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domingo, 19 de julho de 2020

Rua Presidente Pedreira, 105

RUA PRESIDENTE PEDREIRA, 105
Com 22 anos saiu de casa e foi morar em Niterói. A ditadura militar estava fechando o cerco e era hora de buscar um lugar seguro. Foi então, dividir um quarto com Antonio Carlos Pinto, o Carlitos, camarada do PCB, na "Pensão de Dona Anita", que ficava no Ingá.
Naqueles dias, não chegou a ter momentos felizes. Levantava antes das 7 da manhã, ia a pé até a Estação das Barcas e já do outro lado, na Praça XV, pegava ônibus pro trabalho, em Santo Cristo, Zona Portuária do Rio de Janeiro.
Na volta, comia um pastel com caldo de cana, ali mesmo na Praça Araribóia e ia pra faculdade. Quando dava tempo, passava na pensão pra trocar de camisa. Pensão, Faculdade e Praia. Era tudo por ali, na Presidente Pedreira, mas poucas vezes foi à praia. Aproveitava as horas vagas pra fazer contatos com as bases do Partido nas faculdades e colégios, passar as orientações e entregar panfletos e o jornalzinho Resistência, que ele imprimia no quarto da pensão.
Passava horas trabalhando naquela espécie híbrida de mimeógrafo à tinta e tela de silk-scream. A engenhoca tinha uma parte fixa de madeira presa com dobradiças e uma parte móvel, que era como uma janela, A "janela" era coberta com uma tela de nylon bem esticada, fixada na moldura.
O texto a ser impresso, ele batia em uma folha de estêncil com a máquina de escrever sem a fita que o Carlitos emprestava.
A batida retirava a cera que recobria a folha de estêncil, deixando apenas um tecido permeável. O estêncil ficava em baixo da tela de nylon e na parte de cima era colocada a tinta. Manualmente, ele ia passando um rodo forçando a tinta a atravessar a tela de nylon e a parte permeável do estêncil. Em baixo, uma a uma, ele colocava as folhas de papel.
"Carlitos" ouvia calado aquele toc-toc da máquina de escrever e o reco-reco da impressora manual. Uma só vez reclamou do cheiro forte da tinta. Outras vezes, quando chegava da rua e e se deparava com ele pendurando os panfletos pra secar no varal improvisado, Carlitos resmungava entre dentes, "é preciso cuidar da segurança".
Aluízio Palmar.

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