O ventilador de teto girava
em velocidade máxima e eu ali rodeado pela equipe de professores que veio à Foz
do Iguaçu para me entrevistar. Eu já conhecia Carla Luciana, Gilberto Calil e
Marcos Vinicius. Conhecer Enrique Padrós e tê-lo como entrevistador foi uma
grata satisfação.Ele é um incansável pesquisador do período da ditadura militar
.
A entrevista rolou na sala
de catecismo da Paróquia Anunciação do Senhor, que foi gentilmente cedida pelo
padre Carlos Sosa.
Acertados os detalhes
técnicos e minha postura, o estudante da Unioeste, Lucas Gaspar ajustou a
câmera e Gilberto Calil deu início ao que resultou em cinco horas de gravação.
Gilberto Calil - " Essa
entrevista faz parte de um projeto que vai durar vários anos, envolvendo
diversos pesquisadores. E nós pretendemos ter como questão principal de
pesquisa o tema a repressão e resistência à ditadura no Oeste do Paraná. E o
primeiro grande ponto da pesquisa seria essa entrevista.
Enrique Padrós - Acho
importante isso que eles estão fazendo, Aluízio, porque nesse grande boom que
está tendo agora, em tempos de Comissão da Verdade, precisamos começar a
resgatar também a história desses estados e dessas regiões, que não é nada
conhecida, e que não fazem parte das produções que são feitas a partir de São
Paulo e Rio de Janeiro.
Então, esse envolvimento de
pesquisadores sérios é uma coisa muito positiva.
E as pessoas começam a
falar. No caso do senhor é fundamental, porque figura pra nós como uma espécie
de manancial de informações.
Aluízio: É..., tem aparecido
coisas interessantes. Ontem eu li um depoimento da Ana Muller, que foi advogada
de presos políticos. Ela conta que a dona Niomar Sodré, que foi proprietária do
Correio da Manhã, esteve presa em uma sala situada na parte de cima da antiga rodoviária do Rio. Essa é uma história pouca
conhecida. O Correio da Manhã foi a favor do golpe, mas logo em seguida
abriu suas páginas para políticos liberais e intelectuais. Isso desagradou os
militares.
Enrique Padrós - Tem também
aquele fotógrafo argentino o Gustavo Germano, que faz as fotos dos Ausentes.
Eu sei que ele fotografou algumas pessoas aqui no Brasil. Um dos casos que ele
escolheu foi o da Suzana Lisboa e Luiz Eurico. E a Suzana comentou depois que
eles passaram o dia inteiro em Porto Alegre, no sábado para fazer uma foto. E
ele escolheu fazer a foto que estava a Suzana, a mãe da Suzana e o Luís Eurico,
em frente ao prédio em que eles moravam. Foi o dia inteiro para registrar a
fotografia. E a Suzana ficou muito preocupada com a mãe dela exposta ao sol e
essas coisas. E a Suzana dizia: “Gustavo acho que a gente pode acelerar
esse horário”, e ele respondia: “não mas ai a gente teria que esperar a
incidência do Sol, a sombra do prédio”, enfim, passaram o dia inteiro.
Teve um momento em que a
Suzana virou disse: “mãe, vamos embora e a gente volta depois”. E a mãe da
Suzana respondeu: “Eu vou ficar!”, “Mãe vamos descansar depois tu volta aqui”.
E ela insistiu: “Eu vou ficar, tu não vai me tirar desse lugar, porque eu
também perdi um filho e nunca ninguém me perguntou”. A Suzana quando ouviu isso
ficou chocada: “Mas mãe, como?”, disse, “quando desapareceu Luiz Eurico ele
era como um filho para mim. Mas é claro, estavas tu e estavam os irmãos dele,
nunca ninguém me perguntou o que tinha sido para mim a perda dele”.
Gilberto: Nos interessa
tudo, gente sugere começar pela sua formação familiar, primeiros contatos com a
militância.
Eu sou natural do Estado do
Rio de Janeiro, de São Fidélis, cidade da região norte fluminense, produtora de
café e cana de açúcar. Apesar de estar aqui na fronteira por todos esses anos,
mantenho forte minha matriz “papa-goiaba”.
Nasci em 24 de maio de 1943;
em um mundo convulsionado pela Segunda Guerra Mundial. Meu pai tinha um armazém de secos e molhados, que vendia de
tudo, carne
seca, sorvete, picolé, cereais, bebidas, utensílios de alumínio e de cerâmica.
Era uma espécie de shopping do interior. O pessoal vinha da roça, comprava os suprimentos de primeiras
necessidades e também ferramentas, como enxada, facão e foice
A cidade era relativamente
pequena, possuía por volta de vinte mil habitantes e na época, orbitava em
torno da Igreja Católica e seu templo imenso,
construído no início do século XIX, por escravos e indígenas que
habitavam a região.
Nossa casa ficava próxima ao
centro da cidade e o armazém era frequentado por políticos do PSD e do PTB. Não
estou lembrado de udenistas conversando com papai. Aliás, os poucos udenistas
que existiam em São Fidélis, sumiram com a morte de Getúlio Vargas.
Quando Getúlio morreu eu
tinha 11 anos e minha recordação do 24 de agosto é muito forte. A escola
dispensou os alunos antes do recreio e no caminho para casa eu ouvia as rádios
tocando música clássica e a leitura da Carta Testamento. Papai fechou o
armazém, mamãe chorava e recordava a trajetória de Getúlio.
A morte do presidente e a
Carta Testamento causaram um forte impacto em minha formação. Aquele ano de
1954, com toda a agitação política e os embates entre o varguismo e o udenismo
me engajaram em definitivo no viés social da política. Eu era muito novo,
criança ainda, mas entendia que no confronto político havia um setor, digamos,
elitista, que levou Getúlio à morte e outro que defendia os direitos dos
trabalhadores, dos mais pobres.
No ano seguinte, eu, garoto
de calça curta, entrei de cabeça nas campanhas de papai à vereador e de Juscelino
à presidente. Foram as minhas primeiras pichações e panfletagens. Nos meses que
antecederam o 3 de outubro, o Armazém Palmares era parada obrigatória dos
políticos do Rio de Janeiro que iam à
São Fidélis. Volta e meia a cúpula do PTB aparecia por lá e ocupavam a
"venda". Mamãe colocava sua melhor roupa e servia bolinhos de
bacalhau e café passado no coador, enquanto papai contava as últimas para os
visitantes. Foi assim que eu conheci o médico comunista Adão Pereira Nunes, o
Bocaiuva Cunha, então diretor do jornal Última Hora e Roberto Silveira, que
dois anos depois seria eleito governador do Estado do Rio.
Eu acho que foi aí, nos anos
54/55 os primeiros passos nessa
militância. As broncas com os udenistas e as campanhas trabalhistas foram me
moldando.
Mais tarde, já cursando o
ginásio, minhas ideias se confrontavam com as dos padres. O Bispo da Diocese de
Campos dos Goytacases era extremamente reacionário, sendo um dos líderes do
grupo Tradição Família e propriedade.
Foi uma fase complicada de
minha vida. Naquela altura do campeonato eu já começava a entender melhor as
coisas, graças as conversas que eu mantinha com um grupo de operários que havia
chegado de fora para calçar as ruas com paralelepípedo. Eu estava ia sempre no
acampamento dos calceteiros para conversar deles eram do Partido Comunista
Brasileiro, do “Partidão”, uma coisa “perigosa” na época.
Eles falavam do socialismo
que estava sendo construído na União Soviética, da luta de classes, essas coisa.
E justo nesse momento, o meu professor
de matemática, um geólogo que havia ido pra São Fidélis fazer pesquisa nas
minas de malacacheta, me emprestou alguns livros marxistas. Devorei em poucos
dias a manual de Filosofia, de Afanasiev, o Manifesto Comunista e a Mãe, de
Gorki. Tenho uma imensa gratidão aos trabalhistas, aos operários do calçamento
e ao doutor Cunha, por terem colaborado na minha conscientização. Mais tarde,
já um pouco depois do golpe de 1964, eu fui visitar meu antigo professor de
matemática em seu apartamento no Flamengo. Eu o encontrei acabado. Havia sido
preso e exonerado do setor de geologia Ministério de Minas e Energia.
Outra pessoa que teve uma
grande influência em minha formação foi o Paulo Mendonça, um agricultor e
pescador, dono de uma ilha no Rio Paraíba.
"Seu" Paulo, era getulista convicto, com uma forte tendência para
a esquerda. Era o mais fervoroso simpatizante de Fidel Castro e Che Guevara de
São Fidélis. O primeiro exeplar do Gramma que eu vi foi o "Seu"Paulo
que me deu. Um de seus filhos foi batizado com o nome de Fidel Guevara Julião
Brizola. Isso lhe rendeu iniciamento em IPM e alguns dias de prisão durante a
ditadura.
Essas minha amizades, foram
fundamentais na formação de minha consciência crítica.
O contraditório desse lado
bom e alegre de minha adolescência era eu estudar no Ginásio Fidelense, e ter
de me submeter à orientação de uma igreja Católica extremamente reacionária.
Mas, aos trancos e barrancos eu toquei o barco até terminar o curso ginasial.
conversando com meus amigos de esquerda.
Foi uma adolescência rica de
ensinamentos, de muitas atividades. Era futebol, carnaval, trabalhar no
armazém, estudar e participar das coisas da cidade.
Lembro de um protesto contra
a empresa que fornecia eletricidade para São Fidélis. Os apagões eram
constantes, o gerador não funcionava. Então, fomos pra frente do escritório da
Luz e Força, acho que era a Light, e quebramos porta e vidraças das janelas. Eu
tinha 12 ou 13 anos e lá estava fazendo a minha travessia do rubicão.
Essa foi minha vida em São Fidélis, situada tão perto do Rio
de Janeiro, mas que pra mim e meus irmão era longe pra danar. Nosso meio de
comunicação com Niterói ou Rio era o trem da Estrada de Ferro Leopoldina, que
alguns chamavam de Leopoldina Railway. A linha de trem ligava Niterói, então
capital do Estado, à cidade de Leopoldina, em Minas Gerais.
Havia um dia da semana, em
que entre os vagões de passageiros vinha o vagão banca de jornais e revistas.
Eta ferro!, nesse dia eu e meu irmão mais velho fazíamos a festa. Comprávamos o
Jornal do Brasil e revistas. Minha revista preferida era as Edições
Maravilhosas, que eram clássicos da literatura em quadrinhos. Eu cheguei a ter
uma coleção com quase com exemplares.
Pois bem, toquei o curso
ginasial, questionando as verdades estabelecidas por um lado e recebendo por
outro lado a pressão de uma sociedade conservadora e religiosa, onde a Igreja
Católica dava a nota e cantava a música.
O cúmulo dos cúmulos foi quando
os padres me obrigarem a fazer a primeira comunhão. Aquilo me revoltou pra
caramba. Eu já havia termina o curso ginasial, aliás com mérito, mas pra
receber o cerficado de conclusão teria de comungar. Aquela coisa mística, de
corpo de Cristo, não fazia meu estilo. Aos contrário de meu irmã mais velho, eu
não frequentava missa e tampouco andava na cola dos padres e das congregações
religiosas. A minha turma era outra.
Eu andava com os boêmios da cidade, o pessoal da seresta, os poetas
e em busca dos saberes do doutor Cunha, o geólogo da malacacheta
Então acabei fazendo a
primeira comunhão na marra pra pegar o canudinho. Um dia antes eu havia dito
pro papai que não ia fazer a vontade dos padres. Porém, papai foi rigoroso.
Tinha de fazer, pois nós íamos embora na semana seguinte. Sim, a gente estava
indo de mudança para a região metropolitana do Rio.
Era início de 1958, quando fomos morar na casa
que papai havia construído tempo atrás em um terreno que ele comprou nos fundos
da Baía de Guanabara.
Aliás, quando a casa foi
construída, papai me levou nas férias para ajudá-lo. E lá fomos para o Rio,
trabalhar na construção. Levamos no trem da Leopoldina as ferramentas e pedreiros.
Eu fui para ser o cozinheiro do grupo. Montamos uma barraca embaixo de um pé de Jamelão e começamos a
medir e demarcar o terreno e fazer os alicerces. Passei dezembro, janeiro,
fevereiro, foi o meu primeiro contato com o Rio de Janeiro e o mar.
Então, a gente se mudou pra
São Gonçalo e começamos uma vida nova, trabalhando no Armazém Fidelense durante
o dia e estudando à noite. Nossos
vizinhos eram trabalhadores de serviços gerais, pescadores e operários navais
que trabalhavam nos estaleiros da Baía de Guanabara. São Gonçalo, como todas os municípios da Região Metropolitana do
Rio, era uma cidade dormitório.
Por outro lado, eu parti pra
luta. Com o certificado de conclusão do curso ginasial eu me matriculei no
Liceu Nilo Peçanha, em Niterói; colégio considerado do mesmo nível que o Pedro
II, do Rio. Passei no exame de admissão e fui fazer o científico. Na metade do
segundo semestre entendi que não era aquilo que eu queria. Tentei a
transferência para o curso clássico e não consegui. Então, ao terminar o
primeiro ano do segundo colegial eu fui fazer o clássico no Colégio Plínio
Leite. Em minha curta passagem pelo Liceu entrei em contato com a base do PCB
no colégio e passei a frequentar uma turma que estudava Jean Paul Sartre e
Simone de Beauvoir. Eram os existencialistas do Liceu. Eu fiquei encantado com
todas aquelas novidades, das conversas intelectualizadas dos comunistas e
existencialistas. Eu, garoto saído do interior, rebelde e questionador,
começava a encontrar um rumo.
Saía de casa às sete horas da manhã e apanhava
o trem suburbano no Ponto de Cem Reis. Apesar de haver linhas de ônibus e bonde
para Niterói, o trem era a condução mais em conta para os estudantes pobres e
operários que iam trabalhar nos estaleiros e metalúrgicas.
Embora fossem considerados a
elite operária da época, os navais, ou marítimos, viajavam no mesmo trem,
talvez porque ele os deixava próximo aos locais de trabalho. Trabalhar em um
estaleiro significava melhorar o padrão de vida e ter boa casa.
A indústria naval em Niterói
recebeu seu grande impulso durante o governo JK. Com o avanço da construção
naval surgiram as escolas técnicas e muitos
os jovens entraram nos estaleiros com teoria e
independência profissional.
Os trabalhadores dos dos
estaleiros eram pessoas com bom nível de politização. O Comitê Marítimo, que
englobava todas as bases do PCB nos estaleiros e nas metalúrgicas que viviam em
função dos estaleiros era fortíssimo. No trem ou na rua eu estava sempre
conversando com os marítimos, cujo sindicato puxava todas as lutas em Niterói e
São Gonçalo.
Quando eu fui fazer o
clássico no Colégio Plínio Leite levei o conhecimento e experiência
adquirida com os operários navais e com
a base do PCB no Liceu Nilo Peçanha.
De cara entrei em contato
com alguns colegas e criamos o jornal O
Acadêmico, que publicava crônicas, poesias e as demandas dos alunos.
Em 1961, eu participei de um
concurso de literatura cujo tema foi Roberto Silveira, ex-governador que
morrera recentemente de forma trágica. Roberto tinha sido aluno do Colégio.
Escrevi então uma biografia do político trabalhista, que teve como fio condutor
a participação dele na Aliança Libertadora Nacional. A ALN foi uma frente de esquerda composta por
setores de diversas organizações de caráter anti-imperialista, antifascista e
anti-integralista.
Meu trabalho conquistou o
primeiro lugar e no dia da entrega do troféu e diploma eu falei sobre a luta do
biografado para uma plateia que lotou o ginásio de esportes do colégio.
Então, eu ainda não estava
organizado, apesar de que, devido minhas atividades no grêmio e no jornal do
colégio, era grande o meu envolvimento com os diversos grupos de esquerda que
atuavam no movimento estudantil.
Dois anos antes, eu e meus
colegas secundaristas nos envolvemos no famoso "quebra quebra" da
Estação das Barcas"
Corria o ano de 1959, terceiro
ano do governo de Juscelino Kubitschek e o país se debatia em uma tremenda
inflação. Havia escassez de alguns produtos alimentícios e muita tensão social.
Na área da Estação das
Barcas, era constante um grande o grande movimento de pessoas que
atravessavam a Baía de Guanabara para trabalhar na cidade do Rio de Janeiro.
Todos os dias, uma extensa fila tomava conta da praça e, depois de dar várias
voltas, seguia em direção ao Mercado São Pedro, na Rua Visconde do Rio Branco.
Desde as primeiras horas da
manhã, operários, executivos, escriturários e empregadas domésticas se
amontoavam esperando a condução.
Esse péssimo serviço
prestado pela empresa concessionária do transporte marítimo entre Niterói e o
Rio de Janeiro deu origem, em maio de 1959, a uma revolta popular de grande envergadura.
O que havia começado como um protesto localizado acabou propagando e por toda a
cidade, assumindo um ar de insurreição. A manifestação começou pela manhã,
atravessou a noite e o saldo foi a depredação da estação das barcas,
intervenção militar, seis mortos e uma centena de feridos.
Depois dessa experiência,
minha aproximação com os grupos de esquerda aumentou e comecei a fazer política
estudantil de forma intensa, fundando grêmios e editando um jornalzinho.
Naquela época, a gente
passava horas nas esquinas de Niterói falando de revolução e marxismo. Nossos
pontos de encontro eram debaixo das marquises dos cinemas da Rua Visconde do
Rio Branco e dos edifícios da Avenida Amaral Peixoto. Nós não tínhamos dinheiro
para sentar à mesa de bar como fazia a turma da classe média. Éramos estudantes
e trabalhadores assalariados, cheios de contas e vivendo em um país sacudido pela
agitação social e pelos debates ideológicos.
A capital fluminense era um
grande laboratório onde fluíam intensamente ideias e práticas sociais das mais
variadas vertentes. Trabalhistas, nacionalistas, comunistas e trotskistas
conviviam e disputavam espaços nos colégios, na universidade, nos estaleiros,
nas metalúrgicas, no comércio, nas repartições públicas,bancos e sindicatos.
Naqueles meus 16 e17 eu
sabia mais ou menos o que queria, mas não estava organizado em nenhum partido,
apesar de que em 1961, o Maurício Grabois e Lincoln Oest me procuraram para
entrar no recém fundado PC do B. Seguimos conversando, passei a frequentar o
Centro Cultural Brasil China e li de cabo a rabo os cinco volumes das Obras
Escogidas, de Mao Tse-Tung. Então era assim, conversava com o PC do B, com o PORT-
Partido Operário Revolucionário dos Trabalhadores, isso que tinha muito amigo
meu no PORT e com a AP - Ação Popular, mas fazia política estudantil ombro a
ombro com o pessoal do PCB.
Era um imbróglio danado. Eu
frequentava muito as casas das meninas da AP, atuava no movimento de massas com
o PCB e continuava conversando com Grabois e Oest, do PC do B. E ainda havia a
turma das Ligas Camponesas e o brizolismo, que era forte no Estado do Rio.
O governador Leonel Brizola ganhou
os corações e as consciências quando encampou as empresas estadunidenses Bond
and Share e ITT. A Companhia Elétrica
Riograndense, filial da Bond and Share, estava com a concessão vencida e não se
dispunha a realizar novos investimentos. Então em 13 de maio de 1959 o diário
oficial do Rio Grande do Sul publicou o decreto de expropriação da filial da
Bond and Share pelo preço simbólico de 1 cruzeiro.
A influência da liderança de
Brizola nas esquerdas carioca e fluminense era tanto, que em agosto de 1961 eu
estava disposto a ir de mala e cuia para Porto Alegre e me somar na resistência
aos golpistas que impediam a posse do vice-presidente João Goulart.
Eu andava tão excitado
naquela época que ficava até altas horas ligado na Campanha da Legalidade.
Certo dia, as válvulas do rádio Telefunken de casa esquentaram tanto que
acabaram queimando. Brizola estava conclamando o povo pra ir se concentrar em
frente ao Palácio do Piratini. Então, eu enfiei algumas coisas numa maleta e saí
com a intenção de ir para Porto Alegre. Minha mãe pediu, implorou e disse que
não ia me dar dinheiro para viajar. Não teve jeito, deixei a mala e parti pra
Niterói onde me envolvi de "corpo e alma " na Campanha da Legalidade.
Foi no bojo desse movimento
que eu entrei de vez no PCB. Eu via que a tentativa de impedir a posse de Jango
era liderada pelos mesmos "udenistas" que sete anos antes levaram
Getúlio ao suicídio. Eu identificava o latifúndio e o imperialismo, através de
seus agentes no Brasil, como os responsáveis pelo nosso atraso social e
econômico.
Essa foi a deixa que me fez
optar pelo PCB. As publicações do
Instituto Superior de Estudos Brasileiros - ISEB me empolgaram e eu estava
convencido que aquela conjuntura, em que a correlação de forças não levava a
uma ruptura revolucionária, o caminho era acumular forças, reformar as
estruturas, tirar o país do atraso, zerar o analfabetismo e assim derrotar a
direita.
Então, foram as teses do
Partidão que me atraíram. Aquela em que a revolução brasileira era vista como
um movimento e as etapas seriam superadas gradualmente.
Essa era a visão do ISEB, compartilhada
pelo PCB e demais partidos do campo popular e que naquele momento davam
sustentação ao governo de João Goulart.
Naqueles início da década de
60 a esquerda era bastante forte em Niterói, com influência em vários setores.
Então, assim que Jango assume, com aquelas limitações
impostas pelos comandantes militares, eu já estava dentro do PCB e entrei de
corpo e alma na campanha do Plebiscito para escolher o sistema de governo. O presidencialismo venceu por mais de 80 por
cento dos votos.
Foi um período conturbado. Eu tinha 18 anos e me sentia no
centro do furacão social e político. Niterói, naquela altura do campeonato era
a terra da liberdade, pois do outro da
Baía de Guanabara governava o
furibundo anticomunista Carlos Lacerda.
É o caso do movimento
de agricultores na região de Caxias, Nova Iguaçu, Cachoeira de Macacu, e outras
localidades. Impedidos de se manifestar no outro lado no Estado da Guanabara as
lideranças convocavam para Niterói, que passou a ser o centro dos movimentos
pela Reforma Agrária, liderados pelas Ligas Camponesas e por José Pureza, que
era ligado ao PCB.
Foi naquele clima de liberdade que José Pureza, dirigente da
Federação dos Lavradores e Trabalhadores Rurais do Estado do Rio de Janeiro e
líder dos sem-terra na Baixada, montou um grande acampamento na Praça São João
Batista, centro de Niterói, onde se sucediam manifestações a favor da reforma
agrária. Eu e outros companheiros não perdíamos uma, estávamos em todas. Apesar
da orientação da direção do Partido de apoio ao pessoal do José Pureza, a gente
sentia uma atração pelo Francisco Julião, pelo Padre Alípio e as Ligas
Camponesas.
Outro evento que Lacerda proibiu de ser realizado no Estado da
Guanabara foi o Congresso Continental de Solidariedade a Cuba. Daí a gente
trouxe então o Congresso para Niterói. Foi grande. Acho que esse evento
realizado no Sindicato dos Operários Navais provocou um salto de qualidade nas
esquerdas nos estados do Rio e da Guanabara. Nosso contato com importantes
lideranças da América Latina e do Caribe abriu pra nós uma realidade diferente.
A das lutas de libertação que se travavam contra o imperialismo.
Naquele ano de 1963 parecia que a gente ia assaltar os céus. Era
grande a agitação nos grandes centros urbanos e no campo. No encerramento do
Congresso, Prestes disse em seu discurso que o Brasil caminhava a passos largos
em direção ao socialismo e que naquele momento os comunistas tinham
participação importante no governo.
Confrontando ao otimismo de Prestes, Brizola alertou para a
conspiração da direita que articulava um golpe pra derrubar o governo de João
Goulart e conclamou para a resistência
aos golpistas.
O Congresso Continental de Solidariedade a Cuba aconteceu num
momento de muita tensão na Ilha. Dois anos antes tinha acontecido a invasão da
Baia dos Portos por mercenários, treinados e financiados pelos Estados Unidos,
e alguns meses antes teve a "crise dos mísseis", relacionada a
implantação de mísseis balísticos
soviéticos em Cuba com ameaças de invasão pelos Estados Unidos.
Esse Congresso foi muito importante em minha formação
política. Foram dias de contatos e saberes, de experiências e intercâmbios com diversas
frentes de lutas anti-imperialistas na América Latina e Caribe. Naquela época, eu estava terminando o curso
clássico e além das tarefas internas do Partido, andava envolvido até o pescoço
no movimento estudantil. Eu ocupava cargos nas entidades secundaristas.
Minha turma era toda da Juventude Comunista; a maioria da
classe média. Alguns eram filhos de comunistas históricos de Niterói. A gente
corria dia e noite. Além do trabalho e estudo, nossa militância era voltada
para a organização das bases da JC nos colégios, criação de grêmios e edição de
jornais estudantis. Isso, e mais os trabalhos de assistência e politização nas
favelas de Niterói. Um exemplo foi nossa ação no Natal, quando nós fizemos uma
festinha na antiga Favela do Contorno, então localizada nas proximidades de um
lixão no contorno da Baia da Guanabara, no bairro do Barreto.
Naquele dia a gente distribuiu brinquedos arrecadados no
comércio de Niterói e fizermos discursos. Em minha fala eu ressaltei os avanços
do socialismo na União Soviética, em Cuba e a luta no Brasil pelas reformas de
base. Lembro que meu discurso, tal como o dos demais companheiros foi até certo
ponto ingênuo.
Assim era nosso dia-a-dia. Estudando nos
cursos de formação política e atuando no movimento de massas. Os cursos
proporcionados pelo PCB eram o básico, o médio e o superior. Eu era monitor e
"dava aulas" para os filhos dos operários membros do Partido. O curso
superior a gente fazia numa sala do Sindicato dos Operários Navais. Os marítimos eram a vanguarda em todos os
sentidos. Eles eram muito mais bem organizados, mais fortes que os ferroviários
e os rodoviários.
Tanto que após o Golpe o
marechal Castelo Branco baixou uma portaria colocando em disponibilidade os
operários navais. Milhares foram mandados pra casa recebendo sem trabalhar. O
governo golpista não queria que eles continuassem em seus postos de trabalho,
que era uma coisa “perigosa”.
No ano que precedeu ao
golpe, a grande estrela era o Brizola. Realmente, depois da Campanha da
Legalidade Brizola passou a ser uma liderança nacional. Em meados de 1063,
assim que terminou seu mandato como governador do Rio Grande do Sul, ele foi
candidato a deputado federal pelo Estado da Guanabara, sendo o mais votado.
Aproveitando a experiência
bem sucedida da Cadeia da Legalidade -
uma rede de rádios em todo o País que transmitia os pronunciamentos
antigolpistas, Brizola continuou usando o rádio para se comunicar com o povo.
No Rio de Janeiro ele tinha um programa que durava duas horas.
As falas deTodo mundo ligava
no rádio para ouvir o Brizola, e o Brizola quando chega ali vira celebridade, a
estrela do ato foi ele. E o Brizola
começa a fazer uma análise de conjuntura totalmente diferente da que fez o
Prestes. De que a situação não era assim, era assado, que o golpe estava vindo,
o imperialismo, o latifúndio, todas as influências, fez aquela análise. E a
gente tem que se organizar para resistir, tava chegando a hora, e ele sai dali
aclamado. E a gente começa a pensar, essa coisa aqui está tão esquisita, esse
ano de 1963 está agitadíssimo, perigoso.
Mas por outro lado estava
tranquilo, porque o partido era ilegal mas não era clandestino, era ilegal mas
não era clandestino, tinha uma sede. A gente se reunia, tinha secretária,
telefone, com outro nome, ninguém podia falar 'aqui é sede do partido
Comunista' porque ele era ilegal. Mas tinha sua sede, tanto em Niterói como no
Rio, pelo Brasil todo, tinham seus locais de reunião.
Na sede do partido a posição
era de que “estava tudo bem”, “tudo tranquilo não havia perigo”, que os
“golpistas haviam sido esmagados na primeira tentativa”. Porque a “correlação
de forças estava totalmente favorável, as forças de esquerda, as forças
nacionalistas”.
E que havia aquele esquema,
do general Assis Brasil, não sei o que mais, o homem tinha um esquema lá
fenomenal, vamos acreditar nos velhos, porque eles tem experiência maior que a
gente.
E assim nós fomos fazendo as
coisas, paramos colégio, fizemos greves, manifestações. Até que que, as coisas
foram evoluindo, as manifestações, as ligas Camponesas, havia um avanço de
consciência. Sentia-se que havia um avanço de consciência, uma grande
organização, os ferroviários em grandes organizações, os rodoviários grandes
sindicatos. A força do movimento sindical, não sei se era aparente, mas eu
sentia que pelo menos ali naquela região era um movimento fenomenal, e que
dificilmente haveria um golpe diante de tanta organização e tanta mobilização
no movimento sindical.
Martinelli quando mandava
parar o trem parava o trem, O Afonsinho quando mandava parar os ônibus parava
os ônibus, outro mandava parar os bonde parava os bonde, outro mandava parar as
barcas parava as barcas. Quem parava? ferrovia, os barcos, enfim as empresas
estatais que tinham os sindicatos mais fortes. Talvez por influência do governo
janguista. Amauri Silva fez seu trabalho com excelente diálogo do movimento
sindical e essa coisa toda.
E o movimento estudantil
também é um dos principais centros, o Centro Popular de Cultura – CPC, sempre
que tivesse uma manifestação o CPC estava presente com manifestações artísticas
culturais e de conscientização, canção do subdesenvolvido, o trabalho do Zé da
Silva, e aquela coisa toda.
Essa era nossa participação
naquela conjuntura dos meses antes do golpe. Com a imprensa forte todo mundo
tinha seu jornal, Partidão tinha jornal, o PCdoB tinha jornal, as ligas
camponesas tinha jornal, a igreja progressista tinha lá jornal também dos frei.
E o setor nacionalista tinha o seu jornal mais forte na banca, a imprensa de
esquerda dominava.
Carla: Vocês faziam uma
avaliação da relação com a população, como ela recebia vocês nas manifestações?
Aluízio: Pois é, as
manifestações eram grandes, a história das manifestações com uma presença forte
de massas. Havia um movimento de massas. De fato era um movimento de massa, e
com grandes contingentes, claro esses contingentes eram, em uma boa parte era
levados, não era uma coisa espontânea, como a gente as vezes pensa, que sai
todo mundo em coluna descendo o bairro e caminhando.
Eram levados de ônibus,
caminhão, boa parte eram levados, a maior parte do povo ficava em casa. Porque
o negócio era o seguinte, quando havia greve, não tinha como se locomover.
Tinham as manifestações e muitas greves ocorriam no dia da manifestação, como
as pessoas vão para a manifestação, de que? não nem vai sair do bairro.
É como no dia do golpe,
fizeram greves geral. Eram greves seguidas, e é lógico que aquelas greves,
primeiro não agradaram a classe média, depois não agradaram o trabalhador que
perdia seu dia trabalho. E você pensa bem, a mão-de-obra de daquela doméstica,
secretárias, ascensoristas, auxiliar de limpeza no Rio de Janeiro é toda da
região de Niterói e Baixada Fluminense. Parou o povo não vai trabalhar. Então,
havia um grande descontentamento pelas greves.
De parte assim da igreja, de
alguns setores, o cardeal do Rio Dom Jaime, bem conservadorzinho, depois
ele disse não, mas era uma igreja até certo ponto conservadora, e faziam
procissões, as primeiras procissões que eram feitas, mas eram tímidas.
O IBAD a gente sentia que o
IBAD estava começando a ter alguma influência em alguns setores meio
rotarianos, associações comerciais, ou sociedades rurais, sindicatos rurais. As
revistas e a imprensa ibadiana era uma imprensa de luxo, de papel couche, mas
não chegava na massa a influência do IBAD, chegava em alguns setores. A
imprensa que chegava nas massas era a imprensa de esquerda, essa chegava no
povão. No povão das mais diversas categorias, desde quem trabalhava nos
escritórios, bancários até o operário metalúrgicos.
O partido tinha uma
popularidade impressionante, por que nessa altura do campeonato, eu era do
comitê municipal e do comitê secundarista. E comitê municipal, no comitê
municipal eu dava assistência para todas as bases. Dava assistência para a base
da colonia dos pescadores e para base de Terreiros de Umbanda e Candomblé. E um dia me
chamou atenção que um dia eu fui pegar um material, acho que era jornal ou
coisa sim e eu cheguei lá estava um monte de gente carimbando o resultado do
jogo do bicho. Eu não achei legal aquilo, achei errado, como que pode? Como
pode ser a sede, ter a base no local de bicheiro onde chegam os vendedores os
cambistas. Não tem nome, é onde chegam o bicheiro com a venda e onde eram
impressos e carimbado, para depois colar
nos postes e orelhão o resultado do bicho.
