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sexta-feira, 7 de dezembro de 2018


Documentos da ditadura, um legado em confronto ao pacto de silêncio.

Um mês após a abertura dos arquivos da Polícia Federal, relativos ao período da ditadura civil-militar, eu fui credenciado pela Secretaria Nacional de Direitos Humanos, para pesquisar os documentos depositados na Delegacia de Foz do Iguaçu.
Esse acesso só foi possível após a assinatura em setembro de 2002 pelo ministro da Justiça, Paulo de Tarso Ramos Ribeiro, de medida que abriu os arquivos da Polícia Federal para pesquisadores, familiares de mortos e desaparecidos na ditadura e membros da Comissão Especial sobre os Mortos e Desaparecidos.
Durante dois meses vasculhei os mandados de prisão, informes, radiogramas, ofícios recebidos e expedidos, dossiês, relatórios e outros tipos de documentos produzidos pela burocracia policial.
Quando eu entrei no depósito de documentos localizado numa pequena sala da DPF, em busca de rastros que me levassem à alguns desaparecidos políticos, não esperava encontrar naquela montoeira de papel, memórias esquecidas, inclusive a minha.
Ao revolver a documentação guardada em pastas, ou solta em caixas, eu reconstruí minha historia e trouxe à luz as atividades clandestinas dos serviços de informações da ditadura civil-militar brasileira.
Naqueles meses de 2004, na busca aos desaparecidos políticos, eu vasculhei arquivos, analisei milhares de documentos emitidos pelos órgãos que faziam parte do sistema repressivo da ditadura e montei várias situações e cenários. Tinha consciência de que era preciso ter um cuidado especial com os documentos produzidos pela ditadura. Naqueles escritos havia, tanto informações, como contrainformações, verdades, exageros e mentiras.
A busca tardia, o acesso restrito, é resultado da transição negociada e da lei de Anistia esdrúxula, que além de proporcionar a devolução dos direitos civis e políticos aos perseguidos pela ditadura, serviu também ao propósito do esquecimento do passado.
E assim chegamos à situação de hoje; enquanto as vítimas precisam remexer nos arquivos para que histórias sejam reconstruídas, os algozes e seus cúmplices fazem de tudo para que o passado permaneça intacto e possam, assim, terminar em paz os seus dias. Estão normalmente dispostos a pagar a intocabilidade do passado, com o seu próprio esquecimento pela História.
O filme alemão “Cidade sem passado” retrata muito bem esse mecanismo.  A obra do diretor Michael Verhoeve tem como tema central a investigação de uma estudante em busca da verdade sobre a relação dos moradores da provinciana cidade de Pfilzing com o nazismo. A protagonista busca informações sobre o passado da cidade, revisitando arquivos e ouvindo versões dos habitantes sobre o período de ascensão e domínio de Adolf Hitler e do 3º Reich.

A jovem se depara com a dificuldade de obter informações. As pessoas que foram ou colaboraram com o nazismo desejam que o passado continue intocado, e para isso dificultam o trabalho da estudante.

Durante minha pesquisa no arquivo da Delegacia da Polícia Federal de Foz do Iguaçu eu me senti como a personagem desse clássico do cinema cult.
Ao esmiuçar os quase vinte mil documentos, buscando pistas que indicassem as circunstâncias das mortes dos desaparecidos políticos e a localização dos seus restos mortais, eu tive acesso a um conjunto de documentos que traçam a história do oeste e sudoeste do Paraná nos últimos trinta anos.
São reclamações, investigações e inquéritos sobre as “guerras camponesas”, de defesa contra os despejos executados por jagunços e policiais a soldo de latifundiários. Além dos documentos sobre as organizações de esquerda e os conflitos pela terra, encontrei no arquivo da Polícia Federal de Foz do Iguaçu um farto acervo de documentos sobre questões locais. São histórias de prisões, de resistências, de dedos-duros, biltres e lambe-botas. Estas vão desde as investigações sobre a população local até as fofocas políticas.        
Durante 21 anos, o regime militar implantado no Brasil em 1964, prendeu, torturou, exilou e assassinou àqueles, que ousaram se submeter aos ditames do arbítrio. O Estado Policial chegou ao seu mais alto grau de terror na década de 70, quando todo o País foi entregue à sanha dos caçadores de bruxas. Era comum haver agentes policiais infiltrados nas escolas, nos ambientes de trabalho e, sobretudo, nos órgãos de comunicação, que, por serem formadores de opinião, sofriam uma vigilância redobrada.
Essas ações tinham como base ideológica a Doutrina de Segurança Nacional que concebia a guerra total, no contexto da Guerra Fria, onde os países eram pressionados a se posicionarem entre os Estados Unidos da América – a maior potência capitalista, e a União Soviética.

Foi um tempo de bipolaridade, da clara divisão de dois modelos de sociedade: “nós” versus “eles”, capitalistas versus comunistas.

Analisando o conteúdo dos arquivos das ditaduras, hospedados nos arquivos estaduais, na Coordenação Regional do Arquivo Nacional em Brasília - Coreg e no projeto Brasil Nunca Mais, nota-se uma intensa mobilização dos órgãos de segurança do Estado na busca aos “inimigos internos”, mas também uma troca constante de informações com suas congêneres de outros países.  

