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quarta-feira, 25 de janeiro de 2023

 

ALUÍZIO PALMAR TIRA OS ESQUELETOS DO ARMÁRIO  

 

Em entrevista ao jornal A Cachola, o jornalista Aluízio Palmar fala da luta revolucionária dos anos 60 e 70 e comenta o momento atual.

 

1-      Como foi o primeiro contato com a organização revolucionaria.

 

Não é bem assim. Meu processo de conscientização vem de longe. Meu pai era muito ligado ao varguismo e eu era sensível a luta dos trabalhadores no final do governo de Getúlio Vargas, da política nacionalista e tudo mais. O trauma resultante da morte de Getúlio em 24 de agosto de 1954 e a revolta popular contra as elites, representantes do imperialismo e do latifúndio, me levaram a ver que apenas uma sociedade socialista poderia superar o atraso, a pobreza, o analfabetismo e a espoliação de nosso País pelo capital internacional. Daí pra frente as coisas foram acontecendo em um grande ritmo. Entrei no Partido Comunista Brasileiro – PCB e passei a ter uma forte militância política no Estado do Rio de Janeiro, notadamente no movimento estudantil.      

   

2- Após a morte de Getúlio teve eleição e JK saiu vencedor. No governo de Juscelino vocês continuaram com a luta?

 

No início da década de 60 parecia que o Brasil estava no rumo certo. No governo de Juscelino Kubitschek o processo de conhecimento da realidade brasileira avançou em todos os sentidos. A população clamava por mudanças, a organização popular ia se consolidando aos poucos e todos os setores da sociedade estavam em permanente mobilização na defesa de seus direitos.

A partir da eleição de Jânio Quadros para presidente da República e de João Goulart para vice-presidente em 1960 e com a posse em janeiro de 1961 o processo revolucionário avançava a todo vapor. Surgiram as Ligas Camponesas e mesmo estando na ilegalidade o PCB estava presente em todos os setores da vida nacional. Com a renúncia de Jânio em agosto de 1961 e o golpe militar visando o impedimento da posse de João Goulart o movimento popular teve um salto de qualidade e de quantidade. Graças a mobilização popular e a Campanha da Legalidade liderada por Leonel Brizola, então governador do Rio Grande do Sul, a direita recuou e a Junta Militar instalada teve de ceder a presidência da República à João Goulart.

Em toda esta sucessão de fatos eu estava no olho do furacão. Era dirigente do PCB no Estado do Rio de Janeiro, responsável pelo setor de agitação e propaganda de Juventude.

 

3- E daí aconteceu o Golpe de 1964, que derrubou o presidente João Goulart.

 

No período de governo de João Goulart, mais conhecido como Jango, a luta por melhorias nas condições de vida do povo brasileiro teve um grande avanço. Isso assustou as velhas e recalcitrantes elites que não admitiam perder suas regalias. Com o apoio do Imperialismo norte-americano essas forças reacionárias articularam o Golpe Civil-Militar de abril de 1964, destituíram o presidente João Goulart e começou então um período de vinte e tantos anos de ditadura em nosso País.              

 

“A GENTE SOFRE QUANDO ADQUIRE

 UM GRAU

 DE CONSCIÊNCIA POLÍTICA”

 

4- Você pensou em se afastar da luta revolucionaria nos primeiros momentos?

Olha, as vezes eu penso assim que é uma merda ser uma pessoa consciente, sentir indignação frente as injustiças. Veja só as pessoas alienadas, não se interessam pelos problemas do País, só querem saber na samba, mulher, cerveja, futebol e Faustão e são felizes. A gente sofre quando adquire um grau de consciência política, pois passa a ter conhecimento das necessidades e de que esta sociedade capitalista só se mantém de pé à custa da exploração e da desigualdade social.

  

5-      No livro “Onde foi que vocês enterraram nossos mortos?!” você narra várias vezes que o sargento Alberi e o Cabo Anselmo eram traidores. O que você pensa sobre ambos?