Sim mais era o partido? Era
o Partido estava ali. Eu não sei como é que era esse partido, mas era partido,
e um era Partido de massa. Era um Partido de massa, juntava estudantes
secundaristas, universitários, intelectuais, operários organizados e
desorganizados, o setor de pesca, Terreiros de
Umbanda e Candomblé
e tudo mais, então era um Partido de massa.
Então, se um partido de
massa está em todas as manifestações e mais o governo janguista, mais o
dispositivo do general Assis Brasil, e mais os fuzileiros do Almirante Aragão. Ninguém passa por essa,
“isso que passava na nossa cabeça, o golpe não vai vingar”. Aquilo que o
Brizola falou é imaginação, né não cabe. Os velhos tem razão, estão certos.
Diante de tudo isso ai, essa era a nossa visão, de que não havia forças para o
golpe. A tentativa de 1961 foi esmagada lá em Porto Alegre e ponto.
Esmagamos em 1961, houve
greve geral, manifestações em todo o Brasil e a tentativa de golpe não deu
certo. Primeira tentativa de impedir a posse do governo Juscelino não deu
certo, depois a tentativa do impedimento
da posse do governo Goulart não deu certo. Então 64 não vai dar certo. Duas
tentativas foram frustradas, a direita não consegue ganhar a eleição e nem dar
golpe. A Eleição perde, golpe é abortado, então não tem como.
Então fizemos aquele grande
comício na Central do Brasil para bombar. A massa estava empurrando o governo
do Partido Comunista Brasileiro para posições mais avançadas. Ali começavam a
surgir posições mais avançadas, era na própria massa que começava a surgir
movimento de sargentos, de marinheiros. Então, a massa estava exigindo tomadas
de posições mais avançadas em relação a questão da terra, tanto que Jango
assina aquele decreto, que já sido chamado pela conjuntura favorável.
Quando aconteceu o golpe foi
uma surpresa, eu não estava por aquilo. De repente um coronel, um general lá em
Juiz de Fora sai com alguns caminhões, uma tropa, um tanque e solta um
manifesto. Ora, isso não vai dar em nada, mais uma tentativa que fica pelo
caminho.
De repente começa a avançar.
O partido dizia que não vai dar em nada, mas a coisa começa a avançar a tropa
começa a chegar no rio Paraíba, ninguém parou. Já estava saindo do estado de
Minas e entrando no estado do Rio de Janeiro e ninguém parava aquilo. E Lacerda
todo assanhado no Rio. Mas nós tínhamos o general Flores em São Paulo, o
terceiro exército é nosso, faz até balanço, e conclui que está tudo sob
controle, o dispositivo funciona, isso ai vai se abortado.
Mas o Mourão Filho consegue
cruzar o estado do Rio, e nós tentamos naquele dia reunir um grupo em Niterói,
eu já estava no meio. Ali já se articulou todo mundo, o Partidão, PCdoB, os
Trotskista, Trabalhistas, e “vamos fazer alguma coisa”. Nós decidimos explodir
uma ponte sobre o Rio Paraíba, uma pontezinha.
Se explodir aquela ponte os
caminhões não passam, teriam que dar uma volta, pelo menos. E saímos para explodir
a ponte. E nós conseguimos em um pedreira, não sei com quem umas bananas de
dinamite. E saímos até Friburgo, em Friburgo alguém ia entregar para nós as
espoletas né, chegamos em Friburgo não apareceu no encontro das espoletas, si
voltamos, com as dinamites e jogamos fora, não explodimos nada.
Tentativas assim,
individuais de resistir, de resistir. Como não deu em nada, então vamos fazer
manifestações de rua. Isso já era no dia 1 de abril, a tropa chegou ao Rio, nós
em Niterói ainda tentamos resistir, fizemos manifestações em frente a
assembleia, teve momentos de muita tenção. Eu ali sempre participando de tudo
lá no Rio, que era a Guanabara na época, a direita já havia tomado tudo. O
governador era golpista. E as prisões começaram a acontecer. Os primeiros
presos foram os trabalhistas e os militares nacionalistas. E quem não foi para
a embaixada foi preso. Os trabalhistas do governo e os nacionalistas o
almirante Aragão, o Paulo Mário que era ministro da Marinha lá em
Niterói.
Interessante isso não é? Quando
Jango não tinha que mais quem nomear ministro da Marinha, nomeou Paulo Mário, o
almirante Paulo Mário. Esse almirante era do Partido, o ministro da Marinha era
comunista do Partido Comunista Brasileiro, mas não tinha força nenhuma, não
mandava em ninguém. Porque naquela altura do campeonato a coisa era outra, os
ministros do Jango já não mandavam, só mandavam quem estava a favor do golpe.
E quando o segundo exército
aderem ao golpe, e os comandantes de outras regiões militares começam a aderir,
ai não tem mais jeito. O Jango sai do pais, não teve resistência, a orientação era sair fora, recuar. Eu recuei
não é?
Enrique Padrós: Aluísio, na
sua avaliação, se tivesse havido um comando nesse momento, uma orientação nesse
período, na sua percepção, teria possibilidade de resistir.
Aluízio: No começo sim,
porque no começo os comandos militares era a favor do governo. Estavam com o
governo eram leais ao governo do Jango. O golpe só acontece quando as tropas de
Mourão Filho chegam no Rio, na Guanabara. Porque até então não havia ambiente,
condições para o golpe. Se o golpe tivesse sido abortado em Minas, não teria
havido o golpe. As coisas foram acontecendo e teve efeito dominó, o governo
estava fraco, não tem mais como resistir. “vamos nessa, vamos nessa para tirar
o Jango do poder e convocar eleição em 65”. Esse era o objetivo, e não chegar e
ficar. A coisa era chegar tirar Jango convocar eleições, lógico, com algumas
restrições, mas havia essa possibilidade. Então, a posição era a posição de
recuo. Como a posição era de recuo eu fui embora, simples.
Eu era muito amigo do
Geraldo Reis da direção estadual do PCB. E naquele dia do golpe eu fui na casa
do Geraldo. Antes da casa do Geraldo eu pequei o Aquiles, que é filho dele,
vamos lá em casa me acompanha até lá. Ele disse: eu quero me despedir da minha
mãe”. Tudo bem, se despeça. E fui lá correndo, não precisava nem falar muito,
já sabia. As tropas na ruas, movimentos, as marchas militares, naquele momento
não havia nenhum pronunciamento, era só marchas militares.
E vou pegando umas roupas,
umas coisas e vamos indo embora para Niterói. Passo em frente ao sindicato, e
estava tomado pelas tropas da Marinha, fuzileiros. Passo em frente a outro
sindicato também tomado por tropas, o bicho pegou né?
Já tomaram os sindicatos,
vamos tentar recuperar o mimeografo da da entidade estudantil né, da cidade e
também da União Fluminense de Estudantes. Pelo menos tirar dali e levar para
outro lugar, já não deu também.
O dops tinha tomado, e isso
eu indo com Aquiles para a casa do Pai dele, chegamos lá, vamos resistir e
fazer alguma coisa? “Não vamos embora, cada um para o seu lado que isso ai
passa, isso ai passa, questão de meses a um ano vamos ter eleições”.
Então eu fui embora para
casa de parentes lá em Minas. Fiquei primeiro lá na casa de uma tia lá em
Ibiracema no estado do Rio. Cheguei lá, e tal, tia eu estou indo para Minas,
vou dormir aqui ficar aqui uns dias e e vou embora. “Você não vai ficar uns
dias aqui não, vai embora agora”. Eu pedi: “mas o que foi tia”, “você é um comunista,
eu não quero sobrinho comunista na minha casa não, cai fora, se não vou te
denunciar à polícia”.
Enfim, ela deixou eu dormir
lá um dia acordei bem cedinho cai fora, porque ela ia me denunciar. Para você
ver o nível que chegou a coisa. Eu não entendo, não entendo. Hoje a gente vendo
documentos essa semana mesmo eu comecei a levantar alguns documentos do pós
golpe, de Delegacias de Polícia, é impressionante o numero de prisões de
dirigentes no interior. De dedo duro, o comerciante entregou fulano, não sei
quem entregou ciclano, o ciclano é comunista. O cara não gosta do outro intriga
política, intriga familiar, intriga comercial … mistura tudo. E começa a toda a
diligência, a todo mundo ser fichado. E vai virando uma paranoia, uma coisa
terrível.
Então, a minha tia irmã da
minha mãe, acho que ela me via como uma “pessoa do diabo”, “diabólica”, não sei
a visão que ela tinha de mim. Para chegar a esse ponto, de dizer: “Ou você vai
embora ou eu chamo a polícia”. O que eu era?, o “satanás”, é nesses ambientes
que surge o nazismo não é? De repente aquilo que não se manifestava aflorou nos
primeiros dias de abril ou nos primeiros meses de 64. E aflorou forte, então eu
casquei fora, e acabei indo para a Zona da Mata em Minas. Lá eu me dei bem, me
dei bem, porque eu comecei a frequentar uma padaria, e o dono da padaria lia o Correio
da Manhã. E conversava comigo sobre os artigos do Márcio Moreira Alves. Então
eu lá ninguém me entregou. Fiquei bem na cidadezinha, era uma vila bem
tranquila, fiquei ali com os primos e as primas.
Levei um monte de livro de Marx
tentava ler Dezoito Brumário, e não conseguia, a cabeça não dava para
ler. Uma leitura muito pesada e muito difícil para ler naquele momento. Eu não
sei porque levei aquele livro, marxismo era uma leitura perigosa. Mas não dava
para ler naquele momento, eu queria ler outras coisas. Eu queria ler, saber o
que estava acontecendo no pais, mas a gente não conseguia saber o que estava
acontecendo no pais porque na imprensa os comunicados institucionais das prisões
e cassações.
Eu esqueci de uma coisa, vou
ter que fazer um recuo. Nos primeiros dias após o golpe, antes de ir para a
casa dessa tia que quis me entregar, eu fui com meu pai, lá para São Fidélis no estado do Rio.
Cheguei na rodoviária e meu
pai pegou um taxi, mandou eu deitar no carro. “Deita ia para ninguém te ver”, e
me levou na sede de uma fazenda. E lá eu tinha um radinho, que um amigo meu me
deu. Um amigo foi lá levar um radinho para mim, E eu comecei a ouvir as
notícias do AI-1, AI-2, e eu voltei para Niterói, para tentar fazer alguma
coisa eu não queria ficar lá, e foi dada
a ordem de novo recuo, que o momento é recuar.
Foi quando eu fui para
Minas, e fiquei um bom tempo lá, até que eu voltei.
O movimento estudantil não
foi muito atingido naquele primeiros momentos, ficou inteiro, claro que poucos
alunos, os atingidos foram os trabalhistas que estavam no governo, os
comunistas e os militares. O movimento Estudantil ficou inteiro. Quando eu
voltei já voltei na reorganização do movimento estudantil. Isso ainda em 1964.
Gilberto: O senhor volta por
iniciativa própria, não foi o partido?
Aluízio: Minha, foi minha,
eu queria voltar. Não porque não havia, tinha que voltar tinha que estudar,
então voltei. Claro, que quando voltei não consegui voltar para o colégio onde
eu estava, fui expulso do colégio.
Enrique Padrós: Aluízio, até
esse momento algum amigo seu, algum companheiro seu, tinha sido preso, detido,
tava acontecendo isso...
Aluízio: Não, não
Enrique Padrós: Alguém
próximo?
Aluízio: Alguém próximo era
o Afonsín, que era deputado do partido, o partido comunista estava em tudo que
era sigla, acho que ele era do
Partido Social Trabalhista, tinha muita gente dentro do partido do Ademar de
Barros.
O Afonsín foi o primeiro,
mas dos meus amigos mais chegados do movimento estudantil, ninguém. Ai eu
voltei de boa, voltei de boa. Mas, e pedi para alguém ir no colégio pegar minha
transferência que eu não queria ir lá, porque poderiam acabar me prendendo, me
agredindo, porque, meus amigos brigavam na porta do colégio, tivemos greve,
tivemos corpo a corpo. Então ia pegar minha transferência e estudar no colégio
Batista, para terminar o clássico.
E ai já primeira coisa
organizar a base no Batista, e voltamos a reorganizar as bases nos colégios e nas faculdades, tranquilo.
Claro, nos estaleiros não havia como
voltar, havia um medo muito grande, as pessoas tinham medo, eu tentava chegar
entregar um jornalzinho, as pessoas colocavam no bolso acho que depois jogavam
fora.
Era muito difícil, é,
qualquer tipo de atuação no meio proprietário. No ambiente estudantil não, era
fácil a gente “nadava de braçada”, com uma facilidade muito grande de
organização. nos colégios e nas faculdades. “De boa mesmo” organizamos tudo
tanto que, quando o Apolônio chega em Niterói, ele foi com um objetivo, que nós
fizéssemos o comitê central. Sabiam que os estudantes estavam ocupando o
partido, porque os outros abandonaram a gente foi ocupando o comitê municipal e
estadual, a gente foi ocupando.
E a nossa posição, era uma visão critica e de análise sobre o que
aconteceu, a gente queria saber o que
aconteceu, todas as nossas reflexões eram feitas em cima do golpe. Em que
momento que nós vivíamos, que etapa da evolução brasileira que a gente vivia, a
correlação de forças e como avançar. E que essa discussão o Comitê central
tinha medo desse tipo de debate, e mandou
o Apolônio.
Mas Apolonio foi para
implantar um negócio chamado Trabalho Especial, também era chamado Tereza. O
Trabalho Especial reunia as direções intermediárias todas, em um local, com
todos ali, e um quadro negro, e o Apolonio dava aula de guerras e
trincheiras porque ele era do exército,
ele era militar, ele serviu na Guerra Civil Espanhola. Ele dava aula de
artilharia, não sei o que, não sei o que era o trabalho especial de partido,
ensinar gente artilharia, academia militar e ovelhas negras do Partido.
Na verdade eu acho que ele
foi mais para “essa gurizada ai ta muito afoita, vamos dar uma de que nos vamos
ter Trabalho Especial no partido”, mas não era trabalho especial nenhum, Eu
acredito que ele foi para isso.
Ele era uma pessoa muito
boa, foi para ajudar na reorganização. Eu foi para o comitê estadual, você vê,
e não era universitário, ainda estava terminando o clássico, ainda não tinha
feito o vestibular e estava no comitê estadual. Tinha espaço, porque os outros
caíram fora.
Eu fui para organizar, ou
melhor, para reorganizar o partido no interior, em Cabo Frio, Campos, Macaé.
Fui pegando contatos, era uma dificuldade de reorganizar, reagrupar todo mundo
nos comitês municipais, mas aos poucos a coisa ia. No início fazia sozinho esse
trabalho de reorganização do interior.
Reorganização para que?
Reorganização para reorganizar o partido, e para que reorganizar o partido?
Para debater as teses do congresso, para definir uma linha política, o que nós
vamos fazer daqui para a frente? E nós passávamos dias e noites discutindo a
Revolução democrática Burguesa. Por que o Brasil ainda não superou etapa feudal
em determinados lugares. Nossa economia é extremamente dependente, e a
burguesia nacional é nossa aliada na luta anti-imperialista. Tínhamos que buscar
outra coisa, essa outra coisa veio de repente, que foi quando Caio Prado Jr
escreveu “A revolução Brasileira”, que não tinha nada a ver com as teses do
partido. E nós mergulhamos naquilo.
A burguesia é uma burguesia
dependente, sem interesse nacional, extremamente dependente. Não existe essa
coisa chamada “burguesia nacional”, em um país dependente a “burguesia é
dependente”. No campo as relações de trabalho são basicamente relações
capitalistas, é patrões, empregados e salário no meio. Então, é preciso fazer
uma reavaliação. A POLOP não está tão errada em relação a análise da realidade
brasileira.
Esse foi o primeiro atrito
nosso a nível nacional com a direção, foi nas discussões da tese do VI
Congresso. Por que ou você entra na tese do partido nas quais a revolução
democrático burguesa (e não revolucionária) é etapa da revolução. E para o país
derrubar a ditadura é preciso fazer alianças burguesas com todas as correntes
burguesas, vamos incluir até o Cabo Lacerda, passando pelo Juscelino, pelos trabalhistas,
pelo PSD. Esse ato de alianças inclui também alguns generais, tipo Albuquerque
Lima, e outros que estavam descontentes com os rumos que estavam sendo
tomados.
Ou a gente partia com uma
frete estudantil operária e camponesa, para impulsionar a revolução no sentido
de derrubar a ditadura. E implantar o que? Ai começa a discussão, implantar o
que? Um governo socialista? um governo de Libertação nacional? um governo
democrático de Libertação Nacional, não sei o que.
No fundo era tudo a mesma
coisa só mudava os carimbos, as tabuletas, porque o que havia era
pequenas nuances, mas são coisas que dividem. Ficam noites, dias e semanas
discutindo com os clássicos embaixo dos
braços, era todo mundo citando os clássicos. Era Lênin eram as novas
literaturas marxistas que surgiam na Europa eram novas visões.
E em função de que? Até que
de repente não havia mais como segurar certas coisas. Eu estou falando do Rio,
que era o ambiente. Nesse momento eu já estava na faculdade, e frequentava o
Restaurante do Calabouço, porque os estudantes pobres, operário e trabalhador
ai comer no Calabouço. Eu fui trabalhar lá em Santo Cristo, na região
portuária do Rio. Eu já estava clandestino, sai de casa em 1965 e me ataquei na
clandestinidade, tinha que pagar aluguel, comprar material escolar e comer. O
partido não me dava nada, estava desorganizado, eu não era assalariado do
partido. Eu trabalhava em em Santo Cristo em uma fábrica de transporte.
Só tinha um companheiro que sabia meu local e trabalho, que era o secretário da
organização, que ele ia lá entrar em contato comigo, era o Jonas que
desapareceu, ele estava no estado do Rio, foi para lá fazer Doutorado. O Jonas era o meu único
contato lá onde eu trabalhava. inaudível
Eu era para ficar quieto mas
não fiquei.
Enrique Padrós: Você estava
clandestino mas conservado o nome ou ou já estava com codinome?
Aluízio: Estava clandestino
apenas em relação ao local de moradia e de trabalho. Eu não sei eu era seguido,
eu dava muitas voltas para chegar no local onde morava. Por que eu estava na
reorganização em 1965. E comia no Calabouço quando teve a manifestação
em que que morreu o Edson Luiz. E começam as primeiras manifestações, no
começo de 1966 e 1967. O movimento estudantil vai para a rua e envolve a classe
média. Nós, avançamos em relação as discussões e os debates, o movimento
estudantil na rua, a luta conta a ditadura na rua. A etapa era uma etapa
democrática, inaudível avançar
mais em cima disso. Nessa altura do campeonato a direção nacional quis me
mandar para a Alemanha, Para a República Democrática Alemã. Tiraram até
meu passaporte e tudo e eu não quis ir,
porque eu achei que era sacanagem, queriam me tirar da luta interna. Manda
o Apolônio de Carvalho, eu queria participar da luta interna. Eu me dei
conta que tiraram outros, não vão me tirar da luta interna.
Gilberto: O Apolônio nesse
momento ainda sustentava a posição da direção?
Aluízio: Ainda, ele
acreditava que com o VI Congresso era possível mudar. Nesse momento nós
achávamos que não. Nós desistimos de ir para VI congresso, nós começávamos a inaudível.
Em todas aquelas bases em que trabalhei no interior da cidade nós começamos a
romper e criar uma dissidência. Não foi uma decisão nossa: “vamos criar uma
dissidência?” A coisa não é assim, foi evoluindo e chegou um momento que não
tinha mais diálogo com a direção estadual e nacional. Não havia mais condição
de diálogo. Tivemos que continuar nosso caminho.
Gilberto: Que momento isso
se define em 1965-66?
Aluízio: Em 1966, começa a
se definir um caminho de ruptura.
Carla: E quem estavam
juntos?
Aluízio: Em Niterói eram os
secundaristas, universitários e um setor marítimo, que era o grupo Milton Gaia
Leite. A gente conseguiu envolver os marítimos radicalizados e mais os
secundarista e universitário na dissidência. Então nós criamos essa dissidência
do estado do Rio de Janeiro, com alguns quadros do Partido do pessoal da
Guanabara que vieram com a gente de criação da dissidência.
Ai, começamos a organizar
contatos com as outras dissidências que estava surgindo. Ninguém decidiu
romper, assim, nacionalmente, as rupturas foram acontecendo. Nós decidimos
entrar em contato com as demais dissidências para ver se era possível criar uma
frente ou um partido. E também entrar em contato com os militares nacionalistas
e radicalizados de esquerda. Para conversar primeiro com o pessoal dissidente
da POLOP, porque na POLOP também estava havendo uma dissidência naquele mesmo
momento.
E começamos a fazer contato
eu de um lado o Umberto Trigueiros Lima do outro lado. O Umberto fazia mais contato
com a dissidência da POLOP e eu fazia mais contato com esse pessoal da
aeronáutica que era o Lucas Alves, que morreu em Belo Horizonte na tortura, já
como COLINA, não é? E a dissidência da Guanabara não dava, nosso diálogo com a dissidência da Guanabara
era muito difícil.
Por que aconteceu uma coisa
interessante, nós não sabíamos como começar. Formar um partido vai ser Partido
igual ao Partidão. Partidão por partidão ficava o Partidão. Nós queríamos ação.
É preciso mudar, começar a fazer coisas, construir uma estrutura para resistir.
Como? Ações urbanas? ações rurais? a guerrilha? Como?
Ai o Amazílio com a mulher chegam de Belo Horizonte todo eufórico e me chama
para o canto: “Aluísio está aqui a solução”. A solução era o livro do Debrey
“Revolução na Revolução”. Olhei aquilo de supetão. Nada de partido, o partido
só atravanca, ação, e ação imediata: colunas guerrilhas. O partido surge na
caminhada, o partido se constrói na luta. A vanguarda não constrói o partido e
não o Partido que constrói a vanguarda.
Saia tanto, saia tanto, ia
até a Porto Alegre, entrar em contato com o
inaudível
Enrique Padrós: Lembra de
alguém Aluízio?
Aluízio: Lembro do Vladimir,
do pessoal dos “Saltimbancos Branca Leone”. Eu conversei bastante com o pessoal
lá de Porto Alegre. Conversei bastante, fui até a cada do Vladimir Bier, que
agora é médico, a Suzana andou me
falando do Vladimir.
Ali eu acreditava que era
possível, a distância também atrapalhou, que era possível unir aquela
dissidência de Porto Alegre, que era uma dissidência praticamente secundarista.
Em São Paulo, fiquei um
mês inaudível,
que era possível dentro da dissidência de São
Paulo unir com a dissidência do estado do Rio. E a dissidência de Guanabara
achava que não era o momento de ação, que era primeiro organizar as massas, era
uma posição superficialista da
revolução. E nossa revolução era uma revolução foquista, pode parecer pejorativo,
mas era foquista. E são Paulo topou, e o Fernando Ruivo, o José Dirceu, não sei
quem, chegou ali em uma reunião minha com Jeová
disse: “Eu estava querendo ir para o Paraná buscar arma”.
A gente tinha visão de que o Oeste do Paraná
devido aos conflitos sociais da região oeste, a luta pela terra, a cobertura
vegetal eram crítérios para o primeiro foco. Eu estava discutindo com Jeová e acho que era com o
Fernando. Inclusive eu até falei para o José Dirceu: “Eu vim para o Paraná, me
casei e tenho seis filhos e você é o responsável”. Por que acho que foi ele que
chegou e falou: “Eu tenho contato em Curitiba, vai para lá”.
Eu vim para Curitiba e
iniciei contato com o pessoal de Foz do Iguaçu e na região. E lá em Curitiba o
Roberto Curi e o pessoal do Partidão me apresentaram a Teresa Urgan que era da
AP. A Teresa era namorada do Fábio Campana, e me passa o contato do
Zapata em Foz do Iguaçu, isso em 1967.
Então eu vim pela primeira
vez com Osvaldo Sores, eu acho que era sargento da aeronáutica. Nós já
estávamos tentando unir com esse grupo do MNR - Movimento Nacional
Revolucionário. Cheguei aqui e não encontrei o Fábio, acho que ele
estava na casa de uns parentes que tinha na Argentina. Ai voltamos, mas já
conheci a região. E da outra vez já vim sozinho e para ficar.
Vim com uma mala imensa, com
arma, manuais, livros, com um monte de coisa.
Desci na rodoviária e fui para a casa do Fábio, na casa do pai do
Fábio. O pai do Fábio era um
capitão do exército na ativa. Era tanta poeira, nunca vi tanta poeira,
estava com o nariz entupido de tanta poeira. André disse: “Toma um banho e
vamos sair daqui logo que eu achei um lugar para você ficar, eu entendi logo
que não era para eu ficar lá.” Ai eu fui morar em uma padaria, no depósito de
uma padaria aqui em Foz, depois vieram outros companheiros e começaram a ficar
aqui.
Gilberto: Quando o senhor
veio aqui pela primeira vez, que informações vocês tinham dos conflitos
sociais, do quadro sociológico?
Aluízio: Não tinha muita informação não. Sabíamos que
haviam muitos conflitos na região de Cascavel, Toledo, Assis, Santa Helena. Era
toda aquela história dos conflitos do Sudoeste que era a Guerra dos Colonos que
se chama?
Gilberto:Revolta dos Colonos
Aluízio: Revolta dos
Colonos, a gente tinha aquela visão de que a região era uma região de muitos
conflitos, e mato para todo o lado.
Carla: Mas Foz do Iguaçu
tinha bastante bases militares por ser uma região de fronteira, isso vocês
avaliaram?
Aluízio: Não, porque era bom
isso, tinha arma não é? Era para tomar arma deles, era fronteira com a Argentina e com o Paraguai.
Enrique Padrós: Agora
Aluízio, era fronteira mas nessa época tínhamos ditaduras na argentina e no
Paraguay já estava fechado a mais tempo.
Aluízio: Sim, a mais tempo,
mas era fronteira com possibilidade de comprar coisas, tanto que a gente
comprou muita arma do Paraguaí, porque era fácil. Nós desistimos de tomar arma
do exército, era muito complicado, de pois segundo a experiência do Debray, em um primeiro
momento você deve ficar clandestino, não pode fazer política, nem fazer ação, então era preferível comprar
armas.
E nós tínhamos algum
dinheiro das expropriações lá no Rio. Em Niterói nós fizemos expropriações, nós
fizemos várias expropriações. A primeira ação nossa foi um companheiro
trabalhava de caixa e saiu com um monte de dinheiro do Banco do Brasil. Esse
foi o primeiro dinheiro nosso. Esse dinheiro acabou rápido. Foi com o dinheiro
das expropriações que a gente foi se estabelecendo aqui. E procurando contato
com o que havia de resistência no Paraguai e na Argentina. Na Argentina nós não
conseguimos nada, nós conseguimos com os paraguaios que estavam na Argentina,
que era o pessoal, a esquerda do MOPOCO.
Na verdade, o MOPOCO em si
não, mas a esquerda do MOPOCO eles davam um nome, não sei se era inaudível, Eu quando caí caí com uma flâmula, FRC - Frente Revolucionária Colorada. Parecida
com flâmula do flamengo, rubro-negra. Mas quando eu cai eu disse para a
repressão que era Frente Revolucionária Comunista, se eu dissesse que era
Colorado o manca para o meu lado não é? Eles iriam querer saber os contatos. E
na verdade era a dissidência do Partido Colorado. Essas dissidências haviam com
nós contatos importantes na região de Missiones, porque na região de Missiones
não havia repressão, o pessoal fazia
vista grossa para os brasileiros que entravam para trabalhar na região de
Missiones, Era mata, o pessoal ia para desmatar, colher soja, colher chá, soja
não, colher erva mate e chá. Então, essa mão de obra paraguaia e brasileira que
ia da região sul ocupou território de Missiones na época. Então era uma região
boa.
E o estado do Rio não sabia,
e aquela coisa de unir acabou não dando certo, porque São Paulo aderiu ao
Marighella tinha uma força muito grande, um baita carisma. Ele levou todo o
pessoal do CRUSP, os estudantes toda a dissidência da comunista de São Paulo e
todo o programa da ALN. Porto Alegre
por causa do contrato, não sei o que acabou indo para o PORT, tomaram outro
rumo.
O que ficou para nós? Ficou
o estado do Rio, um pouco da Guanabara, um pouco de Brasília e junto com
Brasília veio os infiltrados, que sempre acontece, e um pouco do Paraná. Esse
pouco do Paraná acabou crescendo no seguinte ponto. Nós compramos um sitio, entre
Toledo, Assis e Cascavel. E compramos outro sitio em Matelândia,
hoje tem outro nome, município que teve
aquela revolta do Feijão Verde, dos
camponeses. E a gente veio e se implantou ali no meio dos posseiros. Na verdade
lá em Cascavel, Toledo e Assis foi comprado título, aqui em Matelândia não,
compramos posse.
Lá já implantando a coisa,
já criamos as condições. Lá em Boi Piquá vou chamar de Sítio Boi Piquá, o
sitio era a base principal, ficou eu e mais uns dois ou três companheiros. E no
sitio em Matelândia com os posseiros nós trouxemos um companheiro do estado
do Rio, com outra visão outra forma de
fala, e ficou complicado. Ele dizia que estava em um pais estrangeiro. Aqui não
é estrangeiro, aqui é Brasil. Mas eles falam diferente, você fala diferente. Era o Azizo, e ele ficou ali sem mulher sem
nada, se almenos tivesse uma companheira, ele ficou lá no sitio.
O sítio era nosso santuário
antes de chegar no outro. E a gente foi criando redes, e acabei recebendo de
bandeja o Bigode Branco. Quem me passou o Bigode Branco foi o Fábio Campana, o
Fábio já estava dentro do que chamávamos de dissidência do estado do Rio. O
Bigode Branco era um sargento do exército reformado, que era o partidão, ele
distribuía o jornal Terra Livre aqui na região.
Quando as ligas começam crescer no Brasil antes
1964 o Partido Comunista Brasileiro decide avançar e criar os sindicatos, para
fazer frente as ligas, daqui a pouco as ligas começam a tomar conta do campo e
o partido perde sua vaga. Ai decide criar sindicatos com patrocínio do
Ministério do Trabalho, Anita Amauri Silva, era um sindicato do partido. E
o Bigode Branco era o cara que fazia
isso aqui na região oeste. O nome dele era Bernardino Jorge Velho, era uma
pessoa excepcional, comunista, brizolista.
O “Bigode Branco” era porque
a metade do seu bigode era preta e a outra branca. E ele não pintava, mas não
era para pintar mesmo, porque onde eu chegava ele era conhecido. Eu chegava em
um lugarzinho onde só havia um botequim no meio do deserto e de repente vinha gente
chegando, para tomar cachaça, tomar chimarrão, contar causo e todos conheciam o
Bigode Branco.
E eu andava muito com ele,
eu não usava mochila, não usava mochila, era saco de lona. E a gente dormia na
roça, em meio a plantações e as vezes pensão quando tinha pensão, e é
impressionante a quantidade de gente que foi aderindo, mas aderindo a que? É ai
que está, aderindo a que? Ai foi engenhosidade
nossa, aderindo a volta do
Brizola. Brizola está vindo ai, havia uns que avançavam mais para a esquerda,
mas para a maioria era “o Brizola está vindo ai”.
“Há, vocês estão
vindo da parte dele”? “Sim estamos vindo a parte ele”. E com isso ai, esse povo
era um povo do Grupo dos Onze, era um povo de ouvir rádio do sul, é
impressionante esse fenômeno. Mas o que
esse povo queria? Esse povo queria um governo melhor, justiça social,
terra.
Era uma coisa bem primaria,
mas eles fechavam com as ideias, com toda aquela coisa do Brizola todo dia no
rádio falando, falando. Então o que
sobrou, o que sobrou nós já fomos conquistando. Nós fomos selecionando, vendo
quem pode e quem não pode. Tinha um pessoal que já dava guarida para nossa
prática, que sabia que a gente ia chegar e tinha que ter polenta, galinha.
Então nós tivemos algumas casas camponesas onde nós guardávamos arma,
explosivo, literatura de esquerda, panfleto, jornalzinho, de tudo era depósito.
Eles sabiam e escondia bem escondido, eram pessoas bastante leais.