A memória sombria resgatada para a luz
A minha incursão pelos documentos da delegacia da Polícia Federal de Foz do Iguaçu proporcionou descobertas importantes, reguardadas dos olhares curiosos e estranhos aos órgãos policiais.  Graças a autorização que recebi na época descobri informações “guardadas a sete chaves” ou perdidas, como, por exemplo,os documentos da Assessoria Especial de Segurança e Informações da Itapu que foram incineradas pelos então dirigentes da hermética empresa Binacional.
A AESI da empresa binacional, comandada por militares reformados, possuía uma radiografia completa de cada funcionário e trabalhava em conjunto com o Centro de Informações do Exército, especificamente com a 2ª Seção - Serviço Secreto do então 1º Batalhão de Fronteira, hoje 34º BiMtz; com os serviço de informações das polícias Federal e Militar; com o Centro de Informações da Marinha – Cenimar; com o Centro de Informações e Segurança da Aeronáutica – Cisa e Serviço Nacional de Informações- SNI.
As fichas preenchidas pelos candidatos a emprego eram enviadas pela Itaipu para análise de todos esses órgãos que compunham o sistema de repressão da ditadura. No decorrer do meu trabalho no arquivo da PF me deparei com diversos casos de pessoas que tiveram seus pedidos de emprego negados por terem tido alguma atividade no movimento sindical ou estudantil.
Apesar de todos estes cuidados e do clima de terror implantado pelos beleguins do então diretor geral brasileiro, general Costa Cavalcanti, no dia 28 de outubro de 1975, um grupo de operários iniciou uma greve de fome no Canteiro de Obras de Itaipu, em protesto “contra a péssima alimentação” que era servida. O movimento foi reprimido e 35 operários foram demitidos para “servir como exemplo e impedir novas demonstrações de rebeldia”.
A greve de fome durou três dias e começou entre os operários da subempreiteira Vila Rica, que por sua vez prestava serviços a empreiteira Adolpho Lindemberg. Foi um movimento espontâneo e pegou toda a direção de surpresa. Roberto Helbling, um militar reformado, escolhido a dedo para dirigir o setor de segurança da Obra, ficou sem ação e pediu ajuda ao SNI.
De Brasília, veio a ordem de chamar o general Adalberto Massa, delegado Regional do Trabalho no Paraná. A presidência da República tinha receio que os grevistas fossem reprimidos no cacete e a imprensa tomasse conhecimento do que estava acontecendo “entre os muros” da construção da grande usina.
O general Massa baixou em Foz no segundo dia de greve e foi do aeroporto diretamente para o Hotel Bourbon, onde já se encontravam reunidos para avaliar a situação o general Costa Cavalcanti, Helbling e o general Junot Rebelo Guimarães, chefe da Segurança Física da Itaipu.
Nessa reunião, o general Costa Cavalcanti sugeriu que a greve fosse reprimida de forma exemplar “para acabar definitivamente com os focos comunistas” dentro de “sua obra”. Momentos antes, Helbling havia informado que recebera radiogramas dos órgãos de informações comunicando que nenhum dos grevistas era fichado por atividade política ou sindical.
Por fim foi acolhida a proposta do general Massa, que consistia na demissão sumária e exemplar de todos os líderes do movimento a começar por Miguel Alcanis Gimenez, que havia se apresentado como porta-voz dos grevistas. O principal argumento do Delegado Regional do Trabalho foi de que uma repressão física, com prisões dos grevistas, poderia vazar para a imprensa internacional e desabonar a imagem que a empresa binacional estava construindo no exterior.
No dia trinta de outubro de 1975, três após o início da greve de fome, 35 operários da construtora Vila Rica foram sumariamente demitidos e enviados às suas cidades de origem.
Ainda sobre violações cometidas durante a construção da Hidrelétrica de Itaipu, chamou minha atenção um calhamaço em cuja capa estava escrito em caixa alta: Paulo José Dias.
Pensei tratar-se de militante de alguma organização da resistência à ditadura. Porém, era uma ampla investigação sobre um cidadão que, depois de tomar uns tragos num bar em Foz do Iguaçu, falou alguma coisa que desagradou um oficial do exército que se encontrava no local.  
Paulo José Dias era topógrafo e trabalhava para a Planta Engenharia S/A, consorciada da Matrix Engenharia S/A, empresa designada para fazer o cadastro de implantação do Canteiro de Obras da barragem de Itaipu.
No final do expediente, Paulo José deu a habitual passada pelo Bar Garfo de Ouro. Lá pelas tantas, deitou falação contra o militarismo e disse que era um absurdo em pleno século XX a humanidade resolver seus problemas na base da guerra. Um oficial do Batalhão não gostou e disse para o topógrafo que ele estava ofendendo o Exército Brasileiro. O militar tentou ainda prendê-lo, mas ele deu um safanão e dirigiu-se ao quarto da pensão onde encontrava-se hospedado.
Levantou de ressaca no dia seguinte e foi até o bar mais próximo para rebater o porre da véspera. Bebeu uma dose de rum e retornou ao hotel para tomar um banho. Ao chegar, um policial, que já o esperava, levou-o para a delegacia de polícia onde foi rigorosamente interrogado. Queriam que ele confessasse que era comunista e membro de organização subversiva infiltrada na obra de Itaipu.
