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quarta-feira, 25 de janeiro de 2023

Entrevista de Aluizio Palmar aps provessores Enrique Padrós, Carla Silva e Gilberto Calil

 

O ventilador de teto girava em velocidade máxima e eu ali rodeado pela equipe de professores que veio à Foz do Iguaçu para me entrevistar. Eu já conhecia Carla Luciana, Gilberto Calil e Marcos Vinicius. Conhecer Enrique Padrós e tê-lo como entrevistador foi uma grata satisfação.Ele é um incansável pesquisador do período da ditadura militar .

A entrevista rolou na sala de catecismo da Paróquia Anunciação do Senhor, que foi gentilmente cedida pelo padre Carlos Sosa.

Acertados os detalhes técnicos e minha postura, o estudante da Unioeste, Lucas Gaspar ajustou a câmera e Gilberto Calil deu início ao que resultou em cinco horas de gravação.

Gilberto Calil - " Essa entrevista faz parte de um projeto que vai durar vários anos, envolvendo diversos pesquisadores. E nós pretendemos ter como questão principal de pesquisa o tema a repressão e resistência à ditadura no Oeste do Paraná. E o primeiro grande ponto da pesquisa seria essa entrevista.

Enrique Padrós - Acho importante isso que eles estão fazendo, Aluízio, porque nesse grande boom que está tendo agora, em tempos de Comissão da Verdade, precisamos começar a resgatar também a história desses estados e dessas regiões, que não é nada conhecida, e que não fazem parte das produções que são feitas a partir de São Paulo e Rio de Janeiro.

Então, esse envolvimento de pesquisadores sérios é uma coisa muito positiva.

E as pessoas começam a falar. No caso do senhor é fundamental, porque figura pra nós como uma espécie de manancial de informações.

Aluízio: É..., tem aparecido coisas interessantes. Ontem eu li um depoimento da Ana Muller, que foi advogada de presos políticos. Ela conta que a dona Niomar Sodré, que foi proprietária do Correio da Manhã, esteve presa em uma sala situada na parte de cima da antiga rodoviária do Rio. Essa é uma história pouca conhecida. O Correio da Manhã foi a favor do golpe, mas logo em seguida abriu suas páginas para políticos liberais e intelectuais. Isso desagradou os militares.

Enrique Padrós - Tem também aquele fotógrafo argentino o Gustavo Germano, que faz as fotos dos Ausentes. Eu sei que ele fotografou algumas pessoas aqui no Brasil. Um dos casos que ele escolheu foi o da Suzana Lisboa e Luiz Eurico. E a Suzana comentou depois que eles passaram o dia inteiro em Porto Alegre, no sábado para fazer uma foto. E ele escolheu fazer a foto que estava a Suzana, a mãe da Suzana e o Luís Eurico, em frente ao prédio em que eles moravam. Foi o dia inteiro para registrar a fotografia. E a Suzana ficou muito preocupada com a mãe dela exposta ao sol e essas coisas. E a Suzana dizia: Gustavo acho que a gente pode acelerar esse horário”, e ele respondia: “não mas ai a gente teria que esperar a incidência do Sol, a sombra do prédio”, enfim, passaram o dia inteiro.

Teve um momento em que a Suzana virou disse: “mãe, vamos embora e a gente volta depois”. E a mãe da Suzana respondeu: “Eu vou ficar!”, “Mãe vamos descansar depois tu volta aqui”. E ela insistiu: “Eu vou ficar, tu não vai me tirar desse lugar, porque eu também perdi um filho e nunca ninguém me perguntou”. A Suzana quando ouviu isso ficou chocada: “Mas mãe, como?”, disse, “quando desapareceu Luiz Eurico ele era como um filho para mim. Mas é claro, estavas tu e estavam os irmãos dele, nunca ninguém me perguntou o que tinha sido para mim a perda dele”.

 

Gilberto: Nos interessa tudo, gente sugere começar pela sua formação familiar, primeiros contatos com a militância.

 

 

 

 

 

 

 

Eu sou natural do Estado do Rio de Janeiro, de São Fidélis, cidade da região norte fluminense, produtora de café e cana de açúcar. Apesar de estar aqui na fronteira por todos esses anos, mantenho forte minha matriz “papa-goiaba”. 

Nasci em 24 de maio de 1943; em um mundo convulsionado pela Segunda Guerra Mundial. Meu pai tinha um armazém de secos e molhados, que vendia de tudo,  carne seca, sorvete, picolé, cereais, bebidas, utensílios de alumínio e de cerâmica. Era uma espécie de shopping do interior. O pessoal vinha da roça,  comprava os suprimentos de primeiras necessidades e também ferramentas, como enxada, facão e foice

A cidade era relativamente pequena, possuía por volta de vinte mil habitantes e na época, orbitava em torno da Igreja Católica e seu templo imenso,  construído no início do século XIX, por escravos e indígenas que habitavam a região.

Nossa casa ficava próxima ao centro da cidade e o armazém era frequentado por políticos do PSD e do PTB. Não estou lembrado de udenistas conversando com papai. Aliás, os poucos udenistas que existiam em São Fidélis, sumiram com a morte de Getúlio Vargas.

Quando Getúlio morreu eu tinha 11 anos e minha recordação do 24 de agosto é muito forte. A escola dispensou os alunos antes do recreio e no caminho para casa eu ouvia as rádios tocando música clássica e a leitura da Carta Testamento. Papai fechou o armazém, mamãe chorava e recordava a trajetória de Getúlio.

A morte do presidente e a Carta Testamento causaram um forte impacto em minha formação. Aquele ano de 1954, com toda a agitação política e os embates entre o varguismo e o udenismo me engajaram em definitivo no viés social da política. Eu era muito novo, criança ainda, mas entendia que no confronto político havia um setor, digamos, elitista, que levou Getúlio à morte e outro que defendia os direitos dos trabalhadores, dos mais pobres.

No ano seguinte, eu, garoto de calça curta, entrei de cabeça nas campanhas de papai à vereador e de Juscelino à presidente. Foram as minhas primeiras pichações e panfletagens. Nos meses que antecederam o 3 de outubro, o Armazém Palmares era parada obrigatória dos políticos do Rio de Janeiro que iam à  São Fidélis. Volta e meia a cúpula do PTB aparecia por lá e ocupavam a "venda". Mamãe colocava sua melhor roupa e servia bolinhos de bacalhau e café passado no coador, enquanto papai contava as últimas para os visitantes. Foi assim que eu conheci o médico comunista Adão Pereira Nunes, o Bocaiuva Cunha, então diretor do jornal Última Hora e Roberto Silveira, que dois anos depois seria eleito governador do Estado do Rio.                

Eu acho que foi aí, nos anos 54/55  os primeiros passos nessa militância. As broncas com os udenistas e as campanhas trabalhistas foram me moldando.

Mais tarde, já cursando o ginásio, minhas ideias se confrontavam com as dos padres. O Bispo da Diocese de Campos dos Goytacases era extremamente reacionário, sendo um dos líderes do grupo Tradição Família e propriedade.

Foi uma fase complicada de minha vida. Naquela altura do campeonato eu já começava a entender melhor as coisas, graças as conversas que eu mantinha com um grupo de operários que havia chegado de fora para calçar as ruas com paralelepípedo. Eu estava ia sempre no acampamento dos calceteiros para conversar deles eram do Partido Comunista Brasileiro, do “Partidão”, uma coisa “perigosa” na época.

Eles falavam do socialismo que estava sendo construído na União Soviética, da luta de classes, essas coisa. E  justo nesse momento, o meu professor de matemática, um geólogo que havia ido pra São Fidélis fazer pesquisa nas minas de malacacheta, me emprestou alguns livros marxistas. Devorei em poucos dias a manual de Filosofia, de Afanasiev, o Manifesto Comunista e a Mãe, de Gorki. Tenho uma imensa gratidão aos trabalhistas, aos operários do calçamento e ao doutor Cunha, por terem colaborado na minha conscientização. Mais tarde, já um pouco depois do golpe de 1964, eu fui visitar meu antigo professor de matemática em seu apartamento no Flamengo. Eu o encontrei acabado. Havia sido preso e exonerado do setor de geologia Ministério de Minas e Energia.  

Outra pessoa que teve uma grande influência em minha formação foi o Paulo Mendonça, um agricultor e pescador, dono de uma ilha no Rio Paraíba.  "Seu" Paulo, era getulista convicto, com uma forte tendência para a esquerda. Era o mais fervoroso simpatizante de Fidel Castro e Che Guevara de São Fidélis. O primeiro exeplar do Gramma que eu vi foi o "Seu"Paulo que me deu. Um de seus filhos foi batizado com o nome de Fidel Guevara Julião Brizola. Isso lhe rendeu iniciamento em IPM e alguns dias de prisão durante a ditadura.

Essas minha amizades, foram fundamentais na formação de minha consciência crítica.

O contraditório desse lado bom e alegre de minha adolescência era eu estudar no Ginásio Fidelense, e ter de me submeter à orientação de uma igreja Católica extremamente reacionária. Mas, aos trancos e barrancos eu toquei o barco até terminar o curso ginasial. conversando com meus amigos de esquerda.

Foi uma adolescência rica de ensinamentos, de muitas atividades. Era futebol, carnaval, trabalhar no armazém, estudar e participar das coisas da cidade.

Lembro de um protesto contra a empresa que fornecia eletricidade para São Fidélis. Os apagões eram constantes, o gerador não funcionava. Então, fomos pra frente do escritório da Luz e Força, acho que era a Light, e quebramos porta e vidraças das janelas. Eu tinha 12 ou 13 anos e lá estava fazendo a minha travessia  do rubicão.

Essa foi minha vida em São Fidélis, situada tão perto do Rio de Janeiro, mas que pra mim e meus irmão era longe pra danar. Nosso meio de comunicação com Niterói ou Rio era o trem da Estrada de Ferro Leopoldina, que alguns chamavam de Leopoldina Railway. A linha de trem ligava Niterói, então capital do Estado, à cidade de Leopoldina, em Minas Gerais.

Havia um dia da semana, em que entre os vagões de passageiros vinha o vagão banca de jornais e revistas. Eta ferro!, nesse dia eu e meu irmão mais velho fazíamos a festa. Comprávamos o Jornal do Brasil e revistas. Minha revista preferida era as Edições Maravilhosas, que eram clássicos da literatura em quadrinhos. Eu cheguei a ter uma coleção com quase com exemplares.

Pois bem, toquei o curso ginasial, questionando as verdades estabelecidas por um lado e recebendo por outro lado a pressão de uma sociedade conservadora e religiosa, onde a Igreja Católica dava a nota e cantava a música.     

O cúmulo dos cúmulos foi quando os padres me obrigarem a fazer a primeira comunhão. Aquilo me revoltou pra caramba. Eu já havia termina o curso ginasial, aliás com mérito, mas pra receber o cerficado de conclusão teria de comungar. Aquela coisa mística, de corpo de Cristo, não fazia meu estilo. Aos contrário de meu irmã mais velho, eu não frequentava missa e tampouco andava na cola dos padres e das congregações religiosas. A minha turma era outra. Eu andava com os boêmios da cidade, o pessoal da seresta, os poetas e em busca dos saberes do doutor Cunha, o geólogo da malacacheta   

 

Então acabei fazendo a primeira comunhão na marra pra pegar o canudinho. Um dia antes eu havia dito pro papai que não ia fazer a vontade dos padres. Porém, papai foi rigoroso. Tinha de fazer, pois nós íamos embora na semana seguinte. Sim, a gente estava indo de mudança para a região metropolitana do Rio. 

 Era início de 1958, quando fomos morar na casa que papai havia construído tempo atrás em um terreno que ele comprou nos fundos da Baía de Guanabara.

Aliás, quando a casa foi construída, papai me levou nas férias para ajudá-lo. E lá fomos para o Rio, trabalhar na construção. Levamos no trem da Leopoldina as ferramentas e pedreiros. Eu fui para ser o cozinheiro do grupo. Montamos uma barraca  embaixo de um pé de Jamelão e começamos a medir e demarcar o terreno e fazer os alicerces. Passei dezembro, janeiro, fevereiro, foi o meu primeiro contato com o Rio de Janeiro e o mar.

Então, a gente se mudou pra São Gonçalo e começamos uma vida nova, trabalhando no Armazém Fidelense durante o dia e estudando à noite.  Nossos vizinhos eram trabalhadores de serviços gerais, pescadores e operários navais que trabalhavam nos estaleiros da Baía de Guanabara.     São Gonçalo, como todas os municípios da Região Metropolitana do Rio, era uma cidade dormitório.

Por outro lado, eu parti pra luta. Com o certificado de conclusão do curso ginasial eu me matriculei no Liceu Nilo Peçanha, em Niterói; colégio considerado do mesmo nível que o Pedro II, do Rio. Passei no exame de admissão e fui fazer o científico. Na metade do segundo semestre entendi que não era aquilo que eu queria. Tentei a transferência para o curso clássico e não consegui. Então, ao terminar o primeiro ano do segundo colegial eu fui fazer o clássico no Colégio Plínio Leite. Em minha curta passagem pelo Liceu entrei em contato com a base do PCB no colégio e passei a frequentar uma turma que estudava Jean Paul Sartre e Simone de Beauvoir. Eram os existencialistas do Liceu. Eu fiquei encantado com todas aquelas novidades, das conversas intelectualizadas dos comunistas e existencialistas. Eu, garoto saído do interior, rebelde e questionador, começava a encontrar um rumo.

 Saía de casa às sete horas da manhã e apanhava o trem suburbano no Ponto de Cem Reis. Apesar de haver linhas de ônibus e bonde para Niterói, o trem era a condução mais em conta para os estudantes pobres e operários que iam trabalhar nos estaleiros e metalúrgicas.

Embora fossem considerados a elite operária da época, os navais, ou marítimos, viajavam no mesmo trem, talvez porque ele os deixava próximo aos locais de trabalho. Trabalhar em um estaleiro significava melhorar o padrão de vida e ter boa casa.

A indústria naval em Niterói recebeu seu grande impulso durante o governo JK. Com o avanço da construção naval surgiram as escolas técnicas e  muitos os  jovens  entraram nos estaleiros com teoria e independência profissional.

Os trabalhadores dos dos estaleiros eram pessoas com bom nível de politização. O Comitê Marítimo, que englobava todas as bases do PCB nos estaleiros e nas metalúrgicas que viviam em função dos estaleiros era fortíssimo. No trem ou na rua eu estava sempre conversando com os marítimos, cujo sindicato puxava todas as lutas em Niterói e São Gonçalo.

Quando eu fui fazer o clássico no Colégio Plínio Leite levei o conhecimento e experiência adquirida  com os operários navais e com a base do PCB no Liceu Nilo Peçanha.

De cara entrei em contato com alguns colegas e criamos o jornal O Acadêmico, que publicava crônicas, poesias e as demandas dos alunos.

Em 1961, eu participei de um concurso de literatura cujo tema foi Roberto Silveira, ex-governador que morrera recentemente de forma trágica. Roberto tinha sido aluno do Colégio. Escrevi então uma biografia do político trabalhista, que teve como fio condutor a participação dele na Aliança Libertadora Nacional. A ALN  foi uma frente de esquerda composta por setores de diversas organizações de caráter anti-imperialista, antifascista e anti-integralista.

Meu trabalho conquistou o primeiro lugar e no dia da entrega do troféu e diploma eu falei sobre a luta do biografado para uma plateia que lotou o ginásio de esportes do colégio. 

Então, eu ainda não estava organizado, apesar de que, devido minhas atividades no grêmio e no jornal do colégio, era grande o meu envolvimento com os diversos grupos de esquerda que atuavam no movimento estudantil.  

Dois anos antes, eu e meus colegas secundaristas nos envolvemos no famoso "quebra quebra" da Estação das Barcas"

Corria o ano de 1959, terceiro ano do governo de Juscelino Kubitschek e o país se debatia em uma tremenda inflação. Havia escassez de alguns produtos alimentícios e muita tensão social.

Na área da Estação das Barcas, era   constante um  grande o grande movimento de pessoas que atravessavam a Baía de Guanabara para trabalhar na cidade do Rio de Janeiro. Todos os dias, uma extensa fila tomava conta da praça e, depois de dar várias voltas, seguia em direção ao Mercado São Pedro, na Rua Visconde do Rio Branco.

Desde as primeiras horas da manhã, operários, executivos, escriturários e empregadas domésticas se amontoavam esperando a condução.

Esse péssimo serviço prestado pela empresa concessionária do transporte marítimo entre Niterói e o Rio de Janeiro deu origem, em maio de 1959, a uma revolta popular de grande envergadura. O que havia começado como um protesto localizado acabou propagando e por toda a cidade, assumindo um ar de insurreição. A manifestação começou pela manhã, atravessou a noite e o saldo foi a depredação da estação das barcas, intervenção militar, seis mortos e uma centena de feridos.

Depois dessa experiência, minha aproximação com os grupos de esquerda aumentou e comecei a fazer política estudantil de forma intensa, fundando grêmios e editando um jornalzinho.

Naquela época, a gente passava horas nas esquinas de Niterói falando de revolução e marxismo. Nossos pontos de encontro eram debaixo das marquises dos cinemas da Rua Visconde do Rio Branco e dos edifícios da Avenida Amaral Peixoto. Nós não tínhamos dinheiro para sentar à mesa de bar como fazia a turma da classe média. Éramos estudantes e trabalhadores assalariados, cheios de contas e vivendo em um país sacudido pela agitação social e pelos debates ideológicos.

A capital fluminense era um grande laboratório onde fluíam intensamente ideias e práticas sociais das mais variadas vertentes. Trabalhistas, nacionalistas, comunistas e trotskistas conviviam e disputavam espaços nos colégios, na universidade, nos estaleiros, nas metalúrgicas, no comércio, nas repartições públicas,bancos e sindicatos.

Naqueles meus 16 e17 eu sabia mais ou menos o que queria, mas não estava organizado em nenhum partido, apesar de que em 1961, o Maurício Grabois e Lincoln Oest me procuraram para entrar no recém fundado PC do B. Seguimos conversando, passei a frequentar o Centro Cultural Brasil China e li de cabo a rabo os cinco volumes das Obras Escogidas, de Mao Tse-Tung. Então era assim, conversava com o PC do B, com o PORT- Partido Operário Revolucionário dos Trabalhadores, isso que tinha muito amigo meu no PORT e com a AP - Ação Popular, mas fazia política estudantil ombro a ombro com o pessoal do PCB.

Era um imbróglio danado. Eu frequentava muito as casas das meninas da AP, atuava no movimento de massas com o PCB e continuava conversando com Grabois e Oest, do PC do B. E ainda havia a turma das Ligas Camponesas e o brizolismo, que era forte no Estado do Rio.

O governador Leonel Brizola ganhou os corações e as consciências quando encampou as empresas estadunidenses Bond and Share  e ITT. A Companhia Elétrica Riograndense, filial da Bond and Share, estava com a concessão vencida e não se dispunha a realizar novos investimentos. Então em 13 de maio de 1959 o diário oficial do Rio Grande do Sul publicou o decreto de expropriação da filial da Bond and Share pelo preço simbólico de 1 cruzeiro.

A influência da liderança de Brizola nas esquerdas carioca e fluminense era tanto, que em agosto de 1961 eu estava disposto a ir de mala e cuia para Porto Alegre e me somar na resistência aos golpistas que impediam a posse do vice-presidente João Goulart.

Eu andava tão excitado naquela época que ficava até altas horas ligado na Campanha da Legalidade. Certo dia, as válvulas do rádio Telefunken de casa esquentaram tanto que acabaram queimando. Brizola estava conclamando o povo pra ir se concentrar em frente ao Palácio do Piratini. Então, eu enfiei algumas coisas numa maleta e saí com a intenção de ir para Porto Alegre. Minha mãe pediu, implorou e disse que não ia me dar dinheiro para viajar. Não teve jeito, deixei a mala e parti pra Niterói onde me envolvi de "corpo e alma " na Campanha da Legalidade.

Foi no bojo desse movimento que eu entrei de vez no PCB. Eu via que a tentativa de impedir a posse de Jango era liderada pelos mesmos "udenistas" que sete anos antes levaram Getúlio ao suicídio. Eu identificava o latifúndio e o imperialismo, através de seus agentes no Brasil, como os responsáveis pelo nosso atraso social e econômico.   

Essa foi a deixa que me fez optar pelo PCB.  As publicações do Instituto Superior de Estudos Brasileiros - ISEB me empolgaram e eu estava convencido que aquela conjuntura, em que a correlação de forças não levava a uma ruptura revolucionária, o caminho era acumular forças, reformar as estruturas, tirar o país do atraso, zerar o analfabetismo e assim derrotar a direita.

Então, foram as teses do Partidão que me atraíram. Aquela em que a revolução brasileira era vista como um movimento e as etapas seriam superadas gradualmente.

Essa era a visão do ISEB, compartilhada pelo PCB e demais partidos do campo popular e que naquele momento davam sustentação ao governo de João Goulart.

Naqueles início da década de 60 a esquerda era bastante forte em Niterói, com influência em vários setores.