E ai nós
começamos a trazer o pessoal mais queimado para cá. De Curitiba veio o João Manoel Fernandes,
na verdade ele era de Santa Catarina do Movimento Estudantil Livre – Mel. E o
Zapatinha, tem o Zapata e o Zapatinha. O Zapata inaudível e o Zapatinha era, esqueci o nome do
Zapatinha, ele veio de Maringá, esses dois vieram do Paraná. De Brasília vieram
os irmãos Sebastião e Marcos Medeiros, da Guanabara veio o homem do Banco do
Brasil que saiu com o dinheiro, Silas que era o (…), na verdade eu não sei o
nome dele, a gente grava o nome de guerra não é? Era o Mauro Fernandes.
E dois metalúrgicos navais
veio o Milton Gaia Leite e o Nielse Fernandes que eram do setor naval. E do
estudantil eu o Quincas veio depois, e morreu
também. A maioria morreu depois.
Mais tarde, quando eu fiquei
naquela padaria escondido, chegou um ponto … eu não queria ficar naquela
padaria escondido, dormindo no meio de farinha de trigo, ruim não é? O pessoal
levantava de madrugada para fazer pão. Era a padaria do Rodolfo Marcelos que
hoje mora em Curitiba. O Rodolfo me apresentou para um Argentino ou Paraguaio
que era o Cesar Cabral. E fui morar na casa do César Cabral, com sua esposa e
um neném. E embaixo do colchão do César, do casal, ficava os ferros, as armas ,
escondido tudo lá.
Mas nossa arma também era
arma da Segunda guerra mundial, guerra do Chaco. Era fuzil, rifles, revolver,
pistola. E eu fiquei na casa do César por ali, escondido por ali morando,
morando na casa do César.
Eu saia com o Bernardinho
para fazer minhas andanças para o recrutamento para fazer o cinturão de
apoio camponês e voltava para Foz do Iguaçu antes de ir para o sítio, e e
ficava na casa do César ou então ficava com um pescador que era o Israel
Rezende que era o pescador que também era do Partido Comunista Brasileiro. Ou
então na casa do Inaudível que era do partidão, a maioria era do Partidão.
E ficava ali mais na casa do César.
E na casa do César começa a
aparecer uma moça, era cunhada do César. E a moça começa a cruzar olhares
comigo, eu era do Rio, menina do interior, de nini-saía, eu me assanhei todo pro lado dela, começo a
namorar a menina e me casei com ela.
Eu vim fazer guerrilha e
acabo casando. Brincadeira o que eu fiz. Mas eu casei escondido, isso não
justifica. Casei ali em São Miguel do Iguaçu não teve proclama nada, por que o
escrivão lá não divulgou. Casei com a mina, e voltei para a clandestinidade.
Gilberto: Quando foi o
casamento?
Aluízio: a união foi em
1968, teve a lua-de-mel, sai do mato para casar e voltei para o mato.
Enrique Padrós:
Evidentemente a menina sabia de toda a história da clandestinidade?
Aluízio: Sabia, sabia de
tudo, só não sabia o meu nome. Ficou sabendo só no dia do casamento.
Carla: Ela era daqui, de Foz
do Iguaçu?
Aluízio: Ela era daqui,
cunhada do César Cabral. Mas o César, logo em seguida, entra na guerrilha,
vamos chamar de guerrilha, não era guerrilha, mas vamos chamar assim. Abandonou
a mulher, a criancinha neném e se mandou. Então as duas mulheres ficam viúvas
de marido vivo. Eu recém-casado, casei e voltei para o mato e o César foi no
meu rastro.
E começamos com esse grupo
que eu citei os nomes, nós começamos e decidimos fazer o seguinte. Se nós vamos encarar essa
nós temos que “virar bicho” e nós somos urbanos. A não ser o Bernardinho que
era o Bigode Branco, os demais eram urbanos. Então, vamos ter que passar uma
temporada no mato no meio dos bichos andando que nem desesperados dia e noite
com a cochila nas costas para aprender como se faz. E ficamos um ano dentro do
Parque Nacional, um ano.
Então nós saíamos do Parque
apenas quando tinha que ir na casa do João Gordo que ninguém aguentava ficar comendo só carne
seca com arroz, ou bicho ou peixe, nutrição terrível. A gente ia comer uma
polenta com galinha. A casa do João Gordo ficava atravessando o Parque
Nacional, passando a rodovia ficava a casa do João e logo depois a do Pedro.
Chegava abastecimento para nós, abastecimento era deixado em determinados
locais, pré-determinado.
Gilberto: Era gente do
sítio?
Aluízio: Sim, gente do sítio
que deixava abastecimento quando vinha do rio.
Carla: Como era o Parque
Nacional nessa época? Tinha limite certo, as pessoas podiam entrar nele?
Aluízio: Não, tinham os
guardas parque.
Carla: Vocês estavam lá
escondidos mesmo?
Enrique Padrós: Nesse
período vocês ficavam no parque não foram detectados?
Aluízio: Não, nós chegamos a
encontrar caçadores, mas eles pensaram que nós éramos caçadores também, eles
estavam fazendo uma coisa ilegal estava todo mundo ilegal. A gente chegava a
caminhar, de Cascavel, o Parque começa em Santa Teresa, (vocês passaram por lá)
e vai terminar aqui nas Cataratas. A gente caminhava tudo isso, a gente
caminhava de leste a oeste e de norte a sul.
Nós abrimos picadas nesse
parte de todos os lados, e essas picadas eram todas mapeadas, pelo Nelson Fernandes que era
cartógrafo, ele fazia os mapas, tanto que nós fizemos um levantamento
cartográfico da região excelente. Nós fizemos um levantamento de Medianeira na
época que está lá no DOPS, lá no arquivo publico do Paraná. Com delegacia de
polícia, não sei o que nomes de algumas pessoas, onde moram, onde mora o
delegado, esse onde mora o juiz, o mapa de Medianeira é perfeito. É perfeito
porque nós implantamos em Medianeira uma pessoa além do pessoal que a gente
plantou no campo, nós plantamos na cidade tipo lá o Lauro Constantino Filho,
que era do diretório central dos estudantes do Paraná. Ele se formou dentista e
veio trabalhar, se instalou em Medianeira.
E o Lauro era o nosso
contato, e guardava nossas coisas em Medianeira. Quando nós fizemos o Primeiro projeto de Ronda no Rio e aqui em Curitiba o Lauro guardou todos os pertences
no gabinete dele. E guardou também medicamentos, antibiótico tudo o que a gente
precisava aqui na região. Armas não, mas tinha literatura. Aquela mania, iamos
fazer guerrilha para que carregar livros, estantes imensas? Mas faz parte. Nós
tínhamos lá no sítio livros.
Nós guardamos ali no Lauro
Consentino Filho, ele mora emCuritiba. Você
vê que a coisa estava indo, nosso objetivo primeiro era atacar o
destacamento de Santa Helena, pegar alguma arma tal, e ai começar a confusão.
As nossa dívidas eram se era foco fixo, coluna ou motorizada ou fazer correr,
se esconder no Parque onde nós tínhamos nosso depósito. Nós chegamos a esconder
uma metralhadora muito boa 7.30, que também veio do MOPOCO. Foi da guerra do
Chaco, era uma arma antiga mas era
uma arma boa ainda. Nós tínhamos nosso esconderijo de arma, de remédio, de
comida nas conservas, dentro do Parque Nacional. Eram todos esconderijo embaixo
da terra, em cima não dava por causa dos bichos né.
Essa era nossa dúvida de
como fazer não é? Até que a esquerda do MOPOCO passou para nós um camarada,
viveu muito tempo em Cuba. Ele era especialista, nós eramos uns piá, estudantes
metidos a guerrilheiro o cara era Siera Maestra, nome Che, era um cara bom. Era
o Aquino, que veio e se incorporou a tropa, ele morreu na tortura em Assunção,
ele e o irmão dele o Raul. O Aquino veio como instrutor.
Enrique Padrós: Desculpa,
depois você volta, mas antes disso, vocês tinham trinamento militar?
Aluízio: Não
Enrique Padrós: Carregavam
armas, mas não sabiam lidar com elas?
Aluízio: Não, a gente tinha
dada alguns tiros lá no sítio, lá na patente, a patente é banheiro, lá a gente
deu tiro, em buraco de tatu. Demos alguns tiros, mas saber lidar com arma,
encarar a coisa, lidar … isso não, de forma nenhuma. Eu não servi ao exército,
acho que nenhum de nós serviu ao exército, todo mundo ali era de terceira.
Mulher? aqui não veio
mulher, nós tivemos muitas companheiras que ficaram no Rio, nossas companheiras
ficaram lá em apoio ao grupo de expropriação. Faziam levantamento para o grupo,
os dois grupos de expropriação que tínhamos no Rio. Nessa altura do campeonato
saiu todo mundo de Niterói, ali não dava para ficar. Só ficou uma base nossa na
rua Dr Sardinha que era a casa da Iná. Essa casa na rua Dr. Sardinha
era o nosso museu, existe até hoje, da irmã do Colombo, filho daquele inaudível que voltaram para o
Galeão e morreu um companheiro nosso.
Então a Iná ficou em
Niterói, os demais foram pro Rio já com aparelhos clandestinos, que era o grupo
de expropriação. E nos aparelhos clandestinos estavam as companheiras que
também faziam os levantamentos. As companheira não participavam da ação direta
e também não vieram para cá. Não vieram para cá, participavam das discussões
dos debates, tanto que a Iná ficou no comando por muito tempo, e a Zenaide
Machado logo em seguida. Eram as mais sectárias, mais sectárias, mais determinadas,
mais do que nós inclusive, a Iná e a Zenaide.
Carla: E a sua esposa seguia
ficando … aqui?
Aluízio: Não, saiu daqui foi
para o Rio, não podia ficar não é?
Carla: Então vocês não se
viam, casaram-se e nã se viram mais?
Aluízio: Ela e irmã dela inaudível foram para o Rio, morar na casa de uma parente
no Rio. Eu não sabia onde ela estava, eu também não sabia onde ela estava.
Sabia que eu estava no Paraná, eu podia cair ou cair e ela, então foi para lá.
Então a coisa foi se
avolumando, crescendo e tomando rumo, avançou, a gente começou a aprender
dominar as armas.
Enrique Padrós: Com o
Paraguaio?
Aluízio:Sim, com o paraguaio
o Aquino.
Marcos Vinícius: Ficaram
muito tempo no treinamento com o Aquino?
Aluízio: Para montar e de
treinamento acredito que ficou uns quatro meses, bastante tempo.
Gilberto: Esses contatos com
os camponeses, com o Bigode Branco, isso foi antes?
Aluízio: O Bigode Branco
estava no Mato, então foi antes, o primeiro momento foi com o Bigode Branco,
logo em seguida o Bigode se incorpora na tropa. O Bigode tinha um problema, o
problema do Bigode é que ele queria ficar no mato e fora do mato, não dá, aqui
quem entra não pode sair. Não dá, para sair é de forma organizada, não pode
entrar e sair, entrar e sair. Mas ele ficou lá, tranquilo, e foi muito bom
porque ele conhecia mato, ele via uma arvore e dizia isso aqui tem tantos anos,
isso pode comer, isso não pode, essa raiz dá, essa não dá. Tudo, professor,
“mateiro”.
Carla: vocês encontraram
animais selvagens?
Aluízio: Sim, sim, encontramos
onça, tinha bastante animais naquela época.
Marcos Vinícius: E o único
contato era o João Gordo, e ai quando vocês saiam para fazer alguma coisa
diferente, uma refeição?
É uma refeição só, parava ai. Porque lá no sítio a
gente não ia, porque ficava longe, perto do parque era o João e o Pedro era
contato de camponês. E ficamos um ano dentro do Parque, depois dessa temporada
no Parque nós decidimos ficar no sítio, ficamos um tempo no sítio, acho que um
mês.
E começou haver uma cisão
dentro do grupo, era o pessoal do Paraná, não todo o pessoal o grupo do Fábio
Campana, que considerou que naquele momento a implantação da guerrilha era uma
aventura que não ia dar em nada. E a forma que o grupo do Fábio Campana
combater o Grupo era uma forma tradicional. Porque 1968 as manifestações
estavam crescendo, e aconteceu a greve de Osasco, a greve em Contagem. A
tese insurrecionalista ela tomou forma e tinha uma dissidência na Guanabara
decide romper com a gente. E romper naquela altura do campeonato? Que confusão
… que confusão.
Fomos para Curitiba. O Fiat
que era operário naval pega uma arma aponta para o Fábio. “não pode sair”.
“Pode, deixa o cara sair 'ué', fazer o
que”. Ai o Fábio foi embora, Fábio o Zapatinha, não sei quem lá mais. Essa
menina a Teresa, a Palmira, a turma de Curitiba e de Maringá, saiu. Ficamos
nós.
Gilberto: Antes do AI-5?
Aluízio: Sim antes do AI-5,
na radicalização ali do negócio.
Enrique Padrós: Aluízio,
desculpa, só para não deixar passar. Até agora, como vocês se qualificam, qual
o nome de vocês, do grupo de vocês?
Aluízio: Viramos MR8. E vira MR8 logo em seguida, até
ai era dissidência. Nós tínhamos uma revista que era 8 de Outubro, mas não era
o nome da organização, era a revista da dissidência.
Gilberto: Que era produzida
lá em Niterói lá no Rio
Aluízio: A revista era
produzida no Rio. Em plena noite nós estávamos no sítio e nós tínhamos no sítio
locais de evacuação, na casa de madeira e nós fizemos buracos e portinhas
daquelas que você bate e abre, não é com dobradiça é de couro, para fuga.
Locais de fuga e nós tínhamos nossos dispositivos de fuga. E um dia jipe
aparece lá no sítio, no campo qualquer nove horas da noite é alta noite. Não
sei que horas, era noite não sei se era muito tarde. Nós fizemos a evacuação e
se preparou para o ataque. Mas a pessoa não desce do jipe e vai embora.
Tranquilo, alguém que está perdido por
ai não é?
Depois soubemos que aquele
jipe era de um fiscal da companhia colonizadora Pinho Terra. O que aconteceu,
Era para nós ver e ficar quietos, ver e não interferir nos conflitos sociais,
não se envolve nos conflitos sociais. O envolvimento com os conflitos sociais
vai ser no decorrer da guerra e não antes, mas quem vai segurar? Ninguém segura
e a gente de fato acabou se envolvendo.
A gente acabou se envolvendo na região do Alto São
Francisco em uma disputa de terra muito forte, onde morreu gente. E a gente se
envolveu com a Companhia Colonizadora Pinho Terra, porque ela vendia a terra
mas não vendia os pinheiros, e ela era dona dos pinheiros, e ia cortar os pinheiros
das pessoas.
E a gente se envolveu
defendendo as pessoas contra a companhia colonizadora. Por isso o fiscal foi lá
ver quem são esses paulistas não é? Não sei porque chamavam nós de paulistas,
nós éramos os paulistas. Acho que todo mundo era paulista, quem vinha de fora
era paulista. E nós éramos os paulistas ali, objetos estranhos,
Depois em uma outra ocasião
o Fiat, que era metido a sabe tudo, era o operário naval metido a sabe tudo, o
mais heroico o mais prático, o sabe tudo. Conhecia tudo de tudo, biologia,
química, … assim dizia não é?. E no sítio havia uma baixada, um banhadão que
sempre foi, por anos e anos local de plantar arroz. A terra era preta, úmida, o
povo se ralava ali para plantar arroz. E o Fiat decidiu tirar o arroz e plantar
grama. Chamou a atenção de todo o mundo. Os paulistas estão malucos, como vai
tirar o arroz da terra preta e úmida para plantar arroz? Gastamos um dinheirão
para plantar, contratamos serviço. Plantou grama e não deu nada. Essas coisas
vão somando, não vão somando? Era a tal da Pinho Terra, a ideia de plantar
grama, nós estamos queimados aqui. O povo começou a achar estranho e a não
entender.
Nós éramos assim, de
frequentar as casas, tomar chimarrão na casa de um, na casa de outro, de todo
mundo, de boa. Tanto que o Silas, esse que saiu do banco cheio de
dinheiro namorou a moça que lavava roupa para a gente. Mais tarde, a moça foi
levada para o quartel e deu depoimento deu o nome dele ele deixou o documento
no bolso da calça. Você vê a liberalidade, faz parte a gente estava aprendendo
a fazer as coisas.
Carla: Então vocês não
tinham a aparência de ter uma família ali dentro, vocês estavam ali como um
grupo.
Aluízio: Não ninguém levou a
família.
Gilberto: E se sabia que era
um grupo?
Aluízio: Sim, um grupo, e a
gente ficava até tarde cantando musicas militares, esse Silas do banco,
o pai dele era coronel, de uma família de militares. Eu não sei o que o Silas
era, eu acho que era Nacionalista de Esquerda, era isso que ele era. O Silas ficava
a noite toda cantando Marcha Soldado, Hino da Marinha, Hino de não sei o que...
coisa impressionante. E eu acho que aquela cantoria chamava a atenção não é? no
mato, um silêncio e aquela cantoria, dava para ouvir de longe o vento levava.
Mas isso não foi nada porque
as meninas puxaram a discussão para dentro do
grupo, que já era o MR8, de rediscutir a linha política da organização.
A Zenaide e a Iná principalmente, eu não sei da onde que veio essa influência
das duas, eu tenho a impressão que foi da Colina, não da Colina não foi. Não
sei de onde que veio essa influência, talvez tenha sido da dissidência da
Guanabara.
E dessa discussão foi
produzido muitos documentos, tinham muitos documentos nesse período, do final
de 1968, da inviabilidade da coluna guerrilheira. Foram aderindo as teses do
Marighella de um lado de fazer várias ações ao mesmo tempo, sem definir um foco
naquele momento. E as teses também da dissidência da Guanabara, as teses
insurrecionalistas. E elas propuseram um recuo, quando propuseram um recuo a
gente decide a chamar a organização, para uma assembleia interna para um
processo de discussão interna. E já que era um processo de discussão interna
nós podíamos sair do mato. E como a área já estava meio queimada, devido a isso
que contei a área já estava meio queimada. Embora, dava para continuar, mas nós
decidimos recuar para essa discussão e, fomos para Curitiba, e para Niterói, se
é para redefinir vamos redefinir.
E começamos a produzir
material e tirar as coisas daqui a decisão era evacuação total, menos o que
está dentro do Parque, não dá para mexer no que está dentro do Parque. O que
estava na casa do João Gordo, no sítio do Boi Piquá dá para tirar. Vendemos o
sítio de Boi-Piquá, vendemos o sítio de Boi-Piquá, e viemos eu, o Mauro, o Silias
esse da cantoria, tirar coisas daqui e
levar para Curitiba, evacuar da casa dos companheiros que tinham coisas nossas.
Viemos de Jipe, pegamos as coisas, fomos lá no mato a gente nem via o Jipe era
só barro para todos os lados. E enchemos o Jipe de coisas muita coisa, que dava
100 anos de prisão na ditadura.
E a gente estava indo para
casa e o outro camponês para comer um peixe, que era sexta-feira santa. Já
chegamos, já indo, saindo de Cascavel, o Silas decidiu comprar o peixe para
levar, mais peixe para levar. É o nosso camarada gentil, vamos chegar lá com as
mãos vazias, vamos levar mais peixe então voltamos para Cascavel. Mas o Silas
com uma miopia forte. Ele vem com o carro para estacionar e bate no outro
carro, bate no carro parado o estacionamento, pá! Bateu
Eu fiquei ali cuidando do
carro e o Silas foi atrás de um chapeador para fazer o orçamento, pagar o
estrago do outro carro. Eu falei: “Silas, jogo rápido. Dá o dinheiro pro cara e
vamos sair fora”, mas o cara não queria pegar dinheiro sem orçamento. Então o
Silas foi atras do chapeador. E o dono do carro, da frente, que a gente bateu
atras, tirou a chave do nosso Jipe. O que que eu faço, saio correndo, vou
embora, pego um ônibus, ou fico cuidando do Jipe que está cheio de coisas? Fico
cuidando do Jipe que esta cheio de coisas, bobeira. Mas eu não ia deixar o
Silas na mão, o Silas iria voltar. E nisso o fiscal aquele da Pinho Terras,
aquele naquela madrugada estava ali junto com os soldados, com os agentes com a
polícia, em Rodoviária sempre tem não é? ainda mais naquela época, muita gente
chegando saindo e chegando de de Rondon e todos os lados. Havia muito movimento
naquela rodoviária, gente chegando e saindo.
Marcos Vinícius: Rodoviária
era quase o centro de Cascavel?
Aluízio: Era no centro, mais
chegando mais do que saindo, era a época da colonização. E então ele me viu, e
esse ai e começa a gritar. Ai me seguraram e prenderam o jipe e me levam
para a delegacia, chegou na delegacia, quando eles abriram aquelas malas.
Gilberto: O Silas não vai?
Aluízio: Não. Quando eles
abriram as malas eu me assustei, de tanta coisa que tinha dentro. Porque eu
sabia o que tinha, mas abrir em casa é uma coisa abrir na delegacia é outra
coisa.
Enrique Padrós: O que tinha
na mala?
Aluízio: Manuais políticos, armas,
manuais de guerrilha, livros Mao Tsé-Tung, Lenin “O que fazer”, tinha de tudo.
Marcos Vinícius: Que ano era
isso?
Aluízio: Rapaz foi em 1969.
Marcos Vinícius: E a
delegacia ficava onde?
Aluízio: No centro.
Marcos Vinícius: Onde hoje é
o centro Cultural?
Aluízio: Eu não sei o que
tem lá mais, eu não volto para esses lugares. Ai eu cai fora, sai correndo
daquela delegacia, como um louco. E todo mundo correndo atras de mim. A polícia
correndo atrás de mim, populares correndo atrás de mim, dona Maria correndo
atrás de mim, seu Joaquim, … a cidade correndo atras de mim. E ninguém sabia o
que que era, assaltante, matou... e eu correndo, correndo, correndo. Pulei um muro entrei
em um terreno baldio o quintal do capitão da PM, comandante da PM. Com tanto
lugar, logo no quintal do capitão da PM que eu fui me esconder. Eu não sabia,
fui saber depois nos inquéritos, ai começa a confusão, me levaram para lá,
tortura e quela coisa toda. O Silas quando viu aquele movimento todo de
polícia, gente e correria, se mandou, só parou em Curitiba.
Carla: Esse homem deve ter ido outras vezes
lá para observar vocês?
Aluízio: É bem provavelmente, ele teve um
trabalho de levantamento, Marisbel era o
nome dele.
Gilberto: Nas andanças anteriores vocês
sempre chegavam de surpresa aos locais e ficavam pouco tempo. E quando estavam
esgotados com os camponeses? Acha que eventualmente possam ter sido
reconhecidos?
Aluízio: Acho que não, acho que era mais das
nossas mancadas. Nós eramos estranhos naquele ambiente não é? Eramos estranhos,
um povo estranho.
Enrique Padrós: Aluísio o seu codinome nesse
momento era André.
Aluízio: Eu era André. Então assim eu cheguei
lá e fiquei naquele pau danado. Eu tinha um cartão de visitas no meu bolço.
Porque como era uma dureza, não vinha dinheiro, nós decidimos expropriar o
Banco do Brasil em Maringá. Saímos do sítio eu, César Cabral, mais, não lembro
quem mais. E fomos expropriar o Banco do Brasil em Maringá, chegou em Maringá
nós não tínhamos gasolina para voltar. O que nós vamos fazer? e se não der
certo nós não tínhamos gasolina para voltar. E se der certo como nós vamos para
no posto para abastecer? Nós temos que ter gasolina no carro. A gente entrou no
banco tem que ter dinheiro para voltar pro sítio.
“Vou vender meu relógio”. Não tinha como vender. Ai eu me lembrei
que na cidade, o editor do Jornal de Maringá, era meu amigo. Ligado a igreja
católica mais conservadora, ao Bispo de Maringá super conservador, ele
trabalhava em um jornal super conservador, era desse jeito. E fui fazer uma
visitinha, me mostrou as máquinas o Jornal, e tal, e pediu: “o que está fazendo
por aqui?” “Estou trabalhando, fazendo uma pesquisa e fiquei sem gasolina para
o meu carro. Não tem como me emprestar ai um, eu vou te devolver”. Eu ia
devolver e o Vitinho me deu o dinheiro e me deu o cartãozinho dele. E Eu
guardei na carteira como todo mundo faz. Foi mais uma liberalidade minha, eu
não podia andar com um cartão do Vitinho no meu bolso. Quando eu cai,
cai com esse cartão.
Porque quando você cai a primeira coisa que cai
eles querem é meu contato. Então pegaram o cartão do Vitinho e disseram
esse é o contato. Pegaram o Vitinho levaram preso, levaram para
Curitiba, deram um pau no Vitinho. Vitinho ficou preso, até que me
levaram, me tiraram daqui e me levaram para o batalhão de Foz do Iguaçu, do
batalhão de Foz do Iguaçu fui levado na mesma noite para o DOPS de Curitiba, e
mais pau.
Depois me levaram para a polícia do Exército,
lá na Rui Barbosa. Na polícia do
Exército fiquei um tempo lá, e um dia me levaram para uma sala imensa cheia de
generais, coronéis, todo mundo com medalha, uma cúpula . O Vitinho era
um homem importante era o editor do jornal de Maringá.
E eu o tempo todo falando que o Vitinho não
era meu contato, era meu amigo. Fui visitar, pequei dinheiro, só não falei da
intenção, que acabou não dando certo. Era para encontrar Palmira, não
encontramos Palmira. E no final de tudo a gente acabou não expropriando
nada e voltando.
E eu expliquei que fui lá em Maringá visitar
meu amigo acabei ficando com um cartãozinho dele, ele não é comunista, não tem
nada a ver com a gente. E eles não acreditaram. Eu acho que, o bispo deve ter
feito alguma coisa pelo Vitinho e trouxeram ele na sala. Ta vendo o que esses
cara, esses cabeça oca fizeram com você, acham que todo mundo é comunista, veem
comunismo para tudo o que é lado, o Vitinho era meu amigo. Feita a acareação
soltaram o Vitinho, eu fiquei ali em Curitiba um bom tempo, preso naqueles
quarteis.
Marcos Vinícius: Você passou pelo Boqueirão
também?
Aluízio: Não só na PE, Exército e no DOPS.
Até que um dia apareceu lá um capitão do exército e me puseram em um avião e um
cara me falou: “Estamos te levando para o Fleuri, ele vai te arrancar o que
você não quer falar, porque lá todo mundo fala”. Mas me deu disenteria, um
medo, isso não pode, vou morrer lá naquela desgraça.
Ai eu entro em um avião, e pergunto para um
soldado: “Soldado, para onde nós vamos?”. Mas o soldado não fala não é! Entro
no avião, quando eu olho que o avião vem em direção ao oeste do Paraná, hufa!,
estou salvo né?. Vim parar aqui.
Naquela época, início de 1969 antes do
sequestro do americano as coisas funcionavam dentro de um ritual. O Código
Penal Militar, os militares faziam os interrogatórios, abriam o código ali.
Então saiu a prisão preventiva, então o juiz
auditor da 5º região militar decretou minha preventiva. Era uma coisa
feita dentro da lei militar, do Código civil Militar e do Tribunal Militar.
Então saiu minha preventiva e eu vim responder inquérito. Eu subia lá na
salinha do comandante, o escrivão aqui [aponta para o lado], o comandante
encarregado do inquéritos, que me tirou de Curitiba, do outro lado.
E ele fazia as perguntas e eu respondia. Eu
respondia do jeito que eu bem entendesse. Claro, ele ficava brabo comigo quando
via que a coisa que eu respondia era um absurdo, mas ele aceitava e colocou no
papel. Tanto que a história da fábula que eu contei está até hoje no meu
inquérito, disponível no Arquivo Publico do Estado do Paraná.
Mas ele tinha um prazo para terminar o inquérito
também, era tudo dentro do prazo, e aquela prisão tinha um prazo. Então
terminou o inquérito e mandou para Curitiba e eu fui para lá, já para ser
processado. Ai eu fui para o presidio do Ahú, já como preso legal, eu já era um
preso “assumido”. Não era um preso que estava ali dentro dos quartéis. Eles
assumiram minha prisão oficialmente. Uma prisão preventiva, com inquéritos e
essa coisa toda. Me levaram na delegacia me jogaram lá no canto, e quando fui
para o Ahú eu fiquei três dias na solitária, no fundão, um lugar muito ruim.
Eu sabia que havia um grupo de estudantes
presos no Ahú. Eu mandei um recado, pessoal eu to aqui, me tira daqui 'pô!' Ai
eles fizeram uma greve de fome na prisão. Era um coletivo de presos, vinte ou
trinta presos no congresso da UNE, no Pré-Congresso da UNE, após Ibiúna que foi
na Chaçará do Alemão. Pois é, esse pessoal estava ali, junto com outros presos
de Santa Catarina no coletivo, em um local grande, uma sala imensa, dava duas
dessa, estavam todos ali. Ai eles me tiraram do fundão e me levaram para lá. Lá
tomei banho quente, essa coisa toda, lá tinha hora de leitura, hora de debate,
comida boa, camarão que vinha de Santa Catariana, que a família mandava. Eu fiquei
de boa, me restabeleci. Achei que aquilo ali era o paraíso, fiquei superfeliz,
preso feliz. Fiquei ali jogando dominó, aprendendo caratê, tinha um japonês
preso que armou um tatame, era coisa “chique” não é? Até que vieram de novo
atrás de mim. Eram os caras do Cenimar – Centro de Informação da Marinha, me
levaram e me trouxeram, me levaram e me trouxeram. E toda a vez que me levavam
eu não sabia se eu voltava e os meus companheiros de cela também não sabiam se
eu ia voltar. Meu amigo, o Políbio Braga, você conhece, o Polibio escreveu um
livro sobre diário do Ahú. Ele fala do André quando chegava, André saia e André
chegava, era eu. Eu saia de uma forma chegava de outra, não podia ser
diferente.
Foi
um período muito ruim, por que eu achei que eu não iria mais passar por aquilo.
Eu já havia passado por tudo isso. Você quando sai de uma situação, vai para um
lugar que tem livro, leitura, tatame, dominó, e de repente eu volto para aquela
situação, é uma coisa muito ruim sabe.
Até que um dia me levaram para o Dops, me
levaram para o Dops e me penduraram, por que? Porque alguém caiu no Rio e disse
que eu sabia de um contato que nós tínhamos em Medianeira, o nome do contato.
Tranqueira foi aquilo, viu! Mas que contato? O cara é doido, eu fui em um
dentista para fazer isso aqui, extrair um dente. É isso que eu fui fazer. E
pediam: “E qual desses dentistas fulano, fulano ou fulano”. Lauro Constantino Filho foi o meu dentista,
falei a verdade. O Lauro já estava preso, ai soltaram o Lauro, porque o Lauro
contou a mesma história que eu, sem eu
combinar nada com ele. O Lauro ficou supercontente com tudo e deu o nome do
filho de André. Porque o Lauro contou uma história que o Lauro contou também,
eu passei por uma situação daquelas.
Gilberto: a essa altura você não tinha mais
nem uma informação quente?
Aluízio: Não, não havia nenhuma outra
informação. Porque o Lauro quando soube (quando eu estava sendo procurado, eu
cheguei no coletivo e falei, falei assim para todo mundo ouvir não é? “Eu não
sei o que esses caras estão querendo, estão atrás de um tal de Lauro
Constantino Filho que foi do DCE”. Ai o Vitório Sorotiuk, o Mauro Goulart,
mandaram recado para fora e entraram em contato com a família do Lauro) o Lauro
pegou as coisas que estavam no consultório e jogou dentro de um riozinho.
Então, quando o Lauro foi preso não tinha nada, tanto que ele foi solto logo em
seguida.
Mas a coisa não termina nunca. Ainda no
Paraná eu volto para o coletivo, e continuo com eles ali, tranquilo, no tatame,
nas leituras, no debate. Ai me levam de novo, ai já foi o Exército que me leva
para a marinha em Foz do Iguaçu. Isso porque alguém disse lá no Rio, o “pau
estava comendo no Rio”, muita violência, e alguém disse de uma metralhadora
escondida no Parque e que eu sabia o local.
Ai me levam para o Parque, para eu dizer onde
estava a tal da arma. Juro para vocês,
eu queria encontrar a tal da metralhadora e dar para o exército, mas não
encontrei. Mas eles não acreditavam, me amararam numa árvore. A metralhadora
está até hoje lá no Parque Nacional. Até que depois de tudo isso, Rio de
Janeiro definitivamente caiu.
Gilberto: Aluísio e a organização no Rio
nesse período?