Da Civil foi conduzido para a Delegacia da Polícia Federal, onde dormiu na cela, depois de nova qualificação e interrogatório. No dia seguinte foi levado para o Batalhão de Fronteiras, onde ficou três semanas no xadrez. Durante este período ele passou por novos interrogatórios e ameaças de tortura.
Naquela época ainda havia no Batalhão um cubículo com diversos aparelhos de tortura. Os últimos presos supliciados na “sala de terror” foram os professores Luiz e Izabel Fávero. Aconteceu em 1969. Ela encontra-se grávida e abortou depois de uma sessão de choques elétricos.
Os militares estavam convencidos que Paulo José era um perigoso subversivo, membro de alguma célula comunista existente no Canteiro de Obras. Para tanto eles amparavam-se em informações fornecidas pelo Centro de Informações do Exército- CIE, que davam conta que um colega do topógrafo na Usiminas havia sido preso como subversivo em 1964.
Outro dado também considerado importante pelos militares era de que uma tia de Paulo José era casada com o tio do padre Geraldo da Cruz, preso em 1967 por ser membro de uma congregação religiosa “suspeita de subversão”.
Apesar de não terem nenhum motivo para manter o topógrafo preso, os militares o mantiveram no xadrez durante 22 dias. Por ultimo foi fichado como subversivo e demitido da Planta Engenharia S.A.
Essa minha incursão pelo arquivo da Policia Federal de Foz do Iguaçu, mostrou o alcance da máquina repressiva, que abrangeu todo o território nacional, atingindo inclusive, pessoas que não tinham nenhum envolvimento com os movimentos de resistência á ditadura.  
O Estado Policial estava ali, registrado naqueles milhares de documentos guardados em pastas e caixas de papelão.
É o caso de Waldomiro de Deus Pereira, que em setembro de 1974 abriu em Foz do Iguaçu um jornal tamanho standard e impresso no sistema offset.
A edição única do Jornal Binacional, que circulou em 18 de setembro de 1974, dedicou seis de suas dez páginas a situação dos agricultores que tiveram suas terras desapropriadas na localidade de Santo Alberto, situada nas proximidades do Parque Nacional do Iguaçu.
 “Expropriados pedem sindicância federal”, foi a manchete de capa acompanhada de um texto em que a direção do jornal fez questão de dizer que a pretensão da matéria “não era de contestar a ação do governo em desapropriar a área da antiga Gleba Silva Jardim, nem tampouco criticar ou fazer restrições, já que a confiança no Governo da Revolução é irrestrita”.
Depois dessa alisada no governo dos generais, o jornal criticou a forma como estava sendo feita a desapropriação dos pequenos proprietários pelo INCRA. Esses colonos, quase todos pioneiros de Foz do Iguaçu, estavam sendo tirados de suas propriedades e transferidos para o Projeto Integrado de Colonização, PIC-OCOI, em São Miguel do Iguaçu. Enquanto as benfeitorias eram pagas por um terço do seu valor e as terras com títulos da dívida pública, as novas propriedades no PIC-OCOI eram vendidas aos colonos com financiamento a juro de mercado.
Não deu outra, a matéria não agradou os militares e Waldomiro foi intimado a comparecer ao Batalhão. Lá, ele foi severamente interrogado. Queriam saber se o movimento de resistência dos colonos era orientado por organizações subversivas.
Depois de ficharem o jornalista, mandaram que ele juntasse seus pertences e fosse embora da cidade. Os órgãos de informações continuaram controlando os passos do jornalista e a última anotação sobre ele no arquivo da PF data de 24 de fevereiro de 1975 e diz que Waldomiro estava trabalhando naquela ocasião no jornal Tribuna de Cianorte.
Das assessorias de informação instaladas nas companhias estatais, autarquias e órgãos da administração direta, a AESI da Itaipu Binacional foi uma das mais poderosas. Minhas pesquisas feitas na Delegacia da Polícia Federal em Foz do Iguaçu, no Arquivo do DOPS do Paraná e no Centro de Documentación y Archivo para la Defensa de los Derechos Humanos del Palacio de Justicia, no Paraguai, também conhecido como Arquivo do Terror, mostram a estreita colaboração das empreiteiras responsáveis pela construção da usina hidrelétrica de Itaipu na caça, espionagem, repressão e assassinatos de cidadãos brasileiros e paraguaios, e também uruguaios e argentinos, no decorrer das ditaduras do Cone Sul.
Essas pesquisas revelam que de 1973 a 1988 Itaipu foi um reduto de militares e policiais torturadores, que atuavam nos diversos órgãos criados para salvaguardar o regime.
Durante a ditadura, as Assessorias Especiais de Segurança e Informações - AESIs, vinculadas à Divisão de Segurança e Informações - DSI e subordinadas ao Serviço Nacional de Informações - SNI atuavam em instituições públicas como universidades, autarquias e empresas estatais.
Ao contrário das AESIs localizadas nas universidades, que se ocupavam somente da espionagem e da delação, a AESI de Itaipu foi também um braço armado da ditadura militar. É mais um exemplo do que poderíamos chamar a dimensão molecular do terrorismo de Estado, seus desdobramentos cotidianos no bojo do próprio projeto de “desenvolvimento nacional” impulsionado pelos militares.