Então, assim que Jango assume, com aquelas limitações impostas pelos comandantes militares, eu já estava dentro do PCB e entrei de corpo e alma na campanha do Plebiscito para escolher o sistema de governo.  O presidencialismo venceu por mais de 80 por cento dos votos.

Foi um período conturbado. Eu tinha 18 anos e me sentia no centro do furacão social e político. Niterói, naquela altura do campeonato era a terra da liberdade, pois do outro da  Baía de Guanabara  governava o furibundo anticomunista Carlos Lacerda.                            

É o caso  do movimento de agricultores na região de Caxias, Nova Iguaçu, Cachoeira de Macacu, e outras localidades. Impedidos de se manifestar no outro lado no Estado da Guanabara as lideranças convocavam para Niterói, que passou a ser o centro dos movimentos pela Reforma Agrária, liderados pelas Ligas Camponesas e por José Pureza, que era ligado ao PCB.

Foi naquele clima de liberdade que José Pureza, dirigente da Federação dos Lavradores e Trabalhadores Rurais do Estado do Rio de Janeiro e líder dos sem-terra na Baixada, montou um grande acampamento na Praça São João Batista, centro de Niterói, onde se sucediam manifestações a favor da reforma agrária. Eu e outros companheiros não perdíamos uma, estávamos em todas. Apesar da orientação da direção do Partido de apoio ao pessoal do José Pureza, a gente sentia uma atração pelo Francisco Julião, pelo Padre Alípio e as Ligas Camponesas.

Outro evento que Lacerda proibiu de ser realizado no Estado da Guanabara foi o Congresso Continental de Solidariedade a Cuba. Daí a gente trouxe então o Congresso para Niterói. Foi grande. Acho que esse evento realizado no Sindicato dos Operários Navais provocou um salto de qualidade nas esquerdas nos estados do Rio e da Guanabara. Nosso contato com importantes lideranças da América Latina e do Caribe abriu pra nós uma realidade diferente. A das lutas de libertação que se travavam contra o imperialismo.

Naquele ano de 1963 parecia que a gente ia assaltar os céus. Era grande a agitação nos grandes centros urbanos e no campo. No encerramento do Congresso, Prestes disse em seu discurso que o Brasil caminhava a passos largos em direção ao socialismo e que naquele momento os comunistas tinham participação importante no governo.

Confrontando ao otimismo de Prestes, Brizola alertou para a conspiração da direita que articulava um golpe pra derrubar o governo de João Goulart e conclamou para  a resistência aos golpistas.

O Congresso Continental de Solidariedade a Cuba aconteceu num momento de muita tensão na Ilha. Dois anos antes tinha acontecido a invasão da Baia dos Portos por mercenários, treinados e financiados pelos Estados Unidos, e alguns meses antes teve a "crise dos mísseis", relacionada a implantação de  mísseis balísticos soviéticos em Cuba com ameaças de invasão pelos Estados Unidos.

Esse Congresso foi muito importante em minha formação política. Foram dias de contatos e saberes, de experiências e intercâmbios com diversas frentes de lutas anti-imperialistas na América Latina e Caribe.  Naquela época, eu estava terminando o curso clássico e além das tarefas internas do Partido, andava envolvido até o pescoço no movimento estudantil. Eu ocupava cargos nas entidades secundaristas.

Minha turma era toda da Juventude Comunista; a maioria da classe média. Alguns eram filhos de comunistas históricos de Niterói. A gente corria dia e noite. Além do trabalho e estudo, nossa militância era voltada para a organização das bases da JC nos colégios, criação de grêmios e edição de jornais estudantis. Isso, e mais os trabalhos de assistência e politização nas favelas de Niterói. Um exemplo foi nossa ação no Natal, quando nós fizemos uma festinha na antiga Favela do Contorno, então localizada nas proximidades de um lixão no contorno da Baia da Guanabara, no bairro do Barreto.

Naquele dia a gente distribuiu brinquedos arrecadados no comércio de Niterói e fizermos discursos. Em minha fala eu ressaltei os avanços do socialismo na União Soviética, em Cuba e a luta no Brasil pelas reformas de base. Lembro que meu discurso, tal como o dos demais companheiros foi até certo ponto ingênuo.

 Assim era nosso dia-a-dia. Estudando nos cursos de formação política e atuando no movimento de massas. Os cursos proporcionados pelo PCB eram o básico, o médio e o superior. Eu era monitor e "dava aulas" para os filhos dos operários membros do Partido. O curso superior a gente fazia numa sala do Sindicato dos Operários Navais.    Os marítimos eram a vanguarda em todos os sentidos. Eles eram muito mais bem organizados, mais fortes que os ferroviários e os rodoviários.

Tanto que após o Golpe o marechal Castelo Branco baixou uma portaria colocando em disponibilidade os operários navais. Milhares foram mandados pra casa recebendo sem trabalhar. O governo golpista não queria que eles continuassem em seus postos de trabalho, que era uma coisa “perigosa”.

No ano que precedeu ao golpe, a grande estrela era o Brizola. Realmente, depois da Campanha da Legalidade Brizola passou a ser uma liderança nacional. Em meados de 1063, assim que terminou seu mandato como governador do Rio Grande do Sul, ele foi candidato a deputado federal pelo Estado da Guanabara, sendo o mais votado.  

Aproveitando a experiência bem sucedida da Cadeia da Legalidade -  uma rede de rádios em todo o País que transmitia os pronunciamentos antigolpistas, Brizola continuou usando o rádio para se comunicar com o povo. No Rio de Janeiro ele tinha um programa que durava duas horas.

As falas deTodo mundo ligava no rádio para ouvir o Brizola, e o Brizola quando chega ali vira celebridade, a estrela do ato foi ele. E o  Brizola começa a fazer uma análise de conjuntura totalmente diferente da que fez o Prestes. De que a situação não era assim, era assado, que o golpe estava vindo, o imperialismo, o latifúndio, todas as influências, fez aquela análise. E a gente tem que se organizar para resistir, tava chegando a hora, e ele sai dali aclamado. E a gente começa a pensar, essa coisa aqui está tão esquisita, esse ano de 1963 está agitadíssimo, perigoso.

Mas por outro lado estava tranquilo, porque o partido era ilegal mas não era clandestino, era ilegal mas não era clandestino, tinha uma sede. A gente se reunia, tinha secretária, telefone, com outro nome, ninguém podia falar 'aqui é sede do partido Comunista' porque ele era ilegal. Mas tinha sua sede, tanto em Niterói como no Rio, pelo Brasil todo, tinham seus locais de reunião.

Na sede do partido a posição era de que “estava tudo bem”, “tudo tranquilo não havia perigo”, que os “golpistas haviam sido esmagados na primeira tentativa”. Porque a “correlação de forças estava totalmente favorável, as forças de esquerda, as forças nacionalistas”.

E que havia aquele esquema, do general Assis Brasil, não sei o que mais, o homem tinha um esquema lá fenomenal, vamos acreditar nos velhos, porque eles tem experiência maior que a gente.

E assim nós fomos fazendo as coisas, paramos colégio, fizemos greves, manifestações. Até que que, as coisas foram evoluindo, as manifestações, as ligas Camponesas, havia um avanço de consciência. Sentia-se que havia um avanço de consciência, uma grande organização, os ferroviários em grandes organizações, os rodoviários grandes sindicatos. A força do movimento sindical, não sei se era aparente, mas eu sentia que pelo menos ali naquela região era um movimento fenomenal, e que dificilmente haveria um golpe diante de tanta organização e tanta mobilização no movimento sindical.

Martinelli quando mandava parar o trem parava o trem, O Afonsinho quando mandava parar os ônibus parava os ônibus, outro mandava parar os bonde parava os bonde, outro mandava parar as barcas parava as barcas. Quem parava? ferrovia, os barcos, enfim as empresas estatais que tinham os sindicatos mais fortes. Talvez por influência do governo janguista. Amauri Silva fez seu trabalho com excelente diálogo do movimento sindical e essa coisa toda.

E o movimento estudantil também é um dos principais centros, o Centro Popular de Cultura – CPC, sempre que tivesse uma manifestação o CPC estava presente com manifestações artísticas culturais e de conscientização, canção do subdesenvolvido, o trabalho do Zé da Silva, e aquela coisa toda.

Essa era nossa participação naquela conjuntura dos meses antes do golpe. Com a imprensa forte todo mundo tinha seu jornal, Partidão tinha jornal, o PCdoB tinha jornal, as ligas camponesas tinha jornal, a igreja progressista tinha lá jornal também dos frei. E o setor nacionalista tinha o seu jornal mais forte na banca, a imprensa de esquerda dominava.

Carla: Vocês faziam uma avaliação da relação com a população, como ela recebia vocês nas manifestações?

Aluízio: Pois é, as manifestações eram grandes, a história das manifestações com uma presença forte de massas. Havia um movimento de massas. De fato era um movimento de massa, e com grandes contingentes, claro esses contingentes eram, em uma boa parte era levados, não era uma coisa espontânea, como a gente as vezes pensa, que sai todo mundo em coluna descendo o bairro e caminhando.

Eram levados de ônibus, caminhão, boa parte eram levados, a maior parte do povo ficava em casa. Porque o negócio era o seguinte, quando havia greve, não tinha como se locomover. Tinham as manifestações e muitas greves ocorriam no dia da manifestação, como as pessoas vão para a manifestação, de que? não nem vai sair do bairro.

É como no dia do golpe, fizeram greves geral. Eram greves seguidas, e é lógico que aquelas greves, primeiro não agradaram a classe média, depois não agradaram o trabalhador que perdia seu dia trabalho. E você pensa bem, a mão-de-obra de daquela doméstica, secretárias, ascensoristas, auxiliar de limpeza no Rio de Janeiro é toda da região de Niterói e Baixada Fluminense. Parou o povo não vai trabalhar. Então, havia um grande descontentamento pelas greves.

De parte assim da igreja, de alguns setores, o cardeal do Rio Dom Jaime, bem conservadorzinho, depois ele disse não, mas era uma igreja até certo ponto conservadora, e faziam procissões, as primeiras procissões que eram feitas, mas eram tímidas.

O IBAD a gente sentia que o IBAD estava começando a ter alguma influência em alguns setores meio rotarianos, associações comerciais, ou sociedades rurais, sindicatos rurais. As revistas e a imprensa ibadiana era uma imprensa de luxo, de papel couche, mas não chegava na massa a influência do IBAD, chegava em alguns setores. A imprensa que chegava nas massas era a imprensa de esquerda, essa chegava no povão. No povão das mais diversas categorias, desde quem trabalhava nos escritórios, bancários até o operário metalúrgicos.

O partido tinha uma popularidade impressionante, por que nessa altura do campeonato, eu era do comitê municipal e do comitê secundarista. E comitê municipal, no comitê municipal eu dava assistência para todas as bases. Dava assistência para a base da colonia dos pescadores e para base de Terreiros de Umbanda e Candomblé. E um dia me chamou atenção que um dia eu fui pegar um material, acho que era jornal ou coisa sim e eu cheguei lá estava um monte de gente carimbando o resultado do jogo do bicho. Eu não achei legal aquilo, achei errado, como que pode? Como pode ser a sede, ter a base no local de bicheiro onde chegam os vendedores os cambistas. Não tem nome, é onde chegam o bicheiro com a venda e onde eram impressos  e carimbado, para depois colar nos postes e orelhão o resultado do bicho.

Sim mais era o partido? Era o Partido estava ali. Eu não sei como é que era esse partido, mas era partido, e um era Partido de massa. Era um Partido de massa, juntava estudantes secundaristas, universitários, intelectuais, operários organizados e desorganizados, o setor de pesca, Terreiros de Umbanda e Candomblé e tudo mais, então era um Partido de massa.

Então, se um partido de massa está em todas as manifestações e mais o governo janguista, mais o dispositivo do general Assis Brasil, e mais os fuzileiros do Almirante Aragão. Ninguém passa por essa, “isso que passava na nossa cabeça, o golpe não vai vingar”. Aquilo que o Brizola falou é imaginação, né não cabe. Os velhos tem razão, estão certos. Diante de tudo isso ai, essa era a nossa visão, de que não havia forças para o golpe. A tentativa de 1961 foi esmagada lá em Porto Alegre e ponto.

Esmagamos em 1961, houve greve geral, manifestações em todo o Brasil e a tentativa de golpe não deu certo. Primeira tentativa de impedir a posse do governo Juscelino não deu certo, depois a  tentativa do impedimento da posse do governo Goulart não deu certo. Então 64 não vai dar certo. Duas tentativas foram frustradas, a direita não consegue ganhar a eleição e nem dar golpe. A Eleição perde, golpe é abortado, então não tem como.

Então fizemos aquele grande comício na Central do Brasil para bombar. A massa estava empurrando o governo do Partido Comunista Brasileiro para posições mais avançadas. Ali começavam a surgir posições mais avançadas, era na própria massa que começava a surgir movimento de sargentos, de marinheiros. Então, a massa estava exigindo tomadas de posições mais avançadas em relação a questão da terra, tanto que Jango assina aquele decreto, que já sido chamado pela conjuntura favorável.

Quando aconteceu o golpe foi uma surpresa, eu não estava por aquilo. De repente um coronel, um general lá em Juiz de Fora sai com alguns caminhões, uma tropa, um tanque e solta um manifesto. Ora, isso não vai dar em nada, mais uma tentativa que fica pelo caminho.

De repente começa a avançar. O partido dizia que não vai dar em nada, mas a coisa começa a avançar a tropa começa a chegar no rio Paraíba, ninguém parou. Já estava saindo do estado de Minas e entrando no estado do Rio de Janeiro e ninguém parava aquilo. E Lacerda todo assanhado no Rio. Mas nós tínhamos o general Flores em São Paulo, o terceiro exército é nosso, faz até balanço, e conclui que está tudo sob controle, o dispositivo funciona, isso ai vai se abortado.

Mas o Mourão Filho consegue cruzar o estado do Rio, e nós tentamos naquele dia reunir um grupo em Niterói, eu já estava no meio. Ali já se articulou todo mundo, o Partidão, PCdoB, os Trotskista, Trabalhistas, e “vamos fazer alguma coisa”. Nós decidimos explodir uma ponte sobre o Rio Paraíba, uma pontezinha.

Se explodir aquela ponte os caminhões não passam, teriam que dar uma volta, pelo menos. E saímos para explodir a ponte. E nós conseguimos em um pedreira, não sei com quem umas bananas de dinamite. E saímos até Friburgo, em Friburgo alguém ia entregar para nós as espoletas né, chegamos em Friburgo não apareceu no encontro das espoletas, si voltamos, com as dinamites e jogamos fora, não explodimos nada.

Tentativas assim, individuais de resistir, de resistir. Como não deu em nada, então vamos fazer manifestações de rua. Isso já era no dia 1 de abril, a tropa chegou ao Rio, nós em Niterói ainda tentamos resistir, fizemos manifestações em frente a assembleia, teve momentos de muita tenção. Eu ali sempre participando de tudo lá no Rio, que era a Guanabara na época, a direita já havia tomado tudo. O governador era golpista. E as prisões começaram a acontecer. Os primeiros presos foram os trabalhistas e os militares nacionalistas. E quem não foi para a embaixada foi preso. Os trabalhistas do governo e os nacionalistas o almirante Aragão, o Paulo Mário que era ministro da Marinha lá em Niterói.

Interessante isso não é? Quando Jango não tinha que mais quem nomear ministro da Marinha, nomeou Paulo Mário, o almirante Paulo Mário. Esse almirante era do Partido, o ministro da Marinha era comunista do Partido Comunista Brasileiro, mas não tinha força nenhuma, não mandava em ninguém. Porque naquela altura do campeonato a coisa era outra, os ministros do Jango já não mandavam, só mandavam quem estava a favor do golpe.

E quando o segundo exército aderem ao golpe, e os comandantes de outras regiões militares começam a aderir, ai não tem mais jeito. O Jango sai do pais, não teve resistência,  a orientação era sair fora, recuar. Eu recuei não é?

Enrique Padrós: Aluísio, na sua avaliação, se tivesse havido um comando nesse momento, uma orientação nesse período, na sua percepção, teria possibilidade de resistir.

Aluízio: No começo sim, porque no começo os comandos militares era a favor do governo. Estavam com o governo eram leais ao governo do Jango. O golpe só acontece quando as tropas de Mourão Filho chegam no Rio, na Guanabara. Porque até então não havia ambiente, condições para o golpe. Se o golpe tivesse sido abortado em Minas, não teria havido o golpe. As coisas foram acontecendo e teve efeito dominó, o governo estava fraco, não tem mais como resistir. “vamos nessa, vamos nessa para tirar o Jango do poder e convocar eleição em 65”. Esse era o objetivo, e não chegar e ficar. A coisa era chegar tirar Jango convocar eleições, lógico, com algumas restrições, mas havia essa possibilidade. Então, a posição era a posição de recuo. Como a posição era de recuo eu fui embora, simples.

Eu era muito amigo do Geraldo Reis da direção estadual do PCB. E naquele dia do golpe eu fui na casa do Geraldo. Antes da casa do Geraldo eu pequei o Aquiles, que é filho dele, vamos lá em casa me acompanha até lá. Ele disse: eu quero me despedir da minha mãe”. Tudo bem, se despeça. E fui lá correndo, não precisava nem falar muito, já sabia. As tropas na ruas, movimentos, as marchas militares, naquele momento não havia nenhum pronunciamento, era só marchas militares.

E vou pegando umas roupas, umas coisas e vamos indo embora para Niterói. Passo em frente ao sindicato, e estava tomado pelas tropas da Marinha, fuzileiros. Passo em frente a outro sindicato também tomado por tropas, o bicho pegou né?

Já tomaram os sindicatos, vamos tentar recuperar o mimeografo da da entidade estudantil né, da cidade e também da União Fluminense de Estudantes. Pelo menos tirar dali e levar para outro lugar, já não deu também.

O dops tinha tomado, e isso eu indo com Aquiles para a casa do Pai dele, chegamos lá, vamos resistir e fazer alguma coisa? “Não vamos embora, cada um para o seu lado que isso ai passa, isso ai passa, questão de meses a um ano vamos ter eleições”.

Então eu fui embora para casa de parentes lá em Minas. Fiquei primeiro lá na casa de uma tia lá em Ibiracema no estado do Rio. Cheguei lá, e tal, tia eu estou indo para Minas, vou dormir aqui ficar aqui uns dias e e vou embora. “Você não vai ficar uns dias aqui não, vai embora agora”. Eu pedi: “mas o que foi tia”, “você é um comunista, eu não quero sobrinho comunista na minha casa não, cai fora, se não vou te denunciar à polícia”.

Enfim, ela deixou eu dormir lá um dia acordei bem cedinho cai fora, porque ela ia me denunciar. Para você ver o nível que chegou a coisa. Eu não entendo, não entendo. Hoje a gente vendo documentos essa semana mesmo eu comecei a levantar alguns documentos do pós golpe, de Delegacias de Polícia, é impressionante o numero de prisões de dirigentes no interior. De dedo duro, o comerciante entregou fulano, não sei quem entregou ciclano, o ciclano é comunista. O cara não gosta do outro intriga política, intriga familiar, intriga comercial … mistura tudo. E começa a toda a diligência, a todo mundo ser fichado. E vai virando uma paranoia, uma coisa terrível.

Então, a minha tia irmã da minha mãe, acho que ela me via como uma “pessoa do diabo”, “diabólica”, não sei a visão que ela tinha de mim. Para chegar a esse ponto, de dizer: “Ou você vai embora ou eu chamo a polícia”. O que eu era?, o “satanás”, é nesses ambientes que surge o nazismo não é? De repente aquilo que não se manifestava aflorou nos primeiros dias de abril ou nos primeiros meses de 64. E aflorou forte, então eu casquei fora, e acabei indo para a Zona da Mata em Minas. Lá eu me dei bem, me dei bem, porque eu comecei a frequentar uma padaria, e o dono da padaria lia o Correio da Manhã. E conversava comigo sobre os artigos do Márcio Moreira Alves. Então eu lá ninguém me entregou. Fiquei bem na cidadezinha, era uma vila bem tranquila, fiquei ali com os primos e as primas.

Levei um monte de livro de Marx tentava ler Dezoito Brumário, e não conseguia, a cabeça não dava para ler. Uma leitura muito pesada e muito difícil para ler naquele momento. Eu não sei porque levei aquele livro, marxismo era uma leitura perigosa. Mas não dava para ler naquele momento, eu queria ler outras coisas. Eu queria ler, saber o que estava acontecendo no pais, mas a gente não conseguia saber o que estava acontecendo no pais porque na imprensa os comunicados institucionais das prisões e cassações.

Eu esqueci de uma coisa, vou ter que fazer um recuo. Nos primeiros dias após o golpe, antes de ir para a casa dessa tia que quis me entregar, eu fui com meu pai, lá para São Fidélis no estado do Rio.

Cheguei na rodoviária e meu pai pegou um taxi, mandou eu deitar no carro. “Deita ia para ninguém te ver”, e me levou na sede de uma fazenda. E lá eu tinha um radinho, que um amigo meu me deu. Um amigo foi lá levar um radinho para mim, E eu comecei a ouvir as notícias do AI-1, AI-2, e eu voltei para Niterói, para tentar fazer alguma coisa  eu não queria ficar lá, e foi dada a ordem de novo recuo, que o momento é recuar.