Aluízio: A organização no Rio foi caindo da
seguinte forma, quando eu estava preso aqui no quartel vieram Mauro, Sebastião,
Rogério, e Ivens Marchetti. Os quatro vieram para me tirar do quartel, uma
maluquice. Poderia até tirar mas era difícil. Os quatro vieram, mas quando eles
chegam em Laranjeiras eu acho que a estrada estava debilitada, barro, o ônibus
não passava e pegaram uma combe, não sei qual a história, um táxi não é. E
começaram a conversar coisas dentro do táxi e o motorista ouviu e viu uma coisa
aqui [faz sinal para a cintura] uma arma não é?, provavelmente. E quando
chegaram em Laranjeiras o taxista foi falar para o delegado: “eu trouxe um
pessoal ai né indo para foz do iguaçu, deixei lá na churrascaria”. Eu não sei
se foi coincidência mas tinha um agente da Polícia Federal em Laranjeiras,
fazendo não sei o que. Mas que conhecia o Ivens Marchetti, que era
buscado. Porque quando nós fizemos o primeiro banco nós usamos o carro do Ivens
que era arquiteto, era o carro dele mesmo, no nome dele. Ele era um arquiteto
envolvido, Ivens Marchetti, procurado procurado nacionalmente, com fotos.
Então levaram todos eles presos, foram para
Curitiba, levara “pau do cacete”, coisa de doido. Já estavam na prisão eu aqui,
que eu não era de nada, que eu era pesquisador, que foi contatado por uma moça
católica, religiosa para fazer uma pesquisa. Eles foram presos devido o
envolvimento de Ivens Marchetti. E lá no Rio nesse mesmo momento, nesse
mesmo ano de 1969, mais para meados de 1969, junho e julho, cai nossos dois
grupos de expropriação. Cai primeiro um e depois cai o outro, que havia um
infiltrado, era um cara chamado “Vanderli” esse cara chegou a ser
vice-presidente da Associação Brasileira de Anistia, foi anistiado ai um monte,
essa denúncia chegamos fazer para o Paulo Abrão.
Ele era infiltrado, saiu na revista Época,
nós já tínhamos desconfiança e quando saiu na Época que ele recebia um inaudível, ele veio de Brasília, plantado na
nossa organização pelos nossos companheiros de Brasília que não sabiam também.
E ele derruba o grupo de expropriação 1 o grupo 2 e ai veio como dominó, foi
caindo todo mundo. Até que as prisões chegam no Paraná.
O César Cabral que havia ido para Tucumã
entrou em contato com o COEP. Porque
nessa altura, o dinheiro não era problema para a organização, nós paramos de
fazer as expropriações e surgiu a figura do Bom Burguês, o Jorge Vale.
Ele era gerente do Banco do Brasil e montou um esquema que só ele sabe
explicar, até hoje eu não entendo como o Jorge Vale conseguiu fazer aquilo. Era
muito dinheiro. Durante meses ele fez uma transação, não sei que tipo de
transação bancária ele fez, que tanto dinheiro saiu do banco. Muito dinheiro
saiu do banco. Esse dinheiro veio para nós primeiro, mas como nós não tínhamos
estrutura, nós não tínhamos estrutura para absorver todo aquele volume,
passamos para o Marighella. Então, a maior parte do dinheiro desviado pelo
Jorge, nós costumávamos chamar ele de “o Bom Burguês” foi enviado para o
Marighella.
O Jorge caiu logo em seguida também, é levado
para a Ilha das Flores, onde nós ficamos. Quando cai preso o Pedro e o Jorge
a mulher vai para a Europa, o Sidimar vai atrás da mulher na Europa. É um
rolo muito grande, muito grande. Nós já eramos MR8. Quando nós caímos havia uma
disputa entre o Centro de Informações do Exército e o Cenimar, disputa de poder, na verdade era
disputa de poder. O Cenimar fazia muito
barulho nacional; acabou a guerrilha, os guerrilheiros já foram presos,
terroristas MR8, todas as armas em cima de um balção, dinheiro, identidade
falsa essas coisas não é.
A gente quando via quilo se assustava, “nós
não somos tudo isso”. Nós não chegamos a fazer nenhuma ação de volume, a gente
estava começando a plantar as coisas quando decidimos recuar. É nesse recuo que
acontece as prisões.
Quando cai essas coisas todas ai, eu venho,
volto para Foz e o tal do capitão esse encarregado do inquérito me chama e me
dá um tapa, um soco sei lá. Porque liga a minha situação ao MR8. Então começa a
ter uma relação minha com a MR-8. E eu sou levado do Paraná ao Rio para
responder ao inquérito do Rio. Eu estava respondendo um inquérito no Paraná,
mas um inquérito só eu, o único preso era eu, os outros era ficções.
Quando cai o Rio e cai em Laranjeiras eu sou
envolvido no meio disso eu passo a responder inquérito da Marinha. E sou levado
para o Cenimar, acho que era em junho de 1969. Do Cenimar sou levado para a
Ilha das Flores, que era um centro de tortura que poucas pessoas conhecem. Hoje
existe até um memorial, mas o memorial de imigração o local de tortura lá
poucas pessoas conhecem. Nós mandamos para o exterior inúmeras denuncias de
tortura lá na Ilha das Flores. Depois da Ilha das Flores nós ficamos na Ilha
das Cobras uma “cavernona” no meio da pedra. Era tudo rede né?, dormíamos nas
redes. E ficamos ali em um momento, em 1970, acho que Ilha das Cobras já foi
1970, início de 1970. A copa do México foi quando?
Gilberto: Iniciou em 1970.
Aluízio: Exatamente, porque ali na Ilha das
Cobras levaram uma TV e puseram em um pátio em frente a nossa grade, porque nós
estávamos em uma caverna com uma grade, e puseram uma TV para nós assistir a
copa. “Nacionalismo e todo mundo tem que ver, e de verde e amarelo”. E a gente
começou a torcer contra a seleção. Mas depois virou tudo e todo mundo começa a
torcer pelo Brasil, não tem jeito não é? A coisa é mais forte do que tudo.
Em junho, logo em seguida, a gente começa a
querer receber visita e banho de sol. Eu estava com problema de asma, devido a
umidade. E um dia chega a noticia que o Juarez morreu, o Juarez de Brito é
preso, da VPR da Colina. Se matou lá naquele cerco. Sei lá, já havia recebido
notícia da morte de fulano, de ciclano, morte de não sei quem, ai, pera ai. E a
gente tinha que levantar todo o dia de manhã para o “confere”, sair da rede e
ficar de pé para o confere, eu estou na rede, porque eu tenho que ficar em pé
para o confere? Não é? Eu não sei, fiquei muito revoltado com a morte dele e
não levantei. E os fuzileiros me tiraram da rede a força me encheram de pancada
e me prenderam dentro de um cofre, ai começa a greve de fome. Ai me tiram do
cofre mas nós ficamos em greve de fome por um bom tempo, até aplicaram um soro
na gente e forçaram. E nós conseguimos o banho de sol e as visitas.
Já nas primeiras visitas chega o Bacuri
mais morto que vivo. Deixaram o Bacuri mais morto que vivo. E um dia chega um
tenente e diz para um de nós ir falar para o Bacuri para ele se
alimentar. Ele não queria comer, estava mais morto que vivo.
Ai a gente se reuniu o coletivo ali e pediu
par o Umberto Trigueiros Lima ir lá falar com o Bacuri. Eu não sei se eu
fui, o Umberto eu sei que foi. Umberto se conformou disse que Bacuri não disse
nada, deve ter achado que ele era algum policial. “Está tentando fazer eu comer
para aguentar o pau não é?” O Bacuri já queria morrer, não sei. Sei que um dia
levam o Bacurí lá para o salão de tortura e trazem ele numa maca. A
gente se revolta, cruzamos por ele cruzamos com ele no dia de visita, foi a
última vez que vi o Bacuri depois disso nós ficamos sabendo da “fuga” do
Bacuri, morreu.
Até que o processo nosso na marinha evoluiu e
nós fomos levados para o julgamento, para o julgamento da Marinha na Praça
Mauá, com promotor, juiz militar, juiz civil. O promotor
havia acompanhado algumas torturas dos meus companheiros, ele fazia as
perguntas na pau-de-arara, essa promotoria publica é terrível.
Primeira audiência, segunda audiência inaudível das condenas, da leitura das penas.
Ai nós combinamos quando eles começarem a ler, fulano de tal tantos anos … nós
ficamos todos em pé e cantamos o Hino da Independência, “Ou ficar a Pátria
livre ou morrer pelo Brasil”. Então fizemos isso não houve nenhuma retaliação,
cantamos os militares chegaram, terminou o julgamento nós voltamos para a Ilha
das Cobras e depois para Ilha Grande para cumprir a pena.
Gilberto: E a sua esposa nesse momento?
Aluízio: Ela voltou para Foz, quando eu fui
para julgamento e ela voltou para Foz, ela já não era mais buscada. Ela e a
irmã dela voltaram e nós fomos para Ilha Grande, para cumprir pena. Mas essa
ida para Ilha Grande, ida para o camburão, escoltado no camburão, depois
voltamos à Ilha Grande para assinar a sentença a gente não assinou, o Jorge
Vale também não assinou, assinar a
sentença do Conselho do Tribunal Militar.
Ficamos na Ilha Grande aquela temporada. Eu
fiquei mais tempo na solitária do que na cela. Mas sempre tinha algum problema,
era banho de sol, era livro, não pudia entrar livro didático. Fui reclamar me
encheram de porrada e me mandaram para a coisa lá. Fiquei em uma solitária
junto com um cara (que naquela época havia preso político e preso de segurança
nacional, tudo junto) eu fiquei com um preso de segurança nacional que era
branquinho, que o cara me pegou um monte de merda, mas muita merda e jogou para
tudo o lado, que horror, coisa terrível, pôs fogo no colchão e fiquei naquela
solitária ali.
Até que um dia consegui um radinho, bem
pequeninho o radinho eu não sei como chegou para mim esse radinho. Eu pelo
menos tinha um radinho dentro da solitária e deixava embaixo do travesseiro
para ouvir de madrugada. Fiquei sabendo do sequestro do suíço. Eu procurava os
presos lá fora para fazer um sinal mas eu não aprendi fazer aqueles sinais,
eles se conversam entre eles com rapidez e também não quis aprender, não queria
ficar na cadeia, queria sair. Nós estávamos organizando farmácia, biblioteca, isso
aquilo, nós tínhamos tipo uma cooperativa de fazer inaudível, mas acomodar na prisão não.
Até que uma noite eu ouvi do sequestro. E
fiquei atento, eufórico. Era noite e eu ao invés de diminuir o volume aumentei
o volume ai os guardas lá fora ouviram já entraram dando porrada para todo o
lado pegaram o branquinho eu escondi no meio de uma toalha e eles levaram o meu
rádio, mas não deu problema.
Até que um dia chegou um helicóptero na Ilha
e me levaram em uma sala lá em cima, me fotografaram pelado de frente, costa
lado esquerdo, lado direito; e eu fui embora. Disseram que eu poderia assinar
um documento dizendo que eu não queria sair, disseram que eu poderia ser
beneficiado se não saísse. Eu escrevi que queria sair, queria ir embora,
preferia ficar fora do que preso e fui embora. Mandaram eu lá para o Galeão
esperando chegar o povo, os gaúcho Bona Garcia, Bruno Piola, os mineiros,
cearenses e também terminar a negociação.
Demorou muito, nós saímos em janeiro, acho
que ficou um mês negociando, tinham alguns presos que eles não aceitavam, não
aceitavam companheiros que tinham muito tempo de pena, crime de sangue, não sei o que, … e iam
vetando não é? E nesse processo de substituição de nomes foi longo, essa ação
da VPR foi uma ação muito difícil porque agilizou um instrumento que era o
instrumento de libertação dos presos com a captura do embaixador, para chocar.
Mas não havia outra saída, acho que o Lamarca
ali agiu corretamente, agiu corretamente. Havia duas posições, uma de não
negociar e executar o embaixador, aquela companheira que foi do Mr-8 e que foi
uma das últimas, A Zenaide Machado era a favor da execução, o inaudível era pela negociação. E a decisão final foi do Lamarca, foi de
negociar. Porque executar ali, seria carregar um cadáver e perder toda a nossa
luta. Iria pegar muito mal lá fora executar um embaixador e a ditadura ia sair
fortalecida, mais do que já estava, era 1971. Nós saímos, o embaixador saiu
elogiando, e falando bem de todo mundo e fomos para o Chile, ai começa outra
história.
Gilberto: Nesse momento vocês foram reunidos
no aeroporto ainda enquanto a negociação
estavam acontecendo?
Aluízio: Sim. Eles falavam se eles não soltar
o embaixador vocês vão morrer, de um lado havia dentro a VPR a discussão:
negocia ou executa? E nós reféns o embaixador refém e nós reféns lá no Galeão.
Gilberto: Já havia gente de várias
organizações?
Aluízio: Sim, já havia da Colina, do MR8, da
VPR, Val Palmares, o Frei Tito da ALN, POR todas as organizações estavam ali.
Carla: E a VPR já sabia que vocês estavam
ali.
Aluízio: Sim a VPR já sabia que nós eramos
reféns no Galeão, ficou uma situação tensa não é? Até que a organização decide
aceitar os termos e as limitações e foi assumido o compromisso de libertar o
embaixador assim que nós chegássemos no Chile. Quando nós chegamos no Chile “ó
chegaram tão lá”. O embaixador saiu também está vivo, bonitinho, chegou em casa
de táxi ele pegou um táxi e levou para a casa dele, a casa da embaixada.
Essa negociação foi uma negociação difícil,
dai para frente só ocorrem prisões e mortes, prisões e mortes do final de 1971,
72, 73 e 74, quatro anos de massacre.
Enrique Padrós: Tem uma coisa que ficou lá
atras, talvez seja importante ou não. Que é sobre a morte de Che, porque Che é um emblema, como a
morte dele chega até vocês e isso causou algum impacto? Ou isso não teve
impacto?
Aluízio: Todo
mundo sabia que o Che estava na Bolívia porque a imprensa noticiava essa coisa
toda. Quando chega a notícia da morte do Che, acredita ou não acredita? É verdade ou não é verdade? aconteceu ou não
aconteceu? Mas quando surge as primeiras provas a gente já tinha aquela
naturalidade, não houve aquele impacto do “fracasso” do foco. Então, não é
porque Che morre que a ideia do foco morre, não não acontece nada. A gente fica
sentido e tal, mas não houve aquele impacto dentro do nosso grupo, tanto que a
gente assume aquela revista 8 de outubro e a organização 8 de Outubro.
Carla: E é verdade que ele esteve em Foz do
Iguaçu?
Aluízio: É. Bom, não sei. Quem diz isso,
dizia por que já faleceu, era essa pessoa que eu falei para vocês, que era da
receita federal e estava envolvida ali com a gente e era do MNR, era o
Frank, o Carlos Alberto Flank, que era lá do sul. Ele e o irmão dele vieram
para cá exatamente para dar cobertura para o Che. Eu não sei se foi coisa do
Brizola, contam, eu não sei se o Che passou por aqui, mas segundo Flank, não
tinha porque mentir. Tem um que está vivo ainda não é? Os irmãos Flank sairão
da MNR e entraram na VPR. Os dois saíram comigo, no sequestro do suíço.
Eles dizem que o Che passou por aqui que eles o é que deram cobertura. O Frank nunca foi preso, ninguém nunca soube
dele sempre foi bem discreto clandestino, uma grande pessoa.
Então acontece o sequestro e chego lá no
Chile ai começa o retorno, a clandestinidade, a reestruturação a reorganização
2° parte[1]
Carla: Do bloco anterior, eu tenho uma
questão talvez se você tivesse alguma coisa a mais para colocar, sobre a
relação de vocês com os outros grupos, você cita bastante a VPR, a gente sabe
que teve o grupo em Nova Aurora. Enfim, na sua fala aparece vários momentos que
vocês tinham sua própria organização mas que se relacionavam e tiveram que
fazer isso em diferentes momentos.
Gilberto: E depois de vir para cá, estando já
internados no Parque e no sítio vocês ainda tinham contatos fora da
organização?
Aluízio: Naquele primeiro momento da luta
interna, da ruptura e da dissidência a gente tentou unir forças com a
dissidência com o pessoal do Maghella, com o pessoal da Colina, o MR. Mas
quando chegou o momento de entrar em ação a nossa decisão foi para o isolamento
por causa da segurança. Só ficou um dos nossos encarregado de manter o contato
com as demais organizações, os outros todos não podiam mais ter contato, por
segurança. Ninguém mais tem contato com ninguém e ninguém participa de
manifestação nem de assembleia de movimento estudantil. Agora é ação,
clandestinidade total, não tem nada disso, nem família. Mas o Umberto ficou
encarregado de manter contatos era o único, quando nós viemos para cá, ele
continuou. Ele era muito ligado, eu também, mas depois vim para cá, à Maria do
Carmo Brito e do Juarez Brito que era da Colina. E ele continuou o contato com
a Maria do Carmo, mais com a Colina e com a dissidência da Guanabara, o pessoal
do Flanklim Martins. Era basicamente esses dois contatos mais fortes que nós
tínhamos. Com a Irene era muito pouco o contato com o pessoal do
Marighella, o Fiat tinha contato mais frequente com o Toledo.
Quando nós começamos a cair o Fiat teve um
contato com Toledo, porque nós tínhamos um dinheiro do Bom Burgues e passamos
para o Toledo Câmara Ferreira. E depois quando o pessoal decidiu que nós
teríamos um braço ligado ao trabalho de massa eu já estava preso. A discussão
interna continuou, então ficou um braço ligado ao trabalho de massa e outro a
guerrilha. Então fizeram uma opção pela região do sudoeste, oeste de Santa
Catarina, foi até adquirido terras. Isso foi junto com a ALN de Mariguella e
Toledo, foi o contato que nós tivemos ali. Aqui no Paraná eu não tive contato
com ninguém só com a dissidência da AP.
A gente tentou contato com AP, Polop,
Curitiba, mas no fim não deu certo e ficamos só com o pessoal que era do
Partidão que era muito forte aqui no Paraná e alguma coisa que era da AP. Mas
quando nós fizemos a opção: subir a serra ou ir para o mato, é aquela velha
história, nós tínhamos ali, na dissidência, uma base operária fenomenal. Isso
porque havia um descontentamento forte com o comitê central, então, na base
operária da dissidência era uma base grande muito grande, metalúrgicos,
operários, sapateiros. E acontece que
quando decidimos “subir a serra” nós fomos bater na porta dos companheiros
operários, vamos gente, vamos subir a serra? “Sobe você que é estudante, que
não trabalha, que não tem emprego, não tem família, que não tem filho, eu não
posso, sou ligado a produção tenho mulher e filho para criar”. Dureza não é?
Só veio o Fiat e Nielso, o Keise ficou o
Miguel Batista, todos foram dando para trás. Só nós subimos a serra. Quem subiu
a serra? O Nielso e o Fiat por que estavam em disponibilidade. A ditadura
inventou uma coisa, eles baixaram um decreto pondo os Marítimos em
disponibilidade, 5 mil marítimos em disponibilidade. Ficaram em casa sem fazer
nada e recebendo. Mandaram os caras para casa e pagavam salário para não ficar
no estaleiro, para desmontar a estrutura política. Então o Nielsi e o Fiat
vieram porque estavam em disponibilidade, os demais não, eles tinham família e
essa coisa toda. Interessante não é? porque o operário no fundo é acomodado,
não vem para uma coisa dessas, não vou para o Paraná “subir a serra”, ir para o
mato e assim nós perdemos vários quadros aqui no Paraná também.
Nesse sentido, que depois o estado do Rio
passaram ao PCBR do Mário Alves, do
Apolônio. Também saíram do Partidão e foram para o PCBR. O PCBR tinha uma linha
mais “maneira”. Na medida em que nós fomos fazendo ação, o PCBR foi deixando de
lado sua linha e foi virando mais foquista. Eles podem dizer que não, mas o
PCBR virou foquista, e veio para o Paraná, inclusive tinha um PCBR forte aqui.
Em Nova Aurora nós não tínhamos contato com eles, eles estavam ali e nós ao
lado de nova Aurora. Tanto que nós caímos em 1969 e eles também caíram em 1969
o Fávero e quele pessoal né.
Gilberto: O sítio entre Assis, Cascavel e
Toledo é ao lado mesmo, muito próximo.
Aluízio: Ao lado, nós eramos vizinhos sem
saber. E isso acontecia muito, deve ter acontecido com muita gente pelo Brasil
afora, devido a clandestinidade, nós não tínhamos mais contato com as
organizações e muito menos com a VAR. Nosso contato era com a Colina, depois
que a Colina virou Var. Ainda mais a Var de Porto Alegre com o Araújo, eu não
tive nenhum tipo de contato com o Araújo e com o pessoal de lá.
O nosso isolamento se deveu a isso, e foi até
certo ponto bom porque as nossas prisões não ocasionaram prisões por parte das
outras organizações. A nossa ficou entre nós, não havia aquele encadeamento de
prisões. Foi o pessoal de Niterói que ficou conhecido como “Cangaceiros de Niterói”.
Enrique Padrós: E a chegada no Chile, a
chegada no Chile, ai vamos para a outra etapa?
Aluízio: Nós quando chegamos no Chile ficamos
confinados, a chamada quarentena como se diz, ficamos confinados em um local lá
que era um lar de crianças coisa assim, eles fechavam ao publico e nós ficamos
lá confinados. Assim que chegamos a polícia de investigação nos fez parar para
tirar fotos e cada um conta a sua historinha, normal. A gente tinha que se
identificar. Nós chegamos sem documentos, eu sai com o uniforme da prisão e um
pente, mais nada. Não deixaram eu sair com nada. Alguns saíram com coisas eu
não.
Eu o Umberto e o Rogério da dissidência
saímos juntos, nós três saímos desse jeito e cada um teve de se identificar.
Nos primeiros dias ali houve um assédio muito grande da imprensa internacional
coisa toda, a imprensa chilena, então foram dois, três, quatro dias tentando
falar com a gente. Houve até um documentário de um cineasta lá da Califórnia,
deve estar na rede, que foi feito naqueles dias. Ali chegou a ALN, a VPR, o
PCBR, ali chegou a dissidência do Rio de Janeiro, que já não era mais
dissidência era MR8 já e chegou nós três que eramos do ex-MR8, da dissidência
que caiu. Eramos sem identidade, nossa organização acabou, o '8' do Franklin,
pegou nosso nome. Nós não entramos no negócio deles, a gente continuou pensando
daquela forma. E pensando daquela forma nós entramos na VPR. Não pela
necessidade de estar organizado, mas porque era preciso estar organizado para
continuar. Ai nós entramos na VPR.
Eu não sei, mas acho que a Maria do Carmo
saiu da Argélia lá, não sei, acho que foi a Maria do Carmo, saiu de Argélia foi
para Santiago, e nós fizemos várias reuniões com ela e com alguém mais da VPR e
acabamos os três entrando na VPR. E ai a gente começa uma nova etapa de
militância na Vanguarda Popular Revolucionária, por amizade com muitos membros
da VPR e pela semelhança de forma de pensar. Pensávamos iguais, pensávamos em
retomar a luta armada. Mas todos pensavam em retomar, todos queriam voltar, a
voltar era uma obsessão, era um compromisso, ainda mais para quem saiu no
sequestro.
Você está peso, o “Comando Revolucionário”
lhe tira da prisão, os companheiros arriscam a vida, muitos morreram durante e
depois da operação e fica no Chile passeando? Fazendo turismo? O compromisso é
a volta, para todos, a volta era uma coisa um compromisso de cada um, não um
compromisso assumido, mas de cada um. E o compromisso nosso era retomar pela
VPR, o Lamarca já havia saído, já havia saído da VPR e ido para o MR8. A
situação da VPR não era nada boa, era preciso reestruturar. E assim nós fomos fazendo novos contatos e
criamos em Santiago uma espécie de uma frente de organizações, cada uma dentro
das suas estruturas. Dentro da VPR houve uma certa clandestinidade de alguns
quadros, eu era um dos clandestinos tanto que eu fiquei legal em Santiago pouco
tempo depois eu fiquei clandestino lá. Um grupo nosso pegou a Coréia, um grupo
grande composto de pessoas que saíram do suíço e outros que saíram antes que
estavam em Argel, aqueles que vieram de Cuba. O Ladislau Dawbor que organizou a
ida para a Coréia.
Enrique Padrós: Quando tu fala em um grupo
grande era de mais ou menos de qual o tamanho?
Aluízio: Para a Coréia foram 30, grande na
época. Ai eu fiquei em Santiago encarregado de criar condição de receber o
grupo que foi para a Coréia. Então quem ficou foi eu o Curió o Fortini, o
Expedito (o homem que morreu duas vezes). Eu fiquei encarregado de manter a
organização de prover a organização (tem que prover as pessoas moram em casas,
tem que se alimentar), de prover a organização. Ai eu fiquei em Santiago
cuidando disso e recebendo a gente que vinha do Brasil. Porque o “pau estava
comendo”, quem conseguiu sobreviver
chegava lá no Chile sem documentos, sem dinheiro e essa coisa toda, as
pessoas estavam saindo do cerco de aniquilamento. Quem sobrou da VPR, sobrou
algumas pessoas em São Paulo e no Rio de Janeiro, poucas pessoas ficaram, quem
não saiu foi porque não pode sair devido a segurança e foram para Santiago.
Então fiquei em Santiago nessa “missão” de
manter a organização, prover a organização e criar as rotas de retorno. Eu
estava nessa quando chegou Onofre Pinto de Cuba e foi para Argel e de Argel foi
para Santiago. Então foi engrossando a organização, tinha o pessoal que chegou
da Argélia, a Maria do Carmo já estava lá, o irmão do Pesuti, a Carmela. Foi
chegando o pessoal da Argélia, o pessoal da Europa e a estrutura da VPR foi
crescendo em Santiago. As viúvas, a viúva no Novaes apareceu lá com duas
crianças que mataram o marido na tortura, ela foi para lá para cuidar deles.
Essa era a minha missão, e mandar algumas
pessoas para Cuba, até que chega o pessoal do treinamento. Era um tal de ir e
voltar, ir e voltar (ir para Milão, ir para Europa, Buenos Aires...). Parece
que naquele ano de 1971, para mim, foi muito mais de dez. Foram muitas coisas
acontecendo ao mesmo tempo, maluquice total. Foi um ano que durou muito tempo,
foram dez anos em um, de tanto que nós fizemos em um ano. Eram muitas pessoas
entrando e saindo e aquela coisa. Ai o pessoal da Coréia volta em janeiro de
1971, acho que perdi na data, quando cai o Recife?
Gilberto: Janeiro de 1973
Aluízio: Então foi o ano de 1972 também foi
um ano bastante agitado, chega o pessoal da Coréia e ficamos ali em Santiago em
reuniões organizações, documentos falsos, até que … Recife caiu em 1973?
Gilberto: em janeiro de 1973 foi a chacina em
julho foi a extinção da VPR.
Aluízio: eu no inverno de 1972 e ai eu já sai, quando o pessoal da Coréia
voltou eu não tinha mais porque, o Gregório Ubiratan de Souza (??????????), da
Coréia ele voltou, ele assumiu a VPR e eu sai. O Bona não foi para lá, o Bona
não foi para a Coréia, ficou em Santiago e o Expedito o Bruno Piola, e esse
pessoal do sul. O Fortini sumiu, de repente o Fortini sumiu, ele tinha uma
estrutura independente dentro da clandestinidade ele já era clandestino. Sei
que o Fortini sumiu e eu fiquei com o carro dele, alguém passou para mim, ele
primeiro tinha uma Citroen depois uma Citroneta.
Eu fazia os contatos da organização com a
embaixada cubana, eu peguei esse contato, não sei se foi com o Japa ou com o Onofre e e passaram para eu
fazer. Eu sei que eu ia com esse carro para lá, e a Mara e o marido dela nós
mandamos para Cuba para trabalhar na rádio Havana. Alguns companheiros
continuaram em Cuba, outros chegaram quando o
Japa vem para Santiago também.
Você vê que o pessoal começam a chegar em
Santiago também, vão se juntando se aglomerando em Santiago, para montar a
estrutura de retorno, já havia condições de retorno. Quem chegou de cuba chegou
preparado, quem chegou da Coréia chegou preparado, então havia um pessoal que
se preparou em santiago, uma maluquice foi essa de Santiago. Um grupo ia de
capuz entrava em um sindicato onde tinha gente pra caramba, muito movimento de
lá para cá, para receber treinamento de explosivos, basicamente de explosivos.
Aquele bando de “nego”, todos eram brasileiros, mas ninguém falava nada para
não se identificar.
E esse mesmo grupo, fazia treinamento de
caminhada e de tiro na cordilheira, esse grupo era um grupo composto por
militantes da VPR, ALN, tinha do '8' que era a mulher do Abrão Reis, Silvinha,
a Sílvia, e da ALN o Wilson que hoje é professor da USP, o Duarte, um grupo forte da ALN. Esse grupo
também estava preparado, então ficar lá fazendo o que? O Fleury passeando por
lá, tanta gente passeando por lá, o negócio era minado, extremamente ninado.
Enrique Padrós: E a relação dos chilenos com
a VPR?
Aluízio: Eu não sei, mesmo porque eu fiz a
opção pela clandestinidade com organizações chilenas eu só tive alguns
pontos com o MIR, com o VOC - Vanguarda
Operária Popular. Mas eram apenas encontros, eu não me envolvia, eram apenas
pontos em comum. Por exemplo, eu não me envolvia mas os outros companheiros se
envolveram na revolução Chilena, participaram do MIR, o Ubiratan Kischner que
está na Suécia, participada direto do VOP. A VPR, oficialmente não tinha
contato com outras organizações, não havia por que se envolver. Muitos
companheiros do PCBR e de outras organizações se envolveram direto na revolução
e no processo chileno.
A VPR tinha a opção de retomar a luta,
voltar, então não podia. No meu caso tinha contato com pessoas (a Sara, por
exemplo, era um contato meu, eu precisava dela para me ajudar na documentação,
por que foram eles lá que me prepararam para voltar, em termos de maquiagem,
lentes de contato, e essa coisa toda para eu poder fazer a foto do
passaporte, um passaporte português e vir embora.
Veio eu e um companheiro do Exército de
Libertação Nacional da Bolívia. O pessoal do Che que ficou e depois nós
tínhamos uma pessoa comum o Pepe, David
Acebey Delgadillo. Vim eu e o Pepe trazendo mala arma, e livro, de novo. Para
que livro? Estávamos voltando para montar rota de estradas apra que trazer
tanto livro? Em Buenos Aires tinha livro para danar … não tinha a necessidade
de trazer tantos livros, montoeira de livro, montoeira de documento, documento
e mais documento. Os documentos internos da VPR e mais arma e passaporte, muita
carteira de identidade, documentos falsos, carteira de Identidade, só para
preencher, da Argentina de imigração, máquina fotográfica, tudo para fazer as
coisas. E eu decidi não ir para inaudível
e descer em Mendoza, que era uma aduana simples na época, havia dois ou três
oficiais de imigração não é nada. Então desce em Mendoza carimba o passaporte e
toma o rumo.
Era noite quando chegamos em Mendoza o Pepe
saiu “de boa”, ele tinha o passaporte dele e mais um documento correspondente
do Le Monde que ele falsificou ele fez, e ele pegou as coisas e ficou lá fora
me esperando e eu na fila. Chegou na fila seguraram meu passaporte e me mandaram
esperar, foi todo mundo embora e eu esperando, começa a apagar as luzes do
aeroporto e eu esperando. Primeiro foi dentro do avião, chamaram, chamaram pela
pessoa e eu estava meio que dormindo, até que eu me dei conta que estavam me
chamando, era meu nome que eu não havia ainda me conscientizado do meu nome.
Fui lá, caí, e não era, eu havia esquecido de
entregar um papelzinho. Chegando lá em Mendoza mais um problema olha você vai
ficar retido por que não fez o visto de entrada, a gente não tem convênio com
Portugal, tem que fazer o visto na Embaixada Argentina em Santiago antes de
embarcar. E agora o que que eu faço, 'o senhor fica lá na imigração e amanhã
vamos lá na embaixada para resolver essa parada', como eu era português que
vivia no Brasil, falava com sotaque brasileiro. O Pepe lá fora esperando, o
Pepe sabia que qualquer coisa ele explodia aquele aeroporto e me tirava de lá,
de qualquer jeito ele tinha que me tirar.
Gilberto: Nesse momento já era governo?
Aluízio: General Lanuci, era uma ditadura,
preparou o campo o retorno do Peron. Bom, me seguraram ai eu fiquei naquela, eu
quero meu documento, sem meu documento eu não saio daqui, 'mas o senhor vai lá
no negócio', não eu quero meu documento, me dá meu documento que eu fico lá ai de tanto que eu enchi o saco, por que eu
estava muito bem vestido, terno de linho caríssimo, gravata italiana, óculos de
grife, muito bem penteado, um bigodão de respeito, português tem que ter
bigodão.