A AESI instalada na Usina de Itaipu manteve comunicação constante com os serviços de inteligência das ditaduras do cone sul.
Durante minha pesquisa no arquivo da Polícia Federal, encontrei cópias de alguns documentos que comprovam a participação dos militares que atuavam no Centro de Informações do Exército e na Assessoria Especial de Informações de Itaipu, no sequestro e morte de Agostín Goiburú.
Como meu acesso ao arquivo da PF aconteceu numa condição excepcional, não me foi permitido fazer cópias dos documentos, mas nos três meses que durou minha pesquisa eu enchi três cadernos com anotações que considerei relevantes.
Nas páginas registrei diversos documentos que provam a participação da Itaipu na Operação Condor. Um exemplo é o informe 031/76, de 15/12/76, enviado pela AESI brasileira à sua similar paraguaia. Atendendo ao pedido de seus colegas paraguaios, os beleguins do general Costa Cavalcanti puseram os seus agentes no encalço do médico ortopedista e dirigente do Movimento Popular Colorado - Mopoco, Agostín Goiburú Gimenez.

Dois meses após a AESI/Itaipu ter enviado o relatório aos militares paraguaios, Goiburú, que estava asilado na Argentina, desapareceu após visitar seus amigos que moravam em Foz do Iguaçu. Anos mais tarde o professor paraguaio Martin Almada descobriu durante pesquisa no arquivo da polícia de Stroessner, que Agostín Goiburú havia sido sequestrado e levado para o Paraguai, onde foi torturado até a morte no Regimento Escolta Presidencial, em Assunção.
Três anos antes quatro amigos de Goiburú foram sequestrados em Foz do Iguaçu. Uma operação executada na calada da noite prendeu, no dia 1º de dezembro de 1974, Rodolfo Mongelos, Cesar Cabral, Anibal Abbatte Soley e Alejandro Stumpfs, levados pelos comandos compostos por militares para um local clandestino do Exército, situado no Estado de Goiás.
Mais tarde, soube-se que a AESI da Itaipu Binacional atuou nessas operações a partir de um entendimento entre as ditaduras do Brasil e Paraguai, sócias na construção da Usina Hidrelétrica.     
O ano era 1974. No Paraguai, embalado pelo acordo para a construção da Hidrelétrica de Itaipu, o general Alfredo Stroessner aumentava seus poderes de chefe supremo da Nação.
Segundo matéria de Jose Maschio para a Agência Folha “o Serviço de Investigação do Paraguai, acusava os quatro de fazer parte de um plano para executar Stroessner. Os financiadores seriam empresários paraguaios radicados em Foz do Iguaçu”.
Os empresários acusados eram Rodolfo Mongelos, Alejandro Stumpfs e Aníbal Abbate Soley, todos integrantes do governo provisório no exílio do Movimento Popular Colorado – Mopoco.
No dia 25 de novembro de 19744 foram presos e assassinados na tortura, os ativistas Carlos Mancuello, Amílcar Oviedo e os irmãos Benjamim Ramirez Villalba e Rodolfo Ramirez Villalba.
Uma semana após essas prisões ocorridas em Assunção, o Centro de Informações do Exercito e a Assessoria de Informações da Itaipu fizeram um levantamento meticuloso dos hábitos e rotina dos paraguaios exilados em Foz do Iguaçu. A partir desse relatório a ditadura brasileira atendeu o pedido do general Stroessner, para prender Cabral, Soley, Stumpfs e Mongelos. O comandante da operação era um certo Luchessi, mais tarde identificado pelos quatro presos como Sebastião Curió, quadro estratégico da repressão, que havia comandado tropas do Exército na Operação Araguaia.
Depois de grande pressão internacional, eles foram soltos sob a condição foi que os presos de não voltarem a Foz do Iguaçu num prazo de dois anos.
Documentos extraviados, memórias esquecidas
Boa parte desses achados, registrados em milhares de documentos, foram “extraviados” na transferência do arquivo da Delegacia da Policia Federal de Foz do Iguaçu para Brasília. Apesar das várias denúncias que eu fiz desse ato criminoso, nenhuma medida foi tomada para apurar responsabilidades.
A falta de uma política arquivística, ou melhor, a política do esquecimento, tão claramente enunciada na chamada Lei de Anistia, tem sido responsável pela perda de documentos importantes para a reconstrução de histórias pessoais e construção de memórias sociais.
Um caso exemplar é esse desaparecimento de parte da documentação que compunha o acervo que eu encontrei depositado na delegacia da Policia Federal de Foz do Iguaçu. Levei esse caso ás autoridades dos quatro poderes. Todos me ouviram, e apesar de anotarem e espernearem, não deram a sequencia necessária. Eu esperava, pelo menos a formalidade da abertura de sindicância.        
Aliás, esse desmazelo com os documentos emitidos pela repressão eu encontrei na Delegacia Regional de Policia Federal de Pernambuco, e nas Superintendências da Sudene e do Incra, nesse mesmo Estado.  
Na DPF de Pernambuco, a cúpula local composta de diretor, vice-diretor e o  chefe do setor de informações, disseram pra mim e para Maria Esperança de Resende, chefe do Coreg no Distrito Federal, disseram que não havia no local nenhum documento do período da ditadura. Diante de nossa insistência foi liberada nossa visita ao arquivo geral, onde localizamos entre diversos materiais apreendidos, pastas contendo documentos do período. Todos em deploráveis condições de conservação.