Foi quando eu fui para Minas, e fiquei um bom tempo lá, até que eu voltei.

O movimento estudantil não foi muito atingido naquele primeiros momentos, ficou inteiro, claro que poucos alunos, os atingidos foram os trabalhistas que estavam no governo, os comunistas e os militares. O movimento Estudantil ficou inteiro. Quando eu voltei já voltei na reorganização do movimento estudantil. Isso ainda em 1964.

Gilberto: O senhor volta por iniciativa própria, não foi o partido?

Aluízio: Minha, foi minha, eu queria voltar. Não porque não havia, tinha que voltar tinha que estudar, então voltei. Claro, que quando voltei não consegui voltar para o colégio onde eu estava, fui expulso do colégio.

Enrique Padrós: Aluízio, até esse momento algum amigo seu, algum companheiro seu, tinha sido preso, detido, tava acontecendo isso...

Aluízio: Não, não

Enrique Padrós: Alguém próximo?

Aluízio: Alguém próximo era o Afonsín, que era deputado do partido, o partido comunista estava em tudo que era sigla, acho que ele era do Partido Social Trabalhista, tinha muita gente dentro do partido do Ademar de Barros.

O Afonsín foi o primeiro, mas dos meus amigos mais chegados do movimento estudantil, ninguém. Ai eu voltei de boa, voltei de boa. Mas, e pedi para alguém ir no colégio pegar minha transferência que eu não queria ir lá, porque poderiam acabar me prendendo, me agredindo, porque, meus amigos brigavam na porta do colégio, tivemos greve, tivemos corpo a corpo. Então ia pegar minha transferência e estudar no colégio Batista, para terminar o clássico.

E ai já primeira coisa organizar a base no Batista, e voltamos a reorganizar as bases  nos colégios e nas faculdades, tranquilo. Claro, nos estaleiros  não havia como voltar, havia um medo muito grande, as pessoas tinham medo, eu tentava chegar entregar um jornalzinho, as pessoas colocavam no bolso acho que depois jogavam fora.

Era muito difícil, é, qualquer tipo de atuação no meio proprietário. No ambiente estudantil não, era fácil a gente “nadava de braçada”, com uma facilidade muito grande de organização. nos colégios e nas faculdades. “De boa mesmo” organizamos tudo tanto que, quando o Apolônio chega em Niterói, ele foi com um objetivo, que nós fizéssemos o comitê central. Sabiam que os estudantes estavam ocupando o partido, porque os outros abandonaram a gente foi ocupando o comitê municipal e estadual, a gente foi ocupando.

E a nossa posição, era uma visão critica e de análise sobre o que aconteceu, a gente queria saber o que aconteceu, todas as nossas reflexões eram feitas em cima do golpe. Em que momento que nós vivíamos, que etapa da evolução brasileira que a gente vivia, a correlação de forças e como avançar. E que essa discussão o Comitê central tinha medo desse tipo de debate, e mandou o Apolônio.

Mas Apolonio foi para implantar um negócio chamado Trabalho Especial, também era chamado Tereza. O Trabalho Especial reunia as direções intermediárias todas, em um local, com todos ali, e um quadro negro, e o Apolonio dava aula de guerras e trincheiras  porque ele era do exército, ele era militar, ele serviu na Guerra Civil Espanhola. Ele dava aula de artilharia, não sei o que, não sei o que era o trabalho especial de partido, ensinar gente artilharia, academia militar e ovelhas negras do Partido.

Na verdade eu acho que ele foi mais para “essa gurizada ai ta muito afoita, vamos dar uma de que nos vamos ter Trabalho Especial no partido”, mas não era trabalho especial nenhum, Eu acredito que ele foi para isso.

Ele era uma pessoa muito boa, foi para ajudar na reorganização. Eu foi para o comitê estadual, você vê, e não era universitário, ainda estava terminando o clássico, ainda não tinha feito o vestibular e estava no comitê estadual. Tinha espaço, porque os outros caíram fora.

Eu fui para organizar, ou melhor, para reorganizar o partido no interior, em Cabo Frio, Campos, Macaé. Fui pegando contatos, era uma dificuldade de reorganizar, reagrupar todo mundo nos comitês municipais, mas aos poucos a coisa ia. No início fazia sozinho esse trabalho de reorganização do interior.

Reorganização para que? Reorganização para reorganizar o partido, e para que reorganizar o partido? Para debater as teses do congresso, para definir uma linha política, o que nós vamos fazer daqui para a frente? E nós passávamos dias e noites discutindo a Revolução democrática Burguesa. Por que o Brasil ainda não superou etapa feudal em determinados lugares. Nossa economia é extremamente dependente, e a burguesia nacional é nossa aliada na luta anti-imperialista. Tínhamos que buscar outra coisa, essa outra coisa veio de repente, que foi quando Caio Prado Jr escreveu “A revolução Brasileira”, que não tinha nada a ver com as teses do partido. E nós mergulhamos naquilo.

A burguesia é uma burguesia dependente, sem interesse nacional, extremamente dependente. Não existe essa coisa chamada “burguesia nacional”, em um país dependente a “burguesia é dependente”. No campo as relações de trabalho são basicamente relações capitalistas, é patrões, empregados e salário no meio. Então, é preciso fazer uma reavaliação. A POLOP não está tão errada em relação a análise da realidade brasileira.

Esse foi o primeiro atrito nosso a nível nacional com a direção, foi nas discussões da tese do VI Congresso. Por que ou você entra na tese do partido nas quais a revolução democrático burguesa (e não revolucionária) é etapa da revolução. E para o país derrubar a ditadura é preciso fazer alianças burguesas com todas as correntes burguesas, vamos incluir até o Cabo Lacerda, passando pelo Juscelino, pelos trabalhistas, pelo PSD. Esse ato de alianças inclui também alguns generais, tipo Albuquerque Lima, e outros que estavam descontentes com os rumos que estavam sendo tomados.

Ou a gente partia com uma frete estudantil operária e camponesa, para impulsionar a revolução no sentido de derrubar a ditadura. E implantar o que? Ai começa a discussão, implantar o que? Um governo socialista? um governo de Libertação nacional? um governo democrático de Libertação Nacional, não sei o que.

No fundo era tudo a mesma coisa só mudava os carimbos, as tabuletas, porque o que havia era pequenas nuances, mas são coisas que dividem. Ficam noites, dias e semanas discutindo  com os clássicos embaixo dos braços, era todo mundo citando os clássicos. Era Lênin eram as novas literaturas marxistas que surgiam na Europa eram novas visões.

E em função de que? Até que de repente não havia mais como segurar certas coisas. Eu estou falando do Rio, que era o ambiente. Nesse momento eu já estava na faculdade, e frequentava o Restaurante do Calabouço, porque os estudantes pobres, operário e trabalhador ai comer no Calabouço. Eu fui trabalhar lá em Santo Cristo, na região portuária do Rio. Eu já estava clandestino, sai de casa em 1965 e me ataquei na clandestinidade, tinha que pagar aluguel, comprar material escolar e comer. O partido não me dava nada, estava desorganizado, eu não era assalariado do partido. Eu trabalhava em em Santo Cristo em uma fábrica de transporte. Só tinha um companheiro que sabia meu local e trabalho, que era o secretário da organização, que ele ia lá entrar em contato comigo, era o Jonas que desapareceu, ele estava no estado do Rio, foi para lá fazer Doutorado. O Jonas era o meu único contato lá onde eu trabalhava. inaudível

Eu era para ficar quieto mas não fiquei.

Enrique Padrós: Você estava clandestino mas conservado o nome ou ou já estava com codinome?

Aluízio: Estava clandestino apenas em relação ao local de moradia e de trabalho. Eu não sei eu era seguido, eu dava muitas voltas para chegar no local onde morava. Por que eu estava na reorganização em 1965. E comia no Calabouço quando teve a manifestação em que que morreu o Edson Luiz. E começam as primeiras manifestações, no começo de 1966 e 1967. O movimento estudantil vai para a rua e envolve a classe média. Nós, avançamos em relação as discussões e os debates, o movimento estudantil na rua, a luta conta a ditadura na rua. A etapa era uma etapa democrática,  inaudível avançar mais em cima disso. Nessa altura do campeonato a direção nacional quis me mandar para a Alemanha, Para a República Democrática Alemã. Tiraram até meu passaporte e tudo e eu não quis ir,  porque eu achei que era sacanagem, queriam me tirar da luta interna. Manda o Apolônio de Carvalho, eu queria participar da luta interna. Eu me dei conta que tiraram outros, não vão me tirar da luta interna.

Gilberto: O Apolônio nesse momento ainda sustentava a posição da direção?

Aluízio: Ainda, ele acreditava que com o VI Congresso era possível mudar. Nesse momento nós achávamos que não. Nós desistimos de ir para VI congresso, nós começávamos a inaudível. Em todas aquelas bases em que trabalhei no interior da cidade nós começamos a romper e criar uma dissidência. Não foi uma decisão nossa: “vamos criar uma dissidência?” A coisa não é assim, foi evoluindo e chegou um momento que não tinha mais diálogo com a direção estadual e nacional. Não havia mais condição de diálogo. Tivemos que continuar nosso caminho.

Gilberto: Que momento isso se define em 1965-66?

Aluízio: Em 1966, começa a se definir um caminho de ruptura.

Carla: E quem estavam juntos?

Aluízio: Em Niterói eram os secundaristas, universitários e um setor marítimo, que era o grupo Milton Gaia Leite. A gente conseguiu envolver os marítimos radicalizados e mais os secundarista e universitário na dissidência. Então nós criamos essa dissidência do estado do Rio de Janeiro, com alguns quadros do Partido do pessoal da Guanabara que vieram com a gente de criação da dissidência.

Ai, começamos a organizar contatos com as outras dissidências que estava surgindo. Ninguém decidiu romper, assim, nacionalmente, as rupturas foram acontecendo. Nós decidimos entrar em contato com as demais dissidências para ver se era possível criar uma frente ou um partido. E também entrar em contato com os militares nacionalistas e radicalizados de esquerda. Para conversar primeiro com o pessoal dissidente da POLOP, porque na POLOP também estava havendo uma dissidência naquele mesmo momento.

E começamos a fazer contato eu de um lado o Umberto Trigueiros Lima do outro lado. O Umberto fazia mais contato com a dissidência da POLOP e eu fazia mais contato com esse pessoal da aeronáutica que era o Lucas Alves, que morreu em Belo Horizonte na tortura, já como COLINA, não é? E a dissidência da Guanabara não dava,  nosso diálogo com a dissidência da Guanabara era muito difícil.

Por que aconteceu uma coisa interessante, nós não sabíamos como começar. Formar um partido vai ser Partido igual ao Partidão. Partidão por partidão ficava o Partidão. Nós queríamos ação. É preciso mudar, começar a fazer coisas, construir uma estrutura para resistir. Como? Ações urbanas? ações rurais? a guerrilha? Como?

Ai o Amazílio com a mulher chegam de Belo Horizonte todo eufórico e me chama para o canto: “Aluísio está aqui a solução”. A solução era o livro do Debrey “Revolução na Revolução”. Olhei aquilo de supetão. Nada de partido, o partido só atravanca, ação, e ação imediata: colunas guerrilhas. O partido surge na caminhada, o partido se constrói na luta. A vanguarda não constrói o partido e não o Partido que constrói a vanguarda.

Saia tanto, saia tanto, ia até a Porto Alegre, entrar em contato com o  inaudível

Enrique Padrós: Lembra de alguém Aluízio?

Aluízio: Lembro do Vladimir, do pessoal dos “Saltimbancos Branca Leone”. Eu conversei bastante com o pessoal lá de Porto Alegre. Conversei bastante, fui até a cada do Vladimir Bier, que agora é médico, a  Suzana andou me falando do Vladimir.

Ali eu acreditava que era possível, a distância também atrapalhou, que era possível unir aquela dissidência de Porto Alegre, que era uma dissidência praticamente secundarista.

Em São Paulo, fiquei um mês  inaudível, que era possível dentro da dissidência de São Paulo unir com a dissidência do estado do Rio. E a dissidência de Guanabara achava que não era o momento de ação, que era primeiro organizar as massas, era uma posição superficialista  da revolução. E nossa revolução era uma revolução foquista, pode parecer pejorativo, mas era foquista. E são Paulo topou, e o Fernando Ruivo, o José Dirceu, não sei quem, chegou ali em uma reunião minha com Jeová  disse: “Eu estava querendo ir para o Paraná buscar arma”.

 A gente tinha visão de que o Oeste do Paraná devido aos conflitos sociais da região oeste, a luta pela terra, a cobertura vegetal eram crítérios para o primeiro foco. Eu estava  discutindo com Jeová e acho que era com o Fernando. Inclusive eu até falei para o José Dirceu: “Eu vim para o Paraná, me casei e tenho seis filhos e você é o responsável”. Por que acho que foi ele que chegou e falou: “Eu tenho contato em Curitiba, vai para lá”.

Eu vim para Curitiba e iniciei contato com o pessoal de Foz do Iguaçu e na região. E lá em Curitiba o Roberto Curi e o pessoal do Partidão me apresentaram a Teresa Urgan que era da AP. A Teresa era namorada do Fábio Campana, e me passa o contato do Zapata em Foz do Iguaçu, isso em 1967.

Então eu vim pela primeira vez com Osvaldo Sores, eu acho que era sargento da aeronáutica. Nós já estávamos tentando unir com esse grupo do MNR - Movimento Nacional Revolucionário. Cheguei aqui e não encontrei o Fábio, acho que ele estava na casa de uns parentes que tinha na Argentina. Ai voltamos, mas já conheci a região. E da outra vez já vim sozinho e para ficar.

Vim com uma mala imensa, com arma, manuais, livros, com um monte de coisa.  Desci na rodoviária e fui para a casa do Fábio, na casa do pai do Fábio. O pai do Fábio  era um capitão do exército na ativa. Era tanta poeira, nunca vi tanta poeira, estava com o nariz entupido de tanta poeira. André disse: “Toma um banho e vamos sair daqui logo que eu achei um lugar para você ficar, eu entendi logo que não era para eu ficar lá.” Ai eu fui morar em uma padaria, no depósito de uma padaria aqui em Foz, depois vieram outros companheiros e começaram a ficar aqui.

Gilberto: Quando o senhor veio aqui pela primeira vez, que informações vocês tinham dos conflitos sociais, do quadro sociológico?

Aluízio:  Não tinha muita informação não. Sabíamos que haviam muitos conflitos na região de Cascavel, Toledo, Assis, Santa Helena. Era toda aquela história dos conflitos do Sudoeste que era a Guerra dos Colonos que se chama?

Gilberto:Revolta dos Colonos

Aluízio: Revolta dos Colonos, a gente tinha aquela visão de que a região era uma região de muitos conflitos, e mato para todo o lado.

Carla: Mas Foz do Iguaçu tinha bastante bases militares por ser uma região de fronteira, isso vocês avaliaram?

Aluízio: Não, porque era bom isso, tinha arma não é? Era para tomar arma deles, era  fronteira com a Argentina e com o Paraguai.

Enrique Padrós: Agora Aluízio, era fronteira mas nessa época tínhamos ditaduras na argentina e no Paraguay já estava fechado a mais tempo.

Aluízio: Sim, a mais tempo, mas era fronteira com possibilidade de comprar coisas, tanto que a gente comprou muita arma do Paraguaí, porque era fácil. Nós desistimos de tomar arma do exército, era muito complicado, de pois segundo  a experiência do Debray, em um primeiro momento você deve ficar clandestino, não pode fazer política,  nem fazer ação, então era preferível comprar armas.

E nós tínhamos algum dinheiro das expropriações lá no Rio. Em Niterói nós fizemos expropriações, nós fizemos várias expropriações. A primeira ação nossa foi um companheiro trabalhava de caixa e saiu com um monte de dinheiro do Banco do Brasil. Esse foi o primeiro dinheiro nosso. Esse dinheiro acabou rápido. Foi com o dinheiro das expropriações que a gente foi se estabelecendo aqui. E procurando contato com o que havia de resistência no Paraguai e na Argentina. Na Argentina nós não conseguimos nada, nós conseguimos com os paraguaios que estavam na Argentina, que era o pessoal, a esquerda do MOPOCO.

Na verdade, o MOPOCO em si não, mas a esquerda do MOPOCO eles davam um nome, não sei se era inaudível, Eu quando caí caí com uma flâmula, FRC - Frente Revolucionária Colorada. Parecida com flâmula do flamengo, rubro-negra. Mas quando eu cai eu disse para a repressão que era Frente Revolucionária Comunista, se eu dissesse que era Colorado o manca para o meu lado não é? Eles iriam querer saber os contatos. E na verdade era a dissidência do Partido Colorado. Essas dissidências haviam com nós contatos importantes na região de Missiones, porque na região de Missiones não havia repressão, o pessoal  fazia vista grossa para os brasileiros que entravam para trabalhar na região de Missiones, Era mata, o pessoal ia para desmatar, colher soja, colher chá, soja não, colher erva mate e chá. Então, essa mão de obra paraguaia e brasileira que ia da região sul ocupou território de Missiones na época. Então era uma região boa.

E o estado do Rio não sabia, e aquela coisa de unir acabou não dando certo, porque São Paulo aderiu ao Marighella tinha uma força muito grande, um baita carisma. Ele levou todo o pessoal do CRUSP, os estudantes toda a dissidência da comunista de São Paulo e todo o programa da ALN.  Porto Alegre por causa do contrato, não sei o que acabou indo para o PORT, tomaram outro rumo.

O que ficou para nós? Ficou o estado do Rio, um pouco da Guanabara, um pouco de Brasília e junto com Brasília veio os infiltrados, que sempre acontece, e um pouco do Paraná. Esse pouco do Paraná acabou crescendo no seguinte ponto. Nós compramos um sitio, entre Toledo, Assis e Cascavel. E compramos outro sitio em Matelândia, hoje  tem outro nome, município que teve aquela revolta  do Feijão Verde, dos camponeses. E a gente veio e se implantou ali no meio dos posseiros. Na verdade lá em Cascavel, Toledo e Assis foi comprado título, aqui em Matelândia não, compramos posse.

Lá já implantando a coisa, já criamos as condições. Lá em Boi Piquá vou chamar de Sítio Boi Piquá, o sitio era a base principal, ficou eu e mais uns dois ou três companheiros. E no sitio em Matelândia com os posseiros nós trouxemos um companheiro do estado do   Rio, com outra visão outra forma de fala, e ficou complicado. Ele dizia que estava em um pais estrangeiro. Aqui não é estrangeiro, aqui é Brasil. Mas eles falam diferente, você fala diferente.  Era o Azizo, e ele ficou ali sem mulher sem nada, se almenos tivesse uma companheira, ele ficou lá no sitio.

O sítio era nosso santuário antes de chegar no outro. E a gente foi criando redes, e acabei recebendo de bandeja o Bigode Branco. Quem me passou o Bigode Branco foi o Fábio Campana, o Fábio já estava dentro do que chamávamos de dissidência do estado do Rio. O Bigode Branco era um sargento do exército reformado, que era o partidão, ele distribuía o jornal Terra Livre aqui na região.

Quando as ligas começam crescer no Brasil antes 1964 o Partido Comunista Brasileiro decide avançar e criar os sindicatos, para fazer frente as ligas, daqui a pouco as ligas começam a tomar conta do campo e o partido perde sua vaga. Ai decide criar sindicatos com patrocínio do Ministério do Trabalho, Anita Amauri Silva, era um sindicato do partido. E o  Bigode Branco era o cara que fazia isso aqui na região oeste. O nome dele era Bernardino Jorge Velho, era uma pessoa excepcional, comunista, brizolista.

O “Bigode Branco” era porque a metade do seu bigode era preta e a outra branca. E ele não pintava, mas não era para pintar mesmo, porque onde eu chegava ele era conhecido. Eu chegava em um lugarzinho onde só havia um botequim no meio do deserto e de repente vinha gente chegando, para tomar cachaça, tomar chimarrão, contar causo e todos conheciam o Bigode Branco.

E eu andava muito com ele, eu não usava mochila, não usava mochila, era saco de lona. E a gente dormia na roça, em meio a plantações e as vezes pensão quando tinha pensão, e é impressionante a quantidade de gente que foi aderindo, mas aderindo a que? É ai que está, aderindo a que? Ai foi engenhosidade nossa, aderindo a volta do Brizola. Brizola está vindo ai, havia uns que avançavam mais para a esquerda, mas para a maioria era “o Brizola está vindo ai”.

Há, vocês estão vindo da parte dele”? “Sim estamos vindo a parte ele”. E com isso ai, esse povo era um povo do Grupo dos Onze, era um povo de ouvir rádio do sul, é impressionante esse fenômeno. Mas o que  esse povo queria? Esse povo queria um governo melhor, justiça social, terra.

Era uma coisa bem primaria, mas eles fechavam com as ideias, com toda aquela coisa do Brizola todo dia no rádio  falando, falando. Então o que sobrou, o que sobrou nós já fomos conquistando. Nós fomos selecionando, vendo quem pode e quem não pode. Tinha um pessoal que já dava guarida para nossa prática, que sabia que a gente ia chegar e tinha que ter polenta, galinha. Então nós tivemos algumas casas camponesas onde nós guardávamos arma, explosivo, literatura de esquerda, panfleto, jornalzinho, de tudo era depósito. Eles sabiam e escondia bem escondido, eram pessoas bastante leais.

