu foi de trinta dias. Antes, porém, de seguirem viagem para Assunção, pediram permissão ao vigário para deixarem os caixotes até março do ano seguinte, quando voltariam para buscá-los.
Rigorosamente, a prisão dos padres da Congregação do Verbo Divino não passou de mais um erro policial causado pela histeria e preconceito racial. Tanto que no ofício de número 1.374/43, enviado ao chefe da 2ª Seção do Estado Maior da 5ª Região Militar, o delegado do Dops, Valfrido Piloto, informou que os proprietários dos caixotes faziam parte de uma “expedição destinada à escolha de um latifúndio no território paraguaio, a fim de ser estabelecida uma grande propriedade agrícola, naturalmente com colonização estrangeira”. Quanto as suspeitas de que essa propriedade pudesse vir a ser futuramente, um ponto de apoio a serviço de espionagem para as potências do Eixo, o delegado do Dops afirmou que não foi “descoberto nenhum indício que confirmasse esta conjectura”. Valfrido Piloto informou ainda à autoridade militar que todos os serviços de verificação realizados pela comissão húngara “foram feitos às claras, tendo sido acompanhados, até por pessoas estranhas à Comitiva e que os caixotes foram deixados em sala aberta e de fácil acesso, aí ficando como que abandonados pelos vários sacerdotes que exerceram a Prelazia”.
Apesar de todas as evidências inocentado-o das acusações, no dia nove de outubro de 1943, dom Manoel Koenner foi condenado a três anos de prisão pelo Tribunal de Segurança Nacional. Sua libertação só foi possível graças aos pedidos encaminhados pelos religiosos à dona Carmela, esposa do então ministro da Guerra, marechal Eurico Gaspar Dutra, conhecida por sua extremada fé católica. Seu caso foi revisto pelos juízes, tendo sido absolvido e reabilitado em sua plenitude. Três anos depois, já eleito presidente da República,sempre influenciado por dona Carmela, Dutra cancelou o registro do Partido Comunista, cassou o mandato de seus parlamentares e fechou os sindicatos. Foi, sem dúvida um carrasco da classe trabalhadora e bom amigo e protetor do clero. Suas simpatias pela causa integralista e pelo fascismo eram conhecidas publicamente.
Meus esqueletos
Foi por volta de agosto de 1980 que eu, Adelino de Souza, Juvêncio Mazzarollo e Jessé Vidigal, decidimos fazer um jornal que fugisse dos padrões da imprensa do interior. Naquele mesmo mês nós havíamos sido demitidos do Hoje Foz, depois deste semanário ter sido vendido para o político arenista Jucundino Furtado, então presidente do Banco do Estado do Paraná e homem chave no esquema de poder montado por Ney Braga. Nossa permanência naquele jornal era incompatível com a ideologia e os negócios que o grupo neista alavancava nos órgãos de governo.
Eu, fichado como terrorista e chegado do exílio a menos de um ano; Juvêncio, considerado como pessoa de idéias subversivas e Adelino e Jessé, queimados como rebeldes e parte do nosso grupo.
Desempregados e sem perspectiva de conseguir uma colocação em curto prazo, partimos então para pôr em circulação o novo jornal até o final do ano. As condições, de acordo com nossas avaliações, eram propícias para uma publicação que tivesse como linha editorial a luta pelas reivindicações cidadãs a partir de um enfoque democrático e conseqüentemente de contestação ao governo militar.
Apesar do País estar passando naquele momento por uma situação excepcional, de retorno a democracia, com o povo nas ruas portando as bandeiras das demandas reprimidas pelo regime militar, Foz do Iguaçu ainda era um território dominado pelos militares que juntamente com os civis adesguianos (membros da Associação dos Diplomados na Escola Superior de Guerra) ocupavam todos os órgãos públicos.
Naquela época quem não possuísse uma carteirinha da Adesg estava alijado pelo grupo que detinha o poder, e portando de suas benesses e prebendas.
Políticos e empresários fixavam nas paredes de seus escritórios os certificados emitidos pela associação encarregada de defender a ditadura. O papelucho era o passaporte para o sucesso. Quem não o possuísse estava condenado a ficar excluído dos negócios com o governo e empresas estatais, e também de assumir cargos de destaque na administração pública.
Em 1982, quando o prefeito nomeado de Foz do Iguaçu, coronel Clóvis Cunha Bueno, decidiu pendurar a chuteira, os candidatos a substituí-lo exibiam o certificado-passaporte que abria caminhos para a intimidade do poder. Há o caso de um hoteleiro que precisou correr na última hora e, mediante não sei que artifícios, conseguiu com o juiz João Kopytovski o seu precioso passaporte para o poder. O juiz era um defensor intransigente da ditadura e inimigo de morte de qualquer tendência política de esquerda.
Pois bem, foi justamente nessa terra dominada pelos sátrapas da autocracia, seus beleguins e puxa-sacos que decidimos fazer um jornal rebelde, de oposição ao regime militar e engajado nas lutas populares.
Sabíamos que enfrentaríamos muitas dificuldades e a principal delas seria a impressão. Em Foz só havia uma máquina capaz de imprimir no formato tablóide, era a do Hoje, que obviamente não iria rodar um jornal feito por nós. Como havíamos decidido ter desde o começo um mínimo de autonomia resolvemos fazer a composição e montagem em Foz do Iguaçu e levar os past-ups para Cascavel, onde o jornal seria impresso.
Foi então que compramos uma máquina eletrônica de fotocomposição.
Os documentos de Foz do Iguaçu foram digitalizados?
ResponderExcluirPesquiso o período da ditadura militar no Paraná, especialmente na UFPR.
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