* Por
Derliz Moreno -Acadêmico de Jornalismo – UDC
Estanislao
Rigoberto Leguizamon, 74 anos, vivenciou os tempos difíceis do pós-guerra do
Chaco e
da Ditadura Militar Stronista no Paraguai. Nasceu no dia 15 de janeiro
de 1940, num povoado ao sul do Paraguai, em Paso de Patria, onde sempre
houve muitas dificuldades de locomoção para acessar a cidade quando chovia.
Devido às características pantanosas do lugar, as viagens eram feitas por meio
do Rio Paraguai ou por meio do Rio Paraná para ir a capital Assunção por
exemplo. Vivenciou as consequências da guerra com a Bolívia que terminou em 1936.
Nesta época havia uma crise generalizada, faltavam alimentos.
O ditador
Alfredo Stroessner do Partido Colorado subiu ao poder em 1954 por meio de um
golpe de estado militar. O Partido Liberal e o Partido Febrerista
eram os únicos partidos de esquerda. No entanto, quem não fosse do partido do
opressor, era considerado um cidadão de segunda classe. A ditadura era normal
para a maioria dos paraguaios, apesar de terem muito medo do ditador. As
pessoas que se opunham de alguma forma, eram presas e não questionavam nada.
Embora
tenha estudado até o ensino médio, não tinha acesso à livros, ao rádio e à
televisão. Mas foi lá que começou a ter conhecimento do que era uma ditadura.
Rigoberto conta que no colégio que estudou, careciam de materiais e os alunos
faltavam muito.
Serviu ao
exército durante dois anos. Posteriormente, em 1960, veio morar em Foz do
Iguaçu, pois não haviam empregos no Paraguai e aqui havia melhores condições de
vida, ainda que tivesse em mente, a ideia de voltar ao país de origem. Na Terra
das Cataratas conseguiu livros e outros meios para ampliar o conhecimento de
mundo.
Em 1969
voltou ao Paraguai, desta vez para morar na capital Assunção. Nesta época, ele
já estava casado e tinha duas filhas. Rigoberto alugou um lugar e abriu um
pequeno restaurante que funcionava como rodoviária da linha de ônibus Caacupé,
pois cada empresa de transporte possuía um local de parada.
Já em
1970, integrou um grupo com cerca de vinte membros, formando uma organização de
esquerda denominado Movimiento Revolucionario Colorado. As reuniões eram
secretas, pois corriam o risco de serem denunciados à polícia caso alguém de
fora soubesse. Eles tinham um amigo, Augustín Goiburú, médico e também
dirigente político preso pela Ditadura há oito anos, assim, o Movimiento
Revolucionario Colorado começou então a pensar em estratégias para tirá-lo
da cadeia.
O grupo
visitava-o na prisão junto à esposa dele, apesar que as visitas fossem difíceis
e muito controladas. Os guardas não entravam muito nas celas. Aproveitando-se
da situação, o amigo preso combinou com outros presidiários de escavar um túnel
para poderem sair. A terra era descarregada no vaso sanitário, e quando parou
de funcionar, não puderam solicitar manutenção, pois iriam descobrir o plano de
fuga.
A
operação de resgate foi marcada para o dia 3 de dezembro de 1970 à meia noite.
Três pessoas do Movimiento Revolucionario Colorado foram designadas,
inclusive Rigoberto, tendo a função de motorista. Chegando na prisão, um deles
foi distrair os vigilantes, disfarçado de policial. Os guardas eram numerosos e
por este motivo, nem todos se conheciam. O outro membro estava encarregado de
procurar o túnel escavado.
O plano
foi executado com sucesso e tudo correu tranquilamente. Foram libertados cinco
prisioneiros, incluindo o companheiro de longa data, Augustín Goiburú. No
entanto, o problema não acabara ali. Os presos foram encaminhados para as casas
de alguns integrantes do Movimiento Revolucionario Colorado de forma
sigilosa. Treze dias depois, três deles foram levados à embaixada do Chile para
serem refugiados no país vizinho. Por sorte, os policiais próximos ao local não
notaram nada estranho.