E ai nós começamos a trazer o pessoal mais queimado para cá. De Curitiba veio o João Manoel Fernandes, na verdade ele era de Santa Catarina do Movimento Estudantil Livre – Mel. E o Zapatinha, tem o Zapata e o Zapatinha. O Zapata inaudível  e o Zapatinha era, esqueci o nome do Zapatinha, ele veio de Maringá, esses dois vieram do Paraná. De Brasília vieram os irmãos Sebastião e Marcos Medeiros, da Guanabara veio o homem do Banco do Brasil que saiu com o dinheiro, Silas que era o (…), na verdade eu não sei o nome dele, a gente grava o nome de guerra não é? Era o Mauro Fernandes.

E dois metalúrgicos navais veio o Milton Gaia Leite e o Nielse Fernandes que eram do setor naval. E do estudantil eu o Quincas veio depois, e morreu  também. A maioria morreu depois.

Mais tarde, quando eu fiquei naquela padaria escondido, chegou um ponto … eu não queria ficar naquela padaria escondido, dormindo no meio de farinha de trigo, ruim não é? O pessoal levantava de madrugada para fazer pão. Era a padaria do Rodolfo Marcelos que hoje mora em Curitiba. O Rodolfo me apresentou para um Argentino ou Paraguaio que era o Cesar Cabral. E fui morar na casa do César Cabral, com sua esposa e um neném. E embaixo do colchão do César, do casal, ficava os ferros, as armas , escondido tudo lá.

Mas nossa arma também era arma da Segunda guerra mundial, guerra do Chaco. Era fuzil, rifles, revolver, pistola. E eu fiquei na casa do César por ali, escondido por ali morando, morando na casa do César.

Eu saia com o Bernardinho para fazer minhas andanças para o recrutamento para fazer o cinturão de apoio camponês e voltava para Foz do Iguaçu antes de ir para o sítio, e e ficava na casa do César ou então ficava com um pescador que era o Israel Rezende que era o pescador que também era do Partido Comunista Brasileiro. Ou então na casa do Inaudível que era do partidão, a maioria era do Partidão. E ficava ali mais na casa do César.

E na casa do César começa a aparecer uma moça, era cunhada do César. E a moça começa a cruzar olhares comigo, eu era do Rio, menina do interior, de nini-saía,  eu me assanhei todo pro lado dela, começo a namorar a menina e me casei com ela.

Eu vim fazer guerrilha e acabo casando. Brincadeira o que eu fiz. Mas eu casei escondido, isso não justifica. Casei ali em São Miguel do Iguaçu não teve proclama nada, por que o escrivão lá não divulgou. Casei com a mina, e voltei para a clandestinidade.

Gilberto: Quando foi o casamento?

Aluízio: a união foi em 1968, teve a lua-de-mel, sai do mato para casar e voltei para o mato.

Enrique Padrós: Evidentemente a menina sabia de toda a história da clandestinidade?

Aluízio: Sabia, sabia de tudo, só não sabia o meu nome. Ficou sabendo só no dia do casamento.

Carla: Ela era daqui, de Foz do Iguaçu?

Aluízio: Ela era daqui, cunhada do César Cabral. Mas o César, logo em seguida, entra na guerrilha, vamos chamar de guerrilha, não era guerrilha, mas vamos chamar assim. Abandonou a mulher, a criancinha neném e se mandou. Então as duas mulheres ficam viúvas de marido vivo. Eu recém-casado, casei e voltei para o mato e o César foi no meu rastro.

E começamos com esse grupo que eu citei os nomes, nós começamos e decidimos  fazer o seguinte. Se nós vamos encarar essa nós temos que “virar bicho” e nós somos urbanos. A não ser o Bernardinho que era o Bigode Branco, os demais eram urbanos. Então, vamos ter que passar uma temporada no mato no meio dos bichos andando que nem desesperados dia e noite com a cochila nas costas para aprender como se faz. E ficamos um ano dentro do Parque Nacional, um ano.

Então nós saíamos do Parque apenas quando tinha que ir na casa do João Gordo que ninguém aguentava ficar comendo só carne seca com arroz, ou bicho ou peixe, nutrição terrível. A gente ia comer uma polenta com galinha. A casa do João Gordo ficava atravessando o Parque Nacional, passando a rodovia ficava a casa do João e logo depois a do Pedro. Chegava abastecimento para nós, abastecimento era deixado em determinados locais, pré-determinado.

Gilberto: Era gente do sítio?

Aluízio: Sim, gente do sítio que deixava abastecimento quando vinha do rio.

Carla: Como era o Parque Nacional nessa época? Tinha limite certo, as pessoas podiam entrar nele?

Aluízio: Não, tinham os guardas parque.

Carla: Vocês estavam lá escondidos mesmo?

Enrique Padrós: Nesse período vocês ficavam no parque não foram detectados?

Aluízio: Não, nós chegamos a encontrar caçadores, mas eles pensaram que nós éramos caçadores também, eles estavam fazendo uma coisa ilegal estava todo mundo ilegal. A gente chegava a caminhar, de Cascavel, o Parque começa em Santa Teresa, (vocês passaram por lá) e vai terminar aqui nas Cataratas. A gente caminhava tudo isso, a gente caminhava de leste a oeste e de norte a sul.

Nós abrimos picadas nesse parte de todos os lados, e essas picadas eram todas  mapeadas, pelo Nelson Fernandes que era cartógrafo, ele fazia os mapas, tanto que nós fizemos um levantamento cartográfico da região excelente. Nós fizemos um levantamento de Medianeira na época que está lá no DOPS, lá no arquivo publico do Paraná. Com delegacia de polícia, não sei o que nomes de algumas pessoas, onde moram, onde mora o delegado, esse onde mora o juiz, o mapa de Medianeira é perfeito. É perfeito porque nós implantamos em Medianeira uma pessoa além do pessoal que a gente plantou no campo, nós plantamos na cidade tipo lá o Lauro Constantino Filho, que era do diretório central dos estudantes do Paraná. Ele se formou dentista e veio trabalhar, se instalou em Medianeira.

E o Lauro era o nosso contato, e guardava nossas coisas em Medianeira. Quando nós fizemos o Primeiro projeto de Ronda no Rio e aqui em Curitiba o Lauro guardou todos os pertences no gabinete dele. E guardou também medicamentos, antibiótico tudo o que a gente precisava aqui na região. Armas não, mas tinha literatura. Aquela mania, iamos fazer guerrilha para que carregar livros, estantes imensas? Mas faz parte. Nós tínhamos lá no sítio livros.

Nós guardamos ali no Lauro Consentino Filho, ele mora emCuritiba. Você vê que a coisa estava indo, nosso objetivo primeiro era atacar o destacamento de Santa Helena, pegar alguma arma tal, e ai começar a confusão. As nossa dívidas eram se era foco fixo, coluna ou motorizada ou fazer correr, se esconder no Parque onde nós tínhamos nosso depósito. Nós chegamos a esconder uma metralhadora muito boa 7.30, que também veio do MOPOCO. Foi da guerra do Chaco,  era uma arma antiga mas era uma arma boa ainda. Nós tínhamos nosso esconderijo de arma, de remédio, de comida nas conservas, dentro do Parque Nacional. Eram todos esconderijo embaixo da terra, em cima não dava por causa dos bichos né.

Essa era nossa dúvida de como fazer não é? Até que a esquerda do MOPOCO passou para nós um camarada, viveu muito tempo em Cuba. Ele era especialista, nós eramos uns piá, estudantes metidos a guerrilheiro o cara era Siera Maestra, nome Che, era um cara bom. Era o Aquino, que veio e se incorporou a tropa, ele morreu na tortura em Assunção, ele e o irmão dele o Raul. O Aquino veio como instrutor.

Enrique Padrós: Desculpa, depois você volta, mas antes disso, vocês tinham trinamento militar?

Aluízio: Não

Enrique Padrós: Carregavam armas, mas não sabiam lidar com elas?

Aluízio: Não, a gente tinha dada alguns tiros lá no sítio, lá na patente, a patente é banheiro, lá a gente deu tiro, em buraco de tatu. Demos alguns tiros, mas saber lidar com arma, encarar a coisa, lidar … isso não, de forma nenhuma. Eu não servi ao exército, acho que nenhum de nós serviu ao exército, todo mundo ali era de terceira.  

Mulher? aqui não veio mulher, nós tivemos muitas companheiras que ficaram no Rio, nossas companheiras ficaram lá em apoio ao grupo de expropriação. Faziam levantamento para o grupo, os dois grupos de expropriação que tínhamos no Rio. Nessa altura do campeonato saiu todo mundo de Niterói, ali não dava para ficar. Só ficou uma base nossa na rua Dr Sardinha que era a casa da Iná. Essa casa na rua Dr. Sardinha era o nosso museu, existe até hoje, da irmã do Colombo, filho daquele inaudível que voltaram para o Galeão e morreu um companheiro nosso.

Então a Iná ficou em Niterói, os demais foram pro Rio já com aparelhos clandestinos, que era o grupo de expropriação. E nos aparelhos clandestinos estavam as companheiras que também faziam os levantamentos. As companheira não participavam da ação direta e também não vieram para cá. Não vieram para cá, participavam das discussões dos debates, tanto que a Iná ficou no comando por muito tempo, e a Zenaide Machado logo em seguida. Eram as mais sectárias, mais sectárias, mais determinadas, mais do que nós inclusive, a Iná e a Zenaide.

Carla: E a sua esposa seguia ficando … aqui?

Aluízio: Não, saiu daqui foi para o Rio, não podia ficar não é?

Carla: Então vocês não se viam, casaram-se e nã se viram mais?

Aluízio: Ela e irmã dela inaudível  foram para o Rio, morar na casa de uma parente no Rio. Eu não sabia onde ela estava, eu também não sabia onde ela estava. Sabia que eu estava no Paraná, eu podia cair ou cair e ela, então foi para lá.

Então a coisa foi se avolumando, crescendo e tomando rumo, avançou, a gente começou a aprender dominar as armas.

Enrique Padrós: Com o Paraguaio?

Aluízio:Sim, com o paraguaio o Aquino.

Marcos Vinícius: Ficaram muito tempo no treinamento com o Aquino?

Aluízio: Para montar e de treinamento acredito que ficou uns quatro meses, bastante tempo.

Gilberto: Esses contatos com os camponeses, com o Bigode Branco, isso foi antes?

Aluízio: O Bigode Branco estava no Mato, então foi antes, o primeiro momento foi com o Bigode Branco, logo em seguida o Bigode se incorpora na tropa. O Bigode tinha um problema, o problema do Bigode é que ele queria ficar no mato e fora do mato, não dá, aqui quem entra não pode sair. Não dá, para sair é de forma organizada, não pode entrar e sair, entrar e sair. Mas ele ficou lá, tranquilo, e foi muito bom porque ele conhecia mato, ele via uma arvore e dizia isso aqui tem tantos anos, isso pode comer, isso não pode, essa raiz dá, essa não dá. Tudo, professor, “mateiro”.

Carla: vocês encontraram animais selvagens?

Aluízio: Sim, sim, encontramos onça, tinha bastante animais naquela época.

Marcos Vinícius: E o único contato era o João Gordo, e ai quando vocês saiam para fazer alguma coisa diferente, uma refeição?

     É uma refeição só, parava ai. Porque lá no sítio a gente não ia, porque ficava longe, perto do parque era o João e o Pedro era contato de camponês. E ficamos um ano dentro do Parque, depois dessa temporada no Parque nós decidimos ficar no sítio, ficamos um tempo no sítio, acho que um mês.

E começou haver uma cisão dentro do grupo, era o pessoal do Paraná, não todo o pessoal o grupo do Fábio Campana, que considerou que naquele momento a implantação da guerrilha era uma aventura que não ia dar em nada. E a forma que o grupo do Fábio Campana combater o Grupo era uma forma tradicional. Porque 1968 as manifestações estavam crescendo, e aconteceu a greve de Osasco, a greve em Contagem. A tese insurrecionalista ela tomou forma e tinha uma dissidência na Guanabara decide romper com a gente. E romper naquela altura do campeonato? Que confusão … que confusão.

Fomos para Curitiba. O Fiat que era operário naval pega uma arma aponta para o Fábio. “não pode sair”. “Pode,  deixa o cara sair 'ué', fazer o que”. Ai o Fábio foi embora, Fábio o Zapatinha, não sei quem lá mais. Essa menina a Teresa, a Palmira, a turma de Curitiba e de Maringá, saiu. Ficamos nós.

Gilberto: Antes do AI-5?

Aluízio: Sim antes do AI-5, na radicalização ali do negócio.

Enrique Padrós: Aluízio, desculpa, só para não deixar passar. Até agora, como vocês se qualificam, qual o nome de vocês, do grupo de vocês?

     Aluízio: Viramos MR8. E vira MR8 logo em seguida, até ai era dissidência. Nós tínhamos uma revista que era 8 de Outubro, mas não era o nome da organização, era a revista da dissidência.

Gilberto: Que era produzida lá em Niterói lá no Rio

Aluízio: A revista era produzida no Rio. Em plena noite nós estávamos no sítio e nós tínhamos no sítio locais de evacuação, na casa de madeira e nós fizemos buracos e portinhas daquelas que você bate e abre, não é com dobradiça é de couro, para fuga. Locais de fuga e nós tínhamos nossos dispositivos de fuga. E um dia jipe aparece lá no sítio, no campo qualquer nove horas da noite é alta noite. Não sei que horas, era noite não sei se era muito tarde. Nós fizemos a evacuação e se preparou para o ataque. Mas a pessoa não desce do jipe e vai embora. Tranquilo, alguém que está  perdido por ai não é?

Depois soubemos que aquele jipe era de um fiscal da companhia colonizadora Pinho Terra. O que aconteceu, Era para nós ver e ficar quietos, ver e não interferir nos conflitos sociais, não se envolve nos conflitos sociais. O envolvimento com os conflitos sociais vai ser no decorrer da guerra e não antes, mas quem vai segurar? Ninguém segura e a gente de fato acabou se envolvendo.

A gente  acabou se envolvendo na região do Alto São Francisco em uma disputa de terra muito forte, onde morreu gente. E a gente se envolveu com a Companhia Colonizadora Pinho Terra, porque ela vendia a terra mas não vendia os pinheiros, e ela era dona dos pinheiros, e ia cortar os pinheiros das pessoas.

E a gente se envolveu defendendo as pessoas contra a companhia colonizadora. Por isso o fiscal foi lá ver quem são esses paulistas não é? Não sei porque chamavam nós de paulistas, nós éramos os paulistas. Acho que todo mundo era paulista, quem vinha de fora era paulista. E nós éramos os paulistas ali, objetos estranhos,

Depois em uma outra ocasião o Fiat, que era metido a sabe tudo, era o operário naval metido a sabe tudo, o mais heroico o mais prático, o sabe tudo. Conhecia tudo de tudo, biologia, química, … assim dizia não é?. E no sítio havia uma baixada, um banhadão que sempre foi, por anos e anos local de plantar arroz. A terra era preta, úmida, o povo se ralava ali para plantar arroz. E o Fiat decidiu tirar o arroz e plantar grama. Chamou a atenção de todo o mundo. Os paulistas estão malucos, como vai tirar o arroz da terra preta e úmida para plantar arroz? Gastamos um dinheirão para plantar, contratamos serviço. Plantou grama e não deu nada. Essas coisas vão somando, não vão somando? Era a tal da Pinho Terra, a ideia de plantar grama, nós estamos queimados aqui. O povo começou a achar estranho e a não entender.

Nós éramos assim, de frequentar as casas, tomar chimarrão na casa de um, na casa de outro, de todo mundo, de boa. Tanto que o Silas, esse que saiu do banco cheio de dinheiro namorou a moça que lavava roupa para a gente. Mais tarde, a moça foi levada para o quartel e deu depoimento deu o nome dele ele deixou o documento no bolso da calça. Você vê a liberalidade, faz parte a gente estava aprendendo a fazer as coisas.

Carla: Então vocês não tinham a aparência de ter uma família ali dentro, vocês estavam ali como um grupo.

Aluízio: Não ninguém levou a família.

Gilberto: E se sabia que era um grupo?

Aluízio: Sim, um grupo, e a gente ficava até tarde cantando musicas militares, esse Silas do banco, o pai dele era coronel, de uma família de militares. Eu não sei o que o Silas era, eu acho que era Nacionalista de Esquerda, era isso que ele era. O Silas ficava a noite toda cantando Marcha Soldado, Hino da Marinha, Hino de não sei o que... coisa impressionante. E eu acho que aquela cantoria chamava a atenção não é? no mato, um silêncio e aquela cantoria, dava para ouvir de longe o vento levava.

Mas isso não foi nada porque as meninas puxaram a discussão para dentro do  grupo, que já era o MR8, de rediscutir a linha política da organização. A Zenaide e a Iná principalmente, eu não sei da onde que veio essa influência das duas, eu tenho a impressão que foi da Colina, não da Colina não foi. Não sei de onde que veio essa influência, talvez tenha sido da dissidência da Guanabara.

E dessa discussão foi produzido muitos documentos, tinham muitos documentos nesse período, do final de 1968, da inviabilidade da coluna guerrilheira. Foram aderindo as teses do Marighella de um lado de fazer várias ações ao mesmo tempo, sem definir um foco naquele momento. E as teses também da dissidência da Guanabara, as teses insurrecionalistas. E elas propuseram um recuo, quando propuseram um recuo a gente decide a chamar a organização, para uma assembleia interna para um processo de discussão interna. E já que era um processo de discussão interna nós podíamos sair do mato. E como a área já estava meio queimada, devido a isso que contei a área já estava meio queimada. Embora, dava para continuar, mas nós decidimos recuar para essa discussão e, fomos para Curitiba, e para Niterói, se é para redefinir vamos redefinir.

E começamos a produzir material e tirar as coisas daqui a decisão era evacuação total, menos o que está dentro do Parque, não dá para mexer no que está dentro do Parque. O que estava na casa do João Gordo, no sítio do Boi Piquá dá para tirar. Vendemos o sítio de Boi-Piquá, vendemos o sítio de Boi-Piquá, e viemos eu, o Mauro, o Silias esse da cantoria,  tirar coisas daqui e levar para Curitiba, evacuar da casa dos companheiros que tinham coisas nossas. Viemos de Jipe, pegamos as coisas, fomos lá no mato a gente nem via o Jipe era só barro para todos os lados. E enchemos o Jipe de coisas muita coisa, que dava 100 anos de prisão na ditadura.

E a gente estava indo para casa e o outro camponês para comer um peixe, que era sexta-feira santa. Já chegamos, já indo, saindo de Cascavel, o Silas decidiu comprar o peixe para levar, mais peixe para levar. É o nosso camarada gentil, vamos chegar lá com as mãos vazias, vamos levar mais peixe então voltamos para Cascavel. Mas o Silas com uma miopia forte. Ele vem com o carro para estacionar e bate no outro carro, bate no carro parado o estacionamento, pá! Bateu

Eu fiquei ali cuidando do carro e o Silas foi atrás de um chapeador para fazer o orçamento, pagar o estrago do outro carro. Eu falei: “Silas, jogo rápido. Dá o dinheiro pro cara e vamos sair fora”, mas o cara não queria pegar dinheiro sem orçamento. Então o Silas foi atras do chapeador. E o dono do carro, da frente, que a gente bateu atras, tirou a chave do nosso Jipe. O que que eu faço, saio correndo, vou embora, pego um ônibus, ou fico cuidando do Jipe que está cheio de coisas? Fico cuidando do Jipe que esta cheio de coisas, bobeira. Mas eu não ia deixar o Silas na mão, o Silas iria voltar. E nisso o fiscal aquele da Pinho Terras, aquele naquela madrugada estava ali junto com os soldados, com os agentes com a polícia, em Rodoviária sempre tem não é? ainda mais naquela época, muita gente chegando saindo e chegando de de Rondon e todos os lados. Havia muito movimento naquela rodoviária, gente chegando e saindo.

Marcos Vinícius: Rodoviária era quase o centro de Cascavel?

Aluízio: Era no centro, mais chegando mais do que saindo, era a época da colonização. E então ele me viu, e esse ai e começa a gritar. Ai me seguraram e prenderam o jipe e me levam para a delegacia, chegou na delegacia, quando eles abriram aquelas malas.

Gilberto: O Silas não vai?

Aluízio: Não. Quando eles abriram as malas eu me assustei, de tanta coisa que tinha dentro. Porque eu sabia o que tinha, mas abrir em casa é uma coisa abrir na delegacia é outra coisa.

Enrique Padrós: O que tinha na mala?

Aluízio: Manuais políticos, armas, manuais de guerrilha, livros Mao Tsé-Tung, Lenin “O que fazer”, tinha de tudo.

Marcos Vinícius: Que ano era isso?

 Aluízio: Rapaz foi em 1969.

Marcos Vinícius: E a delegacia ficava onde?

Aluízio: No centro.

Marcos Vinícius: Onde hoje é o centro Cultural?