Diante da falta de interesse dos órgãos governamentais em relação aos acervos do período da ditadura, eu Imagino que essa remontagem dos contextos históricos interessa somente aos sobreviventes que não se submeteram a política de esquecimento.
Apenas recentemente, as pesquisas sobre as ditaduras instaladas no subcontinente americano nas décadas de 60 e 70 estão saindo dos grupos restritos aos ambientes universitários e daqueles compostos por sobreviventes e familiares das pessoas atingidas pela ditadura. Ultimamente há um despertar nas academias e tem sido cada vez maior o número de estudiosos que buscam entender como a questão da memória se coloca na sociedade brasileira, onde as disputas sociais parecem sempre terminar em pactos que trazem como pressuposto o silêncio sobre o passado.
É comum ouvir pessoas dizerem que é preciso enterrar esse passado de governos tiranos. Inclusive alguns familiares de vítimas da ditadura não querem falar sobre o período. Em minhas andanças pelo interior do Paraná deparei com medos e silêncios de familiares das pessoas presas durante as razzias de 1964 e 1965, em que foram presas pessoas acusadas de pertencerem aos “grupos dos onze”.   
Construiu-se a sociedade do medo e do silêncio, onde prevalece o calar-se e fingir que não aconteceu, ou que todos os crimes divulgados fazem parte de ideologias partidárias ou resquícios de ações ‘comunistas’. Este silêncio brasileiro, também revela a própria dificuldade das pessoas falarem sobre o assunto por ser algo que as toca de uma forma negativa, pois o que é humano atinge, fere, mesmo sem que a pessoa seja testemunha ocular dos fatos. Mais do que isso, admitir que o horror aconteceu aqui também implicaria assumir parcela de culpa que cada um tem: culpa por trancarem-se em suas casas e preocuparem-se apenas com sua rotina, mesmo vendo seus vizinhos serem presos, sumirem ou serem mortos..
A cultura do medo gerou cautela, silêncios, - e a impunidade dos agentes repressivos aumenta este medo. Os silêncios tornam-se ausência de conflitos. Mas o silêncio também é criminoso. Ele não vem para trazer a paz, ele vem para impor um modelo de sociedade do medo.

Eu tenho duas frases estampadas no topo de meu blogue. Uma é do escritor tcheco Milan Kundera, que diz: “A luta pela verdade é a luta contra o esquecimento”. A outra é de Hannah Arend: “O futuro da tortura está indissoluvelmente ligado ao futuro do torturador”.
Essa articulação do passado com a ação política do presente é fundamental para que não se repitam os erros do passado. A ruptura entre passado e futuro, proporciona sempre soluções arbitrárias para os problemas sociais, além de perpetuar a criminalização dos movimentos sociais, os informes e inquéritos escritos com a linguagem herdada do período da ditadura.
Aliás, muitos desses documentos procedentes dos órgãos de repressão são estapafúrdios. Cito meu caso, em que um informe de autoria do CIE registra minha morte ou que eu havia me asilado na Dinamarca.
Esses documentos possuem em sua parte superior o nome do órgão emissor e o destino das difusões. Aliás, graças a essas trocas de cópias entre os órgãos de repressão tem sido possível localizar documentos antes considerados perdidos, ou melhor, destruídos.    
No arquivo descoberto na DPF de Foz do Iguaçu, encontrei documentos elucidativos de casos de desaparecimentos e mortes em tortura. Apesar de haver uma circular determinando a incineração dos mesmos o órgão policial da fronteira, talvez por negligência não cumpriu a ordem vinda de Brasília.
O serviço secreto da ditadura
Após analisar milhares de documentos durante sua permanência na Coordenação Regional do Arquivo Nacional no Distrito Federal – Coreg, a historiadora Vivien Ishaq afirmou ter ficada surpreendida com o numero de pessoas espionadas pelos serviços de inteligência da ditadura.
Em seu texto “O Serviço Secreto da Ditadura”, Vivien faz um histórico e detalha a estrutura repressiva. Segundo a historiadora:

“O SNI surgiu como um órgão da Presidência da República com a missão de coordenar, em todo o território nacional e no exterior, as atividades de informação e contrainformação e subsidiar o Conselho de Segurança Nacional - CSN.

Em 1970, o SNI passou a fazer parte de uma estrutura maior, o Sistema Nacional de Informações. O SiSNI era formado por uma ampla rede de órgãos responsáveis por monitorar a administração pública e a sociedade em geral. Além do SNI, a rede contava com unidades que se dividiam em dois ramos, um civil e outro militar.
O braço civil era composto pelo Sistema Setorial de Informações dos Ministérios Civis - SSIMC, ao qual estavam ligadas as Divisões de Segurança e Informações - DSI de cada ministério e as Assessorias de Segurança e Informações - ASI, responsáveis por monitorar órgãos da administração indireta, autarquias e universidades. O setor civil do SiSNI era complementado pelas Assessorias Especiais de Segurança e Informações AESI, que funcionavam em empresas estatais e em algumas universidades.
