A NOITE
EM QUE O CONDOR POUSOU EM FOZ DO IGUAÇU
O medo tomou conta de Foz do Iguaçu na madrugada do dia 1º para o dia 2
de dezembro de 1974, quando quatro
empresários desapareceram de repente.
Para Mongelos, Cabral, Aníbal e Stumpfs, aquele primeiro domingo de
dezembro, parecia ser igual aos outros tantos domingos vividos em Foz do
Iguaçu. O dia transcorrido não havia sido diferente dos demais - churrasco,
siesta, tererë e Grenal.
À noite, Cesar Cabral foi dormir após ver o Fantástico; Anibal Abatte
Soley, como de hábito jantou e se recolheu ao quarto; Rodofo Mongelos retornou
da casa de sua namorada e Alexandre Stumpfs foi com a esposa ao cinema.
De repente, o que parecia ser mais uma noite tranqüila, o começo de
madrugada é tumultuado por uma manobra militar de grande envergadura, com muitos
recursos humanos e materiais.
Em pouco tempo os quatro cidadãos foram seqüestrados em vários pontos da
cidade e no mesmo momento. Tudo aconteceu em trinta minutos, numa operação
executada pelo Centro de Informações do Exército, envolvendo cerca de 20 homens fortemente
armados e seis veículos de modelos diferentes
Dos quatro, três eram refugiados políticos no Brasil desde 1959, e
saíram do Paraguai fugindo da ditadura do general Alfredo Stroessner.
Anibal e Stumpfs, empresários no ramo de exportação e Rodolfo Mongelos,
dono de padaria no centro da cidade. O único com uma história diferente era
Cesar Cabral, empregado na exportadora de Stumpfs. Argentino de nascimento e
filho de paraguaios, Cesar deixou a faculdade em 1966 e veio para o Brasil por
força das perseguições da ditadura do general Ongania. Em 1968, entrou no MR 8
e um ano depois foi preso no Rio de Janeiro, onde cumpriu pena no Presídio da
Ilha Grande. Em 1971, saiu em liberdade condicional por ter cumprido metade da
pena.
Cabral estava deitado quando bateram à porta; levantou para atender,
dois homens entraram e disseram secamente para acompanhá-los. Sua esposa, Adelaide,
com o filho Fabian, de dois anos no colo e Fabio, de seis anos, agarrado em sua
saia, arregalou os olhos enquanto seu marido era raptado.
Na casa dos Abbate Soley não aconteceu diferente. A família estava
dormindo quando foi acordada por uma buzina estridente de um carro que entrou
na garagem. Aníbal pulou da cama, abriu a porta e três homens fortemente
armados entraram na sala. Diante da esposa Cristina e das filhas Maria Letizia,
na época com oito anos e das gêmeas de quatro anos Maria Rossana e Maria
Grissel, os invasores arrancaram o fio do telefone e levaram Anibal.
Com Rodolfo Mongelos e Alejandro Stumpfs Mendoza, o rapto aconteceu nos
mesmos moldes.
Rodolfo voltava da casa da namorada quando foi arrancado de dentro de
seu veículo Opala e jogado violentamente dentro de uma Veraneio, que arrancou em alta velocidade. Algumas pessoas que
estavam em frente ao seu estabelecimento comercial - a Padaria Progresso,
assistiram a cena e nada puderam fazer devido a rapidez do seqüestro.
Quanto a Stmpfs, ele voltava do cinema com sua esposa Antonia Velasquez,
quando seu carro foi abalroado por uma Veraneio e dela saíram três indivíduos
que agarraram o empresário e dispararam em direção à BR 277, estrada que leva
Foz do Iguaçu a Curitiba.
Os quatro carros, acompanhados por outros tantos, seguiram pela estrada
e só pararam nas proximidades de Céu Azul, para que os raptores interrogassem
suas vitimas dentro do Parque Nacional do Iguaçu.
O rapto dos três paraguaios e do argentino, exilados em Foz do Iguaçu, foi
uma operação militar com largo tempo de preparação, muitos recursos humanos e
materiais e deve ter exigido um grande esforço de coordenação. Foi extremamente
sigilosa e executada por um grupo especial comandado por altos oficiais do
Exército , que se deslocaram de Brasília, para raptar os exilados e levá-los
para um centro clandestino de tortura, utilizado pelo Exército, no interior de
Goiás.
Tomados pelo medo, aos raptados restou a submissão aos seus
sequestradores. Estavam em condições adversas, sem saber a razão daquele ato de
violência. Sabiam que por trás, manipulando a tropa, puxando os fios do
comando, havia poderes e interesses maiores.
Vieram a conhecer esses poderes e interesses quando foram interrogados por
oficiais do Exercito, de altas patentes.
Descobriram que eram vítimas de uma parceria entre as ditaduras do
Brasil e do Paraguai. Que foram raptados no meio da noite, em seus lares e em
frente de suas esposas e filhos, em nome das boas relações entre os dois
regimes ditatoriais e do bom andamento das obras e do acordo para a construção
da Usina de Itaipu. Eram vítimas da binacional da repressão e do terror.
O rapto dos exilados em Foz do Iguaçu foi um ensaio do que viria a ser a
Operação Condor, criada oficialmente um anos depois, pelas ditaduras do Brasil, Argentina, Chile,
Bolívia, Paraguai e Uruguai, com o objetivo de coordenar a repressão a
opositores e eliminar seus líderes.
Passado o susto, os familiares dos empresários
seqüestrados, bateram à porta do então
1º Batalhão de Fronteiras e apresentaram denúncia na Delegacia da Polícia
Federal. Os órgãos policiais estavam perdidos, sem rumo. A falta de informação
era geral.
Amigos de Anibal Abatte Soley, e entraram em contato com pessoas influentes.
Todos sabiam o que acontecia no Brasil e no Paraguai, onde presos eram
torturados e desapareciam. Foram dias de muita apreensão. Os pedidos de
informações não eram respondidos. A reposta era o silêncio.
Finalmente foram soltos, graças a forte pressão
internacional. O papa Paulo 6º e o presidente venezuelano Carlos Andrés Perez,
entre outros, condenaram o governo brasileiro pelas prisões. Anibal, Mongelos e
Stumpfs foram soltos no dia 23 de dezembro. Cabral foi libertado uns dias
antes.
A condição para a libertação dos seqüestrados, foi a
de que Anibal, Cabral, Mongelos e Stumpf, morassem longe da fronteira e não
voltassem a Foz do Iguaçu num prazo de dois anos.
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