Encontro com Apolonio
Umberto Trigueiros
Conheci Apolonio de Carvalho, aliás, o Camarada Lima, no começo de
1964, uns dois
meses antes do Golpe Militar. Fui apresentado por Aluísio Palmar
(André) que compunha
a direção da Seção Juvenil Estadual do Partido Comunista no antigo
Estado do Rio. Tinha
apenas dezesseis anos e tive a honra e o orgulho, que carrego
comigo por toda a minha
vida, de ter sido recrutado por ambos para o Partido Comunista.
Não sabia, na época, de quem se tratava, na verdade, aquele Senhor,
o Camarada Lima.
Somente anos mais tarde, fui conhecer a sua extraordinária
biografia. Mas, já nos
primeiros tempos em que travamos conhecimento, fiquei cativado
pela sua capacidade
de convencimento, pelo seu conhecimento cultural e político, pela
sua dedicação ao
Partido, aliados a um enorme interesse pelos problemas daqueles
garotos, uma grande
ternura, muita paciência e uma enorme disciplina. Eu era, então,
um rapazinho de
dezesseis anos, cheio de sonhos e certezas, mas, ao mesmo tempo,
com graves problemas
de depressão. Lima percebeu isso e teve a sensibilidade, apesar de
todas as suas
responsabilidades e riscos (já em plena ditadura), de se preocupar
comigo e me ajudar a
superar esses problemas.
Ele era assim: um quadro extremamente disciplinado e fiel ao
Partido, mas muito aberto
ao relacionamento humano; extremamente sensível aos problemas de
todos os
companheiros, dos simpatizantes e das pessoas, em geral, que por
alguma razão faziam
parte das suas relações. Além do mais, era dotado de um fantástico
senso de humor. A
gente brincava com o Lima, dizendo que ele cumpria tarefa do
Partido, fazendo política
de relações públicas, o que chamávamos, na ocasião, de ampliação,
pois ele se interessava
pelo cachorro do dono da casa em que fazíamos uma reunião,
perguntava pela sogra,
conversava com a empregada, dava palpite na cozinha, etc.
Certa vez, era noitinha, estávamos Lima, Aluísio Palmar e eu, em
Niterói, fazendo um
ponto (encontro) em frente ao Instituto Mazine Bueno, da Faculdade
de Medicina. Eles
queriam me batizar com um nome de guerra e mandaram-me escolher.
Eu estava de
costas para o busto do patrono do tal instituto e o Aluísio de
frente para o monumento.
Ele aproveitou a oportunidade e tascou: “seu nome vai ser Mazine”.
Lima completou, no
68 a geraçao que queria mudar o mundo: relatos RELATOS - clandestinidade e solidariedade 293
ato, que se tratava do nome de um grande revolucionário. Saí dali
todo orgulhoso e só
tempos depois vim saber da verdade. Quando fui cobrar do Lima, ele
já tinha para me
apresentar a biografia completa de Mazine, um grande líder e
ativista dos carbonários
italianos. Só pra não deixar passar, poucos anos mais tarde, o
busto do tal Mazine Bueno
foi expropriado e derretido para fazer finanças para a organização
(o antigo MR-8 de
Niterói).
Nunca vou-me esquecer de uma frase sua para me inculcar ânimo,
otimismo,
autoconfiança, certa vez em que cobríamos um ponto e eu andava
muito deprimido e
triste.
- Rapaz, você é um jovem cheio de energia e sonhos e agora tem uma
responsabilidade
muito maior com a vida, com a história, você é o Partido, o
Partido anda com os seus pés,
você fala pelo Partido.
Saí dali com o moral lá em cima, disposto a tudo, a qualquer
desafio. Ele estava sempre
aberto para debater qualquer coisa, fossem posições políticas, um
romance, o capítulo de
um livro, temas filosóficos, culturais, pessoais.
Na época da luta interna do Partido, às vésperas do VI Congresso,
Apolonio estava no
Comitê Estadual do Estado do Rio e integrava um das alas da
oposição de esquerda, a
chamada Corrente, junto com Mário Alves, Gorender e outros
dirigentes. Eles achavam
que ainda havia espaço para brigar dentro do Partido. Por outro
lado, a juventude do
Partido em Niterói estava ligada ao grupo chamado Dissidência,
preparava-se para
romper e, logo depois, iniciar o caminho da luta armada.
Recordo-me das discussões
muito duras que tivemos com Lima. Ele ainda defendia a permanência
no Partido e ficou
muito triste e chocado com a nossa saída. Lembro-me dele, quando
aconselhava:
- Sair do Partido? Não façam isso! O Partido é a nossa vida, não
há perspectiva fora do
Partido....
Pouco tempo depois, a própria Corrente saía do Partido, de forma
mais organizada que
nós e criava o PCBR. Mais tarde, vieram a clandestinidade, a
prisão, o exílio e passei um
longo tempo sem ver Apolônio. Fomos rever-nos, novamente, em
Paris. Ele foi encontrarme
junto com o René Louis, seu filho, que tinha sido banido junto
comigo para o Chile,
em Saint Denis, na casa do Átila – o inesquecível companheiro
Valneri Antunes, morto
em um trágico acidente de carro no Rio Grande do Sul, em 1986,
quando era vereador
294
em Porto Alegre e candidato a deputado estadual. Foi maravilhoso
aquele encontro, na
França. Alguns dias depois, convidou-me junto com minha
companheira para um passeio
no Sena e, em seguida, para um Calvados, em um “boteco” bem
francês.
Em 1979, nos encontramos no Congresso Internacional pela Anistia
no Brasil, em Roma.
Consegui tirar uma foto dele quando conversava com Diógenes de
Arruda Câmara e José
Maria Crispim, um registro histórico que guardo comigo.
No Brasil, estive com Apolônio algumas vezes apenas, não tantas
como gostaria. Mas ele
faz parte do melhor dos meus sonhos, da minha vida. Ele faz parte
da história da luta do
povo brasileiro por sua verdadeira independência e pelo
socialismo. Ele é um herói dessa
luta.
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