Eu fiz questão de falar com um sotaque
português que eles não entendiam nada. Já era difícil entender português, com
sotaque pior, brasileiro quando quer faz um sotaque português para os outros,
insisti tanto naquilo ali que pedi do melhor hotel, porque eu não fico em
qualquer hotel, 'tem o não sei o que lá, hotel não sei quantas estrelas, o
senhor faz favor de ir para lá então e amanhã o senhor comparece, sim, mas 'dá
meu documento, sem documento eu não vou para o hotel', fiz um charme né, 'não
pode ir, pode confiar em nós que nós vamos segurar teu documento', eu lá queria
saber de documento. Sei que eu saí do aeroporto e Pepe já estava dentro de um
carro me aguardando e eu entrei no carro com o Pepe e vim embora para a
rodoviária pegamos um ônibus até Córdoba depois pegamos outro até Rosário até
que chegamos em Missiones. No meio do caminho eu tentei tirar a tinta do
cabelo, não deu certo ficou de umas duas ou três cores meu cabelo, o bigode já
estava caindo, a lente de contato doía muito por que era de vidro, não era como
hoje, e o algodão que a Sara pôs para deixar o rosto cheio já estava me
incomodando fui tirando tudo, quando cheguei em Missiones estava um palhaço, o
Pepe também estava muito feio, e chamava a atenção, não era para chamar a
atenção.
Eu montei, nesse período que fiquei em
Santiago esperando o pessoal chegar da Coréia, eu montei uma estrutura em
Missiones eu não vim em Missiones sem estrutura, e essa estrutura eu tentei
levar para a embaixada Cubana, eles foram lá, conversaram tudo, os paraguaios,
os paraguaios da luta armada da OPM e quando eu vim e fiquei com eles
com a Drª Glades que tinha um sanatório. Era uma clinica para ficar mesmo
hospitalizados, tinha vários apartamentos, era um mine-hospital e eu fiquei
hospitalizado, como se tivesse hospitalizado. Depois eu fui já para a fronteira
onde eu tinha um companheiro que era de extração inaudível
e a mulher dele era cabeleireira, ela tirou o resto da tinta. Eu me arrumei
para virar colono, ela arrumou o meu cabelo do jeito de colono, o bigodinho bem
fininho do jeito de colono, bem alemãozão do sul em Missiones, o que estava
cheio, estava minado. Aquela região de Porto Mauá, Alba Posse, não sei se vocês
conhecem que faz divisa com Santa Rosa,
ali era uma área que haviam mais brasileiros que argentinos, os argentinos que
haviam ali eram argentinos paraguaios, eram basicamente brasileiros. Eu fiquei
no meio da brasileirada, normal ali vivendo entre eles, já com o documento
brasileiro, o passaporte já havia ficado para trás, tinha outro documento novo,
fiz outro documento para mim.
Eu fiquei na casa desse inaudível até tirar as tintas e essa coisa
toda depois eu fui para outro sanatório, que era outro mine-hospital que era do
Dr. Alderete, já era na cidade do chamado Campo Grande, região de brasileiros
também.
Enrique Padrós: Tudo na Argentina?
Aluízio: Na fronteira do Brasil
Enrique Padrós: Mas em território argentino?
Aluízio: Em território argentino, divisa do
rio Uruguai, ali nós já compramos uma propriedade eu já fiquei na propriedade o
Pepe foi para Posadas, que ele era correspondente do Lemond, ele fazia os
contatos com o Brasil. O José Carlos Mendes que saiu do Rio e foi para Santiago
quando começou a cair, o pessoal foi para Santiago as viúvas, os Zé Carlos veio
também para Missiones, de Missiones ele entrou no Brasil e ficou no Paraná.
Outro companheiro ficou montando uma
estrutura na região de Londrina, eu não sei precisar hoje, no norte novo do
estado do Paraná, na região de bóias-frias, havia muito bóia-fria, no café, na
cafeicultura não é? O João virou bóia-fria, trabalhou primeiro como fotógrafo e
ai bóia-fria, o Lauro Constantino dentista de Medianeira voltou a falar comigo,
um dia me procurou, o cara casa com uma moça linda, chamam de gorda mas ela é
bem magrinha. Casou com a Vera e foi passar a lua-de-mel em Posadas, mas ele em
vez de ir curtir a lua-de-mel foi me procurar,para perguntar: “Aluísio o que
que eu faço? O que nós podemos fazer? Eu estou lá estou a disposição”. Então, é
assim, tem que entender as mentalidades da época, disse para ele voltar para
Medianeira, parar de tomar cachaça (que ele ficou com uma depressão forte) que
você vai receber gente nossa, como recebia antes, alguém vai aparecer por lá.
Ele era um dentista famoso, professor de
ginásio, apesar daquela prisão que ele teve, que foi inocentado, não deu em
nada. Eu fiquei ali no sítio, e naquele sítio eu era o caseiro, não era o dono
do sítio, eu não aparecia como dono, mas como caseiro. O caseiro é aquele que
cuida do gado, das plantações, é a pessoa que pega na enxada, tive que fazer
tudo isso. Tinha um negócio lá, acho que era uma caixa de água, o Diógenes de
Oliveira deu um nome para aquilo ali, chamava de torre. Eu ficava lá na torre,
eu tinha meu quarto mas de madrugada eu ia lá para a torre, de lá eu ficava de
olho em tudo. E eu tinha que levantar de madrugada, agricultor não é estudante,
classe média, agricultor tem que levantar seis horas da manhã que era café,
mate cozido e reviro, ia para o campo. Mas o caseiro além de cuidar tem que
trabalhar para os outros agricultores. Todo mundo vai trabalhar no outro, se
está colhendo vamos lá. E eu tinha que ir, ia trabalhar como peão de um de
outro, dar uma mão e não chamar a atenção. Eu nunca sofri tanto na minha vida,
carregando peso, puxando erva mate nas costas, um peso no sol violento. Mas eu
encarei, porque era necessário devido aquela situação da estrutura que eu
estava alimentando. Eu não sei se valeu a pena, acho que sim era necessário
fazer isso, não podia namorar não podia ir à baile não podia ir a lugar nenhum.
As meninas achavam até que eu era gay as
meninas iam lá, me chamavam para ir em baile, eu não ia a festa, não ia em
baile. Minhas vizinhas eram bonitas e eu fiz muita amizade ali na região, com
muita gente. Essa era a minha missão, eu não podia me isolar, tinha que fazer
amizade. Eu ia na casa de um almoçava lá, todo mundo me convidada, eu era um
rapaz solteiro, brasileiro, disponível, mas eu ficava na minha, dormia cedo,
elas iam lá jogavam carta.
Tanto que recentemente eu fui visitar as
moças, hoje são senhoras, avós. Encontrei uma delas, ela me recebeu muito bem,
chorou muito quando me viu, aquela coisa toda. “Brasileiro de merda, achei que
você tinha morrido” “Andrezito”! Perguntei, escuta, mas você nunca desconfiou,
nunca passou pela sua cabeça, por que que o cara o cara daquele sítio
trabalhava feito um condenado nunca saia como todo mundo sai no final de
semana, para ir em baile e aquela coisa toda? “A gente achava que você era
'maricón', mas depois conversando com o pai o papai falou que você era
guerrilheiro”.
“Filhos da mãe, vocês todos sabiam! De onde você tirou a ideia de
que eu era guerrilheiro?” Por que uma das irmãs dela trabalhava na casa de um
contato meu, e o cara seguramente contou para irmã, a irmã contou para essa
irmã, e o pai dela ficou sabendo. “Mas nós nunca ia te entregar, a gente te protegia,
a gente ficava de longe cuidando de você, a gente ia lá de madrugada ver se
você estava bem, a gente sabia que você dormia lá na caixa d'água”. Então essa
foi a vida ali, montando essas estruturas de retorno.
Marcos Vinícius: Você tinha algum contato com
a guerrilha Argentina?
Aluízio: Não foi bem assim, quando eu estava
no sítio, foi o Movimento Agrário Missioneiro, era um movimento dos produtores
de chá, o MAM tinha uma influencia muito forte Montoneros o povo era peronista aquela coisa e os Montoneros tinham
influencia via movimento peronista, no MAM. Eu estava envolvido no MAM, estava
no chá na produção de chá e erva-mate.
Até que caiu Recife, quando cai Recife a
coisa desanda né nós eramos clandestinos.
Gilberto: Tinha gente no Rio Grande do Sul,
do outro lado da Fronteira antes de cair Recife?
Aluízio: Alguma coisa em Três passos Passo
Fundo o que sobrou VPR, ali em Cidade Baixa. Antes de cair Recife a nossa
estrutura aqui em Missiones era clandestina dentro da VPR mas em relação ao comando
da VPR. Porque o Negão Onofre, assumiu o comando da VPR Ele deu uma rasteira na
Maria do Carmo na luta interna, no Pessuti.
E o Onofre e o Jamil ficaram com a chave do cofre, e quem tem a chave do
cofre tem poder, tem poder. O Jamil tinha acesso ao dinheiro, na Europa, e o
Negão era ligado ao Jamil inaudível.
O negão quando chega em Santiago, eu falei
com o meu pessoal o meu pessoal era o grupo que ficou comigo para vir para cá.
Nós estamos indo e ninguém precisa, ninguém
pode saber para onde nós vamos coordenadas nada disso. Nem negão Onofre,
nem Mário Japa, nem Maria do Carmo, nem Pesuti, ninguém, definitivamente
ninguém nem o povo que estava na Europa nem em Argel.
Mas isso por precaução, a gente nem
desconfiava, de forma alguma que havia infiltração. Nunca passou pela nossa
cabeça infiltração. Era mais uma medida de segurança e de sobrevivência. Tanto
que o Zé Carlos Mendes fala assim que eu propus um acordo que “fosse a máfia
dentro da máfia”. Não tem nada a ver! Era a clandestinidade a nossa segurança.
Tanto que Negão Onofre marcou um ponto meu
com alguém lá na cidade de Entre Rios e eu não fui. Eu sei lá, pode ter sido
até o Anselmo não é? Eu não fui nesse contato eu não tinha porque ter contato
com ninguém. Nós nos internamos aqui, estabelecemos contato com essas bases
paraguaias e com o pessoal que ficou no Brasil, com o Chile foi ruptura, por
medidas de segurança.
Por que nós tínhamos que montar as rotas de
retorno do pessoal, criar condições de chegar e se adaptar na fronteira, é como
se pegar uma plantinha e fazer a adaptação, ambientar bem, depois fazer
documento, e retornar, retornar para algum lugar. Não dá para retornar descer
em uma rodoviária e ficar perdido que nem cachorro de um caminhão de mudança.
Tem que chegar entrar e ir para algum lugar, lugar seguro.
Qual era o plano? Era foco? Não não era foco,
era voltar para reorganizar para fazer ações armadas, naquele momento a visão
nossa era aquela, não era outra. Então caí Recife, eu fiquei chocado, uma
infiltração dentro da VPR, e com a conivência do Negão Onofre, em relação as
quedas de Recife. Lá em Santiago naquela situação teve tribunal, julgamento do Negão, aquela coisa toda. A
Maria do Carmo passou a ter uma voz mais ativa porque ela dizia, 'ó cuidado'
ninguém acreditava.
Ela foi crucificada, porque quando foi presa
não aguentou a tortura, falou muito, ela torturou o próprio Jamil não é? E ela
tem aquele trauma da morte do Joares. Ela foi bastante pisoteada pelo Negão,
ele acusou a Maria de colaborar com a embaixada brasileira em Santiago e essa
coisa toda, e a Maria não tinha nada a ver não é? E quando havia essa guerra ai
eu ficava flutuando, em um e outro. Eu e meu pessoal, a gente ficava um pouco
aqui, u pouco ali, a gente não tomou posição, tanto que quando nós saímos
estávamos bem com os dois, mas ninguém ficou sabendo onde era nosso santuário.
Eles fizeram lá o julgamento, aquela coisa
toda crucificaram o Negão, e não podia ser diferente não é? E nós ficamos na
nossa, aqui, até que o Pepe que era o meu contato em Santiago, ele ia e voltava
sempre. E o Pepe veio e disse é para você voltar para Santiago que tem reunião
lá de avaliação. Eu vou né, ai eu fui, voltei para Santiago, dessa vez eu fui
com o documento brasileiro que eu tinha falsificado, documento de imigração da
Argentina que eu entreguei lá para eles, depois peguei de volta o verdadeiro.
Eles não desconfiaram que o meu era falso,
era bem feito, muito bem feito, documento de imigração. Voltei para Santiago,
fui ficando os dias em Santiago fui para uma reunião lá não sei onde, não
lembro em que lugar para decidir o que fazer, o que fazer? Agora caiu Recife,
com essa luta interna cruel pela frente a conjuntura no Brasil está cada vez
pior o isolamento é grande, muito isolamento, o que existe hoje ainda está no
MDB, existe um pessoal que estava no MDB e não havia mais nada fora disso. O
Partidão estava sendo dizimado, eles queriam desmantelar, desmobilizar a VPR.
Então nós desmobilizamos a VPR nessa reunião, foi o fim da VPR.
Gilberto: Essa reunião foi em Santiago?
Aluízio: Foi em algum lugar que eu não vi,
estava vendado. Sei que dessa reunião participou eu o Fortini (que sumiu depois
apareceu) o Ladislau Dowbor, a Maria do Carmo, os Pesutis, tinha mais gente da
Europa, não sei de onde mais, nessa reunião decidimos acabar. O Bona estava lá.
E agora o que nós vamos fazer com os
trabalhos já executados? Fica por conta de cada um. No meu caso eu voltava para
desmontar tudo e voltar para Santiago ou ficar? Eu decidi voltar desmontar tudo
e voltar para Santiago. Mas esse desmonte demorou para caramba. Porque eu
desmontei o campo e fui para Possadas, eu estava em Possadas, fazendo coisas
(ligadas a subversão mesmo). E ai me aparece dois negrinhos panamenhos,
disseram para mim que eram panamenhos, chegaram até eu vindos da Suécia, eu não
ia pegar os caras ponhar no meu colo e ficar comigo, alguém indicou, alguém me
apresentou, tenho a impressão que eles chegaram até eu pelos argentinos, não me
membro, sei que chegaram. E se chegaram com todos os cuidados que eu tinha é
porque chegaram levados por alguém. E já que chegaram lá vamos à luta. Vocês
conhecem Possadas? tem uma avenida larga, grandona, arrumei um galpão lá e
montei uma tornearia para fabricar coisas,
os panamenhos conheciam tornearia, eu não sei o que ia fabricar, mas era
para fabricar coisas, não sei se era mais fácil comprar, né.
Eu não entendo, coisa nossa, disseram que era
para fazer eu dei apoio, era com a bufunfa com o cofre do inaudível alguma coisa que sobrou, e tinha que usar isso
na revolução, Argentina, Brasileira, Paraguaia. Fazer alguma coisa né.
Antes disso nós montamos um comando para
entrar em Assunção e matar Stroessner esse comando seria constituído basicamente pela VPR. Esse é um
caso pouco conhecido, pouquíssimo conhecido. A gente chegou a montar estrutura
em Assunção, foi feito todo o levantamento, por onde saia Stroessner por onde ele passava, residências, amantes ele tinha mais de uma.
Todo feito um trabalho de levantamento nosso com apoio da OPM paraguaia, e o
comando seria nós, Mendes, o Pesuti, mais o Mário Japa. Eu fui levar os caras
para conversar com o paraguaio. O paraguaio foi conversar com eles, o cara
estava em um hotel 500 estrelas, um charuntão imenso de bonito, ai eu tomei um
belo Whisk. E os companheiros falando Aluízio isso aqui é fria, você tá
colocando a gente numa fria, você é louco, isso é jeito?. Mas você quer que o
cara venha de uniforme e de macacão? E você quer que ele fique em um muquifo,
num hotelzinho na beira da estrada. Ele está certo, melhor hotel, executivos,
fizemos estar todos de termo aqui. Só sei que acabou não dando certo os
companheiros recuaram, quem acabou fazendo depois foi o inaudível, mesmo tipo de ação inaudível.
Nós estávamos fazendo as coisas sem uma
formalização de uma frente única revolucionária, eram coisas que iam
acontecendo. Quando os panamenhos chegaram, chegaram dentro desses contatos com
o menino lá de Tucumã o inaudível ele era
nosso contato.
E comecei a me preocupar com os panamenhos, e
disse “ó vamos desmontar tudo, estou caindo fora, estou queimado”. Por que eu
fiquei queimado? Porque fui visitar o Dr Agustín Goiburú na clinica dele, e ele falou Aluísio, que dizer: “André, você vai
ser preso quando sair daqui, está cheio de agente ai fora”. Ai ele em encheu de
faixa, gesso e eu sai da clinica dele enfaixado, mas eu senti me fotografaram,
eu estava com a mesma cara, não estava diferente.
Eu comecei a ver gente estranha no bairro,
gente diferente e um belo dia sumi de lá. Fui parar longe, fui para o Chaco,
para a resistência, ai chamei a minha mulher, minha menina, a filha, ela tinha
dois anos eu acho, não, ela nasceu em 1969, isso foi em 1973, tinha quatro
anos. Ela foi para o Chaco, eu comprei um negócio lá no Chaco.
Eu comprei uma soderia, eu achava o
seguinte eu comecei a inaudível é uma
sociedade democrática, uma sociedade de poucas famílias que dominam tudo né, eu
fui para o outro lado porque uma sociedade democrática de pequenas
propriedades, de pequenos comércios muitas famílias, era mais fácil eu
sobreviver nesse ambiente, paupérrimo, uma pobreza terrível, mas onde você não
tinha inaudível,
havia um outro ambiente.
E comprei uma propriedade rural perto da
penitenciária onde estavam os presos políticos. Essa soderia fornecia
soda para a penitenciária e distribuição de bebida, era soda e vinho, vinho e
soda. Era fábrica de soda tinha o que? um caminhãozinho modelo ford 32, modelo ford 28, uma picape, uma jardineira,
eles chama charrete tudo para distribuir bebida nos bairros.
Eu fiquei ali pisando no barro, distribuindo
bebida e vendendo bebida e ganhando dinheiro adoidado. Comprei um negócio para
pagar em três anos e paguei binitinho com a venda de soda, 40° calor vendia
muita água. E para não perder a mania eu tinha meu laboratório fotográfico
aprendendo a fazer minhas fotos, revelar e essa coisa toda, eu tinha meus
depósitos de papel, de livros, de discos, de recortes de jornal, inaudível tudo o que eu tinha recortado,
pastas e mais pastas estava tudo ali.
De novo juntado papel e fazendo os meus
contatos. Mas os meus contatos eu fazia contato via Buenos Aires e não via
resistência, eu ia lá para conversar com o pessoal. O pessoal que entrava em
contato comigo em resistência não sabia que eu morava lá. Eu também não sabia
se eles moravam lá, eu sabia que a gente pensava coisas em comum, e eu passei
para eles levantamento disso, levantamento daquilo, mais levantamento. Até, que
em um belo dia, já na “Isabel”, já no final da “Isabel” antes do golpe, com a
máquina de caça aos comunistas, comando de caça aos comunistas, aquela confusão
toda lá, repressão violenta, e eu nesse negócio ai.
Eu acompanho um companheiro até um aeroporto
de resistência teve de levá-lo ao aeroporto, e ele levando muitas coisas,
muitos levantamentos, muitas coisas escritas à máquina de escrever em portunhol
com “cedilha”, “til”. O meu espanhol é misturado, alguma coisa escrevia em
português, saiu mal escrito.
De repente fecharam o aeroporto (isso já eram
os militares era 1974 já era 1975, e começaram a fazer batida, abrir mala e a
revistar todo mundo. Eu falei para meu contato: “Entra comigo no banheiro, joga
tudo na privada e dá descarga”. Papel descia e voltava, descia e voltava. Não descia, era muita coisa, disse vá embora, pega o avião e
se manda que eu vou dar um jeito nisso ai. “Eu sai de boa, ele saiu de boa”,
não tinha nada em cima não é?
Mas no dia seguinte toda a imprensa noticiou
que tinha ali guerrilheiros, portugueses, não sei por que eles falavam
portugueses e não falavam brasileiros ou brasileiros também? Levantamento do
quartel, levantamento da penitenciária, levantamento do destacamento, da
delegacia de investigação.
Enrique Padrós: Esse material estava aonde?
Aluízio: Esse documento eu fiz e ele estava
levando para Buenos Aires, e no aeroporto com essa batida policial e militar a
gente teve que jogar no vaso e eles encontraram no vaso.
Marcos Vinícius: Você estava acompanhado
nesse momento?
Aluízio: eu estava com o argentino, mas ele
foi embora e a papelada ficou no hotel e no aeroporto. Peguei minha máquina de
escrever e joguei no rio, queimei tudo o que eu tinha em casa, ai começa a
loucura total porque eu não sabia até que ponto a Gendarmeria,
a polícia política sabia da minha presença ali. E sabia das minhas atividades
ali, os vizinhos não sabiam, eu tomava meus vinhos mas não falava. As vezes eu
falava um pouco além sobre a segurança, mas minha mulher me dava uns
“cutucões”, me “beliscava”.
Tomava uns vinhos e começava a ter saudade do
Brasil, mas eu tinha uma coerência contava coisas com bastante coerência, então
os vizinhos não desconfiavam, eu andava na rua “de boa”, tranquilo, quantas
vezes o caminhão do exército ficou empantanado, (como se diz quando fica preso
no barro?) e eu puxei, eu puxei com meu caminhãozinho, eu tirei, dava coca-cola
para um, guaraná para outro, dava um vinho, normal, normal como todo mundo.
inaudível da milícia chegava nos bairros faziam os Gendarmeria chegavam na casa de todo mundo. Lá em casa chegaram
só uma vez, quando chegaram em casa eu não estava, mas eu era um burguês, um
proprietário, eu tinha 3 funcionários, tinha caminhãozinho eu era um
'produtor'. E minha mulher falava um espanhol perfeito e as crianças não
falavam só choravam.
E minha mulher beliscava as crianças para
chorar cada vez mais. Para a Gendarmeria ela
dizia: “Meu marido foi ao banco assinar uns documentos mas já vem”. A Gendarmeria foi embora e não voltou mais. Mas
para mim foi suficiente para eu saber que eu não poderia continuar na
Argentina. Em todo esse período de 1975-76-77 eu sabia que em qualquer momento
eu ia cair, e se eu caísse a vaca ia para o brejo. Eu seria mandado para o
Brasil, não tinha saída não é? sei que os contatos em Buenos Aires, estavam
cada vez mais difíceis, muitas quedas em Buenos Aires. Em Missiones eu voltei
uma vez, eu entrei na área proibida. Na área de Missiones eu não poderia mais
entrar. Por que eu não podia mais entrar? Eu não sei se havia um infiltrado no
meio dos paraguaios, ou se alguém caiu, ou se quando caiu o Aquino, aquele que
deu aula de guerrilha, ele e o irmão dele foram torturados até a morte, ou
quando caiu o Agustín Goiburú que foi
assassinado na tortura, não sei como alguém ficou sabendo dos contatos de
missiones. O Dr Alderete foi preso e foram para o sítio e encontraram a
“matraca” e tudo o que eu havia
escondido nas plantações de chá.
O inaudível
também foi preso, Alderete também foi preso, ficou lá perto de casa naquela
penitenciária. Depois eu vou para Suíça, eles disseram que eu não podia mais
voltar mas eu tive que voltar para fazer uns contatos, os últimos. Depois disso
eu me fechei de vez eu só tinha que só sobreviver e esperar milagre, porque
anistia, possibilidade de voltar era muito difícil, complicado.
Então eu abri para a família onde eu estava,
a família não sabia onde eu estava. Só uma vez veio uma companheira do inaudível veio aqui ao Brasil e deu notícia
minha. Aluísio está vivo, está bem, está na Argentina. Isso em 1978 essa companheira
veio aqui e falou, ai eu mandei pelo Pepe notícias disse “Vai lá e diz para vir
alguém aqui que eu preciso ir embora,
preciso sair daqui, aqui eu não fico mais”. Eu tinha filhos, eu tinha, um,
dois, três, as crianças como eu vou ficar aqui? Alienamento
todo dia, todo dia passava helicóptero, e eu queimando coisas, eu
enterrando coisas, até hoje tem coisas enterradas. “Não dá para continuar aqui,
depois do que aconteceu no aeroporto eu não posso ficar dando sopa por aqui”.
Sei que Chile não tem perigo, ai eu tento
voltar para o chile em 1973, quando eu chego em Buenos Aires chega a notícia da
queda de Allende. Chile não dá, Europa não dá porque meus documentos são mal
feitos, eu tenho propriedade aqui, vou ficar aqui escondidos sobrevivendo,
fiquei 1975,1976,1977,1978 e parte de 1979, no comecinho de 1979, janeiro,
fevereiro, março eu fui embora.
Gilberto: Quando você foi de Possadas para a resistência, em
que momento?
Aluízio: Foi na queda de Allende, foi em 1973
eu tentei voltar para Santiago e não consegui, por causa da queda do golpe eu
consegui e decidi ir embora, sair de Possadas, não havia mais condição de
continuar com nada depois da queda do Chile, ai fui para Chaco.
Gilberto: Foi depois do encontro com o Onofre
Pinto em Buenos Aires?
Aluízio: Não eu já estava em resistência,
porque ainda quando eu fui no início no Chaco a gente mantinha o contato com o
Brasil e os contatos eram feitos via Buenos Aires. Eu não fazia contato via
Chaco, eu fazia contato via Buenos Aires, o pessoal ia lá para conversar eu vi.
Foi assim, eu estava na rua andando, fazendo
hora, tinha contato tinha que ficar fazendo hora para esperar para o contato
com o companheiro e de repente veio o Onofre com o Albery conversando e tal, eu
não queria que eles me vissem porque eu estava clandestino da VPR. Eu não
desconfiava que havia infiltração, eu nunca desconfiei do Onofre, até hoje eu
não desconfio. Eu sabia que o Onofre era Liberal e que o Alberi era Liberal,
nunca passou pela minha cabeça que o Alberi era infiltrado. Então não foi
desconfiança de infiltração, foi cautela. Então eu entrei em um café fiquei
olhando para poder cair fora.
Mas o Alberi foi muito rápido e já veio e me
cumprimentou, bateu no meu ombro e conversou comigo, uma conversa boa: “Eu sei
que você tem um trabalho na fronteira, tem gente lá dentro em Foz, está
montando uma estrutura para voltar com o pessoal que está no Chile. Eu também
tenho uma estrutura muito boa, o Onofre”. Falou o nome de um monte de gente dos
velhos e podemos juntar os trabalhos o seu com o meu, a sua volta com a minha
volta. O pessoal da Coréia, uma rota, de repente uma rota bem segura, ele me
perguntou “a sua é mais segura que a minha?” Eu não sei, o que você tem? Ai ele
me falou que era tranquila, ele tinha fácil transporte, bom de mais, bom
beleza, vamos sim, porque não né? Vamos juntar forças, ai marcamos um encontro
para a gente decidir as coisas, mais tarde da noite?
Ai eu fui onde eu estava em Buenos Aires
peguei minha, minhas coisas eu não tinha mochila, peguei uma coisa qualquer que
eu andava, roupa talvez. Vim embora, sumi do mapa, desapareci, corri, dei a
volta no planeta. O cara deve estar me esperando até agora. Só mais tarde é que
vieram as provas que ele era um infiltrado e que o Onofre era conivente. E quem
veio morreu, quem veio morreu.
Gilberto: Isso foi em?
Aluízio: Isso foi em 1974
Gilberto: Então foi depois da extinção da
VPR?
Aluízio: Sim, já estava extinta a VPR
Gilberto: E o Onofre estava nessa reunião?
Aluízio: Não, essa reunião era internacional.
Gilberto: E os documentos dessa reunião que
estão transcritos no livro, tem documentos da extinção e depois continua, quem
sustentou que a VPR não fosse extinta?
Aluízio: Ninguém, por que o grupo que queria
manter, não foi convidado para a reunião, que era o grupo do Onofre. Era o
Onofre os sargentos, as pessoas mais próximo do Onofre, porque não tinha porque
chamar. Eles foram coniventes com a queda de Recife, eles tinham uma tese
totalmente diferente da nossa, a luta interna entre a Maria do Carmo, o Pessuti
e o Onofre era grave. E o Onofre já havia sido expulso da organização pelo
coletivo, fizeram um coletivo e expulsaram ele. Expulsão entre aspas porque o
Onofre continuou.
Então, em janeiro de 1973, o Onofre viu que
não havia mais condições de continuar no Chile, vai ficar em Santiago como?
Queimado, conivente com a morte de companheiros quando todos disseram que havia
uma infiltração que o cabo Anselmo era infiltrado ele não acreditou, ele o
protegeu. Ele não tinha mais condições, ambiente para continuar, então ele saiu
e veio para Buenos Aires. Ali em Buenos Aires montou alguma coisa, ficou em
Buenos Aires, eu não sei se ia para a Europa, mas ficou em Buenos Aires.
Quando houve o golpe, esse grupo que não foi
na reunião da extinção se juntou com ele lá em Buenos Aires, é o grupo do
Onofre. Esse grupo manteve a VPR, então dizer que a VPR foi extinta nessa
famosa reunião da extinção, foi extinta pela maioria dos seus quadros, os
quadros que haviam vindo de Cuba, da Europa, de Santiago, os que estavam aqui
na fronteira esses quadros representavam a maioria da VPR e se juntaram para
fazer a sua extinção. Quem manteve foi o Onofre e o Grupo dele.
Quem era o Onofre e o Grupo dele? Era o grupo
começou que saiu da MNR e que fundou a VPR. Foi o primeiro grupo fundador da
VPR, foi o grupo dos sargentos e tiveram a adesão dos irmãos Carvalho, que
saíram do “Movimento Revolucionário Tiradentes”. Então teve a adesão dos irmãos
Carvalho, mas era o pessoal mais chegado no Onofre Pinto. Eles vieram, eles
vieram e morreram ai né. Eu e o meu pessoal conseguimos sobreviver.
Enrique Padrós: Aluísio só um parênteses, a
gente tem falado muito da queda do Recife, é antes que fica claro a infiltração
do pelo Cabo Anselmo. Tem uma cidade no Paraguai, que é Soledad, conhecia
Soledad? Porque ela é Paraguaia está aqui ao lado do Paraguai, a trajetória e
história da Soledad é uma história muito Latino-Americana. E no Brasil se fala
muito pouco de Soledad na verdade acho que essa queda também tem um traumatismo
muito maior em função “dela” (Soledad Barret) do que em função da caída do cabo
Anselmo. Tu tinha relação com eles, conhecia?
Aluízio: Olha, eu frequentei algumas vezes a
casa da Nanny Barret, a irmã da Soledad, que morava em Santiago, e do Jorge. E
ali eu não cheguei a conhecer a Soledad. A Soledad saiu de Cuba e veio direto
para São Paulo, atrás do Araújo marido. Ela não acreditava que o Araújo tinha
morrido o Aribóia. Ela foi para São
Paulo com essa missão. Ela alugou um apartamento, o Onofre Pinto deu todas as
condições, de plantar (vamos dizer assim) de plantar a Soledad em São Paulo, e
a Soledad não foi só procurar o marido, foi procurar o marido e se integrar na
luta, em São Paulo.
Estava tranquila em São Paulo participando
das coisas lá, até que, o Anselmo sai de Cuba e
talvez por receber ordens do Onofre de procurar Soledad. O Anselmo
procurou a Soledad, teve um encontro com a Soledad. Esse encontro foi marcado
no exterior, foi do exterior se que marcou um encontro de Soledad com Anselmo,
se foi do exterior só pode ter sido o Onofre. E ali eles se conheceram, e o
Anselmo já estava com a missão de montar uma estrutura da VPR em Olinda
(Recife) e ele chama a Soledad para se incorporar a essa coisa ai. Mas essa
coisa ai de Recife eu não posso dizer que foi apenas o Onofre o responsável por
montagem, o Onofre era o responsável pela montagem ai entra o Ladislau e outras
pessoas que estavam na Europa e que montaram essa estrutura de Recife. Que
chegaram lá os marinheiros a Pauline,
elas foram chegando da Europa elas não saíram de Cuba, saíram da Europa,
chegaram em cuba e foram para a Europa. Então do Chile não foi ninguém.
A Soledad já estava em São Paulo, Anselmo
saiu lá de Cuba, os outros saíram da Europa e montaram aquela coisa lá em
Olinda. Nós sabíamos que havia alguma coisa em Pernambuco, mas quem era a gente
não sabia. A gente sabia que o Onofre, o Anselmo estava no Brasil, a gente
tinha notícia de que o Arruda tinha visto o Anselmo preso, nós tínhamos
notícias que vieram da companheira nossa da VPR que estava presa na “Casa da
Morte”, ela sobreviveu da “Casa da Morte” a Inês Etienne. Nós ficamos sabendo
da informação que a Etienne mandou do hospital de que Anselmo era um
infiltrado. Porque ela ficou sabendo disso na Casa da Morte, mas ninguém
acreditou, ninguém acreditou.