Veja bem, a luta contra a ditadura foi rigorosa e dolorosa. Tivemos que pegar em armas para lutar contra a tirania. Foi uma luta desigual, pois a gente enfrentava toda uma estrutura civil e militar montada a ferro e fogo para defender os privilégios da burguesia e os interesses do capital internacional em nosso País, notadamente os interesses dos Estados Unidos. Os embates eram constantes, difíceis. A gente lutava nas sombras contra um inimigo poderoso que usava todo seu poderio para impedir o retorno das liberdades democráticas. A tortura era uma prática usual por parte da repressão. Nessas circunstâncias alguns combatentes vacilaram e passaram pro lado do inimigo. Essas duas pessoas não tiveram firmeza suficiente, foram mercenários a serviço da ditadura e responsáveis pela morte de muitos companheiros.            

 

6-      Na troca de e-mail com o companheiro de Madalena Lacerda, Gilberto Giovannetti, este diz que Madalena não teve escolha, que ela viu que o VPR era frágil, assim como outras organizações. O que você diz.

A luta armada exige rigor e muita consciência. Madalena Lacerda teve uma participação muito importante em todo o processo. No início da década de 60 foi secretária da Frente Parlamentar Nacionalista e tudo mais. Porém, ela não agüentou as torturas. Não foi a única. Faltou caráter, retidão. As organizações revolucionárias eram frágeis porque a ditadura era poderosa. Nossa força estava na convicção da justeza da luta por liberdade e justiça social. Todos esses que passaram pro outro lado são traidores e vítimas do regime de ódio e terror implantado pela ditadura militar.  

 

7-      Você sempre narra Onofre Pinto como bom, mas ele levou os traidores para dentro da VPR. O que você fala dele hoje?

Olha, o Onofre Pinto foi um militar nacionalista, convicto da luta pelo socialismo. Com o golpe de 64 ele foi cassado e então passou para a resistência. Na luta clandestina foi um dos organizadores do Movimento Nacionalista Revolucionário e posteriormente da Vanguarda Popular Revolucionária. Ao responder pelo comando da VPR no exílio ele foi liberal, confiou demais e não seguiu as exigências da luta clandestina. Apesar de alertado ele deu guarida a pessoas que não mereciam nossa confiança. Acredito que tudo isso aconteceu por ser o Onofre uma pessoa voluntariosa, movido pelo desejo e não pela consciência. Na luta revolucionária é preciso ter cautela e sangue frio, mesmo tendo paixão pela causa popular.

Onofre Pinto não foi um traidor. Confiou demais e acabou pagando com sua vida e a de vários companheiros por suas liberalidades.           

 

“JOSÉ DIRCEU FOI DEMONIZADO

 PELO QUE EXISTE

 DE PIOR NA POLÍTICA BRASILEIRA.”

 

 

8-      José Dirceu esteve como preso político e foi trocado pelo embaixador americano Charles Elbrick, seqüestrado em 1969. Aonde foi feita a troca pelos presos políticos. O que você fala do antes e agora de José Dirceu.

A troca dos presos políticos aconteceu no Rio de Janeiro e os prisioneiros da ditadura libertados em troca do embaixador ianque foram para o México.

Quanto ao Zé Dirceu é preciso levar em conta que o ser político age de acordo com as conjunturas e hoje, por ser ele um dirigente partidário poderoso é bastante criticado pela mídia reacionária. A prática política do Dirceu na Câmara de Deputados pode até ser criticada, mas é preciso lembrar que ele foi demonizado pelo que existe de pior na política brasileira.

    

 

9-      O jornal a Folha de São Paulo noticiou você como morto, na época quando como você recebeu esta noticia?

Essa notícia da minha morte foi plantada pelos órgãos de repressão. Com isso eles pretendiam que eu relaxasse minhas normas de segurança na luta clandestina e que meus familiares entrassem em desespero buscassem fazer contato comigo.   

 

10-      Você foi o organizador do MR-8 a criação do mesmo foi por desespero para suprir a VPR.

Não, nada a ver. Nós organizamos o MR8 em 1968, a partir da opção pela luta armada por parte da Dissidência Comunista do Estado do Rio (Niterói). Eu ingressei na Vanguarda Popular Revolucionária em 1971, assim que cheguei ao Chile após a ação revolucionária que nos tirou na prisão.

