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terça-feira, 5 de janeiro de 2021

ESTANISLAU, VÍTIMA DO LATIFÚNDIO EM CASCAVEL PR

 Estanislau Kokojiski estava com 80 e poucos anos, quando me procurou em agosto de 2006, pedindo que eu o ajudasse junto à Comissão de Anistia, pois o seu requerimento havia sido indeferido. Ele não estava nada bem na ocasião; mal conseguia falar e suas mãos tremiam sem parar. 

Custei a entender a história do Estanislau. Foram várias as conversas para eu conseguir montar a tragédia vivida por aquele homem triste, que andava encurvado e em busca de provas sobre sua história.

Estanislau Kokojiski morava em Cascavel, Paraná, e era presidente do Sindicato dos Produtores Autônomos da Lavoura, quando irrompeu o golpe militar de 1964.

Na medida que ele me contava o que havia sucedido 42 anos atrás, a tremedeira aumentava, seus olhos celestes perdiam o brilho e marejavam devido a lembrança daqueles anos de sofrimento.

Nos primeiros dias de abril de1964, a polícia invadiu sua casa, revirou tudo que havia dentro, alegando procurar propaganda comunista e ameaçaram ele e seus familiares de morte.

Estanislau foi levado para a Delegacia, enquanto os policiais encostaram um revólver na cabeça de sua esposa, exigindo que ela mostrasse onde estavam “as propagandas comunistas”. Dona Rosalina desmaiou na presença de suas três filhas menores. Uma delas correu para a casa de um vizinho, acometida de grave crise nervosa, vindo mais tarde a perder a memória por completo.

Enquanto isso na Delegacia de Polícia de Cascavel, Estanislau era torturado no pau-de-arara, levando golpes de “telefone” (tapas nos ouvidos) e afogamento em um tanque d’água. Ficou um ano e trinta dias preso em Cascavel e mais um ano e três meses preso em Curitiba, no presídio do Ahú em Curitiba. Preso, sem processo, sem advogado e sem contato com a família.

No presídio do Ahú, foi obrigado a trabalhar numa construção. Chegou a resistir, mas depois de levar socos e pontapés, subiu num andaime mal feito, que não resistiu o seu peso e desmontou. Estanislau caiu, fraturou o pé direito e durante três meses andou de muletas.

Foi solto em julho de 1966, e ao voltar para casa, encontrou sua esposa de cama. Devido aos sofrimentos, ela teve um derrame. Dona Rosalina morreu naquele mesmo mês de julho. O sítio, ele vendeu para pagar as despesas médicas da esposa e da filha.

“Por que você nunca contou isso pra gente, Estanislau?  Por que guardou silêncio em todos esses anos?”, eu perguntei pra ele várias vezes e várias vezes ele olhava pra mim em silêncio.

Eu conhecia Estanislau, sabia que ele era um homem bom e justo. Acreditei e fui atrás de documentos que provassem para as autoridades o que ele me contava. Procurei no Arquivo Público do Estado do Paraná e no Arquivo Nacional e não encontrei nenhuma prova da prisão dos diretores do Sindicato. Fui a Cascavel, revirei os livros depositados num porão úmido e fedorento, falei com várias pessoas e ninguém soube me informar. Já estava desistindo, quando, em mais uma tentativa de busca no Arquivo Público do Paraná, localizei uma relação de pessoas presas acusadas de “atividades subversivas” e lá constava o nome de  Estanislau Kokojiski. 

Finalmente eu tinha em mãos as benditas provas, documentos da Delegacia de Ordem Política e Social – DOPS, do Paraná, onde constava o nome de Estanislau num listão de presos sob acusação de serem comunistas. E mais, um outro documento mencionando que Estanislau Kokojiski “foi preso por atividades subversivas”.

Fiz cópia dos documentos emitidos pela DOPS e voltei pra Foz do Iguaçu. Cheguei pela manhã, e, em seguida fui na Vila C levar a boa nova para o meu amigo. Mostrei os papéis, ele olhou pra mim calado e sem demonstrar emoção. Estanislau estava muito mal, sua vida andava por um fio.

Preparei o requerimento e enviei para Brasília em agosto de 2007, e para acelerar a tramitação juntei um atestado médico.

No dia 10 de abril de 2008, recebi a notícia de que o requerimento foi deferido. Estanislau Kokojiski havia sido anistiado.

Corri para levar a boa notícia, para dizer ao bom amigo que sua luta não foi em vão.

Não deu. Quando cheguei na casa humilde do bairro operário, o homem bom e justo estava sendo velado.

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