A Maria do Carmo acreditou, e o Pesuti que
era marido dela também, acreditou mais ou menos, porque o poder de
convencimento da Maria é terrível, ela conseguiu convencer um pouco o marido,
mas ela não conseguiu convencer ninguém. Por que a Maria não conseguiu convencer
ninguém tendo informações do Arrudão (do PCdoB) da Inês Etienne? Porque a Maria
do Carmo já havia sido queimada pelo Onofre. O Onofre queimou a Maria de tal
forma que a Maria, o que ela falava não tinha credibilidade. Ai está a culpa do
Onofre, não é? Nós só tivemos essa constatação de que de fato o cabo Anselmo
era um infiltrado e que o famoso cabo Anselmo era um infiltrado, quando
aconteceu a queda lá em Recife.
A ultima vez que eu fui na casa da Nanny
Barret eu fui com o Onofre e me chamou a atenção uma coisa, (o Jorge Barret diz
que não, mas eu não sou maluco) o Onofre telefonou para Recife da casa da Nanny
eu achei estranho usar telefone para falar com Recife não é? Muito estranho? A gente não pode usar
telefone para falar com alguém em Recife, liberalidade dele, liberalidade dele.
Quero até hoje acreditar, que queimar companheiro é grave, você não pode sair
por ai queimando as pessoas, ele era um liberal, descuidou de segurança muitas
vezes, nunca foi de demonstrar coisas e devido a isso cometeu erros e muitos
erros. Porque quando todo o coletivo da VPR, decide avisar os companheiros de
Recife que havia um infiltrado, tem várias formas de avisar. Você sabe que é
uma butique em Olinda, há tem muitas butiques, vai procurando até encontrar,
manda qualquer pessoa, manda um chileno, uma moça um rapaz, um chileno que
ninguém desconfia, não precisa mandar o irmão da Soledad, mandou o irmão da
Soledad.
O Jorge tinha na época 18 anos, não menos,
menos de 18 anos. O Jorge levou aquela carta. Levou duas cartas, uma de tinha
que levar para Soledad, e outra carta ele tinha que entregar para Pauline e o
Evaldo. Ele me disse (o Jorge) eu falei com ele muitas vezes depois disso, ele
me disse que chegou lá na casa onde morava o casal (Anselmo e Soledad) e que
ele ficou morando na casa também, que ele tinha uma namorada pernambucana então
ficaram 2 casais na casa ( o Jorge e a mulher dele, pernambucana e a Soledad e
o Anselmo) chegou lá e ficou esperando, Paulinne não aparece, Edivaldo não
aparece, ninguém aparece e que a carta que era para ele entregar ficou guardada
(debaixo do colchão sei lá onde).
Um dia ele achou que tinha que entregar para
alguém, pegou aquela carta e entregou para a irmã e disse ó você não mostra
para ninguém, não mostra para o Anselmo essa carta, ela é só para o Evaldo e a
Pauline ou outro que não fosse o cabo Anselmo, no caso o Jarbas. E ele me
contou que um dia ele levantou de madrugada e a porta do casal estava
semi-aberta, e ele viu a Soledad sentada na cama, ela e o cabo Anselmo lendo a
carta, que não era para ler.
E ela não acreditou na carta, disse que era
intriga da luta interna, coisa da Maria do Carmo, não sei o que não sei o que.
Cabo Anselmo avisou o Fleury que estava lá fora não é. O pessoal foi saindo e
caindo, saindo e caindo, saindo e caindo. Um cai aqui, um cai acolá, outro cai
lá na frente. E todos eles foram levados para a tortura, todos morreram na
tortura. Montaram aquele teatrinho do congresso na chácara de São Bento, que
nunca existiu, cada um morreu diferentes situações.
O menino, o Jorge foi levado pelo Anselmo a
um bar na cidade de Recife, um boteco, tomar café da manhã. E fica ali até que
o Fleury agarra ele, leva ele para o banheiro, bateu nele, deu uns pontapé,
jogou ele dentro de um carro com a mulher e eles foram levados presos em
Recife, depois foram levados para o DOI-CODI na rua Tutóia, em São Paulo e
ficou um tempo, depois o Fleury pegou ele colocou em um avião e mandou ele de
volta para o Chile. Isso é o que ele conta.
Por atrás disso tem muita coisa ainda não
esclarecida, o menino diz (o Jorge) diz que a Soledad não estava grávida e que
ele prova. Diz que quem estava gravida era a Pauline, ou então nenhuma das
duas, a advogada Mércia viu um sangue coagulado e imaginou que aquilo seria um
feto. Ele diz que a Soledad não estava gravida porque a mulher dele e a Soledad
eram muito amigas e mulher conta para outra, ó estou de dois meses, três meses.
Segundo ele a Soledad usava um “DIU”. Então essas coisas não estão devidamente
esclarecidas, mas também de menos importância. O que interessa é que aconteceu,
todos eles morreram ali em Recife.
Carla: Retornando ao encontro em Buenos
Aires, o Alberi estava sozinho, o Onofre não participou da conversa, estavam os
dois conversando e só o Alberi chegou conversar com você?
Aluízio: Sim, eu não sei porque só o Alberi
veio.
Carla: E mesmo assim, como o Senhor explica o
senhor ter marcado o encontro e não ter comparecido, essa percepção, havia uma
percepção de que havia alguma coisa errada, ou foi segurança a sua postura?
Aluízio: Não, não imaginava que havia coisa
errada não. Como houve essas mortes lá em Pernambuco, sabe como é que é,
precaução não é? como o Onofre tem uma grande responsabilidade em tudo isso, eu
achei por bem não me abrir né. Eu não podia me abrir, porque nós havíamos
combinado no grupo não se abrir para ninguém, então porque eu vou me abrir para
Alberi e para Onofre?
Ele disse, olha o pessoal está vindo, disse
até o nome das pessoas que entrariam. Espera ai! nós estamos em fis de 1973
início de 1974, gente caindo, morrendo “pra caramba”, nossa experiência é uma
experiência traumática, traumática. Ai, chega um cara, por mais que ele me
conheceu no Ahú, propôs fuga para mim no Ahú. Depois disso eu nunca mais vi o
Alberi, só fui ver agora, ele chega para mim, propondo uma coisa dessas e
dizendo e dando nomes … isso ai é furada né, não vou entrar nessa. Até agora
tive todas as precauções, não vou entrar nessa, caí fora.
Talvez um pouco de medo, talvez pensando já
no recuo, porque nessa altura do campeonato, quer saber de uma coisa, a
guerrilha caiu, o Chile caiu, nós já havíamos desmobilizado a organização, eu
já estava sobrevivendo. Já havia caído naquele negócio do aeroporto, eu estava
com um pé no Brasil para voltar, mas não dava para voltar, iam me matar aqui.
Eu tinha que ficar quieto no meu canto vendendo minha soda e o meu vinho. E aos
poucos ir dissolvendo meus contatos, liberando o pessoal. O Zé Carlos Mendes já
estava na Holanda, já tinha saído daqui. Então eu já estava perdendo alguns
contatos.
Então você põe: precaução por um lado, um
pouco de medo de ser preso, torturado e morrer e também que a gente já estava
recuando na nossa posição de continuar a luta armada, posição de recuo.
Carla: E quando ele falou que sabia onde o
senho estava, sabia o que estava fazendo, ele sabia mesmo?
Aluízio: Não ele não sabia, ele chutou. Ele
não disse onde, ele disse que você tem um negócio assim, assado. Na verdade, já
estamos em 2013 dá para abrir alguma coisa, na verdade era eu e o Roberto
Fortini de outro, o Fortini era italiano,
italiano, italiano. Tanto que ele não foi banido ele foi expulso, ele e o inaudível
eles foram expulsos. E o Fortini tem uma mão desse tamanho cada dedo dele é
dessa grossura, a unha dele é preta de tanta terra. A mão dele é aquele talo,
metalúrgico forte entrou aqui na região é um peixe na água. Ninguém ia falar
nada, porque ele é italiano, com aquele sotaque forte, como todos gringos aqui
da fronteira, com aquela mãozona e aquela unha cheia de terra, esse não ia ser
um guerrilheiro, não tem nada a ver com estudante, o cara não sabe nem ler, nem
pegar livro, a diversão dele é ouvir rádio, era trabalhador.
A mulher dele, uma morena missioneira, dessas
morenas que tem na região de Missiones, analfabeta, quem alfabetizou ela foi
Dodo. A mulher do Fortini saiu da Zona do baixo meretrício, para vocês terem
uma ideia. Ninguém ia desconfiar daquele casal, ela e bem cabocla, assim de se
dar bem com todo mundo, conversar com todo mundo, tomar chimarrão, tererê com
os vizinhos, bem povão. Ninguém ia desconfiar da companheira? Ninguém. E eles
montaram uma estrutura, trouxeram o Gustavo Buarque Schiller, lá do cofre, o
sobrinho da Ana Benchimol. Ele era do sul, do Rio mas Sul, a mulher dele mora
em Porto Alegre.
O Gustavo saiu de Porto Alegre para a
militância, levaram o Gustavo para lá, montaram as coisas ali na fronteira,
compraram balsa para atravessar rio, produziam verduras e transportavam
verduras até Mendoza em caminhões frigoríficos. Podiam levar e trazer o que
quisessem não é?. Então acontece que eles [Alberi e Onofre] desconfiavam que o
Fortini estava por ali, que eu e Fortini tínhamos uma coisa comum. Mas o
Fortini tinha a mesma atitude que eu, não abrir, tanto que o Fortini não caiu.
O Fortini mora até hoje no mesmo lugar. Está la, quietinho, no canto dele com
outro nome, é um cara bom na comunidade, todo mundo precisa dele.
Enrique Padrós: Até hoje o Fortini está com
ouro nome?
Aluízio: É até hoje está com outro nome. É
impressionante a vida do Fortini, e ele trabalha com o prefeito, trabalha com o
delegado de polícia, o governador chama ele, porque ele fabrica máquinas, que
todo mundo já inventou lá atras. Ele me mostrou uma máquina de descascar
abacaxi. Mas isso ai já existe, mas ele fabrica, fica doido, encantado. Ele
inventa máquina de fazer ração, alambique, mas eu acho que ele copia coisas que
já existem e ganha um dinheirão com isso. Ele recebe uma pensão da Itália,
alguma coisa que recebe da Argentina dado por uma senadora, porque ele se
envolve com a política, ele era do partido radical, faz campanha para o partido
radical, o negócio dele é mais atender o pequeno produtor. Ele atende o pequeno
produtor com as invenções dele.
As exposições (agrícolas) são feitas ele está
lá com as maquinetas dele, e ele recebe um fomento para fazer as maquininhas.
Quero dizer que o cara está muito bem, ele virou argentino missioneiro. Ele
está lá no mesmo lugar, na mesma casinha que ele construir com o Gustavo
Buarque Schiller . O jipinho da VPR está lá, enferrujado, caindo aos pedaços,
mas ele faz andar, porque é um excelente mecânico, mas essas coisas o Onofre
nunca ficou sabendo. Nunca ficou sabendo que a gente comprou um castelo, uma
casa de um alemão nazista na beira do rio Paraná, e que essa casa tem até
adega, que para passar da cozinha para a sala de refeição tem que passar por
uma (porta) que roda para o pessoal (serviçal) não ver quem está comendo,
coisas dos nazistas mesmo. Na beira do rio tinha até um correio na beira do rio
com as lanchas lá.
Então havia, do rio Uruguai ao rio Paraná,
esquema de retorno, isso nunca chegou até Santiago, essa informação, se essa
informação tivesse chegado até Santiago teria caído todo mundo. Houve tentativas
de descobrir, o José Carlos Mendes foi assediado pelo Onofre Pinto para contar
onde nós estávamos, teve uma ocasião que eu recebi informação que eu era muito
buscado. Nesse ponto eu tenho que tirar o chapéu para minha mulher. Ai eu pedi
para o Pepe para vir para o Brasil e dizer para minha mulher para pegar um
ônibus vir se encontrar comigo em
Santiago. Eu não fui para Santiago, só para despistar, e ela foi para Santiago,
lógico, fazendo tudo para ser seguida, (logicamente ela deve ter sido seguida até
Santiago), para despistar o Pepe daqui, eu não estava em Santiago, estava aqui,
ao lado.
E quando ela chegou em Santiago o negão
Onofre chamou ela para conversar. O Negão, eu não sei por que (um comandante,
sargento, não pode, não cabe), chamou a Eunice para tomar café em uma
confeitaria e ficou o tempo todo “onde que ele está? Conta para mim, como eu
faço para chegar lá? Como é que faz? Então, será que o Onofre era um argente?
Não sei, só sei que morreu, e morreu pela repressão. Então não era argente, era
um sujeito que queria ter o comando de tudo, o controle de tudo e como uma
parte da organização se desgarrou e passou andar com as próprias pernas e ele
não tinha acesso. Mas na clandestinidade como que vai ter acesso, não pode
centraliza inaudível.
Então depois dessa coisa toda que aconteceu,
eu voltei, cinco anos mais tarde eu
voltei para o estado do Rio (1979). Fiquei no estado do rio participando
de coisas, das coisas da anistia já. Eu era clandestino mas eu pensava assim, e
falava para os companheiros que ficavam cuidando de mim. Se eu for preso não se
preocupe, eu só quero que tenha alguém do meu lado para saber que eu fui preso,
mas se eu for preso eu vou para o “Frei Caneca” e sabe quem vai me visitar?
Fafá de Belém, o Vilela não sei quem. Não tem mais … o projeto de anistia já está na câmara dos
deputados. Eu não tinha mais nenhum receio. Eu andava claro, me cuidando um
pouquinho, mas despreocupado, porque eu preferia ficar no Rio, ser preso no Rio
do que ser preso na Argentina.
Isso em 1979 vim para o rio tranquilo, até
que chegou a anistia, peguei meu irmão que é advogado foi na Marinha pegou o
papel lá um papel de anistia, de anistiado, a certidão de anistiado, e com isso
eu pus no bolso e vim embora. Era o único documento que eu tinha, que eu
queimei os meus documentos falsos, antes de vir para o Brasil.
Gilberto: entrou por onde no Brasil.
Aluízio: Entrei por aqui (Foz do Iguaçu) que
havia na época duas cunhadas minhas que trabalhavam na receita e mais outro
amigo que trabalhava no setor marítimo da Polícia Federal e eles acho que
facilitam um pouco o meu retorno. E era 1979 estava tranquilo, voltei tive
cuidado peguei um carro até Curitiba, de Curitiba outro carro até São Paulo, de
São Paulo outro carro até o Rio, tranquilo, fui para Cabo Frio … inaudível
Enrique Padrós: O Bona Garcia também foi
contatado pelo Onofre em Buenos Aires, o Bona vinha do Chile e o Bona também
desconfiou, vocês não se encontraram?
Aluízio: Não
Enrique Padrós: Só depois? Quando vocês soube
que o Bona também tinha desconfiado, quando vocês trocaram?
Aluízio: O Bona me contou em 1980 e alguma
coisa, eu fiquei sabendo pelo Bona que ele foi assediado, ele assediou também o
Antônio Maffi lá em Braga, assediou o Umberto Trigueiros Lima, ele queria
trazer gente. A missão do Alberi, eu li muito, eu pensei em muita coisa, eu me
informei muito e penso no seguinte, você está julho de 1974 já não havia mais
nada, era o governo Geisel, Herzog já havia morrido, Manoel Fiel Filho também.
Começou um desmonte da estrutura da repressão,
de certa estrutura de repressão. SNI mantém, mas aquela repressão secreta que
recebia verba secreta que estavam fazendo e acontecendo, essa foi desmontando.
Vai tirando ao gás, já não havia mais quem prender, botim de guerra? Já não
havia mais botim de guerra como era. Prendia matava ficava com o apartamento,
com o carro, com o dinheiro. E com isso ai foi montado uma estrutura dentro da
repressão que faturou alto né, muito alto. Só do Jorge levava um monte.
E não havia mais o botim de guerra, verba secreta
… vai esvaziando essas estruturas da repressão. O que que passa pela minha
cabeça: mandar uma pessoa lá fora no Chile, mandou para o Chile primeiro,
depois com a queda de Allende ele foi para o México e para Buenos Aires. Tirar
um cara daqui, escolheram um cara que era militante do MNR, que era famoso,
famoso, que era da guerrilha de Três passos, famoso Alberi. Então ele era uma
referência forte dentro da esquerda, tirar esse cara, mandar para Santiago para
organizar gente para trazer, passar a conversa (bom de conversa) com o povo
doido para voltar, todo mundo doido para voltar.
Fazer isso para que? Só para matar? Trazer e
matar? Então é isso que não cola. Para que? os caras estão lá sossegados, traz
e mata? Então eu começo a pensar, que alguns setores da repressão, alguns
generais, o Paulo Malhães e, não me lembro o nome dos outros, o próprio Fleury
e o pessoal dele tinham que justificar a existência da máquina repressora. Mas
como justificar se não tem nada? Ninguém está fazendo nada, não tem nenhuma
ação, está tudo desmantelado, até o Partidão acabou, prenderam tudo, não tem
mais nada. Eu acho que o Alberi foi para trazer as pessoas para justificar que
o perigo da guerrilha está ai, os banidos estão voltando, olha esses caras ai,
olha o negão Onofre ai, para justificar esse negócio todo.
Tanto que quando eles chegam, eles atravessam
a fronteira com a maior tranquilidade e foram para o sítio do tio do Alberi com
a maior tranquilidade e eles tiram um grupo e eles tiram cindo e levam para um
determinado lugar e executam. Cinco menos o Negão, o Negão continua no sítio.
Mas por que o negão não foi junto? Dá para entender tem que fazer faz de vez.
Seguraram o negão, mataram os cinco (os dois Carvalhos, o argentino e o Ramos.
O Ramos com pouco histórico de resistência, o Ruggia da argentina não fazia
resistência nem lá nem cá, os Carvalhos que eram os mais procurados e o
Lavéchia que era velhinho já. E o Negão ficou, era figurão, fundador da VPR,
levaram o Negão lá na aula, olha os caras, morreram, quer morrer também ou quer
negociar?
Nessa altura do campeonato, você não imagina
que o Negão foi valente, não vamos negociar (foi isso que ele deve ter dito
né), fechou a cara e começou fazendo o jogo. Se ele começou fazendo o jogo,
trouxeram ele para Foz do Iguaçu, que aqui estariam o Malhães e outros para
conversar. Mas o que que eles queriam do Negão? Outros contatos? Tentaram
outros contatos, mas ele não tinha outros contatos. O dinheiro do VPR? Talvez,
talvez, talvez tenha sido o dinheiro da VPR que eles queriam, imaginavam que o
Negão estava lá com dois milhões e seiscentos mil dólares que na época era
muito dinheiro, seguramente ele ainda tinha uns 200 ou 300 mil, entrega a
grana.
Levaram Negão na agência dos correios, enviar
telegrama para o pessoal de Buenos Aires, levaram Negão na agência da
telefônica, Negão foi e telefonou, claro, ficaram cuidando dele. Dias depois
que ele faz esses dois contatos veio a ordem de Brasília, executa o cara e some
com ele. Vai deixar ele vivo, não tinha mais nada para dar, nem dinheiro nem
contato, a ordem veio de Brasília, executa e some com o corpo.
Isso a gente só descobriu anos, muitos anos
mais tarde, o que aconteceu com o pessoal que veio com aquele contato que eu
tive com o Alberi. Talvez a missão do Alberi seja isso, eu não vejo nenhum
motivo dessa missão do Alberi a não ser essa.
Enrique Padrós: Eu concordo com essa tese,
nós conversávamos sobre isso, só tem uma coisa que pensando aqui contigo,
justificar que eles estão invadindo para poder manter a estrutura. No Uruguai
se fez alguma coisa parecida, mas foram mantidos vivos, para poder mostrar.
Porque aqui eles deixam entrar executa e se tem a notícia, mas talvez terias
sido mais impactante mostrar a “terrível” guerrilha está voltado.
Aluízio: mostraram internamente só.
Enrique Padrós: Clara internamente e também
colocaram decisões importantes.
Aluízio: não mostraram o corpo, não fizeram
alarde. Internamente sim, todos os que participaram, escalões importantes,
todos os escalões ficaram sabendo. Não foi uma ação isolada daqui do exército
de fronteira, foi uma ação de cima para baixo, então internamente na escala de
comando não sei se todo o mas uma parte dela ficou sabendo o que aconteceu.
Gilberto: O que é curioso é que o Alberi não
se descobriu de imediato?
Aluízio:Não
Gilberto: Não houve testemunha, mas até onde
se sabe foi a última missão dele, ele não tinha mais serviço, em alguma medida
isso foi um serviço “inventado”.
Aluízio: Porque depois disso o Alberi ficou
por aqui, com essa vida marginal dele, mas quando matam o irmão dele ali na
estrada do colono, o Alberi passa a frequentar o CBA-Centro Brasileiro de
Anistia, frequentou durante muito tempo o CBA, ia lá pedir justiça para o
irmão. Eu não sei a dupla personalidade. Ou se ele estava lá no rio para tomar
mais informações. Hoje não há dúvidas, depois que o Conrado, lá no Uruguai deu
aquela entrevista e que os documentos sobre o Conrado foram descobertos. Quem
tem muita coisa sobre isso é o Cunha, que descobriu recentemente muitos
documentos do Conrado, e que cita o Agente Alberi e a missão no exterior. Tinha
várias missões no exterior. Não foi só essa, tinham várias missões que o
Conrado abriu não sei para quem, e que estavam no documento.
Enrique Padrós: Nos termos da Operação
Condor, que é uma outra problemática dentro dessa dimensão, isso é uma
“Pré Operação Condor”? ?Isso tem a ver
com a operação condor? Ou não? Eu conheci e entrevistei a pouco tempo atrás a
irmã do Enrique Ruggia, e também tem esse fato de ele ser um cidadão
estrangeiro. Ela conta a história que o caso do irmão dela demorou muito tempo
para a sociedade argentina aceitar como um problema interno inaudível. Por outro lado, ela não consegue
visualizar que houve uma conexão argentina nesse fato. Porque claro, como
cidadão argentino, ela gostaria que lá houvesse reconhecimento. Do que tu tens
levantado, do que tu tens feito, das novas informações que tu possa estar
indicando: essa é uma operação brasileira que teve evidentemente a participação
de alguns setores polícias argentinos? Ou dá para dizer que houve alguma coisa
a mais? Teve uma participação também importante dos argentinos?
Aluízio: Quando eles voltaram do Chile e
foram para Buenos Aires, foram todos eles fichados em Buenos Aires, eles eram
refugiados. Moravam naquele Nosocômio é um abrigo e eles eram controlados pela
polícia política argentina no Nosocômio. E eles eram controlados no dia a dia.
Eu não tenho dúvida de que eles eram controlados em Buenos Aires. E quem
controlava? Eu não sei se era a polícia brasileira, a polícia argentina ou as
duas. Mas que a Polícia argentina controlou o movimento dos refugiados
controlou e isso eu não tenho dúvidas. Os refugiados que estavam aqui em
Missiones, Buenos Aires foram todos controlados. Eles estavam de passagem, indo
par algum lugar, algum pais que acolhesse. Acho que foi isso que foi decidido,
acolhe, recebe, mas não fica na Argentina. A colaboração entre polícia política
do Brasil e da Argentina, do Paraguai e depois com a Chilena e Uruguaia, sempre
houve colaboração. Isso você encontra documento nos arquivos, e de monte, sobre
pedidos de informação, daqui para lá, de lá para cá.
Então pode ser que essa operação tenha sido
uma Operação em que a Polícia Política Argentina tenha colaborado com
informações dentro de Buenos Aires, na saída. É bem provável que tenha tido
facilidades em Buenos Aires para poder operar também, para poder sair. Saiu de
ônibus, saiu bem, saiu com um grupo de refugiados de Buenos Aires tranquilo,
sem nenhum tipo de dificuldades, nenhum tipo de dificuldades para chegar até a
fronteira, nenhum tipo de dificuldades para chegar em Posadas que era uma
cidade minada de agentes e atravessam a fronteira. Provavelmente houve algum
tipo de colaboração.
Você encontra documentos que dizem: “Um grupo
de guerrilheiros passou por Eldorado a caminho da fronteira”. Mas isso é
Polícia Federal de lá para a polícia federal de cá que não sabiam de nada.
Porque também tem isso né, se era uma operação secreta que nem toda a polícia
sabia então a polícia que não sabe acaba prendendo. Depois tem que soltar,
ordem superior.
Então você encontra documentos desse tipo,
informações Gendarmeria de Eldorado
informando a polícia daqui que um grupo passou por lá. E foi justamente naquela
época que eles passaram por Eldorado, tiveram que passar por Eldorado para
chegar a Posadas. Não, sai de Posadas, passa por Eldorado para ia a Santo
Antonio. Então deve ter ocorrido isso.
Gilberto: Uma questão importante pelas suas
pesquisas mais recentes e seus trabalhos todo, falar alguma coisa sobre a
estrutura de repressão em Foz do Iguaçu, a dinâmica do aparato repressivo. O
que você consegue definir hoje, como funcionava isso, qual o papel que tinha
Foz do Iguaçu, o papel que tinha a Itaipu?
Aluízio: Para a esquerda, Foz do Iguaçu era
rota de saída de muitas as organizações, a POLOP tinha muita gente por aqui, a
ALN, todo mundo tinha, conhecia gente por aqui, em Argentina em Assunção.
Mas isso não tinha nada a ver com a estrutura
repressiva, porque a estrutura repressiva surgiu aqui, surgiu para controlar os
paraguaios refugiados, que vieram para cá em 1954. Por que sempre houve aquela
coisa, que estão espirando, conspirando e armando. Então havia um setor
de organização política, digamos assim, da polícia federal era mais em função
dos paraguaios a repressão política. Tanto que os inaudível
ficaram ai e nunca houve nada. Nós viemos para cá, também com a maior
tranquilidade não havia nada.
Estavam de olho no Paraguai isso sim. Também
mais ou menos, porque os paraguaios se estabeleceram, viraram comerciantes,
membros do Rotary, do Lyons, Maçonaria, vivendo a vida na cidade né. Fizeram
frequentando o quartel e cantando seresta para o comandante do batalhão. Você
veja bem, mesmo depois de 1965 quando
caiu o grupo do Jefferson Cardim, que trouxeram eles aqui para o
quartel, deram um pau. Eu vejo que quando nós caímos e caiu Nova Aurora, e
mesmo depois que caiu o Jefferson Cardim
não se montou estrutura repressiva aqui na fronteira.
Essa estrutura do DOPS, de espião, não tinha
essas coisas, só começa a aparecer em 1969 e 1970. Começa pela Marinha, você
vai nos arquivos você vai encontrar os primeiros documentos de inteligência na
década de 1970, e os documentos de inteligência do serviço reservado do
exército o S2 começa a funcionar controle político a emitir documentos na
década de 1970. Antes de 1970 a emissão de documentos era raridade, não existe.
Havia o S2 mas para que? Para controlar paraguaio e contrabando, nunca nos
parou. A polícia federal era contrabando, documentos falsos e essas coisas
assim. Mas a partir de 1970, o Serviço de Informação-SI da Polícia Federal
começa também a emitir documentos, controlar e a receber a difusão. Procuras,
buscas, buscas, buscas, buscas, muitas
buscas, e essas buscas estão todas concentradas em 1970. Antes de 1970
você encontra algumas difusões, poucas difusões. Relacionado a que? ao Brizola,
ao brizolismo, ao Darcy Ribeiro a essas coisas, circulava quando chega 1970,
mais para frente 1974 começa a ter algumas ações integradas das polícias, da
Polícia Federal, do Serviço Secreto do Exército com a repressão do Paraguai.
Quando sequestraram os quatro cidadãos
paraguaios: Aníbal, Rodolfo, César e Alexandre. Veja bem, são casos que pouca
gente conhece. No mesmo dia, mesma hora, mesmo minuto, mesmo segundo, eles
foram tirados das casas, da cama, e levados para um lugar que dizem não saber.
Tiraram, sumiram com caras, depois de algum tempo eles aparecem. Foram levados
para Goias, para uma fazenda, uma casa dessas casas secretas do exército.
Ninguém sabe o que aconteceu lá, que tipo de interrogatórios eles sofreram o
que queriam deles. Se foi a pedido do Stroessner? Porque receberam denúncias que
havia um complô para matar Stroessner.
Gilberto: Isso já
no final de 1975?
Aluízio: Não 1974,
foi no final de 1974. Foi logo após a morte do Goiburú, aquele que me engessou e da morte do Aquino, não sei
se eu falei morreu ele e o irmão. Quando eles caíram sequestraram esses
paraguaios, os quatro. Com a acusação de que havia um complô para matar o Stroessner. Levaram para lá eu não sei porque
e eles também não falam. Não sei se sentem vergonha, um era maçom, outro era
Lyons Club, encomendador.
O Rodolfo não quer
falar tem problema, o César é uma pessoa difícil, o César é aquele que eu
estava na casa dele e aparece a moça de nine-saia e eu caso com ela. É o César
Cabral, ficou rico. Hoje é a segunda fortuna do Paraguai, depois do candidato a
presidente é ele, ele é sócio do cara na rede hoteleira.
Gilberto: Desistiu
da revolução?
Aluízio: Desistiu
e ficou rico, ele fala isso. Aluísio, estou rico porque eu desisti da revolução
e aprendi muito com vocês, a ser inteligente, estudar, pensar. “Tudo bem, você
fez a sua opção”. Mas é um sujeito bom. Eu pergunto César o que aconteceu lá?
Por que você foi o primeiro que saiu, você era o único com antecedentes
políticos, foi do MR8, que entrou em contato com o
Incompreensível em Tucumã. Você sabia de tudo isso e foi preso no Rio, a
mulher dele levada para a Ilha das Flores com o neném de 4 meses e soltaram os
cachorros encima do neném para ele falar. Com todo esse antecedente levaram
para uma casa secreta e foi o primeiro a sair, mais por que?
Na casa do Cesar a
Polícia Federal o CIE, ficou na casa dele morando um tempão, esperando alguém
chegar. Eu estava lá fora no exterior, mais tinha acesso a essas informações.
Cuidado, não entrar em contato com o César porque tem gente lá.
O César me disse
que eles queriam saber de mim, esperavam que eu fizesse um contato porque não
sabiam onde eu estava. Tudo isso acontece naquele ano de 1974, e essa operação
dos paraguaios foi uma operação de polícia política brasileira e de Polícia
Política Paraguaia. A morte do casal montonero no Rio Iguaçu, era uma operação
entre Brasil e Argentina não tenho dúvidas.
Gilberto: E o
brasileiro em Porto Iguaçu?
Aluízio: Eu estou
me referindo ao casal, era uma lancha brasileira, piloto brasileiro, bandeira
brasileira e que você encontra documentos no arquivo do arquivo do terror, de
que havia um complô para a vinda desse casal. O casal estava vindo, estava
chegando, estava vindo por Foz do Iguaçu.
Gilberto: Tem uma
referencia sobre uma operação em um bar em Porto Iguaçu em setembro de 1976 que
sequestra e mata um refugiado brasileiro.
Aluízio: Em porto
Iguaçu eu não sei. Porque Porto Iguaçu era mais vila, bem pequeninha. O Alberi
ficou um tempo morando lá, tinha um sítio era contrabando. O Alberi entrou em
uma fase fim é sempre esse, o cara é caguete, traíra, acaba virando bandido e
morre bandido. E o fim dele foi esse.
E o Condor andou
por aqui, andou nessas operações mas andou muito com as trocas de informações.
Essa assessoria de informações da Itaipu, a Itaipu foi especialista nisso. Tem
montanhas de documentos em relação aos uruguaios, trocando documentos com o
Uruguai, com a Argentina, com o Paraguai, com o Chile polícias. A ASE tinha muita gente, primeiro porque a
Polícia Federal é a Polícia Federal, faz concurso bonitinho, é outra cabeça.
Pode até entrar no esquema de repressão, mas não é um profissional da repressão
política, o exército é um soldado é bater continência baixar para lá, baixar
para cá, e quando prende, prende. Mas não é uma OBAN ou um DOI-CODI.
Exército prende
aqui na fronteira e quando prende não sabe o que fazer com aquele preso, não
sabe nem interrogar. Depois se aperfeiçoou um pouquinho. Com a Itaipu na década
de 1970-72-73 começou a vir para cá os manjados, os profissionais da repressão,
os caras que estudam, pegavam preso, interrogavam o preso e diziam você é da
AP, você é da POLOP, isso tudo pelo discurso do preso já identificavam.