Aluízio: Eu não sei o que tem lá mais, eu não volto para esses lugares. Ai eu cai fora, sai correndo daquela delegacia, como um louco. E todo mundo correndo atras de mim. A polícia correndo atrás de mim, populares correndo atrás de mim, dona Maria correndo atrás de mim, seu Joaquim, … a cidade correndo atras de mim. E ninguém sabia o que que era, assaltante, matou... e eu correndo, correndo, correndo. Pulei um muro entrei em um terreno baldio o quintal do capitão da PM, comandante da PM. Com tanto lugar, logo no quintal do capitão da PM que eu fui me esconder. Eu não sabia, fui saber depois nos inquéritos, ai começa a confusão, me levaram para lá, tortura e quela coisa toda. O Silas quando viu aquele movimento todo de polícia, gente e correria, se mandou, só parou em Curitiba.

Carla: Esse homem deve ter ido outras vezes lá para observar vocês?

Aluízio: É bem provavelmente, ele teve um trabalho de levantamento, Marisbel era o nome dele.

Gilberto: Nas andanças anteriores vocês sempre chegavam de surpresa aos locais e ficavam pouco tempo. E quando estavam esgotados com os camponeses? Acha que eventualmente possam ter sido reconhecidos?

Aluízio: Acho que não, acho que era mais das nossas mancadas. Nós eramos estranhos naquele ambiente não é? Eramos estranhos, um povo estranho.

Enrique Padrós: Aluísio o seu codinome nesse momento era André.

Aluízio: Eu era André. Então assim eu cheguei lá e fiquei naquele pau danado. Eu tinha um cartão de visitas no meu bolço. Porque como era uma dureza, não vinha dinheiro, nós decidimos expropriar o Banco do Brasil em Maringá. Saímos do sítio eu, César Cabral, mais, não lembro quem mais. E fomos expropriar o Banco do Brasil em Maringá, chegou em Maringá nós não tínhamos gasolina para voltar. O que nós vamos fazer? e se não der certo nós não tínhamos gasolina para voltar. E se der certo como nós vamos para no posto para abastecer? Nós temos que ter gasolina no carro. A gente entrou no banco tem que ter dinheiro para voltar pro sítio.

Vou vender meu relógio”. Não tinha como vender. Ai eu me lembrei que na cidade, o editor do Jornal de Maringá, era meu amigo. Ligado a igreja católica mais conservadora, ao Bispo de Maringá super conservador, ele trabalhava em um jornal super conservador, era desse jeito. E fui fazer uma visitinha, me mostrou as máquinas o Jornal, e tal, e pediu: “o que está fazendo por aqui?” “Estou trabalhando, fazendo uma pesquisa e fiquei sem gasolina para o meu carro. Não tem como me emprestar ai um, eu vou te devolver”. Eu ia devolver e o Vitinho me deu o dinheiro e me deu o cartãozinho dele. E Eu guardei na carteira como todo mundo faz. Foi mais uma liberalidade minha, eu não podia andar com um cartão do Vitinho no meu bolso. Quando eu cai, cai com esse cartão.

Porque quando você cai a primeira coisa que cai eles querem é meu contato. Então pegaram o cartão do Vitinho e disseram esse é o contato. Pegaram o Vitinho levaram preso, levaram para Curitiba, deram um pau no Vitinho. Vitinho ficou preso, até que me levaram, me tiraram daqui e me levaram para o batalhão de Foz do Iguaçu, do batalhão de Foz do Iguaçu fui levado na mesma noite para o DOPS de Curitiba, e mais pau.

Depois me levaram para a polícia do Exército, lá na Rui Barbosa. Na  polícia do Exército fiquei um tempo lá, e um dia me levaram para uma sala imensa cheia de generais, coronéis, todo mundo com medalha, uma cúpula . O Vitinho era um homem importante era o editor do jornal de Maringá.

E eu o tempo todo falando que o Vitinho não era meu contato, era meu amigo. Fui visitar, pequei dinheiro, só não falei da intenção, que acabou não dando certo. Era para encontrar Palmira, não encontramos Palmira. E no final de tudo a gente acabou não expropriando nada e voltando.

E eu expliquei que fui lá em Maringá visitar meu amigo acabei ficando com um cartãozinho dele, ele não é comunista, não tem nada a ver com a gente. E eles não acreditaram. Eu acho que, o bispo deve ter feito alguma coisa pelo Vitinho e trouxeram ele na sala. Ta vendo o que esses cara, esses cabeça oca fizeram com você, acham que todo mundo é comunista, veem comunismo para tudo o que é lado, o Vitinho era meu amigo. Feita a acareação soltaram o Vitinho, eu fiquei ali em Curitiba um bom tempo, preso naqueles quarteis.

Marcos Vinícius: Você passou pelo Boqueirão também?

Aluízio: Não só na PE, Exército e no DOPS. Até que um dia apareceu lá um capitão do exército e me puseram em um avião e um cara me falou: “Estamos te levando para o Fleuri, ele vai te arrancar o que você não quer falar, porque lá todo mundo fala”. Mas me deu disenteria, um medo, isso não pode, vou morrer lá naquela desgraça.

Ai eu entro em um avião, e pergunto para um soldado: “Soldado, para onde nós vamos?”. Mas o soldado não fala não é! Entro no avião, quando eu olho que o avião vem em direção ao oeste do Paraná, hufa!, estou salvo né?. Vim parar aqui.

Naquela época, início de 1969 antes do sequestro do americano as coisas funcionavam dentro de um ritual. O Código Penal Militar, os militares faziam os interrogatórios, abriam o código ali. Então saiu a prisão preventiva, então o juiz  auditor da 5º região militar decretou minha preventiva. Era uma coisa feita dentro da lei militar, do Código civil Militar e do Tribunal Militar. Então saiu minha preventiva e eu vim responder inquérito. Eu subia lá na salinha do comandante, o escrivão aqui [aponta para o lado], o comandante encarregado do inquéritos, que me tirou de Curitiba, do outro lado.

E ele fazia as perguntas e eu respondia. Eu respondia do jeito que eu bem entendesse. Claro, ele ficava brabo comigo quando via que a coisa que eu respondia era um absurdo, mas ele aceitava e colocou no papel. Tanto que a história da fábula que eu contei está até hoje no meu inquérito, disponível no Arquivo Publico do Estado do Paraná.

Mas ele tinha um prazo para terminar o inquérito também, era tudo dentro do prazo, e aquela prisão tinha um prazo. Então terminou o inquérito e mandou para Curitiba e eu fui para lá, já para ser processado. Ai eu fui para o presidio do Ahú, já como preso legal, eu já era um preso “assumido”. Não era um preso que estava ali dentro dos quartéis. Eles assumiram minha prisão oficialmente. Uma prisão preventiva, com inquéritos e essa coisa toda. Me levaram na delegacia me jogaram lá no canto, e quando fui para o Ahú eu fiquei três dias na solitária, no fundão, um lugar muito ruim.

Eu sabia que havia um grupo de estudantes presos no Ahú. Eu mandei um recado, pessoal eu to aqui, me tira daqui 'pô!' Ai eles fizeram uma greve de fome na prisão. Era um coletivo de presos, vinte ou trinta presos no congresso da UNE, no Pré-Congresso da UNE, após Ibiúna que foi na Chaçará do Alemão. Pois é, esse pessoal estava ali, junto com outros presos de Santa Catarina no coletivo, em um local grande, uma sala imensa, dava duas dessa, estavam todos ali. Ai eles me tiraram do fundão e me levaram para lá. Lá tomei banho quente, essa coisa toda, lá tinha hora de leitura, hora de debate, comida boa, camarão que vinha de Santa Catariana, que a família mandava. Eu fiquei de boa, me restabeleci. Achei que aquilo ali era o paraíso, fiquei superfeliz, preso feliz. Fiquei ali jogando dominó, aprendendo caratê, tinha um japonês preso que armou um tatame, era coisa “chique” não é? Até que vieram de novo atrás de mim. Eram os caras do Cenimar – Centro de Informação da Marinha, me levaram e me trouxeram, me levaram e me trouxeram. E toda a vez que me levavam eu não sabia se eu voltava e os meus companheiros de cela também não sabiam se eu ia voltar. Meu amigo, o Políbio Braga, você conhece, o Polibio escreveu um livro sobre diário do Ahú. Ele fala do André quando chegava, André saia e André chegava, era eu. Eu saia de uma forma chegava de outra, não podia ser diferente.

     Foi um período muito ruim, por que eu achei que eu não iria mais passar por aquilo. Eu já havia passado por tudo isso. Você quando sai de uma situação, vai para um lugar que tem livro, leitura, tatame, dominó, e de repente eu volto para aquela situação, é uma coisa muito ruim sabe.

Até que um dia me levaram para o Dops, me levaram para o Dops e me penduraram, por que? Porque alguém caiu no Rio e disse que eu sabia de um contato que nós tínhamos em Medianeira, o nome do contato. Tranqueira foi aquilo, viu! Mas que contato? O cara é doido, eu fui em um dentista para fazer isso aqui, extrair um dente. É isso que eu fui fazer. E pediam: “E qual desses dentistas fulano, fulano ou fulano”.  Lauro Constantino Filho foi o meu dentista, falei a verdade. O Lauro já estava preso, ai soltaram o Lauro, porque o Lauro contou a mesma história que eu,  sem eu combinar nada com ele. O Lauro ficou supercontente com tudo e deu o nome do filho de André. Porque o Lauro contou uma história que o Lauro contou também, eu passei por uma situação daquelas.

Gilberto: a essa altura você não tinha mais nem uma informação quente?

Aluízio: Não, não havia nenhuma outra informação. Porque o Lauro quando soube (quando eu estava sendo procurado, eu cheguei no coletivo e falei, falei assim para todo mundo ouvir não é? “Eu não sei o que esses caras estão querendo, estão atrás de um tal de Lauro Constantino Filho que foi do DCE”. Ai o Vitório Sorotiuk, o Mauro Goulart, mandaram recado para fora e entraram em contato com a família do Lauro) o Lauro pegou as coisas que estavam no consultório e jogou dentro de um riozinho. Então, quando o Lauro foi preso não tinha nada, tanto que ele foi solto logo em seguida.

Mas a coisa não termina nunca. Ainda no Paraná eu volto para o coletivo, e continuo com eles ali, tranquilo, no tatame, nas leituras, no debate. Ai me levam de novo, ai já foi o Exército que me leva para a marinha em Foz do Iguaçu. Isso porque alguém disse lá no Rio, o “pau estava comendo no Rio”, muita violência, e alguém disse de uma metralhadora escondida no Parque e que eu sabia o local.

Ai me levam para o Parque, para eu dizer onde estava a tal da arma. Juro para vocês,  eu queria encontrar a tal da metralhadora e dar para o exército, mas não encontrei. Mas eles não acreditavam, me amararam numa árvore. A metralhadora está até hoje lá no Parque Nacional. Até que depois de tudo isso, Rio de Janeiro definitivamente caiu.

Gilberto: Aluísio e a organização no Rio nesse período?

Aluízio: A organização no Rio foi caindo da seguinte forma, quando eu estava preso aqui no quartel vieram Mauro, Sebastião, Rogério, e Ivens Marchetti. Os quatro vieram para me tirar do quartel, uma maluquice. Poderia até tirar mas era difícil. Os quatro vieram, mas quando eles chegam em Laranjeiras eu acho que a estrada estava debilitada, barro, o ônibus não passava e pegaram uma combe, não sei qual a história, um táxi não é. E começaram a conversar coisas dentro do táxi e o motorista ouviu e viu uma coisa aqui [faz sinal para a cintura] uma arma não é?, provavelmente. E quando chegaram em Laranjeiras o taxista foi falar para o delegado: “eu trouxe um pessoal ai né indo para foz do iguaçu, deixei lá na churrascaria”. Eu não sei se foi coincidência mas tinha um agente da Polícia Federal em Laranjeiras, fazendo não sei o que. Mas que conhecia o Ivens Marchetti, que era buscado. Porque quando nós fizemos o primeiro banco nós usamos o carro do Ivens que era arquiteto, era o carro dele mesmo, no nome dele. Ele era um arquiteto envolvido, Ivens Marchetti, procurado procurado nacionalmente, com fotos.

Então levaram todos eles presos, foram para Curitiba, levara “pau do cacete”, coisa de doido. Já estavam na prisão eu aqui, que eu não era de nada, que eu era pesquisador, que foi contatado por uma moça católica, religiosa para fazer uma pesquisa. Eles foram presos devido o envolvimento de Ivens Marchetti. E lá no Rio nesse mesmo momento, nesse mesmo ano de 1969, mais para meados de 1969, junho e julho, cai nossos dois grupos de expropriação. Cai primeiro um e depois cai o outro, que havia um infiltrado, era um cara chamado “Vanderli” esse cara chegou a ser vice-presidente da Associação Brasileira de Anistia, foi anistiado ai um monte, essa denúncia chegamos fazer para o Paulo Abrão.

Ele era infiltrado, saiu na revista Época, nós já tínhamos desconfiança e quando saiu na Época que ele recebia um inaudível, ele veio de Brasília, plantado na nossa organização pelos nossos companheiros de Brasília que não sabiam também. E ele derruba o grupo de expropriação 1 o grupo 2 e ai veio como dominó, foi caindo todo mundo. Até que as prisões chegam no Paraná.

O César Cabral que havia ido para Tucumã entrou em contato com o COEP. Porque nessa altura, o dinheiro não era problema para a organização, nós paramos de fazer as expropriações e surgiu a figura do Bom Burguês, o Jorge Vale. Ele era gerente do Banco do Brasil e montou um esquema que só ele sabe explicar, até hoje eu não entendo como o Jorge Vale conseguiu fazer aquilo. Era muito dinheiro. Durante meses ele fez uma transação, não sei que tipo de transação bancária ele fez, que tanto dinheiro saiu do banco. Muito dinheiro saiu do banco. Esse dinheiro veio para nós primeiro, mas como nós não tínhamos estrutura, nós não tínhamos estrutura para absorver todo aquele volume, passamos para o Marighella. Então, a maior parte do dinheiro desviado pelo Jorge, nós costumávamos chamar ele de “o Bom Burguês” foi enviado para o Marighella.

O Jorge caiu logo em seguida também, é levado para a Ilha das Flores, onde nós ficamos. Quando cai preso o Pedro e o Jorge a mulher vai para a Europa, o Sidimar vai atrás da mulher na Europa. É um rolo muito grande, muito grande. Nós já eramos MR8. Quando nós caímos havia uma disputa entre o Centro de Informações do Exército e o  Cenimar, disputa de poder, na verdade era disputa de poder.  O Cenimar fazia muito barulho nacional; acabou a guerrilha, os guerrilheiros já foram presos, terroristas MR8, todas as armas em cima de um balção, dinheiro, identidade falsa essas coisas não é.

A gente quando via quilo se assustava, “nós não somos tudo isso”. Nós não chegamos a fazer nenhuma ação de volume, a gente estava começando a plantar as coisas quando decidimos recuar. É nesse recuo que acontece as prisões.

Quando cai essas coisas todas ai, eu venho, volto para Foz e o tal do capitão esse encarregado do inquérito me chama e me dá um tapa, um soco sei lá. Porque liga a minha situação ao MR8. Então começa a ter uma relação minha com a MR-8. E eu sou levado do Paraná ao Rio para responder ao inquérito do Rio. Eu estava respondendo um inquérito no Paraná, mas um inquérito só eu, o único preso era eu, os outros era ficções.

Quando cai o Rio e cai em Laranjeiras eu sou envolvido no meio disso eu passo a responder inquérito da Marinha. E sou levado para o Cenimar, acho que era em junho de 1969. Do Cenimar sou levado para a Ilha das Flores, que era um centro de tortura que poucas pessoas conhecem. Hoje existe até um memorial, mas o memorial de imigração o local de tortura lá poucas pessoas conhecem. Nós mandamos para o exterior inúmeras denuncias de tortura lá na Ilha das Flores. Depois da Ilha das Flores nós ficamos na Ilha das Cobras uma “cavernona” no meio da pedra. Era tudo rede né?, dormíamos nas redes. E ficamos ali em um momento, em 1970, acho que Ilha das Cobras já foi 1970, início de 1970. A copa do México foi quando?

Gilberto: Iniciou em 1970.

Aluízio: Exatamente, porque ali na Ilha das Cobras levaram uma TV e puseram em um pátio em frente a nossa grade, porque nós estávamos em uma caverna com uma grade, e puseram uma TV para nós assistir a copa. “Nacionalismo e todo mundo tem que ver, e de verde e amarelo”. E a gente começou a torcer contra a seleção. Mas depois virou tudo e todo mundo começa a torcer pelo Brasil, não tem jeito não é? A coisa é mais forte do que tudo.

Em junho, logo em seguida, a gente começa a querer receber visita e banho de sol. Eu estava com problema de asma, devido a umidade. E um dia chega a noticia que o Juarez morreu, o Juarez de Brito é preso, da VPR da Colina. Se matou lá naquele cerco. Sei lá, já havia recebido notícia da morte de fulano, de ciclano, morte de não sei quem, ai, pera ai. E a gente tinha que levantar todo o dia de manhã para o “confere”, sair da rede e ficar de pé para o confere, eu estou na rede, porque eu tenho que ficar em pé para o confere? Não é? Eu não sei, fiquei muito revoltado com a morte dele e não levantei. E os fuzileiros me tiraram da rede a força me encheram de pancada e me prenderam dentro de um cofre, ai começa a greve de fome. Ai me tiram do cofre mas nós ficamos em greve de fome por um bom tempo, até aplicaram um soro na gente e forçaram. E nós conseguimos o banho de sol e as visitas.

Já nas primeiras visitas chega o Bacuri mais morto que vivo. Deixaram o Bacuri mais morto que vivo. E um dia chega um tenente e diz para um de nós ir falar para o Bacuri para ele se alimentar. Ele não queria comer, estava mais morto que vivo.

Ai a gente se reuniu o coletivo ali e pediu par o Umberto Trigueiros Lima ir lá falar com o Bacuri. Eu não sei se eu fui, o Umberto eu sei que foi. Umberto se conformou disse que Bacuri não disse nada, deve ter achado que ele era algum policial. “Está tentando fazer eu comer para aguentar o pau não é?” O Bacuri já queria morrer, não sei. Sei que um dia levam o Bacurí lá para o salão de tortura e trazem ele numa maca. A gente se revolta, cruzamos por ele cruzamos com ele no dia de visita, foi a última vez que vi o Bacuri depois disso nós ficamos sabendo da “fuga” do Bacuri, morreu.

Até que o processo nosso na marinha evoluiu e nós fomos levados para o julgamento, para o julgamento da Marinha na Praça Mauá, com promotor, juiz militar, juiz civil. O promotor havia acompanhado algumas torturas dos meus companheiros, ele fazia as perguntas na pau-de-arara, essa promotoria publica é terrível.

Primeira audiência, segunda audiência inaudível das condenas, da leitura das penas. Ai nós combinamos quando eles começarem a ler, fulano de tal tantos anos … nós ficamos todos em pé e cantamos o Hino da Independência, “Ou ficar a Pátria livre ou morrer pelo Brasil”. Então fizemos isso não houve nenhuma retaliação, cantamos os militares chegaram, terminou o julgamento nós voltamos para a Ilha das Cobras e depois para Ilha Grande para cumprir a pena.

Gilberto: E a sua esposa nesse momento?

Aluízio: Ela voltou para Foz, quando eu fui para julgamento e ela voltou para Foz, ela já não era mais buscada. Ela e a irmã dela voltaram e nós fomos para Ilha Grande, para cumprir pena. Mas essa ida para Ilha Grande, ida para o camburão, escoltado no camburão, depois voltamos à Ilha Grande para assinar a sentença a gente não assinou, o Jorge Vale  também não assinou, assinar a sentença do Conselho do Tribunal Militar.

Ficamos na Ilha Grande aquela temporada. Eu fiquei mais tempo na solitária do que na cela. Mas sempre tinha algum problema, era banho de sol, era livro, não pudia entrar livro didático. Fui reclamar me encheram de porrada e me mandaram para a coisa lá. Fiquei em uma solitária junto com um cara (que naquela época havia preso político e preso de segurança nacional, tudo junto) eu fiquei com um preso de segurança nacional que era branquinho, que o cara me pegou um monte de merda, mas muita merda e jogou para tudo o lado, que horror, coisa terrível, pôs fogo no colchão e fiquei naquela solitária ali.

Até que um dia consegui um radinho, bem pequeninho o radinho eu não sei como chegou para mim esse radinho. Eu pelo menos tinha um radinho dentro da solitária e deixava embaixo do travesseiro para ouvir de madrugada. Fiquei sabendo do sequestro do suíço. Eu procurava os presos lá fora para fazer um sinal mas eu não aprendi fazer aqueles sinais, eles se conversam entre eles com rapidez e também não quis aprender, não queria ficar na cadeia, queria sair. Nós estávamos organizando farmácia, biblioteca, isso aquilo, nós tínhamos tipo uma cooperativa de fazer inaudível, mas acomodar na prisão não.