Aproximadamente
um mês depois, no início de 1971, os guardas levaram uma mulher para exibir-se
na frente da embaixada chilena, e deste modo, conseguiram prender um dos
resgatados que foi novamente torturado e acabou confessando tudo o que sabia.
No dia seguinte, perto das 10 horas da manhã, os policiais foram buscar todos
do grupo de esquerda, e inclusive, muitos inocentes acabaram presos.
Rigoberto
ficou na prisão durante três anos na Comisaria 4ª e foi torturado. Ele
relata com muita clareza o primeiro momento depois de ser preso, onde teve que
tirar a roupa, e os músculos dele foram agredidos para não haver possibilidade
de defesa, e com as mãos e os pés amarrados, foi empurrado num tanque cheio de
água. Quando estava quase se afogando e não podia mais respirar, a cabeça foi
colocada para fora da água e foi sacudido para responder as perguntas. Depois
disso, os policiais utilizaram a picana elétrica até ele se cansar de tanto
gritar e acabar desmaiando. Quando acordou, ele se viu jogado no chão. Na cela,
prenderam-no a uma corrente pesada, e era constantemente vigiado para garantir
que não estava solta. Após todos os planos da organização estarem reveladas, os
guardas ainda perguntavam se tinham bombas para um possível ataque.
O amigo
libertado, Agustín Goiburú, opositor tenaz de Stroessner, foi preso na
Argentina e entregue ao Paraguai, assim foi assassinado no marco da Operação
Condor em 1977.
Rigoberto
foi o primeiro do Movimento Revolucionário Colorado a ganhar a liberdade, em
1974, quando voltou para Foz do Iguaçu, onde a esposa e as filhas estavam
morando. Desta vez, não pensava mais em voltar ao país de origem. Neste
período, também não havia empregos no Paraguai e o restaurante que possuía foi
roubado pelos policiais para não ter mais posses. Com a ajuda de amigos,
conseguiu um emprego na Exportadora Paranaense de Produtos Alimentícios,
empresa em que trabalhou durante 17 anos. Depois disto, ele empreendeu por um
tempo, porém, não deu certo.
Hoje,
Rigoberto está aposentado e tem três filhas, a terceira nasceu depois que foi
preso e retornou ao Brasil. Ele também conta como vê a vida agora e fala do
amigo de longa data, Aluizio Palmar:
“Não me
arrependo de nada olhando para trás. Sofri muito por falta de conhecimento de
mundo. Só comecei a ler mais e entender como as coisas andavam quando vim para
Foz, quando participava de reuniões com amigos. Eu deveria ter retornado ao
Paraguai quando Stroessner caiu, mas decidi ficar aqui, pois o Brasil
proporciona uma melhor qualidade de vida. Fiquei muito orgulhoso quando o
Aluizio fez o Centro de Direitos Humanos e Memória Popular (CDH), que continua
dando oportunidades às pessoas e ele lutou e continua lutando para uma
sociedade melhor.”
Rigoberto
Leguizamon, homem humilde, simples, de grande caráter e profundo. Carrega
sempre um sorriso incontestável ao falar da vida e das tragédias humanas que
nos tempos de chumbo das Ditaduras Latino Americana eram extremamente difícil
de suportar, e agora, conta experiências vividas com muito bom humor, entre
gargalhadas e com um semblante de paz no rosto, motivando e alegrando a vida de
quem o conhece. Hoje leva uma vida tranquila, bem diferente do que viveu no
passado. A história dele é uma incrível história de superação e de coragem em
enfrentar algo que poucos cidadãos de bem se disporam, a Ditadura.
Rigoberto
diz que não se arrepende de nada, e com razão, pois não há nada para se arrepender.
Aliás, reconhecer a contribuição pela democracia, a coragem e o valor ao
resgatar amigos privados da liberdade, arriscar a existência pelo ideal da
justiça e da democracia, são gestos de grandes homens, que outrora dedicaram
suas vidas para um país melhor, para uma sociedade pacífica. Rigoberto expõe
que sofreu por falta de conhecimento de mundo, entretanto, o grande
conhecimento de mundo e existência se realizam na prática, ele sim, digno de
admiração, construiu conhecimentos, fez história.
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