O braço militar era formado pelo Subsistema de Informações Estratégicas Militares - SuSIEM e pelo Sistema Setorial de Informações dos Ministérios Militares - SSIMM. O SuSIEM era subordinado à 2ª Subchefia do Estado-Maior das Forças Armadas e englobava os setores de informação - Segundas Seções dos Estados-Maiores de cada uma das três armas - Exército, Marinha e Aeronáutica -, além do Centro de Informações do Exterior - CIEx, responsável por monitorar as atividades de brasileiros em outros países. Já o SSIMM era composto pelos serviços de inteligência dos ministérios militares, que eram alimentados por seus respectivos centros de informações: Centro de Informações da Marinha - Cenimar, Centro de Informações do Exército – CIE e Centro de Informações e Segurança da Aeronáutica - Cisa.
O próprio SNI tinha diferentes estruturas internas. A Agência Central era a principal instância do órgão e coordenava as atividades de inteligência do SiSNI. Foi estabelecida inicialmente no Rio de Janeiro e transferida para Brasília em 1967. Era chefiada por um general de exército e estava diretamente subordinada ao ministro-chefe do SNI.
Esse escritório central era abastecido pelas Agências Regionais, núcleos do SNI criados nas principais capitais do país e chefiados por um oficial superior, em geral um coronel de exército, com quadros compostos por pessoal requisitado de diferentes órgãos do serviço público federal, estadual e municipal. Em 1988, 12 cidades brasileiras contavam com agências regionais do órgão: Rio de Janeiro, São Paulo, Belém, Manaus, Porto Alegre, Recife, Belo Horizonte, Campo Grande, Curitiba, Fortaleza, Salvador e Goiânia.
Desde seu surgimento até a extinção, em 1990, o SNI foi chefiado pelos generais Golbery do Couto e Silva, Emílio Garrastazu Médici, Carlos Alberto da Fontoura, João Batista Figueiredo, Otávio Aguiar de Medeiros e Ivan de Sousa Mendes. De certo modo, a eficiência do órgão deveu-se à obediência aos preceitos da hierarquia e da centralização sistêmica. O ministro-chefe era, em geral (com exceção de Golbery), um general de exército; a Agência Central era comandada por um general de divisão e as agências regionais, por um oficial superior (tenente-coronel ou coronel). Já os centros de informações das Forças Armadas eram chefiados por um general de brigada, e as Divisões de Segurança e Informações - OSI e as Assessorias de Segurança e Informações - ASI, por um oficial superior. Assim, a cadeia de comando militar estava no cerne da organização do SNI e de toda a comunidade de informações.
A função principal do órgão era assessorar o presidente da República, mas o SNI desempenhava várias outras tarefas, como acompanhar a execução dos planos e diretrizes governamentais, avaliando sua repercussão na opinião pública nacional e internacional; aprovar e fiscalizar a organização e a estrutura dos órgãos que compunham o SiSNI (com exceção dos ministérios militares e do Estado-Maior das Forças Armadas); aprovar os planos setoriais de informação dos ministérios civis; realizar levantamentos estratégicos; e fazer a ponte entre órgãos de informação federais, estaduais, municipais e até privados.
A formação de quadros do SNI e de outros órgãos da comunidade de informações ficava a cargo da Escola Nacional de Informações - EsNI, criada em maio de 1971, em Brasília, e estava subordinada diretamente à Presidência da República e ao ministro-chefe do SNI. A escola oferecia aos órgãos do SiSNI 25 cursos para funcionários de nível médio e superior, tais como contraespionagem, contrainformação, operações, análise de propaganda, segurança das comunicações, defesa contra entrada e retrato falado, entre outros. Estima-se que a escola tenha formado cerca de dois mil agentes até sua extinção, em 1990.
Os agentes do SNI formados pela EsNI produziam relatórios com informações e avaliações sobre o governo e o setor público em geral, relatórios externos com dados diversos sobre "países antagônicos" e "países amigos" os denominados relatórios psicossociais, que analisavam o comportamento dos principais agentes e instituições da sociedade, como igrejas, sindicatos, entidades estudantis, imprensa e movimentos sociais.
Assim, ao longo da existência do SNI, seus agentes produziram milhares de páginas com informações sobre pessoas e instituições, que foram organizadas em dossiês e inseridas no banco de dados do Sistema de Arquivamento e Recuperação de Documentos para Informação - Sardi. Esse banco de dados, por sua vez, englobava outras 19 bases de dados: 14 referentes às informações coletadas pela Agência Central e agências regionais, duas com os registros de Levantamento de Dados Biográficos - LDB da Agência Central e duas contendo os registros de Prontuários - PRT, também da Agência Central.
Por fim, a última base de dados do SNI, denominada Cadastro Nacional, era consultada pelos órgãos da administração pública, sendo utilizada, por exemplo, para avaliação dos candidatos à admissão e promoção na administração pública, uma vez que a base continha informações sobre a posição ideológica dos investigados. Muitas das punições impostas pelo regime militar decorreram das recomendações ou informações produzidas pelo órgão. Esse volume gigantesco de dados era acessado pelos agentes em terminais de vídeo, que apresentavam uma descrição sumária do conjunto dos documentos, visando uma rápida visualização das informações solicitadas.
Com o fim da ditadura militar e a promulgação da Constituição de 1988, foram revogados os dispositivos legais incompatíveis com um regime democrático, como o Decreto nº 79.099, de 1977, que isentava oficiais do SNI de prestar contas à polícia ou à Justiça sob o pretexto de salvaguardar as atividades ligadas à Segurança Nacional.