Até que uma noite eu ouvi do sequestro. E fiquei atento, eufórico. Era noite e eu ao invés de diminuir o volume aumentei o volume ai os guardas lá fora ouviram já entraram dando porrada para todo o lado pegaram o branquinho eu escondi no meio de uma toalha e eles levaram o meu rádio, mas não deu problema.

Até que um dia chegou um helicóptero na Ilha e me levaram em uma sala lá em cima, me fotografaram pelado de frente, costa lado esquerdo, lado direito; e eu fui embora. Disseram que eu poderia assinar um documento dizendo que eu não queria sair, disseram que eu poderia ser beneficiado se não saísse. Eu escrevi que queria sair, queria ir embora, preferia ficar fora do que preso e fui embora. Mandaram eu lá para o Galeão esperando chegar o povo, os gaúcho Bona Garcia, Bruno Piola, os mineiros, cearenses e também terminar a negociação.

Demorou muito, nós saímos em janeiro, acho que ficou um mês negociando, tinham alguns presos que eles não aceitavam, não aceitavam companheiros que tinham muito tempo de pena,  crime de sangue, não sei o que, … e iam vetando não é? E nesse processo de substituição de nomes foi longo, essa ação da VPR foi uma ação muito difícil porque agilizou um instrumento que era o instrumento de libertação dos presos com a captura do embaixador, para chocar.

Mas não havia outra saída, acho que o Lamarca ali agiu corretamente, agiu corretamente. Havia duas posições, uma de não negociar e executar o embaixador, aquela companheira que foi do Mr-8 e que foi uma das últimas, A Zenaide Machado era a favor da execução, o inaudível era pela negociação.  E a decisão final foi do Lamarca, foi de negociar. Porque executar ali, seria carregar um cadáver e perder toda a nossa luta. Iria pegar muito mal lá fora executar um embaixador e a ditadura ia sair fortalecida, mais do que já estava, era 1971. Nós saímos, o embaixador saiu elogiando, e falando bem de todo mundo e fomos para o Chile, ai começa outra história.

Gilberto: Nesse momento vocês foram reunidos no aeroporto ainda enquanto a  negociação estavam acontecendo?

Aluízio: Sim. Eles falavam se eles não soltar o embaixador vocês vão morrer, de um lado havia dentro a VPR a discussão: negocia ou executa? E nós reféns o embaixador refém e nós reféns lá no Galeão.

Gilberto: Já havia gente de várias organizações?

Aluízio: Sim, já havia da Colina, do MR8, da VPR, Val Palmares, o Frei Tito da ALN, POR todas as organizações estavam ali.

Carla: E a VPR já sabia que vocês estavam ali.

Aluízio: Sim a VPR já sabia que nós eramos reféns no Galeão, ficou uma situação tensa não é? Até que a organização decide aceitar os termos e as limitações e foi assumido o compromisso de libertar o embaixador assim que nós chegássemos no Chile. Quando nós chegamos no Chile “ó chegaram tão lá”. O embaixador saiu também está vivo, bonitinho, chegou em casa de táxi ele pegou um táxi e levou para a casa dele, a casa da embaixada.

Essa negociação foi uma negociação difícil, dai para frente só ocorrem prisões e mortes, prisões e mortes do final de 1971, 72, 73 e 74, quatro anos de massacre.

Enrique Padrós: Tem uma coisa que ficou lá atras, talvez seja importante ou não. Que é sobre a  morte de Che, porque Che é um emblema, como a morte dele chega até vocês e isso causou algum impacto? Ou isso não teve impacto?

 Aluízio: Todo mundo sabia que o Che estava na Bolívia porque a imprensa noticiava essa coisa toda. Quando chega a notícia da morte do Che, acredita ou não acredita? É  verdade ou não é verdade? aconteceu ou não aconteceu? Mas quando surge as primeiras provas a gente já tinha aquela naturalidade, não houve aquele impacto do “fracasso” do foco. Então, não é porque Che morre que a ideia do foco morre, não não acontece nada. A gente fica sentido e tal, mas não houve aquele impacto dentro do nosso grupo, tanto que a gente assume aquela revista 8 de outubro e a organização 8 de Outubro.

Carla: E é verdade que ele esteve em Foz do Iguaçu?

Aluízio: É. Bom, não sei. Quem diz isso, dizia por que já faleceu, era essa pessoa que eu falei para vocês, que era da receita federal e estava envolvida ali com a gente e era do MNR, era o Frank, o Carlos Alberto Flank, que era lá do sul. Ele e o irmão dele vieram para cá exatamente para dar cobertura para o Che. Eu não sei se foi coisa do Brizola, contam, eu não sei se o Che passou por aqui, mas segundo Flank, não tinha porque mentir. Tem um que está vivo ainda não é? Os irmãos Flank sairão da MNR e entraram na VPR. Os dois saíram comigo, no sequestro do suíço. Eles dizem que o Che passou por aqui que eles o é que deram cobertura. O Frank nunca foi preso, ninguém nunca soube dele sempre foi bem discreto clandestino, uma grande pessoa. 

Então acontece o sequestro e chego lá no Chile ai começa o retorno, a clandestinidade, a reestruturação a reorganização

2° parte[1]

Carla: Do bloco anterior, eu tenho uma questão talvez se você tivesse alguma coisa a mais para colocar, sobre a relação de vocês com os outros grupos, você cita bastante a VPR, a gente sabe que teve o grupo em Nova Aurora. Enfim, na sua fala aparece vários momentos que vocês tinham sua própria organização mas que se relacionavam e tiveram que fazer isso em diferentes momentos.

Gilberto: E depois de vir para cá, estando já internados no Parque e no sítio vocês ainda tinham contatos fora da organização?

Aluízio: Naquele primeiro momento da luta interna, da ruptura e da dissidência a gente tentou unir forças com a dissidência com o pessoal do Maghella, com o pessoal da Colina, o MR. Mas quando chegou o momento de entrar em ação a nossa decisão foi para o isolamento por causa da segurança. Só ficou um dos nossos encarregado de manter o contato com as demais organizações, os outros todos não podiam mais ter contato, por segurança. Ninguém mais tem contato com ninguém e ninguém participa de manifestação nem de assembleia de movimento estudantil. Agora é ação, clandestinidade total, não tem nada disso, nem família. Mas o Umberto ficou encarregado de manter contatos era o único, quando nós viemos para cá, ele continuou. Ele era muito ligado, eu também, mas depois vim para cá, à Maria do Carmo Brito e do Juarez Brito que era da Colina. E ele continuou o contato com a Maria do Carmo, mais com a Colina e com a dissidência da Guanabara, o pessoal do Flanklim Martins. Era basicamente esses dois contatos mais fortes que nós tínhamos. Com a Irene era muito pouco o contato com o pessoal do Marighella, o Fiat tinha contato mais frequente com o Toledo.

Quando nós começamos a cair o Fiat teve um contato com Toledo, porque nós tínhamos um dinheiro do Bom Burgues e passamos para o Toledo Câmara Ferreira. E depois quando o pessoal decidiu que nós teríamos um braço ligado ao trabalho de massa eu já estava preso. A discussão interna continuou, então ficou um braço ligado ao trabalho de massa e outro a guerrilha. Então fizeram uma opção pela região do sudoeste, oeste de Santa Catarina, foi até adquirido terras. Isso foi junto com a ALN de Mariguella e Toledo, foi o contato que nós tivemos ali. Aqui no Paraná eu não tive contato com ninguém só com a dissidência da AP.

A gente tentou contato com AP, Polop, Curitiba, mas no fim não deu certo e ficamos só com o pessoal que era do Partidão que era muito forte aqui no Paraná e alguma coisa que era da AP. Mas quando nós fizemos a opção: subir a serra ou ir para o mato, é aquela velha história, nós tínhamos ali, na dissidência, uma base operária fenomenal. Isso porque havia um descontentamento forte com o comitê central, então, na base operária da dissidência era uma base grande muito grande, metalúrgicos, operários, sapateiros. E  acontece que quando decidimos “subir a serra” nós fomos bater na porta dos companheiros operários, vamos gente, vamos subir a serra? “Sobe você que é estudante, que não trabalha, que não tem emprego, não tem família, que não tem filho, eu não posso, sou ligado a produção tenho mulher e filho para criar”. Dureza não é?

Só veio o Fiat e Nielso, o Keise ficou o Miguel Batista, todos foram dando para trás. Só nós subimos a serra. Quem subiu a serra? O Nielso e o Fiat por que estavam em disponibilidade. A ditadura inventou uma coisa, eles baixaram um decreto pondo os Marítimos em disponibilidade, 5 mil marítimos em disponibilidade. Ficaram em casa sem fazer nada e recebendo. Mandaram os caras para casa e pagavam salário para não ficar no estaleiro, para desmontar a estrutura política. Então o Nielsi e o Fiat vieram porque estavam em disponibilidade, os demais não, eles tinham família e essa coisa toda. Interessante não é? porque o operário no fundo é acomodado, não vem para uma coisa dessas, não vou para o Paraná “subir a serra”, ir para o mato e assim nós perdemos vários quadros aqui no Paraná também.

Nesse sentido, que depois o estado do Rio passaram ao PCBR do Mário Alves,  do Apolônio. Também saíram do Partidão e foram para o PCBR. O PCBR tinha uma linha mais “maneira”. Na medida em que nós fomos fazendo ação, o PCBR foi deixando de lado sua linha e foi virando mais foquista. Eles podem dizer que não, mas o PCBR virou foquista, e veio para o Paraná, inclusive tinha um PCBR forte aqui. Em Nova Aurora nós não tínhamos contato com eles, eles estavam ali e nós ao lado de nova Aurora. Tanto que nós caímos em 1969 e eles também caíram em 1969 o Fávero e quele pessoal né.

Gilberto: O sítio entre Assis, Cascavel e Toledo é ao lado mesmo, muito próximo.

Aluízio: Ao lado, nós eramos vizinhos sem saber. E isso acontecia muito, deve ter acontecido com muita gente pelo Brasil afora, devido a clandestinidade, nós não tínhamos mais contato com as organizações e muito menos com a VAR. Nosso contato era com a Colina, depois que a Colina virou Var. Ainda mais a Var de Porto Alegre com o Araújo, eu não tive nenhum tipo de contato com o Araújo e com o pessoal de lá.

O nosso isolamento se deveu a isso, e foi até certo ponto bom porque as nossas prisões não ocasionaram prisões por parte das outras organizações. A nossa ficou entre nós, não havia aquele encadeamento de prisões. Foi o pessoal de Niterói que ficou conhecido como “Cangaceiros  de Niterói”.

Enrique Padrós: E a chegada no Chile, a chegada no Chile, ai vamos para a outra etapa?

Aluízio: Nós quando chegamos no Chile ficamos confinados, a chamada quarentena como se diz, ficamos confinados em um local lá que era um lar de crianças coisa assim, eles fechavam ao publico e nós ficamos lá confinados. Assim que chegamos a polícia de investigação nos fez parar para tirar fotos e cada um conta a sua historinha, normal. A gente tinha que se identificar. Nós chegamos sem documentos, eu sai com o uniforme da prisão e um pente, mais nada. Não deixaram eu sair com nada. Alguns saíram com coisas eu não.

Eu o Umberto e o Rogério da dissidência saímos juntos, nós três saímos desse jeito e cada um teve de se identificar. Nos primeiros dias ali houve um assédio muito grande da imprensa internacional coisa toda, a imprensa chilena, então foram dois, três, quatro dias tentando falar com a gente. Houve até um documentário de um cineasta lá da Califórnia, deve estar na rede, que foi feito naqueles dias. Ali chegou a ALN, a VPR, o PCBR, ali chegou a dissidência do Rio de Janeiro, que já não era mais dissidência era MR8 já e chegou nós três que eramos do ex-MR8, da dissidência que caiu. Eramos sem identidade, nossa organização acabou, o '8' do Franklin, pegou nosso nome. Nós não entramos no negócio deles, a gente continuou pensando daquela forma. E pensando daquela forma nós entramos na VPR. Não pela necessidade de estar organizado, mas porque era preciso estar organizado para continuar. Ai nós entramos na VPR.

Eu não sei, mas acho que a Maria do Carmo saiu da Argélia lá, não sei, acho que foi a Maria do Carmo, saiu de Argélia foi para Santiago, e nós fizemos várias reuniões com ela e com alguém mais da VPR e acabamos os três entrando na VPR. E ai a gente começa uma nova etapa de militância na Vanguarda Popular Revolucionária, por amizade com muitos membros da VPR e pela semelhança de forma de pensar. Pensávamos iguais, pensávamos em retomar a luta armada. Mas todos pensavam em retomar, todos queriam voltar, a voltar era uma obsessão, era um compromisso, ainda mais para quem saiu no sequestro.

Você está peso, o “Comando Revolucionário” lhe tira da prisão, os companheiros arriscam a vida, muitos morreram durante e depois da operação e fica no Chile passeando? Fazendo turismo? O compromisso é a volta, para todos, a volta era uma coisa um compromisso de cada um, não um compromisso assumido, mas de cada um. E o compromisso nosso era retomar pela VPR, o Lamarca já havia saído, já havia saído da VPR e ido para o MR8. A situação da VPR não era nada boa, era preciso reestruturar. E  assim nós fomos fazendo novos contatos e criamos em Santiago uma espécie de uma frente de organizações, cada uma dentro das suas estruturas. Dentro da VPR houve uma certa clandestinidade de alguns quadros, eu era um dos clandestinos tanto que eu fiquei legal em Santiago pouco tempo depois eu fiquei clandestino lá. Um grupo nosso pegou a Coréia, um grupo grande composto de pessoas que saíram do suíço e outros que saíram antes que estavam em Argel, aqueles que vieram de Cuba. O Ladislau Dawbor que organizou a ida para a Coréia.

Enrique Padrós: Quando tu fala em um grupo grande era de mais ou menos de qual o tamanho?

Aluízio: Para a Coréia foram 30, grande na época. Ai eu fiquei em Santiago encarregado de criar condição de receber o grupo que foi para a Coréia. Então quem ficou foi eu o Curió o Fortini, o Expedito (o homem que morreu duas vezes). Eu fiquei encarregado de manter a organização de prover a organização (tem que prover as pessoas moram em casas, tem que se alimentar), de prover a organização. Ai eu fiquei em Santiago cuidando disso e recebendo a gente que vinha do Brasil. Porque o “pau estava comendo”, quem conseguiu sobreviver  chegava lá no Chile sem documentos, sem dinheiro e essa coisa toda, as pessoas estavam saindo do cerco de aniquilamento. Quem sobrou da VPR, sobrou algumas pessoas em São Paulo e no Rio de Janeiro, poucas pessoas ficaram, quem não saiu foi porque não pode sair devido a segurança e foram para Santiago.

Então fiquei em Santiago nessa “missão” de manter a organização, prover a organização e criar as rotas de retorno. Eu estava nessa quando chegou Onofre Pinto de Cuba e foi para Argel e de Argel foi para Santiago. Então foi engrossando a organização, tinha o pessoal que chegou da Argélia, a Maria do Carmo já estava lá, o irmão do Pesuti, a Carmela. Foi chegando o pessoal da Argélia, o pessoal da Europa e a estrutura da VPR foi crescendo em Santiago. As viúvas, a viúva no Novaes apareceu lá com duas crianças que mataram o marido na tortura, ela foi para lá para cuidar deles.

Essa era a minha missão, e mandar algumas pessoas para Cuba, até que chega o pessoal do treinamento. Era um tal de ir e voltar, ir e voltar (ir para Milão, ir para Europa, Buenos Aires...). Parece que naquele ano de 1971, para mim, foi muito mais de dez. Foram muitas coisas acontecendo ao mesmo tempo, maluquice total. Foi um ano que durou muito tempo, foram dez anos em um, de tanto que nós fizemos em um ano. Eram muitas pessoas entrando e saindo e aquela coisa. Ai o pessoal da Coréia volta em janeiro de 1971, acho que perdi na data, quando cai o Recife?

Gilberto: Janeiro de 1973

Aluízio: Então foi o ano de 1972 também foi um ano bastante agitado, chega o pessoal da Coréia e ficamos ali em Santiago em reuniões organizações, documentos falsos, até que … Recife caiu em 1973?

Gilberto: em janeiro de 1973 foi a chacina em julho foi a extinção da VPR.

Aluízio: eu no inverno de 1972  e ai eu já sai, quando o pessoal da Coréia voltou eu não tinha mais porque, o Gregório Ubiratan de Souza (??????????), da Coréia ele voltou, ele assumiu a VPR e eu sai. O Bona não foi para lá, o Bona não foi para a Coréia, ficou em Santiago e o Expedito o Bruno Piola, e esse pessoal do sul. O Fortini sumiu, de repente o Fortini sumiu, ele tinha uma estrutura independente dentro da clandestinidade ele já era clandestino. Sei que o Fortini sumiu e eu fiquei com o carro dele, alguém passou para mim, ele primeiro tinha uma Citroen depois uma Citroneta.

Eu fazia os contatos da organização com a embaixada cubana, eu peguei esse contato, não sei se foi com o Japa ou com o Onofre e e passaram para eu fazer. Eu sei que eu ia com esse carro para lá, e a Mara e o marido dela nós mandamos para Cuba para trabalhar na rádio Havana. Alguns companheiros continuaram em Cuba, outros chegaram quando o Japa vem para Santiago também.

Você vê que o pessoal começam a chegar em Santiago também, vão se juntando se aglomerando em Santiago, para montar a estrutura de retorno, já havia condições de retorno. Quem chegou de cuba chegou preparado, quem chegou da Coréia chegou preparado, então havia um pessoal que se preparou em santiago, uma maluquice foi essa de Santiago. Um grupo ia de capuz entrava em um sindicato onde tinha gente pra caramba, muito movimento de lá para cá, para receber treinamento de explosivos, basicamente de explosivos. Aquele bando de “nego”, todos eram brasileiros, mas ninguém falava nada para não se identificar.

E esse mesmo grupo, fazia treinamento de caminhada e de tiro na cordilheira, esse grupo era um grupo composto por militantes da VPR, ALN, tinha do '8' que era a mulher do Abrão Reis, Silvinha, a Sílvia, e da ALN o Wilson que hoje é professor da USP, o Duarte, um grupo forte da ALN. Esse grupo também estava preparado, então ficar lá fazendo o que? O Fleury passeando por lá, tanta gente passeando por lá, o negócio era minado, extremamente ninado.

Enrique Padrós: E a relação dos chilenos com a VPR?

Aluízio: Eu não sei, mesmo porque eu fiz a opção pela clandestinidade com organizações chilenas eu só tive alguns pontos  com o MIR, com o VOC - Vanguarda Operária Popular. Mas eram apenas encontros, eu não me envolvia, eram apenas pontos em comum. Por exemplo, eu não me envolvia mas os outros companheiros se envolveram na revolução Chilena, participaram do MIR, o Ubiratan Kischner que está na Suécia, participada direto do VOP. A VPR, oficialmente não tinha contato com outras organizações, não havia por que se envolver. Muitos companheiros do PCBR e de outras organizações se envolveram direto na revolução e no processo chileno.

A VPR tinha a opção de retomar a luta, voltar, então não podia. No meu caso tinha contato com pessoas (a Sara, por exemplo, era um contato meu, eu precisava dela para me ajudar na documentação, por que foram eles lá que me prepararam para voltar, em termos de maquiagem, lentes de contato, e essa coisa toda para eu poder fazer a foto do passaporte, um passaporte português e vir embora.

Veio eu e um companheiro do Exército de Libertação Nacional da Bolívia. O pessoal do Che que ficou e depois nós tínhamos  uma pessoa comum o Pepe, David Acebey Delgadillo. Vim eu e o Pepe trazendo mala arma, e livro, de novo. Para que livro? Estávamos voltando para montar rota de estradas apra que trazer tanto livro? Em Buenos Aires tinha livro para danar … não tinha a necessidade de trazer tantos livros, montoeira de livro, montoeira de documento, documento e mais documento. Os documentos internos da VPR e mais arma e passaporte, muita carteira de identidade, documentos falsos, carteira de Identidade, só para preencher, da Argentina de imigração, máquina fotográfica, tudo para fazer as coisas. E eu decidi não ir para inaudível e descer em Mendoza, que era uma aduana simples na época, havia dois ou três oficiais de imigração não é nada. Então desce em Mendoza carimba o passaporte e toma o rumo.

Era noite quando chegamos em Mendoza o Pepe saiu “de boa”, ele tinha o passaporte dele e mais um documento correspondente do Le Monde que ele falsificou ele fez, e ele pegou as coisas e ficou lá fora me esperando e eu na fila. Chegou na fila seguraram meu passaporte e me mandaram esperar, foi todo mundo embora e eu esperando, começa a apagar as luzes do aeroporto e eu esperando. Primeiro foi dentro do avião, chamaram, chamaram pela pessoa e eu estava meio que dormindo, até que eu me dei conta que estavam me chamando, era meu nome que eu não havia ainda me conscientizado do meu nome.

Fui lá, caí, e não era, eu havia esquecido de entregar um papelzinho. Chegando lá em Mendoza mais um problema olha você vai ficar retido por que não fez o visto de entrada, a gente não tem convênio com Portugal, tem que fazer o visto na Embaixada Argentina em Santiago antes de embarcar. E agora o que que eu faço, 'o senhor fica lá na imigração e amanhã vamos lá na embaixada para resolver essa parada', como eu era português que vivia no Brasil, falava com sotaque brasileiro. O Pepe lá fora esperando, o Pepe sabia que qualquer coisa ele explodia aquele aeroporto e me tirava de lá, de qualquer jeito ele tinha que me tirar.

