ALUÍZIO PALMAR TIRA OS ESQUELETOS DO ARMÁRIO
Em entrevista ao jornal A Cachola, o jornalista Aluízio Palmar fala da
luta revolucionária dos anos 60 e 70 e comenta o momento atual.
1-
Como foi o primeiro contato com a organização
revolucionaria.
Não é bem
assim. Meu processo de conscientização vem de longe. Meu pai era muito ligado
ao varguismo e eu era sensível a luta dos trabalhadores no final do governo de
Getúlio Vargas, da política nacionalista e tudo mais. O trauma resultante da
morte de Getúlio em 24 de agosto de 1954 e a revolta popular contra as elites,
representantes do imperialismo e do latifúndio, me levaram a ver que apenas uma
sociedade socialista poderia superar o atraso, a pobreza, o analfabetismo e a
espoliação de nosso País pelo capital internacional. Daí pra frente as coisas
foram acontecendo em um grande ritmo. Entrei no Partido Comunista Brasileiro –
PCB e passei a ter uma forte militância política no Estado do Rio de Janeiro,
notadamente no movimento estudantil.
2- Após a morte de Getúlio teve
eleição e JK saiu vencedor. No governo de Juscelino vocês continuaram com a
luta?
No início da
década de 60 parecia que o Brasil estava no rumo certo. No governo de Juscelino
Kubitschek o processo de conhecimento da realidade brasileira avançou em todos
os sentidos. A população clamava por mudanças, a organização popular ia se
consolidando aos poucos e todos os setores da sociedade estavam em permanente
mobilização na defesa de seus direitos.
A partir da
eleição de Jânio Quadros para presidente da República e de João Goulart para
vice-presidente em 1960 e com a posse em janeiro de 1961 o processo
revolucionário avançava a todo vapor. Surgiram as Ligas Camponesas e mesmo
estando na ilegalidade o PCB estava presente em todos os setores da vida
nacional. Com a renúncia de Jânio em agosto de 1961 e o golpe militar visando o
impedimento da posse de João Goulart o movimento popular teve um salto de
qualidade e de quantidade. Graças a mobilização popular e a Campanha da
Legalidade liderada por Leonel Brizola, então governador do Rio Grande do Sul,
a direita recuou e a Junta Militar instalada teve de ceder a presidência da
República à João Goulart.
Em toda esta
sucessão de fatos eu estava no olho do furacão. Era dirigente do PCB no Estado
do Rio de Janeiro, responsável pelo setor de agitação e propaganda de
Juventude.
3- E daí aconteceu o Golpe de 1964, que
derrubou o presidente João Goulart.
No período de
governo de João Goulart, mais conhecido como Jango, a luta por melhorias nas
condições de vida do povo brasileiro teve um grande avanço. Isso assustou as
velhas e recalcitrantes elites que não admitiam perder suas regalias. Com o
apoio do Imperialismo norte-americano essas forças reacionárias articularam o
Golpe Civil-Militar de abril de 1964, destituíram o presidente João Goulart e
começou então um período de vinte e tantos anos de ditadura
“A GENTE SOFRE QUANDO
ADQUIRE
UM GRAU
DE CONSCIÊNCIA POLÍTICA”
4- Você
pensou em se afastar da luta revolucionaria nos primeiros momentos?
Olha, as
vezes eu penso assim que é uma merda ser uma pessoa consciente, sentir
indignação frente as injustiças. Veja só as pessoas alienadas, não se
interessam pelos problemas do País, só querem saber na samba, mulher, cerveja,
futebol e Faustão e são felizes. A gente sofre quando adquire um grau de
consciência política, pois passa a ter conhecimento das necessidades e de que
esta sociedade capitalista só se mantém de pé à custa da exploração e da
desigualdade social.
5-
No livro “Onde foi que vocês enterraram nossos mortos?!”
você narra várias vezes que o sargento Alberi e o Cabo Anselmo eram traidores.
O que você pensa sobre ambos?
Veja bem, a
luta contra a ditadura foi rigorosa e dolorosa. Tivemos que pegar em armas para
lutar contra a tirania. Foi uma luta desigual, pois a gente enfrentava toda uma
estrutura civil e militar montada a ferro e fogo para defender os privilégios
da burguesia e os interesses do capital internacional
6-
Na troca de e-mail com o companheiro de Madalena Lacerda,
Gilberto Giovannetti, este diz que Madalena não teve escolha, que ela viu que o
VPR era frágil, assim como outras organizações. O que você diz.
A luta armada
exige rigor e muita consciência. Madalena Lacerda teve uma participação muito
importante em todo o processo. No início da década de 60 foi secretária da
Frente Parlamentar Nacionalista e tudo mais. Porém, ela não agüentou as
torturas. Não foi a única. Faltou caráter, retidão. As organizações
revolucionárias eram frágeis porque a ditadura era poderosa. Nossa força estava
na convicção da justeza da luta por liberdade e justiça social. Todos esses que
passaram pro outro lado são traidores e vítimas do regime de ódio e terror
implantado pela ditadura militar.
