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segunda-feira, 13 de abril de 2015

ENCONTRO COM APOLÔNIO

Encontro com Apolonio
Umberto Trigueiros
Conheci Apolonio de Carvalho, aliás, o Camarada Lima, no começo de 1964, uns dois
meses antes do Golpe Militar. Fui apresentado por Aluísio Palmar (André) que compunha
a direção da Seção Juvenil Estadual do Partido Comunista no antigo Estado do Rio. Tinha
apenas dezesseis anos e tive a honra e o orgulho, que carrego comigo por toda a minha
vida, de ter sido recrutado por ambos para o Partido Comunista.
Não sabia, na época, de quem se tratava, na verdade, aquele Senhor, o Camarada Lima.
Somente anos mais tarde, fui conhecer a sua extraordinária biografia. Mas, já nos
primeiros tempos em que travamos conhecimento, fiquei cativado pela sua capacidade
de convencimento, pelo seu conhecimento cultural e político, pela sua dedicação ao
Partido, aliados a um enorme interesse pelos problemas daqueles garotos, uma grande
ternura, muita paciência e uma enorme disciplina. Eu era, então, um rapazinho de
dezesseis anos, cheio de sonhos e certezas, mas, ao mesmo tempo, com graves problemas
de depressão. Lima percebeu isso e teve a sensibilidade, apesar de todas as suas
responsabilidades e riscos (já em plena ditadura), de se preocupar comigo e me ajudar a
superar esses problemas.

Ele era assim: um quadro extremamente disciplinado e fiel ao Partido, mas muito aberto
ao relacionamento humano; extremamente sensível aos problemas de todos os
companheiros, dos simpatizantes e das pessoas, em geral, que por alguma razão faziam
parte das suas relações. Além do mais, era dotado de um fantástico senso de humor. A
gente brincava com o Lima, dizendo que ele cumpria tarefa do Partido, fazendo política
de relações públicas, o que chamávamos, na ocasião, de ampliação, pois ele se interessava
pelo cachorro do dono da casa em que fazíamos uma reunião, perguntava pela sogra,
conversava com a empregada, dava palpite na cozinha, etc.
Certa vez, era noitinha, estávamos Lima, Aluísio Palmar e eu, em Niterói, fazendo um
ponto (encontro) em frente ao Instituto Mazine Bueno, da Faculdade de Medicina. Eles
queriam me batizar com um nome de guerra e mandaram-me escolher. Eu estava de
costas para o busto do patrono do tal instituto e o Aluísio de frente para o monumento.
Ele aproveitou a oportunidade e tascou: “seu nome vai ser Mazine”. Lima completou, no
68 a geraçao que queria mudar o mundo: relatos RELATOS - clandestinidade e solidariedade 293
ato, que se tratava do nome de um grande revolucionário. Saí dali todo orgulhoso e só
tempos depois vim saber da verdade. Quando fui cobrar do Lima, ele já tinha para me
apresentar a biografia completa de Mazine, um grande líder e ativista dos carbonários
italianos. Só pra não deixar passar, poucos anos mais tarde, o busto do tal Mazine Bueno
foi expropriado e derretido para fazer finanças para a organização (o antigo MR-8 de
Niterói).
Nunca vou-me esquecer de uma frase sua para me inculcar ânimo, otimismo,
autoconfiança, certa vez em que cobríamos um ponto e eu andava muito deprimido e
triste.
- Rapaz, você é um jovem cheio de energia e sonhos e agora tem uma responsabilidade
muito maior com a vida, com a história, você é o Partido, o Partido anda com os seus pés,
você fala pelo Partido.
Saí dali com o moral lá em cima, disposto a tudo, a qualquer desafio. Ele estava sempre
aberto para debater qualquer coisa, fossem posições políticas, um romance, o capítulo de
um livro, temas filosóficos, culturais, pessoais.
Na época da luta interna do Partido, às vésperas do VI Congresso, Apolonio estava no
Comitê Estadual do Estado do Rio e integrava um das alas da oposição de esquerda, a
chamada Corrente, junto com Mário Alves, Gorender e outros dirigentes. Eles achavam
que ainda havia espaço para brigar dentro do Partido. Por outro lado, a juventude do
Partido em Niterói estava ligada ao grupo chamado Dissidência, preparava-se para
romper e, logo depois, iniciar o caminho da luta armada. Recordo-me das discussões
muito duras que tivemos com Lima. Ele ainda defendia a permanência no Partido e ficou
muito triste e chocado com a nossa saída. Lembro-me dele, quando aconselhava:
- Sair do Partido? Não façam isso! O Partido é a nossa vida, não há perspectiva fora do
Partido....
Pouco tempo depois, a própria Corrente saía do Partido, de forma mais organizada que
nós e criava o PCBR. Mais tarde, vieram a clandestinidade, a prisão, o exílio e passei um
longo tempo sem ver Apolônio. Fomos rever-nos, novamente, em Paris. Ele foi encontrarme
junto com o René Louis, seu filho, que tinha sido banido junto comigo para o Chile,
em Saint Denis, na casa do Átila – o inesquecível companheiro Valneri Antunes, morto
em um trágico acidente de carro no Rio Grande do Sul, em 1986, quando era vereador
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em Porto Alegre e candidato a deputado estadual. Foi maravilhoso aquele encontro, na
França. Alguns dias depois, convidou-me junto com minha companheira para um passeio
no Sena e, em seguida, para um Calvados, em um “boteco” bem francês.
Em 1979, nos encontramos no Congresso Internacional pela Anistia no Brasil, em Roma.
Consegui tirar uma foto dele quando conversava com Diógenes de Arruda Câmara e José
Maria Crispim, um registro histórico que guardo comigo.
No Brasil, estive com Apolônio algumas vezes apenas, não tantas como gostaria. Mas ele
faz parte do melhor dos meus sonhos, da minha vida. Ele faz parte da história da luta do
povo brasileiro por sua verdadeira independência e pelo socialismo. Ele é um herói dessa

luta.

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