Gilberto: Nesse momento já era governo?

Aluízio: General Lanuci, era uma ditadura, preparou o campo o retorno do Peron. Bom, me seguraram ai eu fiquei naquela, eu quero meu documento, sem meu documento eu não saio daqui, 'mas o senhor vai lá no negócio', não eu quero meu documento, me dá meu documento que eu fico lá  ai de tanto que eu enchi o saco, por que eu estava muito bem vestido, terno de linho caríssimo, gravata italiana, óculos de grife, muito bem penteado, um bigodão de respeito, português tem que ter bigodão.

Eu fiz questão de falar com um sotaque português que eles não entendiam nada. Já era difícil entender português, com sotaque pior, brasileiro quando quer faz um sotaque português para os outros, insisti tanto naquilo ali que pedi do melhor hotel, porque eu não fico em qualquer hotel, 'tem o não sei o que lá, hotel não sei quantas estrelas, o senhor faz favor de ir para lá então e amanhã o senhor comparece, sim, mas 'dá meu documento, sem documento eu não vou para o hotel', fiz um charme né, 'não pode ir, pode confiar em nós que nós vamos segurar teu documento', eu lá queria saber de documento. Sei que eu saí do aeroporto e Pepe já estava dentro de um carro me aguardando e eu entrei no carro com o Pepe e vim embora para a rodoviária pegamos um ônibus até Córdoba depois pegamos outro até Rosário até que chegamos em Missiones. No meio do caminho eu tentei tirar a tinta do cabelo, não deu certo ficou de umas duas ou três cores meu cabelo, o bigode já estava caindo, a lente de contato doía muito por que era de vidro, não era como hoje, e o algodão que a Sara pôs para deixar o rosto cheio já estava me incomodando fui tirando tudo, quando cheguei em Missiones estava um palhaço, o Pepe também estava muito feio, e chamava a atenção, não era para chamar a atenção.

Eu montei, nesse período que fiquei em Santiago esperando o pessoal chegar da Coréia, eu montei uma estrutura em Missiones eu não vim em Missiones sem estrutura, e essa estrutura eu tentei levar para a embaixada Cubana, eles foram lá, conversaram tudo, os paraguaios, os paraguaios da luta armada da OPM e quando eu vim e fiquei com eles com a Drª Glades que tinha um sanatório. Era uma clinica para ficar mesmo hospitalizados, tinha vários apartamentos, era um mine-hospital e eu fiquei hospitalizado, como se tivesse hospitalizado. Depois eu fui já para a fronteira onde eu tinha um companheiro que era de extração inaudível e a mulher dele era cabeleireira, ela tirou o resto da tinta. Eu me arrumei para virar colono, ela arrumou o meu cabelo do jeito de colono, o bigodinho bem fininho do jeito de colono, bem alemãozão do sul em Missiones, o que estava cheio, estava minado. Aquela região de Porto Mauá, Alba Posse, não sei se vocês conhecem que faz  divisa com Santa Rosa, ali era uma área que haviam mais brasileiros que argentinos, os argentinos que haviam ali eram argentinos paraguaios, eram basicamente brasileiros. Eu fiquei no meio da brasileirada, normal ali vivendo entre eles, já com o documento brasileiro, o passaporte já havia ficado para trás, tinha outro documento novo, fiz outro documento para mim.

Eu fiquei na casa desse inaudível até tirar as tintas e essa coisa toda depois eu fui para outro sanatório, que era outro mine-hospital que era do Dr. Alderete, já era na cidade do chamado Campo Grande, região de brasileiros também.

Enrique Padrós: Tudo na Argentina?

Aluízio: Na fronteira do Brasil

Enrique Padrós: Mas em território argentino?

Aluízio: Em território argentino, divisa do rio Uruguai, ali nós já compramos uma propriedade eu já fiquei na propriedade o Pepe foi para Posadas, que ele era correspondente do Lemond, ele fazia os contatos com o Brasil. O José Carlos Mendes que saiu do Rio e foi para Santiago quando começou a cair, o pessoal foi para Santiago as viúvas, os Zé Carlos veio também para Missiones, de Missiones ele entrou no Brasil e ficou no Paraná.

Outro companheiro ficou montando uma estrutura na região de Londrina, eu não sei precisar hoje, no norte novo do estado do Paraná, na região de bóias-frias, havia muito bóia-fria, no café, na cafeicultura não é? O João virou bóia-fria, trabalhou primeiro como fotógrafo e ai bóia-fria, o Lauro Constantino dentista de Medianeira voltou a falar comigo, um dia me procurou, o cara casa com uma moça linda, chamam de gorda mas ela é bem magrinha. Casou com a Vera e foi passar a lua-de-mel em Posadas, mas ele em vez de ir curtir a lua-de-mel foi me procurar,para perguntar: “Aluísio o que que eu faço? O que nós podemos fazer? Eu estou lá estou a disposição”. Então, é assim, tem que entender as mentalidades da época, disse para ele voltar para Medianeira, parar de tomar cachaça (que ele ficou com uma depressão forte) que você vai receber gente nossa, como recebia antes, alguém vai aparecer por lá.

Ele era um dentista famoso, professor de ginásio, apesar daquela prisão que ele teve, que foi inocentado, não deu em nada. Eu fiquei ali no sítio, e naquele sítio eu era o caseiro, não era o dono do sítio, eu não aparecia como dono, mas como caseiro. O caseiro é aquele que cuida do gado, das plantações, é a pessoa que pega na enxada, tive que fazer tudo isso. Tinha um negócio lá, acho que era uma caixa de água, o Diógenes de Oliveira deu um nome para aquilo ali, chamava de torre. Eu ficava lá na torre, eu tinha meu quarto mas de madrugada eu ia lá para a torre, de lá eu ficava de olho em tudo. E eu tinha que levantar de madrugada, agricultor não é estudante, classe média, agricultor tem que levantar seis horas da manhã que era café, mate cozido e reviro, ia para o campo. Mas o caseiro além de cuidar tem que trabalhar para os outros agricultores. Todo mundo vai trabalhar no outro, se está colhendo vamos lá. E eu tinha que ir, ia trabalhar como peão de um de outro, dar uma mão e não chamar a atenção. Eu nunca sofri tanto na minha vida, carregando peso, puxando erva mate nas costas, um peso no sol violento. Mas eu encarei, porque era necessário devido aquela situação da estrutura que eu estava alimentando. Eu não sei se valeu a pena, acho que sim era necessário fazer isso, não podia namorar não podia ir à baile não podia ir a lugar nenhum. As meninas achavam até que eu era gay as meninas iam lá, me chamavam para ir em baile, eu não ia a festa, não ia em baile. Minhas vizinhas eram bonitas e eu fiz muita amizade ali na região, com muita gente. Essa era a minha missão, eu não podia me isolar, tinha que fazer amizade. Eu ia na casa de um almoçava lá, todo mundo me convidada, eu era um rapaz solteiro, brasileiro, disponível, mas eu ficava na minha, dormia cedo, elas iam lá jogavam carta.

Tanto que recentemente eu fui visitar as moças, hoje são senhoras, avós. Encontrei uma delas, ela me recebeu muito bem, chorou muito quando me viu, aquela coisa toda. “Brasileiro de merda, achei que você tinha morrido” “Andrezito”! Perguntei, escuta, mas você nunca desconfiou, nunca passou pela sua cabeça, por que que o cara o cara daquele sítio trabalhava feito um condenado nunca saia como todo mundo sai no final de semana, para ir em baile e aquela coisa toda? “A gente achava que você era 'maricón', mas depois conversando com o pai o papai falou que você era guerrilheiro”.

Filhos da mãe, vocês todos sabiam! De onde você tirou a ideia de que eu era guerrilheiro?” Por que uma das irmãs dela trabalhava na casa de um contato meu, e o cara seguramente contou para irmã, a irmã contou para essa irmã, e o pai dela ficou sabendo. “Mas nós nunca ia te entregar, a gente te protegia, a gente ficava de longe cuidando de você, a gente ia lá de madrugada ver se você estava bem, a gente sabia que você dormia lá na caixa d'água”. Então essa foi a vida ali, montando essas estruturas de retorno.

Marcos Vinícius: Você tinha algum contato com a guerrilha Argentina?

Aluízio: Não foi bem assim, quando eu estava no sítio, foi o Movimento Agrário Missioneiro, era um movimento dos produtores de chá, o MAM tinha uma influencia muito forte Montoneros o povo era peronista aquela coisa e os Montoneros tinham influencia via movimento peronista, no MAM. Eu estava envolvido no MAM, estava no chá na produção de chá e erva-mate.

Até que caiu Recife, quando cai Recife a coisa desanda né nós eramos clandestinos.

Gilberto: Tinha gente no Rio Grande do Sul, do outro lado da Fronteira antes de cair Recife?

Aluízio: Alguma coisa em Três passos Passo Fundo o que sobrou  VPR, ali em  Cidade Baixa. Antes de cair Recife a nossa estrutura aqui em Missiones era clandestina dentro da VPR mas em relação ao comando da VPR. Porque o Negão Onofre, assumiu o comando da VPR Ele deu uma rasteira na Maria do Carmo na luta interna, no Pessuti.  E o Onofre e o Jamil ficaram com a chave do cofre, e quem tem a chave do cofre tem poder, tem poder. O Jamil tinha acesso ao dinheiro, na Europa, e o Negão era ligado ao Jamil inaudível.

O negão quando chega em Santiago, eu falei com o meu pessoal o meu pessoal era o grupo que ficou comigo para vir para cá. Nós estamos indo e ninguém precisa, ninguém  pode saber para onde nós vamos coordenadas nada disso. Nem negão Onofre, nem Mário Japa, nem Maria do Carmo, nem Pesuti, ninguém, definitivamente ninguém nem o povo que estava na Europa nem em Argel.

Mas isso por precaução, a gente nem desconfiava, de forma alguma que havia infiltração. Nunca passou pela nossa cabeça infiltração. Era mais uma medida de segurança e de sobrevivência. Tanto que o Zé Carlos Mendes fala assim que eu propus um acordo que “fosse a máfia dentro da máfia”. Não tem nada a ver! Era a clandestinidade a nossa segurança.

Tanto que Negão Onofre marcou um ponto meu com alguém lá na cidade de Entre Rios e eu não fui. Eu sei lá, pode ter sido até o Anselmo não é? Eu não fui nesse contato eu não tinha porque ter contato com ninguém. Nós nos internamos aqui, estabelecemos contato com essas bases paraguaias e com o pessoal que ficou no Brasil, com o Chile foi ruptura, por medidas de segurança.

Por que nós tínhamos que montar as rotas de retorno do pessoal, criar condições de chegar e se adaptar na fronteira, é como se pegar uma plantinha e fazer a adaptação, ambientar bem, depois fazer documento, e retornar, retornar para algum lugar. Não dá para retornar descer em uma rodoviária e ficar perdido que nem cachorro de um caminhão de mudança. Tem que chegar entrar e ir para algum lugar, lugar seguro.

Qual era o plano? Era foco? Não não era foco, era voltar para reorganizar para fazer ações armadas, naquele momento a visão nossa era aquela, não era outra. Então caí Recife, eu fiquei chocado, uma infiltração dentro da VPR, e com a conivência do Negão Onofre, em relação as quedas de Recife. Lá em Santiago naquela situação teve tribunal,  julgamento do Negão, aquela coisa toda. A Maria do Carmo passou a ter uma voz mais ativa porque ela dizia, 'ó cuidado' ninguém acreditava.

Ela foi crucificada, porque quando foi presa não aguentou a tortura, falou muito, ela torturou o próprio Jamil não é? E ela tem aquele trauma da morte do Joares. Ela foi bastante pisoteada pelo Negão, ele acusou a Maria de colaborar com a embaixada brasileira em Santiago e essa coisa toda, e a Maria não tinha nada a ver não é? E quando havia essa guerra ai eu ficava flutuando, em um e outro. Eu e meu pessoal, a gente ficava um pouco aqui, u pouco ali, a gente não tomou posição, tanto que quando nós saímos estávamos bem com os dois, mas ninguém ficou sabendo onde era nosso santuário.

Eles fizeram lá o julgamento, aquela coisa toda crucificaram o Negão, e não podia ser diferente não é? E nós ficamos na nossa, aqui, até que o Pepe que era o meu contato em Santiago, ele ia e voltava sempre. E o Pepe veio e disse é para você voltar para Santiago que tem reunião lá de avaliação. Eu vou né, ai eu fui, voltei para Santiago, dessa vez eu fui com o documento brasileiro que eu tinha falsificado, documento de imigração da Argentina que eu entreguei lá para eles, depois peguei de volta o verdadeiro.

Eles não desconfiaram que o meu era falso, era bem feito, muito bem feito, documento de imigração. Voltei para Santiago, fui ficando os dias em Santiago fui para uma reunião lá não sei onde, não lembro em que lugar para decidir o que fazer, o que fazer? Agora caiu Recife, com essa luta interna cruel pela frente a conjuntura no Brasil está cada vez pior o isolamento é grande, muito isolamento, o que existe hoje ainda está no MDB, existe um pessoal que estava no MDB e não havia mais nada fora disso. O Partidão estava sendo dizimado, eles queriam desmantelar, desmobilizar a VPR. Então nós desmobilizamos a VPR nessa reunião, foi o fim da VPR.

Gilberto: Essa reunião foi em Santiago?

Aluízio: Foi em algum lugar que eu não vi, estava vendado. Sei que dessa reunião participou eu o Fortini (que sumiu depois apareceu) o Ladislau Dowbor, a Maria do Carmo, os Pesutis, tinha mais gente da Europa, não sei de onde mais, nessa reunião decidimos acabar. O Bona estava lá.

E agora o que nós vamos fazer com os trabalhos já executados? Fica por conta de cada um. No meu caso eu voltava para desmontar tudo e voltar para Santiago ou ficar? Eu decidi voltar desmontar tudo e voltar para Santiago. Mas esse desmonte demorou para caramba. Porque eu desmontei o campo e fui para Possadas, eu estava em Possadas, fazendo coisas (ligadas a subversão mesmo). E ai me aparece dois negrinhos panamenhos, disseram para mim que eram panamenhos, chegaram até eu vindos da Suécia, eu não ia pegar os caras ponhar no meu colo e ficar comigo, alguém indicou, alguém me apresentou, tenho a impressão que eles chegaram até eu pelos argentinos, não me membro, sei que chegaram. E se chegaram com todos os cuidados que eu tinha é porque chegaram levados por alguém. E já que chegaram lá vamos à luta. Vocês conhecem Possadas? tem uma avenida larga, grandona, arrumei um galpão lá e montei uma tornearia para fabricar coisas,  os panamenhos conheciam tornearia, eu não sei o que ia fabricar, mas era para fabricar coisas, não sei se era mais fácil comprar, né.

Eu não entendo, coisa nossa, disseram que era para fazer eu dei apoio, era com a bufunfa com o cofre do inaudível  alguma coisa que sobrou, e tinha que usar isso na revolução, Argentina, Brasileira, Paraguaia. Fazer alguma coisa né.

Antes disso nós montamos um comando para entrar em Assunção e matar Stroessner esse comando seria constituído basicamente pela VPR. Esse é um caso pouco conhecido, pouquíssimo conhecido. A gente chegou a montar estrutura em Assunção, foi feito todo o levantamento, por onde saia Stroessner por onde ele passava, residências, amantes ele tinha mais de uma. Todo feito um trabalho de levantamento nosso com apoio da OPM paraguaia, e o comando seria nós, Mendes, o Pesuti, mais o Mário Japa. Eu fui levar os caras para conversar com o paraguaio. O paraguaio foi conversar com eles, o cara estava em um hotel 500 estrelas, um charuntão imenso de bonito, ai eu tomei um belo Whisk. E os companheiros falando Aluízio isso aqui é fria, você tá colocando a gente numa fria, você é louco, isso é jeito?. Mas você quer que o cara venha de uniforme e de macacão? E você quer que ele fique em um muquifo, num hotelzinho na beira da estrada. Ele está certo, melhor hotel, executivos, fizemos estar todos de termo aqui. Só sei que acabou não dando certo os companheiros recuaram, quem acabou fazendo depois foi o inaudível, mesmo tipo de ação inaudível.

Nós estávamos fazendo as coisas sem uma formalização de uma frente única revolucionária, eram coisas que iam acontecendo. Quando os panamenhos chegaram, chegaram dentro desses contatos com o menino lá de Tucumã o inaudível ele era nosso contato.

E comecei a me preocupar com os panamenhos, e disse “ó vamos desmontar tudo, estou caindo fora, estou queimado”. Por que eu fiquei queimado? Porque fui visitar o Dr Agustín Goiburú na clinica dele, e ele falou Aluísio, que dizer: “André, você vai ser preso quando sair daqui, está cheio de agente ai fora”. Ai ele em encheu de faixa, gesso e eu sai da clinica dele enfaixado, mas eu senti me fotografaram, eu estava com a mesma cara, não estava diferente.

Eu comecei a ver gente estranha no bairro, gente diferente e um belo dia sumi de lá. Fui parar longe, fui para o Chaco, para a resistência, ai chamei a minha mulher, minha menina, a filha, ela tinha dois anos eu acho, não, ela nasceu em 1969, isso foi em 1973, tinha quatro anos. Ela foi para o Chaco, eu comprei um negócio lá no Chaco.

Eu comprei uma soderia, eu achava o seguinte eu comecei a inaudível é uma sociedade democrática, uma sociedade de poucas famílias que dominam tudo né, eu fui para o outro lado porque uma sociedade democrática de pequenas propriedades, de pequenos comércios muitas famílias, era mais fácil eu sobreviver nesse ambiente, paupérrimo, uma pobreza terrível, mas onde você não tinha  inaudível, havia um outro ambiente.

E comprei uma propriedade rural perto da penitenciária onde estavam os presos políticos. Essa soderia fornecia soda para a penitenciária e distribuição de bebida, era soda e vinho, vinho e soda. Era fábrica de soda tinha o que? um caminhãozinho modelo ford 32,  modelo ford 28, uma picape, uma jardineira, eles chama charrete tudo para distribuir bebida nos bairros.

Eu fiquei ali pisando no barro, distribuindo bebida e vendendo bebida e ganhando dinheiro adoidado. Comprei um negócio para pagar em três anos e paguei binitinho com a venda de soda, 40° calor vendia muita água. E para não perder a mania eu tinha meu laboratório fotográfico aprendendo a fazer minhas fotos, revelar e essa coisa toda, eu tinha meus depósitos de papel, de livros, de discos, de recortes de jornal, inaudível tudo o que eu tinha recortado, pastas e mais pastas estava tudo ali.

De novo juntado papel e fazendo os meus contatos. Mas os meus contatos eu fazia contato via Buenos Aires e não via resistência, eu ia lá para conversar com o pessoal. O pessoal que entrava em contato comigo em resistência não sabia que eu morava lá. Eu também não sabia se eles moravam lá, eu sabia que a gente pensava coisas em comum, e eu passei para eles levantamento disso, levantamento daquilo, mais levantamento. Até, que em um belo dia, já na “Isabel”, já no final da “Isabel” antes do golpe, com a máquina de caça aos comunistas, comando de caça aos comunistas, aquela confusão toda lá, repressão violenta, e eu nesse negócio ai.

Eu acompanho um companheiro até um aeroporto de resistência teve de levá-lo ao aeroporto, e ele levando muitas coisas, muitos levantamentos, muitas coisas escritas à máquina de escrever em portunhol com “cedilha”, “til”. O meu espanhol é misturado, alguma coisa escrevia em português, saiu mal escrito.

De repente fecharam o aeroporto (isso já eram os militares era 1974 já era 1975, e começaram a fazer batida, abrir mala e a revistar todo mundo. Eu falei para meu contato: “Entra comigo no banheiro, joga tudo na privada e dá descarga”. Papel descia e voltava,  descia e voltava. Não descia, era  muita coisa, disse vá embora, pega o avião e se manda que eu vou dar um jeito nisso ai. “Eu sai de boa, ele saiu de boa”, não tinha nada em cima não é?

Mas no dia seguinte toda a imprensa noticiou que tinha ali guerrilheiros, portugueses, não sei por que eles falavam portugueses e não falavam brasileiros ou brasileiros também? Levantamento do quartel, levantamento da penitenciária, levantamento do destacamento, da delegacia de investigação.

Enrique Padrós: Esse material estava aonde?

Aluízio: Esse documento eu fiz e ele estava levando para Buenos Aires, e no aeroporto com essa batida policial e militar a gente teve que jogar no vaso e eles encontraram no vaso.

Marcos Vinícius: Você estava acompanhado nesse momento?

Aluízio: eu estava com o argentino, mas ele foi embora e a papelada ficou no hotel e no aeroporto. Peguei minha máquina de escrever e joguei no rio, queimei tudo o que eu tinha em casa, ai começa a loucura total porque eu não sabia até que ponto a Gendarmeria, a polícia política sabia da minha presença ali. E sabia das minhas atividades ali, os vizinhos não sabiam, eu tomava meus vinhos mas não falava. As vezes eu falava um pouco além sobre a segurança, mas minha mulher me dava uns “cutucões”, me “beliscava”.