Eram caras
estudados e vieram com a Itaipu. Vieram com a Itaipu trabalhar com a Itaipu com
alguma empreiteira. Tinham várias empreiteiras, vários serviços terceirizados,
muita terceirização. Em dólar, muito dinheiro, vai ficar no Rio, em São Paulo,
vieram para cá, morar no hotel Burbom ganhando rios de dinheiro.
Itaipu era um
ninho da repressão política, passou a ser o ninho da repressão política e
viajou para Assunção, Buenos Aires, fazer relatório, você encontra muitos
documentos aqui produzidos pela assessoria da Itaipu paraguaia, encontra lá,
encontra aqui, encontra no arquivo nacional, encontra no arquivo público do
estado do Paraná. Montanhas e montanhas de difusão, então eu não tenho dúvidas
de que Itaipu facilitou e muito, com muita grana, porque era muito dinheiro
para manter aqueles agentes viajando. Eu não sei se eles entraram direto nas
operações, talvez não, mas mais nas informações;
Gilberto: Só para
registrar, são dois documentos que são transcritos em seu livro da documentação
da Polícia Federal, são informes da polícia argentina para a polícia brasileira
e depois ele é sequestrado em Porto Iguaçu “Francisco Marodim”, é um brasileiro
exilado que é sequestrado.
Aluízio: Não sei,
eu encontrei esse documento e não consegui descobrir o quem foi esse Marodim,
mataram ele.
Gilberto: é uma
prova da colaboração da Polícia Política.
Aluízio: eu tentei
descobrir quem era, mas não descobri quem era essa pessoa. Talvez tenha sido
mais coisas do tempo de Brizola, se mataram ele ali em Iguaçu.
Enrique Padrós:
Aluísio uma última pergunta, eu não volto nela, bom no futuro sim. Gostaria de
desejar muito obrigada por essa generosidade e percebo isso da fala que fosse
citado pelos companheiros e muitas companheiras nessa caminhada e nessa
trajetória. E muitos deles fosse citando e dizendo morreu depois, faleceu lá,
foi morta.
A pergunta
seguinte: a gente sabe do teu enorme esforço que você tens feito. Como que se
convive com todas perdas, porque você teve muitas perdas?
Aluízio: muitas,
muitas, muitas …
Enrique Padrós:
Como se convive com isso?
Aluízio: Não tem
como, não é? É muito difícil lembrar. De repente tu está assim, companheiros
que conviveram com a gente, morreram aqui ou morreram no exterior como o Tito.
Então você começa a fazer uma avaliação de tido isso, dessa caminhada não é? Eu
não sei como dizer. Nós tivemos um companheiro nosso que morou aqui no sítio do
Boi-Piquá, e que mataram ele no Rio, que foi o Quincas. Ele era estudante de
economia. Ele morreu na rua Bolivar em Copacabana. Então o Quincas era muito
ligado com nós aqui. Então essas coisas afetam não é?
No meu curso de
Ciências Sociais, para você ver também. Tem eu, Umberto, Rogério (três), Maria
do Carmo (quatro), Vera Wrobel (cinco), Clarisse (seis), Ivan (sete), que eu me
lembro. Dos sete o Ivan morreu, os demais todos foram presos, isso de uma
classe. Teve o Joarez que estava sempre ali por perto e foi uma morte que
afetou muito a gente (quando ele se matou lá né).
Então essas mortes
de fato abalam, abalam mesmo. Tanto que quando nós sobrevivemos nós assumimos
um compromisso de voltar e continuar a luta. Não só pela troca, por termos sido
libertados com a eliminação de companheiros que morreram logo em seguida. Mas
também o compromisso que a gente tem com tantos que morreram em todo esse
trajeto e essa é a coisa não é? Não dá para acomodar.
Muitos
companheiros nossos que a gente encontra acomodaram. Esses dias … eu tenho ido
muito nas reuniões, eu sempre tenho acompanhado as reuniões da Comissão
Nacional da Verdade, os colaboradores nessas coisa todas eu vou. Na instalação
havia muitos ex-presos políticos, inaudível, eu
acho que a Suzana foi também. Mas depois eu olho assim e só vejo eu, gente mais
o que é isso, a Comissão Nacional da Verdade? O Raul Ferreira, ele não chegou a ser preso. Ele foi em uma. Eu não
vejo os presos políticos indo nas reuniões.
Ontem mesmo eu
estava trocando ideias com o pessoal do Movimento Verdade e iça e disse: “Eu
não estou entendendo esse negócio, onde estão os companheiros?”. Eu sei que tem
muita gente na ativa, muita gente na ativa e muita gente que não quer saber de
nada. Quem não ficou louco está bebendo, outros não querem saber de nada. Vai
vota participa e mais nada, a maioria não quer saber de nada. Uma parte
participa mas não é assim, não são tão afoitos. Então a geração de 1968, não
justifica dizer que é uma geração sofrida, massacrada em seus ideais, perdeu
muito e talvez sejam esses os motivos.
Eu não sei quais
os motivos do que acontece com a geração de 1968 em relação as tarefas dos dias
de hoje, as tarefas de hoje: a Comissão da Verdade, fazer avançar um projeto
político, eu quero discutir com o pessoal as questões de inaudível e ninguém quer discutir. Ninguém
quer discutir avanços! Então, eu não sei o que aconteceu! Porque a gente
encontra isso também na Argentina, onde estão? Onde estão os Montoneros? Não
estão participando de nada?
Incompreensível, guarda Nacionalista Peronista. Não
estão vivendo o processo, não estão vivendo o processo. Incompreensível,
então de vez, então essa coisa é um fenômeno. O Pepe Mujica, o que que
Mujica está fazendo além de ter uma vida franciscana? O que ele faz além de
mostrar que prepara o seu café da manhã,
que anda num fusquinha? Tá tudo bem, mas o que avançou no Uruguai?
Então, a minha
geração acho que é muito frustrada, pelas perdas, pelos fracassos, pela
derrota. Porque a derrota não foi apenas derrota militar, foi derrota política.
Não adianta neguinho falar “foi apenas derrota militar, politicamente nós
ganhamos”. Ganhamos uma ova, nós perdemos, perdemos.
É preciso fazer
uma reflexão também na nossa posição política. Havia uma ditadura violenta e
poderosa, havia a necessidade de derrubar, derrotar. Não dava para fazer o que
fizeram os velhinhos do partidão, que ficaram: “Não vocês é que estão
radicalizando, e a ditadura está radicalizando porque vocês estão
radicalizando”. Também não era isso. Mas a gente deveria ter colocado como
bandeira principal da nossa luta, a luta pelo retorno a normalidade
democrática.
As bandeiras
democráticas deveriam ser as bandeiras prioritárias, teria somado forças aos
demais setores democráticos, populares para avançar em uma plataforma
democrático burguesa, que naquele momento era necessário. Foi o que aconteceu
depois, eu acho que nós cometemos alguns erros de avaliação política. É por
isso que a gente foi derrotado politicamente, a derrota militar foi forte,
porque foi a dominação física, mas a derrota política pesou muito na nossa
cabeça.
Depois cai a União
Soviética, merda, cai a União Soviética, a gente tinha uma puta crítica a União
Soviética ao Partido Comunista Soviético, mas ela era nossa referência, era
nossa referência. A gente quando ouvia o hino da União Soviética, via algum
filme Soviético, vibrava, chorava, era uma merda mas era nossa. Era nossa
merda! Como Cuba é, de repente cai o muro, de repente cai tudo aquilo ali.
Acho que tudo isso
foi pesando. E as frustrações que vieram depois, a esperança com o Partido dos
Trabalhadores, a esperança com Dilma, essas coisas. A gente joga muito forte
com a esperança e vê que não é assim, que não é assim.
Gilberto:
Encerrando, com o agradecimento, independente de que tivéssemos inúmeras outras
questões, e sempre tem questões vontade de pedir mais a sua opinião, a sua
interpretação hoje. Mas acho que a gente só pode dizer que fica impressionado
com a quantidade de coisas que se produziu em um dia de trabalho e agradecer
muito e dizer que ao mesmo tempo a gente não vai para de incomodar vai
apresentar outras demandas, acho que é isso.
Aluízio: Sempre
fica alguma coisa para atrás em relação a nossa experiência na região, ao nosso
contato com a população isso fica para uma outra oportunidade ...
Sessão 2
Primeira parte da sessão dois, dia 23/3/2013, casa
do Aluizio
Transcrição: Débora
(2ª seção, 23/3, a
confirmar)
Aluízio:- É,
de fato, nos últimos trinta anos, muita coisa foi produzida. Vocês mesmos, lá
em Rondon têm uma produção grande, né?! As universidades produzem todo dia,
toda hora, todo mundo produz. Os jornalistas produzem, os escritores produzem,
os pesquisadores produzem documentos e mais documentos, livros e mais livros. Ou
seja, a Comissão Nacional da Verdade teria e está fazendo, o que? Um apanhado
de tudo isso, né?! E escrevendo. Vai ser o relatório, vai ser o relatório.
Aqui, se a Comissão é uma comissão do Estado, não é do governo, é uma comissão
do estado, o que ela escrever passar a ser a história. Imagino assim...
Carla:-
Oficial...?
Aluízio:-
Oficial, éa historia. E todo o material didático de ensino fundamental, médio,
universidade, vai ter como referência o relatório. Ai a gente pergunta:“Nós
precisamos mudar a cabeça dos militares?” Nós não, eles têm que mudar a
cabeça... Guerra Fria acabou não tem mais Guerra Fria, o perigo interno não
existe, a doutrina de segurança nacional é uma coisa que ficou lá para trás.
Então, vamos tirar da grade do colégio militar, tanto do colégio militar de
ensino médio, como das academias militares, aquela grade da doutrina de
segurança nacional. E passa a ser, o relatório da Comissão Nacional da Verdade,
a referência para as academias e para a escola.
E para as escolas a polícia federal mudou a grade, mas
para as escolas das polícias militares dos estados, que nas escolas que,não sei
se são de todo o estado, mas na maioria dos estados brasileiros, dentro das
escolas de formação de policiais militares, que é a polícia dos estados, a
visão que se tem de História é a visão da doutrina de segurança nacional ainda.
Então não é só dentro do exercito, marinha, aeronáutica, nos colégios
militares.
Não sei se eu contei para vocês, que no ano antepassado,
a mãe de um aluno de uma escola militar, de Belo Horizonte, ligou para mim
desesperada. Porque o filho dela levou meu livro para a sala de aula e ela foi
chamada, se o aluno insistisse ele seria expulso, que não podia entrar com
literatura subversiva, com aquele conteúdo dentro do colégio militar. Então,
existe essa mentalidade no século XXI, tantos anos passados.
A gente espera que, pelo menos essa tarefa a Comissão
Nacional da Verdade consiga fazer: a de mudar as grades e a visão, as visões
né, dentro das escolas militares, para que os novos militares, para que os
oficiais que estão surgindo, e vão surgir daqui para frente, tenham uma visão
democrática, uma visão democrática das coisas né. E não essa visão que eles
possuem atualmente, a própria polícia militar, que é uma visão de bater, bater
e bater, matae depois justifica como auto de resistência, porque aprendeu lá
atrás como fazia um auto de resistência, que justifica a violação do direito
humano.
Carla:- A
ideia de que a população brasileira apoiou a ditadura, a sua fala mostra que
isso não pode ser dito dessa maneira nem com essa visão doméstica. A gente
percebe que, em outros processos, como por exemplo, o que aconteceu na Espanha,
depois das Foças de Franco e que houve uma explosão de memória, que eles chamam
assim, e que isso começou a vir à tona. Hoje em dia se faz uma avaliação, que
coloca como um problema essa criação de uma história oficial, porque ela
passaria a ser a verdade do estado, então claro, a gente coloca uma expectativa
imensa num relatório da Comissão, porque se ele vai ser usado como a história
oficial, o que vai estar escrito lá, né...?!
Aluízio: - Então hoje, a comissão é
composta de sete. Têm três juristas, três membros ou quatro membros, saíram do
poder judiciário. Tem um tucano lá, que é o José Carlos Dias... É o poder
judiciário né, o atual e acho que fora do poder judiciário só tem a Rosa
Cardoso e a psicóloga lá né, que eu não sei o nome dela agora. Só tem os dois,
os outros saíram do poder judiciário. Mas todos...a gente acredita que todos
eles, com exceção talvez... até o José Carlos Dias, vão se basear nos
relatórios, nos relatórios que eles estão recebendo né... Eu acredito que vai
ser um bom relatório. Que não pode ser diferente. Estão ouvindo todos, eles não
estão convocando todos, mas todos que se oferecem eles ouvem.
A participação do Brasil na Operação Condor, quem vai
escreve e vai trabalhar o relatório é o Luís Cláudio Cunha. A pessoa que nós
sabemos que é um bom pesquisador, que trabalha há anos essa questão, e está
indo a fundo nisso ai, né... Então eu acredito que vai ser um bom relatório
sim, não tenho duvidas.
Gilberto:- Me
diga dentro desses estudos históricos que tem sido feito, jornalísticos, como
que o senhor acompanha as disputas que têm em torno do que foi a ditadura. Sabe
a história da Folha de São Paulo com a “ditabranda”; as comparações: “ah, na
Argentina foi pior”; ou mesmo interpretações do tipo de que, a ditadura só
começa mesmo depois do AI-5; ou que a ditadura termina em 79 com a anistia e
não muito tempo depois. Não sei em que medida esse tipo de interpretação está
presente é reproduzida socialmente, tem espaço na mídia.
Aluízio:- É,
existem muitas disputas né, mas disputas pequenas, médias e grandes, né. Então
existem disputas entre os comitês, existe a fogueira da vaidade. Recentemente a
Comissão Nacional da Verdade fez um pronunciamento, e o Jair, Jair Krischke ficou muito bravo porque ele dizia que, foi
ele quem investigou tudo, e a Comissão da Verdade não reconhece a autoria do
trabalho dele. Um pouco de vaidade, todo mundo né... Isso seria um tipo de
disputa, existem outras que são dos grandes veículos de imprensa, que ai mais
uma vez você chega nos pactos né.
Eles vão até que ponto, que eles não
podem repercutir os relatórios, e os pronunciamentos a Comissão Nacional da
Verdade, que vai contra a toda uma linha editorial, da Folha por exemplo. Que
quando vai haver o comitê da verdade em São Paulo, está trabalhando muito isso,
já tem documentos suficientes, declarações suficientes da participação da Folha
nas operações de prisões e tal, de campana – campana é ficar observando – e
participação da Folha de São Paulo.
Então quando esse relatório vier à tona,
que é da comissão nomeada pelo governador do estado de São Paulo, comissão
oficial do estado de São Paulo, quando sair a Folha vai publicar? Dificilmente
né, não sei né se vai publicar. Então tem essas coisas ai né.
Gilberto:- A questão do
envolvimento empresarial, uma das coisas que apareceu agora na Fiesp, em certa
medida o Borcemjá se sabia, mas parecia ser algo muito isolado, parecia não era
representado. Mas era a Fiesp enquanto instituição, o presidente da Fiesp
frequentando um centro de tortura.
Aluízio:- Pois é, então, se
isso vai repercutir não sabemos né, mas você vê por outro lado, o presidente da
Confederação Brasileira de Futebol, que é o Marin está lá, continua. Não saiu
apesar de todo o bombardeio, apesar de tudo que foi dito, escrito, falado, ele
continua lá, tá caindo, mas não cai, não sei se chega até a copa né...
Gilberto:- Mas não são
informações... Essa por exemplo, do envolvimento empresarial, que por trazer o
sentido história da ditadura, mais amplo, que não só o militar, tá em
contradição com esse espírito de conciliação? Porque é difícil você conciliar
quando você percebe que a ditadura cumpriu um sentido histórico, que se
expressa nesse movimento empresarial.
Aluízio:- Mas você vê a contradição
que vai existir. Ter uma lei que propõem
a reconciliação nacional, por outro lado, as investigações vão levar a certos
confrontos e o que vai acontecer lá na frente, nós não sabemos.
Como que a Comissão Nacional da Verdade vai dizer: “isso ai não pode
investigar, isso pode, isso não pode”? Tem que investigar tudo, e os comitês
estaduais, eles cumprem esse papel. A Comissão Estadual da Verdade do Paraná,
falando do nosso chão, foi feito uma constituição boa, só que o governador não
dá posse. E ela vai investigar desde Porecatu até as coisas mais recentes. Vai
se centrar muito em cima da universidade na questão da reitoria Porecatu, vai
fazer um trabalho... Eu estou propondo que a Comissão Estadual da Verdade, faça
um trabalho sobre a fronteira, tem um grupo de trabalho específico para
fronteiras, nossa fronteira, fronteira do Paraná né, que é uma fronteira
extensa, onde aconteceram muitas coisas, desde Mundo Novo, Guaíra ali até
chegar a Barracão. Então, nós temos essa fronteira com o Paraguai e com a
Argentina, e a Comissão Estadual da Verdade poderia ter um grupo de trabalho,
que poderia esse grupo de trabalho estar baseado na universidade estadual, para
fazer um trabalho de pesquisa de fronteiras, especifico de fronteiras né, “A
Ditadura e a Fronteira do Paraná”.
Carla:- Talvez uma última
questão. O senhor gostaria de fazer para a gente uma avaliação do que foi a
Ditadura, qual o papel histórico dela?
Aluízio:- Agora ou depois do
almoço?
Carla:- O senhor que sabe.
Aluízio:- Não, agora, agora...
Aproveitar que tá... Então vamos dar uma palmada né. Pois é, você veja, quando
esse grupo – não digo os militares, porque não dá para generalizar né -
assaltou o poder, assaltou o poder né, tentaram em 54 não deu, porque o
(...?...) deu um tiro lá e abortou o golpe, mas a República do Galeão foi uma
tentativa de golpe. Tentaram impedir a posse do Juscelino, teve aquele
manifesto do Marechal Lott e também abortou o golpe, impediu o golpe e JK tomou
posse. Tentaram depois impedir a posso do presidente João Goulart e não
conseguiram né, o movimento da legalidade, aquela coisa toda.
Ai em 64 (vai fazer aniversário agora
né) criaram as condições de forma subjetiva e objetiva, prepararam bem, muito
bem prepararam, com o dinheiro que entrou, criando o Instituto de Ação
Democrática e todas essas coisas, criando as comissões propícias para o golpe
através de manifestações, marcha da família “Com Deus e pela Liberdade”, o
perigo comunista de fechar tudo, de tomar as igrejas e transformar a igreja em
creche, de tirar os filhos das famílias, comer criancinhas, então teve todas
aquelas condições de uma guerra psicológica interna para o golpe.
Então assalto ao poder, assaltam ao
poder, assaltam o poder em cima sem saber o que fazer com ele, tanto que havia
uma proposta de eleição em 65 e haveria eleição em 65, e aquela grupo já sabia
que com a eleição o Juscelino poderia voltar, ai o grupo vai editando,
editando, editando suas leias, seus atos ilegais, mas atos dentro da legalidade
da ditadura, ela criou sua legalidade, ela teve juristas que criaram toda uma
legalidade para o ilegal. E traça uma doutrina de segurança nacional e uma
doutrina de desenvolvimento nacional e o que ela deixou? A pergunta é o que ela
deixou não o que nós sabemos, o que ela deixou no campo do desenvolvimento
nacional um país extremamente endividado. Cresceu? Cresceu! Cresceu em que
sentido? No sentido das grandes obras, mas houve um endividamento por outro
lado.
Que tipo de crescimento nós tivemos,
tivemos quando eles deixaram, entregaram o poder para os civis, entregaram o
país com... não tenho os números agora... com alto índice de inflação né,
inflação de dois dígitos ou três dígitos, era uma coisa terrível, todo dia a
maquinha de marcar o preço né. O salário aviltado logicamente, porque como não
havia aumento salarial o poder de compra estava lá em baixo, lá em baixo,
apesar da indústria de manufaturados crescer e produzir geladeira, televisão...
E o poder aquisitivo não dava possibilidade da massa assalariada adquirir os
bens de consumo que a indústria estava produzindo né.
Então deixa o país endividado, uma alta
inflação, o poder aquisitivo lá em baixo, não resolveu a questão do
analfabetismo, que o mobral foi um fracasso, ou seja, mostrou que a tirania por
mais que tenha sob o controle o poder legislativo, a imprensa, os sindicatos, a
academia, as universidades, tudo sob seu controle não conseguiu fazer o país
avançar, avançar no sentido de melhorar a qualidade de vida da população, a
tirania não resolveu, deixou um saldo de mortos, desaparecidos, prisões,
traumas e está vindo tudo a tona agora.
Pagamos um preço muito alto por uma
aventura, uma aventura, uma aventura patrocinada pelos Estados Unidos, pelo
governo americano, que não queria perder o Brasil, tinha medo do Brasil ser um
forte aliado de Cuba, ou uma segunda Cuba no cone sul, tinha medo do comunismo,
ou seja, medo aquela paranoia americana do anti comunismo, da Guerra Fria, nós
fomos vitimas da Guerra Fria.
O país passou por tudo isso e o saldo é
esse, o saldo foi muito ruim, não deixou nada, deixou a copa de 70 (risos), a
copa de 70... O que a ditadura trouxe de bom? Vamos procurar alguma coisa de
bom, o que pode ter deixado de bom, as grandes obras, ponte Rio Niterói, Itaipu
Binacional, a Transamazônica (risos), as grandes obras. Então e hoje existe um
tabor, que pouco se fala, mas existem pesquisadores já trabalhando nisso, que a
corrupção foi muito grande, porque assumiram o poder com visão militar, com a
visão ética dessa academia e aquela coisa toda, mas com o tempo foi se
corroendo, tanto que Figueiredo e o Golbey eles viam que o poder militar, que a
instituição militar no Brasil estava se corroendo devido a corrupção, e a
corrupção começava dentro de casa, fulano comprou carro zero e você não tem,
fulano foi para a Europa você não.
Bom, a corrupção em alto nível de
corrupção dentro das forças armadas estava deteriorando a instituição militar,
até isso eles conseguiram, deteriorar uma instituição militar permanente,
instituição nacional permanente que tem toda uma história, conseguiram
transformar soldados, suboficiais e oficiais em mortos e assassinos e
torturadores, coisa que nunca torturaram, as três armas conseguiram isso e mais
a corrupção, conseguiram até eles próprios que foram vitimas do sistema que
montaram ai né.
Segunda parte da sessão 2, gravada na casado Aluizio, em
23/3/2013 (já retirada parte de bate-papo)
Entrevistador 02: Então. A gente tinha pensado em ver,
também o senhor fez a avaliação da ditadura, se poderia fazer uma avaliação
talvez da luta armada como um todo no Brasil.
Aluizio: Hum.
Entrevistador 01: Revolução.
Entrevistador 02: Da revolução, estratégia.
Entrevistador 02: Não sei se você também quer formular
Gilberto? Melhor?
Entrevistador 01: Não.
Aluizio: A gente poderia começar por ai?
Entrevistador 01: Sim.
Entrevistador 02: Pode ser. Estamos gravando né Lucas?
Agora não?
Entrevistador 04: Comecei antes de começar falar agora.
Entrevistador 02: Tá.
Aluizio:Então tá bom pode ser desse jeito (inaudível).
Essa avaliação existe, várias avaliações hoje né sobre do, do que aconteceu né,
quem fala muito é o Daniel Aarão Reis, ele fala muito, fala até demais.
Entrevistador 02: Ahum.
Aluizio: Tem coisas que dá até pra concordar, mas, veja
bem, quando a gente depois daquelas analises e leituras e debates sobre as
etapas da revolução, a gente foi amadurecendo a ideia de que a contradição
principal não era não era a nação brasileira e o imperialismo, não era uma
contradição ao nacional onde que embarcava numa mesa na frente como burguesia e
classe operaria, camponesa e tal e
amadurecemos a ideia de frente da luta de classe, da frente operaria
camponesa contra a burguesia né e a
ditadura como instituição da luta de classe como instituição de interesses,
privilégios da burguesia, que a ditadura veio exatamente, que veio pra
conservar manter e defender os privilégios e que no agravamento da luta de
classes na década de 60 quando a luta de classe chegou ao seu nível mais
elevado em outras, em outros momentos da história nacional do que classe não
chegou a ser tão aguçada tão radical
como foi é na década de 60, no início da década de 60. Eu só vi algo semelhante
no, só vi algo semelhante no Chile, no Chile tava assim a flor da pele, né. Era
muito nítido o confronto de classes no Chile né, mas, o confronto de classes no
Brasil também estava nítido e muito nítido no campo e muito nítido com o
movimento sindical de um lado travando as suas batalhas e a burguesia
defendendo seus privilégios e conspirando, batendo na porta dos quartéis e como
dizia é verdade, os militares não queriam dar o golpe, não era já tinham se
ferrado quebrado a cara três vezes. Saíram de uma campanha da legalidade, eles
foram, foram, foram eles foram conquistados ou impulsionados pelo latifúndio e
a burguesia e o departamento do Estado e entraram na coisa e gostaram da coisa
e ficaram né, então o marcador do golpe e acabaram indo pro governo e gostaram
de administrar o Estado e acabaram ficando durante todo aqueles anos porque é
um processo de ficar, é um processo de ficar. Quando nós, eu preciso alongar um
pouco porque se não fica uma resposta muito solta, então quando a gente decide
fazer o confronto tendo em vista essa perspectiva, perspectiva de derrubar a
ditadura e implantar, a verdade era essa nossa perspectiva democrática,
socialista, essa nossa perspectiva de libertação nacional de construir uma
socialia , quando a gente decide fazer isso nossa visão era fazer isso é com um
grande partido, construir um partido para fazer isso, que não era mais o PCB
que era de fazer isso com insurreição de massa, com movimento de massa, com
greve geral, com greves setoriais, entende, com passeatas, movimentos, então
vem as passeatas, vem a greve de Osasco, greve de Contagem, dentro da visão
insucerealista né, que mais quando é o processo de repressão vai se , vai se
agravando e vai sofisticando também a repressão as nossas visões vão mudando
insurreição com guerrilha, guerrilha e insurreição, é preciso de um negócio
armado, não é?! Pra construir um partido é preciso a defesa armada, então
movimento de massa com defesa armada, é a defesa armada do movimento de massa,
e até que, até que o AI5, o AI5 vem não
é e fecha definitivamente todas as possibilidades de se fazer o movimento de
massas e dai a perspectiva de guerrilha ela predomina e prevalece, tanto que o
PCBR que tinha visão e conteve a visão durante de muitos anos em construir um
partido revolucionário e derrubar a ditadura pelos meios de movimentos de
massas, o PCBR muda, bastante muda, muda sem mudar, não mudou o escrito mudou a forma de
praticar. O PCBR deu uma organização
trotskista. Eles não querem aceitar, uma organização troquista quena prática. O
PCdoB se envolve completamente na construção da guerrilha no Araguaia, Ação
Popular já não existia mais, Ação Popular passou toda lá pro PCdoB, ficou uma
parte ainda da Ação Popular que não aderiu naquela época ao PCdoB né, que foi o
pessoal do pastor, ex-deputado Paulo Wright, esse pessoal da Ação Popular, ela
continuou com a sua visão de ir para o campo ir pra fábrica e seu militante e
virar operário virar camponês, vira sei lá aquele processo da Ação Popular. As
demais organizações caíram em cima, fazer guerrilha fazer expropriação, vamos
fazer uma arma de quartel, toca de guerrilha tal e num processo as ações foram,
foram evoluindo, evoluindo. Hoje você faz uma análise de tudo que aconteceu, e
vê, havia outra saída, não havia outra saída, nós não tínhamos outra saída,
porque só o partidão não aderiu, mas foi vítima lá na frente, só o partidão não
aderiu, tirando o partidão e essa ala da AP que ficou que não aderiu ficou ah
do Betinho e do Wright eu não sei quem mais seria dessa, dessa, desse segmento
da Ação Popular e a Polop que ficou porque a Colina saiu e continuou na Polop e
esses demais foram pra luta armada, impulsionados ou pelo movimento
político que o país vivia ou pela, pelo,
pelo fim de qualquer possibilidade de luta, por meio e os pacíficos
institucionais ou também por influência da Revolução Cubana do Padre Camilo
Torres da Montanas da Colômbiado Glandado no Peru, não é isso? Não é isso, do
Peru o Degradava, na Venezuela, e no Peru era o, o.
Entrevistador 01: Blanco. O Hugo Blanco.
Aluizio: Hugo Blanco, que (inaudível) ali no Uruguai.
Essas influências mais coisas guevaristas né?!E toda a literatura que surgiu,
“O regime aberto sobre revolução” isso tudo levou a gente caminhar nessa, nessa
direção, nessa direção. Então poderíamos ter aderido, ido pra outro caminho?
Tinha a gente poderia não ter feito nada, muita gente ficou sem fazer nada, uma
opção também né?!Não deixa fazer nada, assistir e esperar a ditadura cair de
podre, ou atuar dentro do MDB, ou atuar no meio sindical, minando com
jornalzinho, meio clandestino tal também é foi opção, e foram opções e todas
foram opções válidas. Contei pra vocês da outra vez, a gente chegava na casa do
(inaudível),fulano, de ciclano, batia na porta , vamos subir a serra
moçada?! Não eu tenho família, eu tenho
isso tenho primo, eu não posso vão vocês estudante solteiro não é, ou seja,
muitos ficaram pra traz, muitos, mas muitos, muitos mesmos, mas também foi uma
opção ficaram pra traz, ficaram, derem
apoio derem respaldos , foram simpatizantes, derem apoio de todo tipo, só
tiraram o apoio quando a repressão (inaudível) família tirou apoio, tirou
apoio, tirou amigos, tia, né todo mundo. Nós ficamos isolados, isolamento e
aniquilação, cerceamento e aniquilamento né da guerrilha quando, mesmo a gente
ficou sem base social completa né, nem dentro da família nem dos companheiros,
o que era um perigo, um contato qualquer tipo de contato era perigoso,
quando(inaudível)foi pro Chile trouxe uma cartinha morreu né ?!Então eu não
vejo sabe, sinceramente eu não vejo a possibilidade hoje assim se nós teríamos
uma outra possibilidade de caminhada sabe?! Talvez, talvez a gente tivesse é,
tá concentrado nossas forças é no movimento de massas, mas que movimento de
massas se não era possível mais fazer o movimento de massas de nenhum tipo? Nem
dentro das faculdades, nem nas fábricas, pessoal de Contagem, foi fazer
guerrilha na Colina, a Conceição, Manuel Parda todos eles as lideranças de
campanha as lideranças de Osasco entraram na VPR que não havia condições de
continuar fazendo greve dentro das fábricas é na região do ABC. Então tentou-se
mas não conseguiu, ninguém, eu não acredito que o Roque com Ebraim é ali de Osasco entraram na VPR
porque queria entrar na VPR por uma aventura, não eles queriam ficar na
fábrica, eles entraram porque não tinha mais condições de continuar fazendo é o
trabalho político dentro das fábricas do
ABC tá, é assim seria o que eu vejo, penso muito nisso não sabia outra saída
né?! Não sabia outra saída, havia possibilidade de outra saída. Ficar no
partidão, pra ganhar o Congresso do partidão tem mostrado que é impossível tem
mostrado, tanto que o PCBR desistiu de ganhar o Congresso do partidão.
Continuar no partidão, continuar no partidão pra fazer imprensa clandestina,
continuar combatendo dentro da legalidade talvez fosse uma possibilidade dentro
da estratégia do partidão, parte de uma frente política com a burguesia não é,
dentro de uma frente política ampla que o partidão se envolveu até na frente
ampla com Lacerda e Juscelino né, então o partidão definiu um caminho, vamos
derrubar a ditadura usando os instrumentos da ditadura, as armas que a ditadura
nos dá a legalidade que a ditadura nos dá né, essas pequenas brechas que nós
temos ai dentro das instituições, mas o partidão também quebra a cara lá na
frente, cai a direção, cai a direção central, cai a direção de intermediárias,
as quedas foram cair até aqui no Paraná como foiaquela (inaudível) que perdeu
todo o partidão do Paraná operação, tudo tem nome, o Ivan, Ivan, Ivan de
Curitiba, o Ivan que escreve livros, tenho o dado dele aqui, bem ali aquele
azul, tira ali, tem o nome, esse não, aqui azul, bem ali.
Entrevistador 03:
Milton Ivan.
Aluizio: Milton
Ivan. Ele
escreveu muito sobre, sobre as prisões do partidão no Paraná né?! Porque ele é do partidão né?
Entrevistador 02: Ah sim
Aluizio: Ele era né?