Ainda em 1988, foi aprovado o novo regimento do órgão pelo Decreto nº 96.876. Nessa época, a EsNI continuava formando agentes para o serviço secreto. No entanto, cumprindo uma promessa de campanha, o presidente Fernando Collor de Mello extinguiu o SNl por meio da Medida Provisória nº 150, de 1990, atribuindo à Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República – SAElPR as funções que não foram transferidas.
Em cada ministério civil e em seus órgãos vinculados deveria ser organizada uma DSI, ligada ao gabinete do ministro, com o objetivo de ser uma estrutura setorial de informação. Eram chefiadas por um oficial superior, geralmente ocupante do posto de coronel de exército. Em maio de 1970, as DSI passaram à subordinação do Serviço Nacional de Informações -SNI, e não mais à Secretaria Geral do Conselho de Segurança Nacional - CSN, fato reforçado pelo Decreto nº 75.640, de 22 de abril de 1975, definindo que as DSI integrariam o Sistema Nacional de Informações - SiSNI.
A Assessoria de Segurança e Informações (ASI) era um órgão setorial de informação existente na administração indireta e autarquias: em universidades,empresas estatais como Telebrás, Petrobras, Correios, entre outras. As assessorias foram organizadas pelo Decreto nº 60.940, de 1967, que criou também nos ministérios e órgãos vinculados as Divisões de Segurança e Informações - DSI.
A Assessoria Especial de Segurança e Informações – AESI existia em empresas como o Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social - lnamps, Departamento Administrativo do Serviço Público - Dasp, Instituto Nacional de Previdência Social - lNPS e Itaipu Binacional. Suas chefias eram exercidas por generais ou oficiais superiores da reserva.
Organograma do Sistema Nacional de Informaçoes:
A rede era composta pelos seguintes setores:
Serviço Nacional de Informações - SNI - Coordenava a rede a partir de sua Agência Central -AC e mantinha Agências Regionais em 12 capitais estaduais.
Sistema Setorial de Informações dos Ministérios Civis - SSIMC - Braço civil da rede, formado pelas Divisões de Segurança e Informações – DSI- dos ministérios e pelas Assessorias de Segurança e Informações - ASI de autarquias e universidades.
Sistema Setorial de Informações dos Ministérios Militares - SSIMM - Parte do braço militar do sistema, forma do pelo Centro de Informações do Exército - CIE, Centro de Informações da Marinha - Cenimar, depois CIM e Centro de Informações de Segurança da Aeronáutica - Cisa.
Subsistema de Informações Estratégicas Militares - SuSIEM - Parte do braço militar da rede, formado pelas Segundas Seções do Estado-Maior do Exército - EME/2, do Estado-Maior da Aeronáutica EMAer/2 e do Estado-Maior da Marinha, todas elas subordinadas ao Estado-Maior das Forças Armadas - EMFA.
Assessorias Especiais de Segurança e Informações - AESI instaladas em empresas estatais como Itaipu Binacional e Instituto Nacional de Previdência Social - lNPS.
Departamento da Polícia Federal -DPF, Conselho de Segurança Nacional - - CSN.Conselho de Segurança Nacional (CSN).
Órgãos militares do Sistema Nacional de Informações
Centro de Informações da Marinha - Cenimar.
 Com o recrudescimento da luta armada pela esquerda, o centro recebeu a incumbência de combater a subversão, e o Decreto nº 68.447, de 30 de março de 1971, o reestruturou para cumprir essa tarefa.
O Cenimar ficou então responsável por centralizar a produção de informações dentro da Marinha, limitando, assim, a atuação das Segundas Seções, setores tradicionalmente responsáveis pela coleta de informações do Estado-Maior da Armada. O centro mantinha agentes infiltrados em organizações comunistas, permitindo ao órgão conhecer a organização, estrutura e doutrina dos principais grupos de esquerda em atuação no período, como fica evidenciado no dossiê "Ação subversiva no Brasil'; de maio de 1972, que fazia uma análise detalhada das organizações revolucionárias. Em 1986, já no governo Sarney, o Cenimar mudou a sigla para CIM, mantendo o mesmo nome.
Centro de Informações do Exército (CIE)
Foi criado em dois de maio de 1967, pelo Decreto nº 60.664, subordinado diretamente ao gabinete do ministro do Exército. Ao CIE cabia orientar, coordenar e supervisionar todas as atividades de segurança interna e contra informações, concorrendo com a 2ª Seção do Estado-Maior, também encarregada dessas atividades. Diante de um Exército envolvido na política, o controle das informações passava a ter importância estratégica, assim como a prerrogativa das Forças Armadas de ter o controle da segurança interna, atuando ostensivamente na repressão política.
Centro de Informações de Segurança da Aeronáutica (Cisa)
Foi criado pelo Decreto nº 66.608, de 20 de maio de 1970, no então estado da Guanabara, como órgão normativo e de assessoramento do Ministério da Aeronáutica, e substituiu o Núcleo do Serviço de Informações e Segurança da Aeronáutica – NuSISA-, primeiro centro de inteligência criado pelo Ministério da Aeronáutica sob o regime militar, em 1968.