7-
Você sempre narra Onofre Pinto como bom, mas ele levou os
traidores para dentro da VPR. O que você fala dele hoje?
Olha, o
Onofre Pinto foi um militar nacionalista, convicto da luta pelo socialismo. Com
o golpe de 64 ele foi cassado e então passou para a resistência. Na luta
clandestina foi um dos organizadores do Movimento Nacionalista Revolucionário e
posteriormente da Vanguarda Popular Revolucionária. Ao responder pelo comando
da VPR no exílio ele foi liberal, confiou demais e não seguiu as exigências da
luta clandestina. Apesar de alertado ele deu guarida a pessoas que não mereciam
nossa confiança. Acredito que tudo isso aconteceu por ser o Onofre uma pessoa
voluntariosa, movido pelo desejo e não pela consciência. Na luta revolucionária
é preciso ter cautela e sangue frio, mesmo tendo paixão pela causa popular.
Onofre Pinto
não foi um traidor. Confiou demais e acabou pagando com sua vida e a de vários
companheiros por suas liberalidades.
“JOSÉ DIRCEU FOI
DEMONIZADO
PELO QUE EXISTE
DE PIOR NA POLÍTICA BRASILEIRA.”
8-
José
Dirceu esteve como preso político e foi trocado pelo embaixador americano
Charles Elbrick, seqüestrado em 1969. Aonde foi feita a troca pelos presos
políticos. O que você fala do antes e agora de José Dirceu.
A troca dos
presos políticos aconteceu no Rio de Janeiro e os prisioneiros da ditadura
libertados em troca do embaixador ianque foram para o México.
Quanto ao Zé
Dirceu é preciso levar em conta que o ser político age de acordo com as conjunturas
e hoje, por ser ele um dirigente partidário poderoso é bastante criticado pela
mídia reacionária. A prática política do Dirceu na Câmara de Deputados pode até
ser criticada, mas é preciso lembrar que ele foi demonizado pelo que existe de
pior na política brasileira.
9-
O jornal a Folha de São Paulo noticiou você como morto,
na época quando como você recebeu esta noticia?
Essa notícia
da minha morte foi plantada pelos órgãos de repressão. Com isso eles pretendiam
que eu relaxasse minhas normas de segurança na luta clandestina e que meus
familiares entrassem em desespero buscassem fazer contato comigo.
10-
Você foi o organizador do MR-
Não, nada a
ver. Nós organizamos o MR8 em
11-
O MR-8 chegou a ter grande ação aonde foi e como foi?
O MR8 velho
fez várias ações de expropriação de bancos com a finalidade de financiar a
guerrilha. Já o MR8 novo, sucessor do MR8 de Niterói, fez o seqüestro do
Embaixador Americano no Brasil.
“EU ESTAVA NA SOLITÁRIA DA
PRISÃO
QUANDO FUI LIBERTADO PELOS COMPANHEIROS
E ENVIADO PARA O CHILE”
12-
Você estava entre os 70 presos políticos trocado pelo
embaixador suíço Geovanni Bucher. Como foi isso mesmo?
Entre as
várias práticas dos grupos de resistência democrática havia as ações
revolucionárias visando libertação dos presos políticos que padeciam sob
torturas nos prisões e nos quartéis. Eu estava na solitária do Presídio da Ilha
Grande quando fui libertado pelos companheiros e enviado junto com outros 69
presos políticos para o Chile.
13-
Hoje você se arrepende do que na revolução?
Eu acho que
nossa maior falta foi desconhecer os movimentos de nosso inimigo e o modus
operandi da repressão. A gente lia muito, estudava e debatia muito, mas
subestimávamos o conhecimento de alguns contextos. Rigorosamente eu me orgulho
de ter lutado, pegado em armas contra a tirania.
14-
Nos moldes de hoje você seria um revolucionário?
Mantenho viva
minha indignação frente às injustiças, considero que as desigualdades sociais
aberrações criadas pela sociedade burguesa; continuo engajado na luta em prol
de mudanças econômicas e sociais que façam cessar a marginalização e a
exclusão. Não acredito que estas mudanças virão naturalmente ou pela via
parlamentar. Somente a mobilização revolucionária conseguirá construir uma
sociedade igualitária e solidária, onde cada cidadão terá conforme sua
necessidade e dará conforme sua possibilidade.
15-
Poderia citar aos leitores do jornal A Cachola resultados
bons colhido hoje pelo sangue derramado dos valentes companheiros da revolução.
O resultado
mais positivo foi a conquista de nosso bem mais precioso: a liberdade.
“BUSCAR OS DESAPARECIDOS
POLÍTICOS
É MAIS UMA QUESTÃO MORAL, HUMANA,
DO QUE POLÍTICA”
16-
Sua segunda luta foi para descobrir a onde enterraram os cinco
revolucionários. Por que tanto empenho?