 

11-      O MR-8 chegou a ter grande ação aonde foi e como foi?

O MR8 velho fez várias ações de expropriação de bancos com a finalidade de financiar a guerrilha. Já o MR8 novo, sucessor do MR8 de Niterói, fez o seqüestro do Embaixador Americano no Brasil.

 

“EU ESTAVA NA SOLITÁRIA DA PRISÃO

 QUANDO FUI LIBERTADO PELOS COMPANHEIROS

 E ENVIADO PARA O CHILE”

 

 

12-  Você estava entre os 70 presos políticos trocado pelo embaixador suíço Geovanni Bucher. Como foi isso mesmo?

Entre as várias práticas dos grupos de resistência democrática havia as ações revolucionárias visando libertação dos presos políticos que padeciam sob torturas nos prisões e nos quartéis. Eu estava na solitária do Presídio da Ilha Grande quando fui libertado pelos companheiros e enviado junto com outros 69 presos políticos para o Chile.

 

13- Hoje você se arrepende do que na revolução?

Eu acho que nossa maior falta foi desconhecer os movimentos de nosso inimigo e o modus operandi da repressão. A gente lia muito, estudava e debatia muito, mas subestimávamos o conhecimento de alguns contextos. Rigorosamente eu me orgulho de ter lutado, pegado em armas contra a tirania.  

 

14-  Nos moldes de hoje você seria um revolucionário?

Mantenho viva minha indignação frente às injustiças, considero que as desigualdades sociais aberrações criadas pela sociedade burguesa; continuo engajado na luta em prol de mudanças econômicas e sociais que façam cessar a marginalização e a exclusão. Não acredito que estas mudanças virão naturalmente ou pela via parlamentar. Somente a mobilização revolucionária conseguirá construir uma sociedade igualitária e solidária, onde cada cidadão terá conforme sua necessidade e dará conforme sua possibilidade.

 

15-  Poderia citar aos leitores do jornal A Cachola resultados bons colhido hoje pelo sangue derramado dos valentes companheiros da revolução.

O resultado mais positivo foi a conquista de nosso bem mais precioso: a liberdade.

 

“BUSCAR OS DESAPARECIDOS POLÍTICOS

 É MAIS UMA QUESTÃO MORAL, HUMANA,

 DO QUE POLÍTICA”

 

 

16-  Sua segunda luta foi para descobrir a onde enterraram os cinco revolucionários. Por que tanto empenho?

Não existe primeira, nem segunda luta. A luta é única e permanente. Buscar os desaparecidos políticos é mais uma questão moral, humana, do que política. É preciso descobrir onde foram assassinados, em que circunstâncias e onde foram enterrados os valorosos combatentes revolucionários que caíram na luta da resistência democrática contra a ditadura. Aqui no Paraná aconteceram muitas atrocidades. Seis militantes da Vanguarda Popular Revolucionária foram assassinados a sangue frio dentro do Parque Nacional do Iguaçu.       

 

17-  O Brasil hoje tem que tipo de democracia?

O processo de redemocratização do País é capenga e não se deu por completo. O parlamento da República não representa as grandes massas. A maioria dos deputados e senadores representa os setores abastados da sociedade, representa o latifúndio, o grande e médio capital industrial e financeiro. Isso que é chamado de democracia é uma excrescência tutelada pelos setores reacionários das Forças Armadas e pela mídia golpista.

   

18-  E esta democracia foi a tão sonhada pelas organizações revolucionarias?

Numa democracia verdadeira o Parlamento é reflexo do nível de mobilização popular, as organizações sociais possuem representatividade e intervêm diretamente junto as estruturas de poder. As mudanças avançam impulsionadas pelo movimento popular, por uma imprensa e um Parlamento que reflete este sentimento de avanço social. Isso que está aí é uma democracia burguesa, em que as elites econômicas e sociais usam e abusam de sua imprensa para manipular a opinião pública com desinformação e mentiras.    

