Fruto de uma
parceria entre a Faculdade de Formação de Professores da Universidade do Estado
do Rio de Janeiro (Uerj), campus de São Gonçalo, RJ e a Marinha do
Brasil, começou a funcionar desde novembro de 2012, na Ilha das Flores, situada
na Baia de Guanabara, o Centro de Memória da Imigração no Brasil, um museu a
céu aberto que se propõe a mostrar aos visitantes a história daquele local,
onde funcionou um dos mais importantes centros de recepção e hotel de
imigrantes do país, entre 1883 e 1996. O projeto recebeu aportes de recursos da
FAPERJ e também da Marinha do Brasil. Visto assim, tudo bem, parece uma boa
iniciativa educativa e de resgate do papel da imigração na história nacional.
Nada contra. Entretanto, não se trata de resgatar a história de um lugar
qualquer. O lugar em questão é a Ilha das Flores, que se transformou numa base
da Marinha do Brasil, quartel-sede à
época de um Batalhão do Corpo de Fuzileiros( o Batalhão Paissandú) e que abrigou durante a ditadura militar de
1964 a 1985 um dos mais ativos centros de interrogatórios e torturas contra
presos políticos instalados pelo sistema de repressão do regime, sob as ordens
do Comando da Marinha e do seu órgão de repressão política, o CENIMAR.
Esse fato significativo, impactante e trágico não pode e não deve ser apagado ou escondido quando se quer resgatar a história daquele lugar e do nosso país. Para que assim, sejamos educativos com as novas gerações, para que se consolide verdadeiramente a institucionalidade
democrática, para que fatos como esse não se repitam.
Esse fato significativo, impactante e trágico não pode e não deve ser apagado ou escondido quando se quer resgatar a história daquele lugar e do nosso país. Para que assim, sejamos educativos com as novas gerações, para que se consolide verdadeiramente a institucionalidade
democrática, para que fatos como esse não se repitam.
Aliás,
aquele local, além de ter servido em diferentes épocas como fazenda de produção
de mandioca, centro de psicultura e outros, foi em várias ocasiões da nossa
história contemporânea utilizado como presídio para encarcerar lutadores
sociais, como sindicalistas e anarquistas nos albores do movimento operário do
século XX, foi também utilizado como presídio na 1ª e 2ª guerras mundiais,
durante a Revolução Constitucionalista de 1932, recebeu prisioneiros comunistas
e da Aliança Nacional Libertadora em 1935 e finalmente como centro de torturas
contra combatentes da ditadura militar instalada em 1964.
É uma bela
iniciativa dos pesquisadores da UERJ esse projeto de resgate da memória da
imigração no nosso país. É inconteste o importante papel que as diversas levas
migratórias têm na formação do nosso povo e na constituição do Brasil dos
nossos dias. Entretanto, por uma trágica armadilha histórica, a Hospedaria de
Imigrantes da Ilha das Flores, que foi centro de acolhida, de abrigo para
aqueles que chegavam ao Brasil em busca da esperança de uma vida melhor,
transformou-se entre 1969 e 1971, num local de sofrimentos, suplícios e
castigos atrozes para muitas dezenas de brasileiros que lutavam contra a
ditadura e também pela esperança de um futuro melhor para o nosso povo. Faz-se,
portanto, necessário e mesmo imprescindível, que no mesmo local em que funciona
este Centro de Memória da Imigração, seja estabelecido um dos memoriais da
resistência à ditadura, que evidencie com documentos, fotos, filmes
depoimentos, registros da imprensa e outros meios e recursos museológicos que
ali funcionou um dos mais cruéis centros de torturas do regime militar. Para
isso é necessário trabalhar em forma colaborativa com a UERJ, que já desenvolve
um projeto museológico ali, além de somar esforços das comissões de memória,
verdade e justiça, Grupo Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro, OAB, Comissão da
Verdade, movimentos sociais, organismos de direitos humanos etc.
A Ilha das
Flores, já sob o comando da Marinha do Brasil, começou a abrigar prisioneiros
políticos logo depois do golpe: operários navais, líderes sindicais, militantes
do PCB e outras lideranças políticas. Mas, foi a partir de 1969, com a prisão
dos militantes do MR8 (Movimento Revolucionário 8 de Outubro) que a Marinha do
Brasil e o CENIMAR instalaram definitivamente ali um verdadeiro campo de
prisioneiros e centro de torturas, sofisticado e cruel, sob o comando do
Capitão de Mar e Guerra Clemente José Monteiro Filho. A Ilha foi adaptada
efetivamente, nos moldes de um campo de concentração, com barreiras de arame
farpado, trincheiras, sacos de areia, cães adestrados, faróis de vigília, uma
solitária de 3x2mts. aproximadamente, toda pintada de uma cor rosa intensa por
dentro (a chamada Guarita), onde ficavam os presos que estavam sendo
interrogados e torturados, um lugar especial destinado para os interrogatórios
e torturas num ponto isolado da Ilha, a
Ponta dos Oitis. Prisioneiros eram obrigados a cortar seus cabelos com corte militar
e a usar uniformes. Agentes do CENIMAR, da Polícia Federal e do DOPS se
revezavam nos interrogatórios infindáveis: insultos, humilhações, ameaças e
torturas: choques elétricos, técnicas de afogamento, o suplício do pau de
arara, golpes com palmatórias, cassetetes e murros eram frequentemente usados
contra os presos.
Durante os
anos de 1969 a 1971, ali estiveram prisioneiros de várias organizações e
partidos revolucionários, tais como:
MR8, ALN, MAR, AP, PCBR, VAR PALMARES,PCB, PC do B.
As inúmeras
de núncias contra o Centro de Torturas da Ilha das Flores foram amplamente
difundidas no Brasil e no exterior e se encontram registradas em documentos,
filmes, fotos, matérias da imprensa, nos anais das auditorias militares, do
Superior Tribunal Militar, nos registros do Arquivo Nacional e do projeto
BRASIL NUNCA MAIS. Nesses registros, alguns personagens que comandaram e
atuaram nesse centro de torturas foram identificados e desmascarados, como
entre outros, o Capitão de Mar e Guerra Clemente José Monteiro Filho , o
Capitão de Corveta Alfredo Magalhães (o agente Mike do CENIMAR), outros
oficiais da Marinha e policiais do DOPS e da Polícia Federal e também o então
Tenente-médico da Marinha, o Dr.Coutinho,
que se prestava a fazer avaliações do estado físico dos prisioneiros para que
continuassem sendo torturados e por essa razão, em processo aberto pelo
Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro teve seu registro
médico cassado.
É necessário
para a história, para a consolidação democrática no Brasil, para que nunca se
esqueça, para que jamais volte a acontecer, o avanço dessa luta pela instalação
desses memoriais da luta contra a ditadura, como é o Memorial da Resistência em
São Paulo, como deve ser a antiga sede da Polícia Central da Rua da Relação,
como deve ser o DOI-CODI da Rua Barão de Mesquita na Tijuca e muitos outros. E
entre eles, sem dúvida, um memorial que
lembre o Centro de Torturas da Ilha das Flores.
Umberto T. de Lima
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