Não existe
primeira, nem segunda luta. A luta é única e permanente. Buscar os
desaparecidos políticos é mais uma questão moral, humana, do que política. É
preciso descobrir onde foram assassinados, em que circunstâncias e onde foram
enterrados os valorosos combatentes revolucionários que caíram na luta da
resistência democrática contra a ditadura. Aqui no Paraná aconteceram muitas
atrocidades. Seis militantes da Vanguarda Popular Revolucionária foram
assassinados a sangue frio dentro do Parque Nacional do Iguaçu.
17-
O Brasil hoje tem que tipo de democracia?
O processo de
redemocratização do País é capenga e não se deu por completo. O parlamento da
República não representa as grandes massas. A maioria dos deputados e senadores
representa os setores abastados da sociedade, representa o latifúndio, o grande
e médio capital industrial e financeiro. Isso que é chamado de democracia é uma
excrescência tutelada pelos setores reacionários das Forças Armadas e pela
mídia golpista.
18-
E esta democracia foi a tão sonhada pelas organizações
revolucionarias?
Numa
democracia verdadeira o Parlamento é reflexo do nível de mobilização popular,
as organizações sociais possuem representatividade e intervêm diretamente junto
as estruturas de poder. As mudanças avançam impulsionadas pelo movimento
popular, por uma imprensa e um Parlamento que reflete este sentimento de avanço
social. Isso que está aí é uma democracia burguesa, em que as elites econômicas
e sociais usam e abusam de sua imprensa para manipular a opinião pública com
desinformação e mentiras.
19-
O que você diz da polarização política de hoje no que
tange o
Capitalismo?
Existem
muitas contradições no mundo de hoje. Além da principal que é a luta de
classes, onde de um lado está o proletariado e de outro a burguesia, existem
várias outras contradições, como a dos países em desenvolvimento e os países
desenvolvidos, dos países que buscam um caminho próprio para o seu
desenvolvimento e o imperialismo dos Estados Unidos, entre a defesa dos
recursos naturais e o capitalismo selvagem e predador.
20-
O PT hoje segue a cartilha do Lênin ou Gramsci ou José Vissariónovich
Stálin ou nenhum?
O Partido dos
Trabalhadores não tem nada a ver com os pensadores revolucionários. Se for para
citar cartilha ele está para a de Kautsky. A ideologia e prática do PT é social
democrática, pois acredita que é possível chegar a uma sociedade de bem estar
social por meio de uma evolução democrática. A ideologia social-democrata prega
uma gradual reforma legislativa do sistema capitalista a fim de torná-lo mais
igualitário.
21-
Qual resultado positivo você pode apontar sobre a
comissão que investiga os mortos na ditadura?
Veja bem,
apesar da firmeza de Tarso Genro e do Paulo Vanuchi eu não prevejo avanços
significativos, ainda mais agora, às vésperas da eleição presidencial. Nessa
democracia burguesa nanica, tímida, é grande a força daqueles que não querem
que o Brasil descubra a verdade acontecida no período ditatorial. Foi só falar
no Plano Nacional de Direitos Humanos e na constituição de uma Comissão da
Verdade e já houve um berreiro danado.
Mas foi bom, pois mostrou que os comandos de nossas Forças Armadas
continuam vivendo na escuridão, com posições atrasadas, como se o mundo ainda
estivesse dividido em dois blocos e na Guerra Fria. A modernização de idéias e
o pensamento democrático ainda não foram assimilados por estes comandos. É uma
lástima, pois as Forças Armadas poderiam colaborar com as mudanças que nosso
País precisa.
“Prego a radicalização
do processo popular e democrático
e a construção de alternativas organizacionais
que acolham
este sentimento de
mudança”
22-
Qual é objetivo de Aluizio Palmar.
Olha, do alto
de meus 67 anos, continuo acreditando num mundo melhor e sempre que posso
colaboro com a luta. Venho defendendo estas idéias nas palestras que profiro
por aí afora. Prego a radicalização do processo popular e democrático e a
construção de alternativas organizacionais que acolham este sentimento de
mudança.
23-
Como um dos bons jornalistas que você é o que espera do
jornal A Cachola.
Que seja bem
vinda a imprensa alternativa, popular e independente, para fazer um contraponto
a mídia macaca, que imita e repercute as bobagens da Rede Globo, da revistas
semanais e da Folha de São Paulo.
24-
Para terminar tem
algo que você gostaria de colocar para os leitores do jornal A Cachola.
Acreditem,
acreditem que outro mundo é possível. As desigualdades e as injustiças não são
naturais, nem inerentes do ser humano. A luta em direção ao socialismo é longa
e difícil e exige que todos os dias a gente desmascare os defensores de posições
reacionárias e conscientize o povo.
Aluízio Ferreira Palmar nasceu em 1943,
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