Em 1971, o Cisa foi transferido para Brasília, mas manteve um Escalão Recuado na cidade do Rio de Janeiro, uma vez que o foco das atenções políticas ainda se encontrava no eixo Rio - São Paulo. Suas funções eram: propor ao ministro da Aeronáutica a fixação de normas e procedimentos para as atividades de informações ações de segurança e contrainformações; estabelecer critérios para a seleção, treinamento e aperfeiçoamento de pessoal especializado; orientar, coordenar e supervisionar todas as atividades de informações e Segurança e de contra informações no âmbito do Sistema de Informações da Aeronáutica; e produzir e difundir informes para o Sistema Nacional de Informações - SiSNI, entre outras atribuições.
O Decreto nº 85.428, de 27 de novembro de 1980, alterou sua denominação para Centro de Informações da Aeronáutica, mantendo, contudo, a mesma sigla Cisa. Em 13 de janeiro de 1988, o órgão foi extinto pelo Decreto nº 95.638.
Centro de Informações do Exterior - CIEx
O Centro de Informações do Exterior do Ministério das Relações Exteriores foi, entre 1966 e 1988, uma agência de informações dedicada a monitorar os cidadãos brasileiros que, no exterior, continuavam a manifestar seu descontentamento com o regime militar instaurado no Brasil. De início, políticos, escritores e artistas "subversivos" eram investigados. Posteriormente, todo brasileiro que viajava para o exterior e os estrangeiros interessados em visitar o Brasil foram observados pelo ClEx e pela Divisão de Segurança e Informações do Ministério das Relações Exteriores - DSI/MRE.
Inicialmente chamado de Serviço de Informações no Exterior, o CIEx foi inspirado no modelo britânico de serviço secreto. De acordo com o documento Criação do Serviço de Informações no exterior, de 12 de julho de 1967, era necessário criar um órgão de informações para monitorar as "ações subversivas" de brasileiros, pois a coleta desse tipo de dado era feita, em muitos casos, de forma clandestina, o que saía da alçada do serviço diplomático. Além disso, um serviço específico de informações garantiria, ao mesmo tempo, a especialização necessária à atividade e o reconhecimento ao serviço quando este se relacionasse com serviços de informações aliados. Os principais focos de atuação do CIEx foram a América Latina, notadamente o Uruguai, a Argentina e o Chile. No continente europeu, atuava nos serviços diplomáticos em Paris, Moscou e Praga.
DOI-CODI, o braço operacional da repressão
Em 1970 foram criadas as Zonas de Defesa Interna (ZDI). Essas áreas tinham seus limites de jurisdição idênticos aos que definiam as áreas do I, 11, e IV Exército e do Comando Militar do Planalto. O passo seguinte foi criar, a partir de diretrizes secretas do Conselho de Segurança Nacional (CSN), o sistema Codi-DOI.
O Centro de Operações de Defesa Interna - Codi, chefiado pelo chefe do Estado-Maior do Exército, era um órgão colegiado, em cada uma das quatro Zonas de Defesa Interna (ZDI), formado por representantes do Exército, Marinha, Aeronáutica e polícias civil e militar do governo estadual. Essas áreas tinham seus limites de Jurisdição idênticos aos que definiam as áreas do I, II, e IV Exército e do Comando Militar do Planalto. O braço operacional dos Codi seriam os Destacamentos de Operações de Informações (DOI), controlados operacionalmente pela 2ª Seção do Estado-Maior do Exército (a Seção de Informações) e subordinados aos Codi.
Assim, foram criados os Codi-DOI em São Paulo, Rio de Janeiro, Recife e Brasília e, em 1971, em Belo Horizonte, Curitiba, Salvador, Belém e Fortaleza, com todos os cargos de chefia ocupados por oficiais das Forças Armadas, com exceção dos cargos da área administrativa. Essas estruturas ficaram conhecidas pela denominação DOI-Codi, expressando a preponderância que sua unidade operacional assumiu no combate aos grupos considerados subversivos, em articulação direta com o Centro de Informações do Exército - ClE.
Os DOI-Codi acabaram por partilhar as funções de coordenação das ações de repressão com os serviços secretos da Marinha - Cenimar e da Aeronáutica - Cisa, e mesmo com as Delegacias de Ordem Política e Social - Dops estaduais. O objetivo comum era a desestruturação das organizações de esquerda armadas, tal como fazia a Operação Bandeirante - Oban. Por meio de uma portaria reservada do ministro do Exército, o DOI-Codi foi desativado no final do governo do general João Batista Figueiredo (1979-1985).”

Esse trabalho meticuloso de autoria da historiadora Vivien Ishaq, apresenta um quadro bem completo da estrutura que o regime dos generais montou para manter a dominação e evitar qualquer tipo de contestação.

Os documentos que estão na Coordenação Regional do Arquivo Nacional, no Distrito Federal, e nos acervos de documentos da ditadura dos arquivos estaduais, além de serem testemunhas de um período tenebroso, são prova incontestáveis do monstro que a ditadura criou; responsável por desatinos que se projetam na atualidade da realidade sociopolítica do Brasil. Esse é o legado escrito de um regime calcado na força e na violência. A sua preservação é uma garantia para que não se esqueça, para que nunca mais aconteça. O conhecimento de seus conteúdos é uma ferramenta importante na luta para que o passado não continue modulando o presente.  

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