Milton Ivan. Não escapou ninguém, não escapou ninguém, até
parlamentares, até parlamentares, porque uma, eu sempre digo gente, tem
oposição armada, tem oposição isso, tem oposição sindical, tem oposição
camponesa, tem oposição (inaudível), mas tem a oposição parlamentar, não se
pode esquecer que dentro do parlamento, figuras como Alencar Furtado e outros
da ditadura, Chico Pinto não é poxa vida. Então é preciso dar um destaque
especial na oposição parlamentar, derrota da ditadura não foi uma coisa de um,
muitas coisas acontecendo né?!
Entrevistador 02: Sim.
Aluizio: Muitas coisas acontecendo né foram minando
alcance interno, externo que a oposição parlamentar teve um papel né, muito
importante.
Entrevistador 01: Essa seria exatamente a questão
seguinte.
Aluizio: De que?
Entrevistador 01: Pedir um pouco sua opinião sobre se a
ditadura caiu de podre, se ela foi,é uma das teses, se ela planejou o seu fim
com êxito, ou se ela planejou seu fim, mas, não,não foi de formacom que ela
queria, é se foi derrubada pelo governo de massas. Qualque é a ponderação desse
conjunto?
Aluizio: Uma coisa é certa,não foi derrubada pelo
movimento de massa, isso. Não foi, sem dúvida, sabe por quê? Tanto que a
pressão internacional foi muito grande, tem as prisões, não sei o nome da
operação lá.
Entrevistador 03: Marumbi.
Entrevistador 01: Marumbi.
Aluizio: Marumbi. Operação Marumbi, então o eloque a
Itaipu ia buscar recursos lá fora, né?! , e nos protocolos sempre havia duas
condicionantes, ambiental e direitos humanos e todos os financiamentos dos
bancos internacionais cobravam isso do governo brasileiro que também os
financiadores eram cobrados pelas organizações de direitos humanos no mundo
todo e por, pelos brasileiros que estavam exilados. Os brasileiros que estavam
exilados estavam todo dia na frente da embaixada na frente dos bancos fazendo
movimento né, e cobrando coisa e dentro dos Estados Unidos surgiram grandes
aliados e fortes aliados, isso tudo ai, mas as coisas que aconteciam aqui, mas
as pegadas, que amarca repressiva cometeucom a morte no final do Manzagol e
Manoel Fiel Filho né e essas coisas acontecendo, mas a corrupçãodentro das
forças armadas, mas o milagre que não deu certo, a inflação, o endividamento de
terra, isso ai chega um ponto que não dá mais, vamos entregar essa ratadura ai
pra frente né, não foi nem planejado, vamos entregar né, tentou-se fazer uma
abertura gradual, lenta ah não sei o que mas foi indo.
Entrevistador 02: É. Gradualmente segura.
Aluizio: Segura, mas acho que foi feito, foram feito
muito rapidinho né?! Muito rápido, tentaram ainda fazer essa abertura dentro da
câmera dos deputados, com eleição do Maluf, Maluf, mas a oposição parlamentar,
mas a oposição internacional, nacional, não sei o que deu maioria a oposição e
acabou no colégio eleitoral ganhando de Tancredo, depoisda nossa derrota na
direta já né.
Entrevistador 02:
Ahum.
Aluizio Palmar: Mas foi tudo também, o movimento de massa
na direta já, mas a ditadura, tava podre quando surge a direta já, não tinha
mais condições de, que foi um grande movimento de massa foi a direta já, não
tinha mais condições de, que foi um grande movimento de massa foi o direta já,
na verdade só foi quando foi exibido o
apodrecimento da ditadura, os militares
não queria sair, entregar, tava buscando uma forma de sair, queriam sair pelo
meio institucional, ganhar a eleição na
Câmera, não deu, ganhou o Tancredo e
Tancredo morre né.
Entrevistador 02: Ahum.
Aluizio Palmar: Não se sabe por que,pra que como até
hoje.
Entrevistador 02: É.
Aluizio Palmar: A morte de Tancredo nós não temos a causa
esclarecida.
Entrevistador 01: E as greves do ABC? Que papel que
tiveram?
Aluizio Palmar: Já foi no outro processo exterior né, foi
dentro desse processo de abertura já né, processo de abertura, 79(1979),
79(1979), 78(1978), finzinho, 79(1979), já no apodrecimento da ditadura,
acredito que sim, isso foi, se o sistema tivesse fechado não teria greve no
ABC.
Entrevistador 01: Ahum
Aluizio: Mesmo assim o Lula foi presidente né?!
Entrevistador 01: Sim.
Aluizio: Foi preso, a direção foi presa, padres foram
presos, a morte do Fiel Filho foi antes né?
Entrevistador 01: Sim, 76(1976), logo depois do
(inaudível).
Aluizio: É.
Entrevistador 01: Sim.
Aluizio: Já era uma violência mais forte né. Estamos
indo.
Entrevistador 02: Estamos indo.
Entrevistador 01: Já fomos muito.
Entrevistador 02: Fomos.
Aluizio:Que?
Entrevistador 01: Já fomos muito.
Aluizio: Já, nós temos esses roteiros né?!
Entrevistador 02: É.
Aluizio: Na verdade é que fomos derrotados, nós da luta armada
a nossa derrota foi derrota militar e forte, nós fomos massacrados, nós, é, são
coisas não tinha mesmo, eu penso assim, nós tivemos uma ilusão.
Entrevistador 01: Uma falha?
Aluizio: Não sei cara, não consigo entender se foi uma
avaliação errada que como pode um grupo de jovens, maioria, você vai ver o
perfil de todos os combatentes, das organizações armadas, maioria saíram das
classes médias, as chamadas médias urbanas, a maioria, tem muitos camponeses,
alterados, mas a maioria, e jovens, e jovens, mas nós sem experiência militar,
mas todos foram a luta. Luta de libertação começam assim, começa sem
experiência militar, sem arma boa, nossas armas eram insuficientes, nós
sabíamos que nossas armas não eram suficientes, a gente tentou comprar,
chegamos a comprar uma grande quantidade e que viria pela embaixada da Argélia
do Brasil e da embaixada da Síria. Fizemos uns contatos ,estabelecemos
contratos com o pessoal das cidades e caiu, quando caiu é a VPR, Juarez de
Brito, Maria do Carmo Brito.
Entrevistador 03:
Pessoal da VPR?
Aluizio: É. Quando eles caíram, já entregaram todo o
esquema com a embaixada da Síria e a embaixada da Líbia, mas quando nós caímos,
a repressão já tomou conhecimento disso, porque sabia que o dinheiro do bom
burguês, uma boa parte foi pra comprar armas fora, que nós tínhamos consciência
que nossas condições eram precárias, mas mesmo que nós tivéssemos armamento
bom, nós seriamos massacrados né, não tínhamos condições de ai vai ligar lá.
[CS: TENHO DÚVIDAS
SE NÃO FALTA UMA PARTE NESSE SESSÃO]
Sessão três
Transcrição
feita por Juliana. Seção 3 de Aluizio Palmar, feita no CD Foz, só Carla
entrevistou
8/10/2013
Carla Luciana
Silva: Hoje é dia oito de outubro
de dois mil e treze, nós estamos aqui na sede do Centro de Direitos Humanos e
Memória Popular de Foz do Iguaçu. Vamos fazer um depoimento tentando comentar
um pouco a atividade realizada no dia vinte e um de setembro de dois mil e
treze, conforme o Aluízio Palmar vai comentar agora para nós.
Aluízio Palmar: Bem, no dia vinte e um de setembro, um grupo de
ex-militantes da Vanguarda Popular Revolucionária, se encontrou. Foi uma
confraternização por um lado, por outro lado, foi para nós muito importante
como uma reconstrução de memórias, reconstrução de nossas memórias e das
memórias coletivas, teve esse papel. O grupo se reuniu, então no ponto de
encontro que foi a cidade de Montes Claros na Província de Misiones –
Argentina.
Em seguida nós fomos fazer uma
visita no lugar Missionero de Che Guevara, o local onde passou sua infância, a
infância de Che Guevara foi naquela área. Fica a beira do Rio Paraná, na margem
esquerda do Rio Paraná, no lado argentino, estivemos ali no local, onde o pai
dele a mãe dele as irmãs dele administravam uma fazenda de erva-mate, extração
de erva-mate, que ali não era uma região de madeira, e ai nós estivemos fazendo
aquela visita importante naquela região da infância de Che Guevara.
Mais tarde, a gente deslocou
até a cidade de Aristóbulo del Valle, que fica bem próxima da fronteira entre Brasil e
Argentina, ainda na província de Missiones, para passar para o outro lado tem o
Rio Uruguai. Aquela área onde nós estivemos seria uma das duas áreas que a VPR
tinha naquela região.
Mas ai acontece o seguinte, a
nossa falta de planejamento, e é difícil você fazer planejamento dentro da
clandestinidade, ainda mais na clandestinidade da clandestinidade - já vou
explicar – porque veja bem, o sítio, a área onde o Roberto de Fortini implantou
uma base, foi ele e o Gustavo Buarque Schiller, eles construíram aquela base, com
objetivo de receber os militantes da VPR que estavam em treinamento, que haviam
saído de Cuba e estavam voltando da Coreia do Norte. E ao lado, eu também
estava com outra base, fazendo a mesma coisa que eles. Tanto que ali ao lado do
sítio do Fortini tem um lugar chamado Salto Encantado, fica ao lado a três
quilômetros, nem isso, e Salto Encantado foi onde eu chaguei em 1969 para fazer
uma descaracterização.
Eu não sabia que o Fortini
estava ali do meu lado, o Fortini já estava quando eu cheguei, ele e o Gustavo,
estavam levantando a casinha. Eu cheguei ao lado deles, em um lugar chamado
Salto Encantado, bem do ladinho três quilômetros. Cheguei eu e o Pepe, o boliviano,
eu fui para tirar a tinta do cabelo, tirar lente de contato, isso em um contato
meu lá em Salto Encantado. E eles não sabiam e eles não sabiam, depois quando
eu fui para Campo Grande, mais próximo a fronteira já ocupar uma posse um
sítio, fiquei fazendo a mesma coisa, construindo uma base para receber o
pessoal que estava voltando do treinamento, o mesmo trabalho do Fortini. E ele
não sabia que eu estava na cidade bem perto dele, em Campo Grande, uns 30 e
poucos quilômetros, acho que nem isso, bem do ladinho. Porque é assim, Aristóbulo,
Salto Encantado e Campo Grande.
Eu cheguei primeiro em Salto Encantado para fazer a minha
descaracterização para entrar em Campo Grande que é um sitio, que é uma posse,
porque na verdade todo mundo ali era posseiro. A região que eu fui era uma
região de posseiros brasileiros, eram brasileiros vindos do Rio Grande do Sul e
estavam ocupando a fronteira, uma boa parte também fazia contrabando de trigo,
né? Que era o pessoal do comércio, ali da barranca do rio, onde eu estava eram
posseiros plantadores de chá, pantação de chá. Já o Fortini estava em uma área
de mais argentinos, o sítio do Fortini
foi um sítio adquirido.
Aluízio Palmar: Eu estava esquecendo de dizer o
seguinte, que além dessa base do Fortini em
Aristóbulo del Valle e outra em Campo grande, havia uma terceira base. A
terceira Base ficava em Capiovi que fica na barranca do Rio Paraná, bem próximo
ao Rio Paraná.
Ali a VPR comprou uma propriedade, uma boa propriedade, e
bem próximo a ele havia um Castelo, era uma casa imensa com porão, com um baita
porão todo embaixo da terra, não sei se era para guardar comida, vinho. Era de
um alemão, a gente imagina que era um desses que vieram logo após a 2° Guerra
né? E morava ali, havia até um correio na beira do rio e os barcos passavam
para deixar correspondência. Foi uma coisa muito interessante que o Fortini que
comprou para a VPR de Capiovi.
Do sítio de Capiovi ficou um pedaço, tem um pedaço lá ainda,
que é a ruína do castelo, o castelo pegou fogo. Tem uma área de contrabando e
não sei que, do outro lado tem uma via paraguaia um lugar perigoso. O Fortini
morou lá muito tempo, ele estava sempre com um pé em Aristóbulo e outro pé ali.
Qual era o projeto? O projeto do Fortini, que na verdade ele
veio para a Argentina sem ninguém saber onde ele ia, nem ele e nem ??????? eles
não disseram para ninguém em que lugar estariam a posição geográfica né?,
cidade localização. Eu também, ninguém ficou sabendo onde eu estava, por isso eu disse
clandestinidade dentro da clandestinidade. Nós éramos os clandestinos mas
dentro da VPR nós também éramos clandestinos.
Carla Luciana
Silva: Foi quando vocês saíram do
Chile?
Aluízio Palmar: Sim,
Carla Luciana
Silva: E alguém tinha a coordenação
dessas três áreas?
Aluízio Palmar: Não, era a clandestinidade dentro da
clandestinidade. Dentro da VPR só sabia da área do Fortini, o próprio Fortini,
o Gustavo, a Nadja e os contatos que o Fortini tinha na região. Da minha base
só sabia eu, Mendes, Pepe, e os contatos que eu tinha na região. Que era o
homem da farmácia a mulher dele do meu cabelo, a Drª Glades ?????? que tinha um sanatório na cidade da
Candelária e o Drº. Alderete de Campo Grande que também tinha um sanatório.
Então era uma rede se sanatório, dois sanatórios e uma farmácia. Eles chamam de
sanatório, mas na verdade é mini hospital, dois mini-hospitais um em Candelária
outro em Campo Grande e a farmácia de Salto Encantado, essa era minha rede.
A rede do Fortini já era uma
rede diferente, era uma rede de cultivo de horti-fruti, ele produzia muita
horta, hortaliças, muitas verduras, e ele vendia no mercado lá de Posadas,
chamam de feirinha ou mercadinho. E ele já estava querendo levar as hortaliças
lá de Mendoza e trazer de Mendoza ???????????????????/ e também gente entende.
Qual era o projeto de Fortini,
era uma lilha de montanha que chegava na barranca do Rio Uruguai e ia até
Paraguai, por isso que tinha aquele castelo até Capiovi. A montanha e o mato
iam até Capiovi. Já o meu era mais simples, era direto para o Brasil, direto
para a minha região, que era uma região de Santa Rosa essa coisa assim.
Ou seja, a gente estava
fazendo a mesma coisa, na mesma área, sem um saber que outro estava fazendo,
desperdício total de forças e de
recursos, porque poderia estar em outra região, não precisava estar ao lado
dele né?, e era até perigoso, porque eu poderia cometer um erro qualquer minha
área queimar e consequentemente queimar o Fortini. Ou vice-versa, poderia
acontecer algum caso de ele e o Gustavo se queimarem e me queimar também,
porque a repressão começa a procurar gente né?
Por isso que quando eu me
envolvi com o Movimento Agrário Missionero e queimei e tive que sair da região
eu poderia ter queimado o Fortini. Eu saí da região, mas não ele estava lá para
avisar Fortini caí fora. Eu não sabia dele, eu sabia que eles estavam ali
em algum lugar, porque certa ocasião eu
andava na cidade de Oberá, estava indo da fazenda para o sítio, saindo de um
sanatório e indo para outro, e na cidade uma pessoa me viu e me chamou, que foi
o Gustavo Buarque Schiller, eu custei à reconhece-lo, mas eu encontrei com
Gustavo em Oberá. E depois me encontrei com a Nadja, com a Nadja foi ponto, com
o Gustavo foi casualidade, assim como eu vi o Gustavo e o Gustavo me viu,
poderia ter um agente da repressão estar por ali. Mas faz parte do negócio. Eu
imaginava que eles andavam pela região, só não sabia aonde, mas os nossos
planos eram esses.
Quando nós fomos no dia vinte
e um de setembro que nós fomos conhecer esses lugares, não deu para conhecer os
três, nós não fomos nem a Campo Grande, onde ainda vivem alguns contatos,
camponeses que viviam ali. E nem fomos no castelo de Capiovi, fomos apenas a Aristóbulo.
Que é uma coisa muito interessante, que o Fortini convive com toda a
comunidade, e tem o trabalho dele de produção de Máquinas e produz “N”
máquinas, todo o tipo de máquinas, ele é um engenheiro de máquinas, ele cria
maquinas ele mesmo constrói as máquinas eu já havia ido da outra vez, havia ido
com o Ladislau Dawbor, o Bona já tinha ido antes, eu fui porque eu só fiquei
sabendo que o Fortini estava vivo em 2004, em 2004 que eu tive o contato com o
Fortini. Foi quando o Fortini me encontrou, eu não sabia se o Fortini estava
vivo ou morto, ou oque. Então em 2004 a gente se encontrou, e eu fui lá no
sítio, do Fortini, eu fui com o César Cabral, depois eu voltei mais uma vez,
com o Ladislau, e essa foi a terceira ida.
O Ubiratan de Souza foi a primeira vez, o Calino a primeira
vez, o Bona já foi a segunda - quem mais esteve lá – o Mendes foi a primeira
vez, o ????//// também a primeira vez. E dois companheiros de Três Passos
tinham ido das outras vezes, que eram da quela pesqueira, que eram daquela
pesqueira da VPR que era quele projeto, eram projetos muito grandiosos, de
produção de peixes. E a produção dos peixes tinha muito a ver com a base
tática, que era uma base tática da VPR, na região de Três Passos na fronteira
com a Argentina e que caiu em 1969, tenho impressão que foi em 1969 que caiu a
pesqueira, quando o Fortini foi preso.
Então os dois companheiros já estiveram lá, que foram da
pesqueira também. Então é o grupo da VPR que foi. O grupo que esteve ali
reconstruindo a memória, lembrando dos companheiros, foi muito bom, foi muito
emocionante, acho que, estar ali naquele local. O Gregório, por exemplo, que
era o Ubiratan de Souza, ele foi fazer o treinamento na Coreia, ele seria uma
das pessoas que a gente receberia, ou eu, ou o Fortini, receberia ali, para
depois entrar no território nacional.
Ai você pergunta, acho que eu entendi, “entrar para que?”. É
difícil dizer entrar para que, o Bona ia entrar? Eu não sei. O Ubitaran ia
entrar. O ????????/ ia voltar, muita gente ia voltar. Voltar para que? Talvez
para fazer algumas operações, uma retomada de contatos. Nós já não estávamos
pensando em formar coluna guerrilheira. Na verdade havia uma certa dúvida,
voltar para que? Havia uma vontade de voltar ou um compromisso em voltar, as
duas coisas juntas.
Mas a intenção era essa, sair do Chile e ir para aquela
região, virar colono, virar camponês e ser mais um. Na minha região, como era
uma região de mais brasileiros, era mais fácil até de se inserir, porque as
pessoas atravessavam o rio, com muita facilidade. Por causa da farinha, então
tinha os farinheiros, os balseiros, um conluio geral que ninguém pedia documentos.
Passavam para o outro lado, voltavam, os colonos tinham família, passavam o
final de semana do outro lado, voltavam passavam a semana em casa. Até que um
dia o governo Argentino viu que aquilo ali estava virando uma região de
“brasentino” não é?, que era como aqui, uma região de “brasiguaios”.
Uma região onde circulava moeda nacional brasileira,
falava-se português em pleno território argentino e os caras atravessavam
assim, como se estivessem em sua própria terra. Então começaram a tirar, eu saí
antes da expulsão dos brasileiros da região Misionera de Campo Grande
Aristóbulo até ????????/, que era a região ocupada.
Carla Luciana Silva: Mas o que foi que
aconteceu que você se queimou lá na região?
Aluízio Palmar: No meu caso, havia um movimento
chamado Movimento Agrário Missionero, não era para eu me envolver, mas eu era
produtor de chá. Pequeno produtor, ali todos eram pequenos, mas não haviam
grandes produtores só pequenos, tanto que a colheitadeira era coletiva, todos
usavam. A gente só pagava a manutenção, todos usavam. E todos nós trabalhávamos
de forma coletiva também, eu tinha minha produção de chá, mas eu ia trabalhar
na colheita dos meus vizinhos, e meus vizinhos iam trabalhar na minha colheita
e assim era a coisa né?.
Então como havia o Movimento Agrário Missionero que
reivindicava a melhoria no preço do chá, eu não podia ficar fora, fiquei
dentro, mas um pouquinho só dentro, não tanto. E houve uma repressão violenta
contra o MAM. O MAM tinha umas táticas radicais, de queimar viatura da polícia
jogar ??????/ na estrada, coisas assim. Então houve uma radicalização do
Movimento Agrário Missionero, que era coordenado pelo ERP – Exército
Revolucionário Popular, já era PR e estava virando o ERP.
Isso foi, [durante o governo de] Lanusse, General Lanusse
era presidente da Argentina, já preparando a transição para a volta de Peron,
entrando o Campo, mas ainda era Lanusse. Então a repressão foi meio bárbara, e
eu então senti que eu estava me queimando muito naquela área, então eu fui para
Posadas, para o Sanatórios de Candelária, fiquei lá hospitalizado.
Hospitalizado não porque eu fiquei dentro do sanatório.
Carla Luciana Silva: Candelária é no
Brasil?
Aluízio Palmar: Não, Candelária é na Argentina na
região de fronteira. Depois eu fui saindo, fui saindo e depois eu fui para
Posadas. Quando caíram três companheiros nossos em Assunção, que foi aquele
grupo de execução do General Alfredo Stroessner, os irmãos ???????/ e mais um
companheiro. Quando os três caíram, logo em seguida prenderam o ?????????(Agustín Goiburú), ai eu vi que não
tinha mais possibilidade de ficar em Missiones.
O mesmo ???????? falou para mim, cai fora daqui por que a
situação é muito complicada e estava complicada. Eu construí uma metalúrgica,
[trabalhei na metalúrgica], então eu já estava queimado em Posadas e próximo às
coisas acontecendo. As prisões em Assunção, e provavelmente quem caiu em
Assunção foi torturado, e não sabendo até que ponto eles resistiam, na dúvida,
saí da área.
E não deu outra, a ?????????????// entrou no sítio de Campo
Grande. E havia umas metralhadoras que eu engraxei, muita graxamesmo, latas
imensas de graxa, para elas ficar dentro da graxa, em sacos, e enterrei. Fiz
vários depósitos, o Dr Alderete sabia dos Depósitos, e o Alderete foi preso e
caíram as metralhadoras. O Alderete
ficou preso um tempão na Argentina e depois foi mandado para a Suíça. Voltou da
Suíça quando houve a redemocratização da Argentina.
Então de fato, o sítio estava queimado. Mas a queimação era
rede. Eu estava clandestino em relação ao Chile porque não tinha necessidade de
abrir para o Chile, mas tinha que abrir para a militância, que era o pessoal
que estava no norte do Paraná,[juliana 1] que não sabiam qual era a localização do sítio, o Mendes
não sabia a localização do sítio. Mas os paraguaios que estavam em Assunção
sabiam a localização do sítio, pelo
Alderete. Então é o efeito dominó, um caí aqui e vai. Eu escapei por
pouco dessa coisa, porque se eu tivesse continuado no sítio, eu teria caído, eu
era brasileiro né?
Carla Luciana Silva: Vocês chegaram a
receber companheiros que vinham, chegaram a ficar lá, o da Coreia?
Aluízio Palmar: Não, não chegamos a receber. O Pepe foi para
tomar pé da situação e ver a linha de chegada já para trazer o pessoal, que era
o o boliviano o ????????????/ que mora em Santa Cruz. Ele foi, esteve lá no
sítio, e até se encontrou comigo num boteco, estava lá com os colonos tomando
cachaça, com chapéu de palha, eu vivia assim caracterizado como um colono. Ele
me viu e eu vi ele passou, eu fui atras e ele me disse, eu vim aqui já para
trazer o pessoal. Mas logo em seguida tivemos quela queda, caiu Recife, né?. Recife
caiu em janeiro de 1971, certo?, foi quando caiu Recife 1973?
Aluízio Palmar: O Pepe foi a base na Campo
Grande, ele ia levar primeiro um grupo de três ou quatro pessoas, no máximo,
não chegaria a cinco. Seria um grupo pequeno, para não chamar atenção e voltou
para o Chile, e ninguém apareceu lá porque caiu Recife.
Quando caiu Recife a luzinha vermelha acendeu, infiltração
(Cabo Anselmo), a organização estaria em tese contaminada. Não sabíamos até que
ponto, nós tínhamos segurança que ali o chile não conhecia, essa segurança nós
tínhamos, de que o Chile não conhecia a nossa localização. Mas em Santiago, a
militância da VPR entrou em povorosa
[apavorada?]. Ninguém sai daqui para lugar nenhum, agora é investigação, a
moral caiu muito, a combatividade foi lá para baixo, a falta de confiança
generalizada. Impossível fazer qualquer coisa.
E começou então um processo de sobre a conjuntura nacional a luta armada, já
havia esse processo mas agora amadureceu muito mais, ainda em 1973 o isolamento
político e as derrotas e as mortes e a queda de Recife devido infiltração,
logo, Cabo Anselmo, e já se havia confiança. E a questão do Honofre Pinto foi
complacente, e totalmente liberal né? Havia uma desconfiança muito grande em
relação ao Honofre Pinto e a militância não sabia até que ponto Onofre Pinto
conhecia as bases onde eles iam, será que não é o segundo Recife? Estamos indo
para onde? Para o açougue?
Isso ai levou com que houvesse desmobilização geral e
completa de vez, isso ai, mas o Movimento Agrário Missionero, eu me senti
queimado. Eu vou ficar fazendo o que aqui? Não vem mais ninguém.
Carla Luciana Silva: E o Fortini?
Aluízio Palmar: Ai que está? Eu não sei de onde eu fiquei
sabendo, acho que foi de Posadas que eu fiquei sabendo que do Chile não iria
aparecer mais ninguém. E eu fui a Santiago, eu voltei a Santiago, para saber o
que estava acontecendo. Toca não toca, o que faz com isso. A minha coisa, eu
não sabia do Fortini, o que faço. A gente foi para uma reunião não sei onde,
era em um sítio, e decidimos fazer a desmobilização da Luta armada, a
dissolução, e eu voltei para a Argentina, para a minha áreas, desmobilizei tudo
e fui para Posadas. Fiquei em Posadas, fazendo metalúrgica e fazendo alguma
coisa junto com esse pessoal da Argentina a questão do Stroessner né. Até que
eu vi que não dava mais nada e fui sobreviver. Agora eu vou ficar por aqui,
porque cai Allende, logo em seguida cai Allende, teve o “tancaço”, eu fui [para
o Chile] logo depois do “tancaço” voltei, e quando eu quis voltar para o Chile cai
Santiago, a Unidade Popular, então não pude mais voltar.
Mas eu sabia que o Fortini estava por ali, mas eu não tinha
como entrar mais para a região. Eu não podia entrar na região para avisar
Fortini, mas Fortini tinha seus canais. Fortini falava com a Europa, ele falava
italiano, tinha passaporte italiano, podia pegar um avião em Buenos Aires e ir
para Itália. Tinha canais com a Itália, tanto que o Gustavo foi estudar na
França, saiu dali, foi estudar na França, voltou. Os contatos de Fortini eram
todos via Europa. Se ele perdeu contato com Santiago ele continuou mantendo o
contato com a VPR na Europa. Diferente do meu caso, no meu caso eu perdi o
contato com todo mundo, caiu Allende eu não tive mais contato com ninguém. Eu
nem sabia se o Pepe morreu ou estava vivo, do Mendes, não sabia de mais
ninguém. Os paraguaios tinham caído lá em Assunção, morreram, depois fiquei
sabendo que morreram na tortura ??????. ??????.
E o grupo que saiu e foi para a Argentina, teve um grupo que
eu vi que estava lá em Posadas, eu pequei um menino na rua comprei cigarros e
mandei entregar, diga que foi um amigo que mandou entregar. Eu não quis manter
contato, eu estava em possadas e o pessoal que veio de Santiago ficou internado
[enterrado?] no hotel, de trânsito para ir para algum lugar. Por que Peron
aceitou com essa condição, né?, aceito os refugiados mas em trânsito. E aquele
pessoal que ficou de trânsito em Buenos Aires vei para cá, né?, e morrendo
aqui. Então essas bases tinham praticamente esses objetivos.
Fortini se manteve, eu não sei como o Fortini sobreviveu
esses anos de 1972, 1973, 1974, 1975, 1976 e a ditadura argentina de 1976 em
diante. E aparece, o Fortini aparece bem
depois da Anistia, bem depois da Anistia ele aparece para o Bona, em Porto
Alegre. E em Três Passos que ele criou junto com o ???????????/ uma associação
de perseguidos políticos. Ele nunca deixou essa luta né?
Mas ali, dentro de Aristóbulo ninguém sabia das atividades
que Fortini tinha, das ideias de Fortini, ele está agora se abrindo. O filho
dele não sabia que ele era um homem de esquerda, ficou sabendo recentemente, em
questão de três anos, um homem já, deve ter uns 30 anos já aquele rapaz. Ele
era clandestino mesmo, porque ele também foi sobreviver. A opção dede foi
sobreviver. Não podia voltar para o Brasil, podia ter ido para a Europa, para a
Itália, mas ele quis ficar por ali, a vida dele é o sítio e o trabalho
comunitário. Ele acha que fazendo um trabalho comunitário ele está fazendo a
revolução, essa é a visão dele. Então ficou por ali.
Carla Luciana Silva: Na verdade quando
você volta para o Brasil em 1979, você volta de Posadas então?
Aluízio Palmar: Não eu saí de Posadas quando
caiu o grupo lá de Assunção, e fui para o Chaco.
Carla Luciana Silva: A resistência. E lá
que é a Fábrica de Soda?
Aluízio Palmar: Quando caiu Assunção e caiu Foz
do Iguaçu, caiu três aqui em Foz do Iguaçu, caiu Assunção, o Goiburu ainda não
havia sido sequestrado, mas logo em seguida o Goiburu é sequestrado e também
desaparece. E antes eu fui ao Goiburu e ele disse cai fora daqui, ele estava
todo queimado, você pode cair a qualquer momento. Eu não sei se eu estava
queimado, eu não tenho ideia, nem procurando documento. Eu encontrei um
documento que diz que um agente me viu em Posadas, não sei até que ponto eu
poderia cair ou não. Mas na dúvida, como não havia mais nada para ser feito
ali, eu foi para Chaco, na resistência. E foi de lá que eu voltei para o
Brasil. O Fortni continuou ali, continuou no castelo em Capiovi, que é o
castelo e na base, que foi onde nós estivemos no dia vinte e um de setembro de
dois mil e treze. Por isso que a gente disse, que foi o primeiro aparelho, o
aparelho que não caiu. Não caiu nem esse e nem Capiovi e lá em Aristóbulo ele
tem os equipamentos de máquinas e um jipe que ele usava.
Carla Luciana Silva: Por isso que vocês
chamavam de o jipe da VPR?
Aluízio Palmar: É, é aquele jipe que está ali.
Aquele era o jipe que ele usava para ir, porque o Fortini montou essa estrutura
de hortaliças e tinha uma “quitanda” lá em Alta
Posse, ele tinha uma pessoa para cuidar mas o negócio dele era a
horta, cuidar o alface, do repolho, tomate e não sei o que. Esse era o esquema
de Fortini. Um troço assim esquisito, típico dele.
Carla Luciana Silva: Funcionava?
Aluízio
Palmar: Funcionou,
porque ele carregava as hortaliças, o Gustavo e todo o pessoal dele.
[1] Enrique
Padrós: E temos a história do Rebeldinho.
Aluízio:
Eu nunca vi guerrilha com cachorro! Só a nossa mesmo. Nós estávamos no mato e
apareceu um cachorro, não sei se era de algum sítio por ali ou se era de um
caçador. Nós adotamos o cachorro e demos o nome de Rebeldinho para o
cachorro, que ficou com a gente por ali e depois foi com a gente para o sítio e
ficou no sítio. Quando eu caí, caiu o sítio, que já tinha outro dono, porque eu
vendi o sítio e o cachorro também e daí os militares levaram, eu não sei por
que levaram o cachorro para o quartel. Ficou lá no quartel um tempão. Acho que
era porque lá no quartel tinha uma onça e diziam que iam jogar o Rebeldinho
para a onça. Não estou nem ai se deram o Rebeldinho para onça. Mas um
dia eu estou ali na janela e o Rebeldinho lambendo bota, o famoso lambe
bota (rsrs). Esse era bambe bota mesmo. Correndo com a linguinha de fora
brincando com os milico … mas é traíra (rsrsrsrs) Nunca mais eu o vi.
Enrique
Padrós: cachorro sem consciência de classe (rsrsrs)
Aluízio: Sem consciência de classe, despolitizado, quanto tempo do nosso lado de repente muda desse jeito; pulou a cerca não é? Essa é a história do Rebeldinho. (rsrsrsrs).
[juliana 1]Quem eram essas
pessoas e quais atividades que estavam organizando no PR
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