      

19-  O que você diz da polarização política de hoje no que tange o

Capitalismo?

Existem muitas contradições no mundo de hoje. Além da principal que é a luta de classes, onde de um lado está o proletariado e de outro a burguesia, existem várias outras contradições, como a dos países em desenvolvimento e os países desenvolvidos, dos países que buscam um caminho próprio para o seu desenvolvimento e o imperialismo dos Estados Unidos, entre a defesa dos recursos naturais e o capitalismo selvagem e predador.     

 

20-  O PT hoje segue a cartilha do Lênin ou Gramsci ou José Vissariónovich Stálin ou nenhum?

O Partido dos Trabalhadores não tem nada a ver com os pensadores revolucionários. Se for para citar cartilha ele está para a de Kautsky. A ideologia e prática do PT é social democrática, pois acredita que é possível chegar a uma sociedade de bem estar social por meio de uma evolução democrática. A ideologia social-democrata prega uma gradual reforma legislativa do sistema capitalista a fim de torná-lo mais igualitário.

 

21-  Qual resultado positivo você pode apontar sobre a comissão que investiga os mortos na ditadura?

Veja bem, apesar da firmeza de Tarso Genro e do Paulo Vanuchi eu não prevejo avanços significativos, ainda mais agora, às vésperas da eleição presidencial. Nessa democracia burguesa nanica, tímida, é grande a força daqueles que não querem que o Brasil descubra a verdade acontecida no período ditatorial. Foi só falar no Plano Nacional de Direitos Humanos e na constituição de uma Comissão da Verdade e já houve um berreiro danado.

Mas foi bom, pois mostrou que os comandos de nossas Forças Armadas continuam vivendo na escuridão, com posições atrasadas, como se o mundo ainda estivesse dividido em dois blocos e na Guerra Fria. A modernização de idéias e o pensamento democrático ainda não foram assimilados por estes comandos. É uma lástima, pois as Forças Armadas poderiam colaborar com as mudanças que nosso País precisa.

 

“Prego a radicalização do processo popular e democrático

 e a construção de alternativas organizacionais que acolham

este sentimento de mudança”

 

22-  Qual é objetivo de Aluizio Palmar.

Olha, do alto de meus 67 anos, continuo acreditando num mundo melhor e sempre que posso colaboro com a luta. Venho defendendo estas idéias nas palestras que profiro por aí afora. Prego a radicalização do processo popular e democrático e a construção de alternativas organizacionais que acolham este sentimento de mudança.   

 

23-  Como um dos bons jornalistas que você é o que espera do jornal A Cachola.

Que seja bem vinda a imprensa alternativa, popular e independente, para fazer um contraponto a mídia macaca, que imita e repercute as bobagens da Rede Globo, da revistas semanais e da Folha de São Paulo.

 

24-    Para terminar tem algo que você gostaria de colocar para os leitores do jornal A Cachola.

Acreditem, acreditem que outro mundo é possível. As desigualdades e as injustiças não são naturais, nem inerentes do ser humano. A luta em direção ao socialismo é longa e difícil e exige que todos os dias a gente desmascare os defensores de posições reacionárias e conscientize o povo. 

 

 

Aluízio Ferreira Palmar nasceu em 1943, em São Fidélis, Estado do Rio de Janeiro. Em sua juventude estudou Ciências Sociais na Universidade Federal Fluminense e , devido sua militância revolucionária na resistência democrática contra a ditadura militar em 1971 foi preso, torturado e posteriormente banido  do País. Com a anistia voltou ao Brasil e se radicou em Foz do Iguaçu onde começou suas atividades jornalísticas como jornalista profissional trabalhando no semanário Hoje Foz. Em 1980 criou o semanário Nosso tempo, conhecido por sua linha editorial de defesa das liberdades democráticas. Atuou ainda em outros meios de comunicação do Estado do Paraná e exerceu os cargos de Secretário das pastas de Comunicação Social e de Meio Ambiente na Prefeitura de Foz do Iguaçu. Atualmente exerce sua profissão de jornalista no cargo de Assessor de Imprensa da Câmara Municipal de Foz do Iguaçu.    

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