Tomava uns vinhos e começava a ter saudade do Brasil, mas eu tinha uma coerência contava coisas com bastante coerência, então os vizinhos não desconfiavam, eu andava na rua “de boa”, tranquilo, quantas vezes o caminhão do exército ficou empantanado, (como se diz quando fica preso no barro?) e eu puxei, eu puxei com meu caminhãozinho, eu tirei, dava coca-cola para um, guaraná para outro, dava um vinho, normal, normal como todo mundo.

inaudível da milícia chegava nos bairros faziam os Gendarmeria chegavam na casa de todo mundo. Lá em casa chegaram só uma vez, quando chegaram em casa eu não estava, mas eu era um burguês, um proprietário, eu tinha 3 funcionários, tinha caminhãozinho eu era um 'produtor'. E minha mulher falava um espanhol perfeito e as crianças não falavam só choravam.

E minha mulher beliscava as crianças para chorar cada vez mais. Para a Gendarmeria ela dizia: “Meu marido foi ao banco assinar uns documentos mas já vem”. A Gendarmeria foi embora e não voltou mais. Mas para mim foi suficiente para eu saber que eu não poderia continuar na Argentina. Em todo esse período de 1975-76-77 eu sabia que em qualquer momento eu ia cair, e se eu caísse a vaca ia para o brejo. Eu seria mandado para o Brasil, não tinha saída não é? sei que os contatos em Buenos Aires, estavam cada vez mais difíceis, muitas quedas em Buenos Aires. Em Missiones eu voltei uma vez, eu entrei na área proibida. Na área de Missiones eu não poderia mais entrar. Por que eu não podia mais entrar? Eu não sei se havia um infiltrado no meio dos paraguaios, ou se alguém caiu, ou se quando caiu o Aquino, aquele que deu aula de guerrilha, ele e o irmão dele foram torturados até a morte, ou quando caiu o Agustín Goiburú que foi assassinado na tortura, não sei como alguém ficou sabendo dos contatos de missiones. O Dr Alderete foi preso e foram para o sítio e encontraram a “matraca”  e tudo o que eu havia escondido nas plantações de chá.

O inaudível também foi preso, Alderete também foi preso, ficou lá perto de casa naquela penitenciária. Depois eu vou para Suíça, eles disseram que eu não podia mais voltar mas eu tive que voltar para fazer uns contatos, os últimos. Depois disso eu me fechei de vez eu só tinha que só sobreviver e esperar milagre, porque anistia, possibilidade de voltar era muito difícil, complicado.

Então eu abri para a família onde eu estava, a família não sabia onde eu estava. Só uma vez veio uma companheira do inaudível veio aqui ao Brasil e deu notícia minha. Aluísio está vivo, está bem, está na Argentina. Isso em 1978 essa companheira veio aqui e falou, ai eu mandei pelo Pepe notícias disse “Vai lá e diz para vir alguém aqui  que eu preciso ir embora, preciso sair daqui, aqui eu não fico mais”. Eu tinha filhos, eu tinha, um, dois, três, as crianças como eu vou ficar aqui? Alienamento todo dia, todo dia passava helicóptero, e eu queimando coisas, eu enterrando coisas, até hoje tem coisas enterradas. “Não dá para continuar aqui, depois do que aconteceu no aeroporto eu não posso ficar dando sopa por aqui”.

Sei que Chile não tem perigo, ai eu tento voltar para o chile em 1973, quando eu chego em Buenos Aires chega a notícia da queda de Allende. Chile não dá, Europa não dá porque meus documentos são mal feitos, eu tenho propriedade aqui, vou ficar aqui escondidos sobrevivendo, fiquei 1975,1976,1977,1978 e parte de 1979, no comecinho de 1979, janeiro, fevereiro, março eu fui embora.

Gilberto: Quando  você foi de Possadas para a resistência, em que momento?

Aluízio: Foi na queda de Allende, foi em 1973 eu tentei voltar para Santiago e não consegui, por causa da queda do golpe eu consegui e decidi ir embora, sair de Possadas, não havia mais condição de continuar com nada depois da queda do Chile, ai fui para Chaco.

Gilberto: Foi depois do encontro com o Onofre Pinto em Buenos Aires?

Aluízio: Não eu já estava em resistência, porque ainda quando eu fui no início no Chaco a gente mantinha o contato com o Brasil e os contatos eram feitos via Buenos Aires. Eu não fazia contato via Chaco, eu fazia contato via Buenos Aires, o pessoal ia lá para conversar eu vi.

Foi assim, eu estava na rua andando, fazendo hora, tinha contato tinha que ficar fazendo hora para esperar para o contato com o companheiro e de repente veio o Onofre com o Albery conversando e tal, eu não queria que eles me vissem porque eu estava clandestino da VPR. Eu não desconfiava que havia infiltração, eu nunca desconfiei do Onofre, até hoje eu não desconfio. Eu sabia que o Onofre era Liberal e que o Alberi era Liberal, nunca passou pela minha cabeça que o Alberi era infiltrado. Então não foi desconfiança de infiltração, foi cautela. Então eu entrei em um café fiquei olhando para poder cair fora.

Mas o Alberi foi muito rápido e já veio e me cumprimentou, bateu no meu ombro e conversou comigo, uma conversa boa: “Eu sei que você tem um trabalho na fronteira, tem gente lá dentro em Foz, está montando uma estrutura para voltar com o pessoal que está no Chile. Eu também tenho uma estrutura muito boa, o Onofre”. Falou o nome de um monte de gente dos velhos e podemos juntar os trabalhos o seu com o meu, a sua volta com a minha volta. O pessoal da Coréia, uma rota, de repente uma rota bem segura, ele me perguntou “a sua é mais segura que a minha?” Eu não sei, o que você tem? Ai ele me falou que era tranquila, ele tinha fácil transporte, bom de mais, bom beleza, vamos sim, porque não né? Vamos juntar forças, ai marcamos um encontro para a gente decidir as coisas, mais tarde da noite?

Ai eu fui onde eu estava em Buenos Aires peguei minha, minhas coisas eu não tinha mochila, peguei uma coisa qualquer que eu andava, roupa talvez. Vim embora, sumi do mapa, desapareci, corri, dei a volta no planeta. O cara deve estar me esperando até agora. Só mais tarde é que vieram as provas que ele era um infiltrado e que o Onofre era conivente. E quem veio morreu, quem veio morreu.

Gilberto: Isso foi em?

Aluízio: Isso foi em 1974

Gilberto: Então foi depois da extinção da VPR?

Aluízio: Sim, já estava extinta a VPR

Gilberto: E o Onofre estava nessa reunião?

Aluízio: Não, essa reunião era internacional.

Gilberto: E os documentos dessa reunião que estão transcritos no livro, tem documentos da extinção e depois continua, quem sustentou que a VPR não fosse extinta?

Aluízio: Ninguém, por que o grupo que queria manter, não foi convidado para a reunião, que era o grupo do Onofre. Era o Onofre os sargentos, as pessoas mais próximo do Onofre, porque não tinha porque chamar. Eles foram coniventes com a queda de Recife, eles tinham uma tese totalmente diferente da nossa, a luta interna entre a Maria do Carmo, o Pessuti e o Onofre era grave. E o Onofre já havia sido expulso da organização pelo coletivo, fizeram um coletivo e expulsaram ele. Expulsão entre aspas porque o Onofre continuou.

Então, em janeiro de 1973, o Onofre viu que não havia mais condições de continuar no Chile, vai ficar em Santiago como? Queimado, conivente com a morte de companheiros quando todos disseram que havia uma infiltração que o cabo Anselmo era infiltrado ele não acreditou, ele o protegeu. Ele não tinha mais condições, ambiente para continuar, então ele saiu e veio para Buenos Aires. Ali em Buenos Aires montou alguma coisa, ficou em Buenos Aires, eu não sei se ia para a Europa, mas ficou em Buenos Aires.

Quando houve o golpe, esse grupo que não foi na reunião da extinção se juntou com ele lá em Buenos Aires, é o grupo do Onofre. Esse grupo manteve a VPR, então dizer que a VPR foi extinta nessa famosa reunião da extinção, foi extinta pela maioria dos seus quadros, os quadros que haviam vindo de Cuba, da Europa, de Santiago, os que estavam aqui na fronteira esses quadros representavam a maioria da VPR e se juntaram para fazer a sua extinção. Quem manteve foi o Onofre e o Grupo dele.

Quem era o Onofre e o Grupo dele? Era o grupo começou que saiu da MNR e que fundou a VPR. Foi o primeiro grupo fundador da VPR, foi o grupo dos sargentos e tiveram a adesão dos irmãos Carvalho, que saíram do “Movimento Revolucionário Tiradentes”. Então teve a adesão dos irmãos Carvalho, mas era o pessoal mais chegado no Onofre Pinto. Eles vieram, eles vieram e morreram ai né. Eu e o meu pessoal conseguimos sobreviver.

Enrique Padrós: Aluísio só um parênteses, a gente tem falado muito da queda do Recife, é antes que fica claro a infiltração do pelo Cabo Anselmo. Tem uma cidade no Paraguai, que é Soledad, conhecia Soledad? Porque ela é Paraguaia está aqui ao lado do Paraguai, a trajetória e história da Soledad é uma história muito Latino-Americana. E no Brasil se fala muito pouco de Soledad na verdade acho que essa queda também tem um traumatismo muito maior em função “dela” (Soledad Barret) do que em função da caída do cabo Anselmo. Tu tinha relação com eles, conhecia?

Aluízio: Olha, eu frequentei algumas vezes a casa da Nanny Barret, a irmã da Soledad, que morava em Santiago, e do Jorge. E ali eu não cheguei a conhecer a Soledad. A Soledad saiu de Cuba e veio direto para São Paulo, atrás do Araújo marido. Ela não acreditava que o Araújo tinha morrido o  Aribóia. Ela foi para São Paulo com essa missão. Ela alugou um apartamento, o Onofre Pinto deu todas as condições, de plantar (vamos dizer assim) de plantar a Soledad em São Paulo, e a Soledad não foi só procurar o marido, foi procurar o marido e se integrar na luta, em São Paulo.

Estava tranquila em São Paulo participando das coisas lá, até que, o Anselmo sai de Cuba e  talvez por receber ordens do Onofre de procurar Soledad. O Anselmo procurou a Soledad, teve um encontro com a Soledad. Esse encontro foi marcado no exterior, foi do exterior se que marcou um encontro de Soledad com Anselmo, se foi do exterior só pode ter sido o Onofre. E ali eles se conheceram, e o Anselmo já estava com a missão de montar uma estrutura da VPR em Olinda (Recife) e ele chama a Soledad para se incorporar a essa coisa ai. Mas essa coisa ai de Recife eu não posso dizer que foi apenas o Onofre o responsável por montagem, o Onofre era o responsável pela montagem ai entra o Ladislau e outras pessoas que estavam na Europa e que montaram essa estrutura de Recife. Que chegaram lá os marinheiros a Pauline, elas foram chegando da Europa elas não saíram de Cuba, saíram da Europa, chegaram em cuba e foram para a Europa. Então do Chile não foi ninguém.

A Soledad já estava em São Paulo, Anselmo saiu lá de Cuba, os outros saíram da Europa e montaram aquela coisa lá em Olinda. Nós sabíamos que havia alguma coisa em Pernambuco, mas quem era a gente não sabia. A gente sabia que o Onofre, o Anselmo estava no Brasil, a gente tinha notícia de que o Arruda tinha visto o Anselmo preso, nós tínhamos notícias que vieram da companheira nossa da VPR que estava presa na “Casa da Morte”, ela sobreviveu da “Casa da Morte” a Inês Etienne. Nós ficamos sabendo da informação que a Etienne mandou do hospital de que Anselmo era um infiltrado. Porque ela ficou sabendo disso na Casa da Morte, mas ninguém acreditou, ninguém acreditou.

A Maria do Carmo acreditou, e o Pesuti que era marido dela também, acreditou mais ou menos, porque o poder de convencimento da Maria é terrível, ela conseguiu convencer um pouco o marido, mas ela não conseguiu convencer ninguém. Por que a Maria não conseguiu convencer ninguém tendo informações do Arrudão (do PCdoB) da Inês Etienne? Porque a Maria do Carmo já havia sido queimada pelo Onofre. O Onofre queimou a Maria de tal forma que a Maria, o que ela falava não tinha credibilidade. Ai está a culpa do Onofre, não é? Nós só tivemos essa constatação de que de fato o cabo Anselmo era um infiltrado e que o famoso cabo Anselmo era um infiltrado, quando aconteceu a queda lá em Recife.

A ultima vez que eu fui na casa da Nanny Barret eu fui com o Onofre e me chamou a atenção uma coisa, (o Jorge Barret diz que não, mas eu não sou maluco) o Onofre telefonou para Recife da casa da Nanny eu achei estranho usar telefone para falar com Recife  não é? Muito estranho? A gente não pode usar telefone para falar com alguém em Recife, liberalidade dele, liberalidade dele. Quero até hoje acreditar, que queimar companheiro é grave, você não pode sair por ai queimando as pessoas, ele era um liberal, descuidou de segurança muitas vezes, nunca foi de demonstrar coisas e devido a isso cometeu erros e muitos erros. Porque quando todo o coletivo da VPR, decide avisar os companheiros de Recife que havia um infiltrado, tem várias formas de avisar. Você sabe que é uma butique em Olinda, há tem muitas butiques, vai procurando até encontrar, manda qualquer pessoa, manda um chileno, uma moça um rapaz, um chileno que ninguém desconfia, não precisa mandar o irmão da Soledad, mandou o irmão da Soledad.

O Jorge tinha na época 18 anos, não menos, menos de 18 anos. O Jorge levou aquela carta. Levou duas cartas, uma de tinha que levar para Soledad, e outra carta ele tinha que entregar para Pauline e o Evaldo. Ele me disse (o Jorge) eu falei com ele muitas vezes depois disso, ele me disse que chegou lá na casa onde morava o casal (Anselmo e Soledad) e que ele ficou morando na casa também, que ele tinha uma namorada pernambucana então ficaram 2 casais na casa ( o Jorge e a mulher dele, pernambucana e a Soledad e o Anselmo) chegou lá e ficou esperando, Paulinne não aparece, Edivaldo não aparece, ninguém aparece e que a carta que era para ele entregar ficou guardada (debaixo do colchão sei lá onde).

Um dia ele achou que tinha que entregar para alguém, pegou aquela carta e entregou para a irmã e disse ó você não mostra para ninguém, não mostra para o Anselmo essa carta, ela é só para o Evaldo e a Pauline ou outro que não fosse o cabo Anselmo, no caso o Jarbas. E ele me contou que um dia ele levantou de madrugada e a porta do casal estava semi-aberta, e ele viu a Soledad sentada na cama, ela e o cabo Anselmo lendo a carta, que não era para ler.

E ela não acreditou na carta, disse que era intriga da luta interna, coisa da Maria do Carmo, não sei o que não sei o que. Cabo Anselmo avisou o Fleury que estava lá fora não é. O pessoal foi saindo e caindo, saindo e caindo, saindo e caindo. Um cai aqui, um cai acolá, outro cai lá na frente. E todos eles foram levados para a tortura, todos morreram na tortura. Montaram aquele teatrinho do congresso na chácara de São Bento, que nunca existiu, cada um morreu diferentes situações.

O menino, o Jorge foi levado pelo Anselmo a um bar na cidade de Recife, um boteco, tomar café da manhã. E fica ali até que o Fleury agarra ele, leva ele para o banheiro, bateu nele, deu uns pontapé, jogou ele dentro de um carro com a mulher e eles foram levados presos em Recife, depois foram levados para o DOI-CODI na rua Tutóia, em São Paulo e ficou um tempo, depois o Fleury pegou ele colocou em um avião e mandou ele de volta para o Chile. Isso é o que ele conta.

Por atrás disso tem muita coisa ainda não esclarecida, o menino diz (o Jorge) diz que a Soledad não estava grávida e que ele prova. Diz que quem estava gravida era a Pauline, ou então nenhuma das duas, a advogada Mércia viu um sangue coagulado e imaginou que aquilo seria um feto. Ele diz que a Soledad não estava gravida porque a mulher dele e a Soledad eram muito amigas e mulher conta para outra, ó estou de dois meses, três meses. Segundo ele a Soledad usava um “DIU”. Então essas coisas não estão devidamente esclarecidas, mas também de menos importância. O que interessa é que aconteceu, todos eles morreram ali em Recife.

Carla: Retornando ao encontro em Buenos Aires, o Alberi estava sozinho, o Onofre não participou da conversa, estavam os dois conversando e só o Alberi chegou conversar com você?

Aluízio: Sim, eu não sei porque só o Alberi veio.

Carla: E mesmo assim, como o Senhor explica o senhor ter marcado o encontro e não ter comparecido, essa percepção, havia uma percepção de que havia alguma coisa errada, ou foi segurança a sua postura?

Aluízio: Não, não imaginava que havia coisa errada não. Como houve essas mortes lá em Pernambuco, sabe como é que é, precaução não é? como o Onofre tem uma grande responsabilidade em tudo isso, eu achei por bem não me abrir né. Eu não podia me abrir, porque nós havíamos combinado no grupo não se abrir para ninguém, então porque eu vou me abrir para Alberi e para Onofre?

Ele disse, olha o pessoal está vindo, disse até o nome das pessoas que entrariam. Espera ai! nós estamos em fis de 1973 início de 1974, gente caindo, morrendo “pra caramba”, nossa experiência é uma experiência traumática, traumática. Ai, chega um cara, por mais que ele me conheceu no Ahú, propôs fuga para mim no Ahú. Depois disso eu nunca mais vi o Alberi, só fui ver agora, ele chega para mim, propondo uma coisa dessas e dizendo e dando nomes … isso ai é furada né, não vou entrar nessa. Até agora tive todas as precauções, não vou entrar nessa, caí fora.

Talvez um pouco de medo, talvez pensando já no recuo, porque nessa altura do campeonato, quer saber de uma coisa, a guerrilha caiu, o Chile caiu, nós já havíamos desmobilizado a organização, eu já estava sobrevivendo. Já havia caído naquele negócio do aeroporto, eu estava com um pé no Brasil para voltar, mas não dava para voltar, iam me matar aqui. Eu tinha que ficar quieto no meu canto vendendo minha soda e o meu vinho. E aos poucos ir dissolvendo meus contatos, liberando o pessoal. O Zé Carlos Mendes já estava na Holanda, já tinha saído daqui. Então eu já estava perdendo alguns contatos.

Então você põe: precaução por um lado, um pouco de medo de ser preso, torturado e morrer e também que a gente já estava recuando na nossa posição de continuar a luta armada, posição de recuo.

Carla: E quando ele falou que sabia onde o senho estava, sabia o que estava fazendo, ele sabia mesmo?

Aluízio: Não ele não sabia, ele chutou. Ele não disse onde, ele disse que você tem um negócio assim, assado. Na verdade, já estamos em 2013 dá para abrir alguma coisa, na verdade era eu e o Roberto Fortini de outro, o  Fortini era italiano, italiano, italiano. Tanto que ele não foi banido ele foi expulso, ele e o inaudível eles foram expulsos. E o Fortini tem uma mão desse tamanho cada dedo dele é dessa grossura, a unha dele é preta de tanta terra. A mão dele é aquele talo, metalúrgico forte entrou aqui na região é um peixe na água. Ninguém ia falar nada, porque ele é italiano, com aquele sotaque forte, como todos gringos aqui da fronteira, com aquela mãozona e aquela unha cheia de terra, esse não ia ser um guerrilheiro, não tem nada a ver com estudante, o cara não sabe nem ler, nem pegar livro, a diversão dele é ouvir rádio, era trabalhador.

A mulher dele, uma morena missioneira, dessas morenas que tem na região de Missiones, analfabeta, quem alfabetizou ela foi Dodo. A mulher do Fortini saiu da Zona do baixo meretrício, para vocês terem uma ideia. Ninguém ia desconfiar daquele casal, ela e bem cabocla, assim de se dar bem com todo mundo, conversar com todo mundo, tomar chimarrão, tererê com os vizinhos, bem povão. Ninguém ia desconfiar da companheira? Ninguém. E eles montaram uma estrutura, trouxeram o Gustavo Buarque Schiller, lá do cofre, o sobrinho da Ana Benchimol. Ele era do sul, do Rio mas Sul, a mulher dele mora em Porto Alegre.

O Gustavo saiu de Porto Alegre para a militância, levaram o Gustavo para lá, montaram as coisas ali na fronteira, compraram balsa para atravessar rio, produziam verduras e transportavam verduras até Mendoza em caminhões frigoríficos. Podiam levar e trazer o que quisessem não é?. Então acontece que eles [Alberi e Onofre] desconfiavam que o Fortini estava por ali, que eu e Fortini tínhamos uma coisa comum. Mas o Fortini tinha a mesma atitude que eu, não abrir, tanto que o Fortini não caiu. O Fortini mora até hoje no mesmo lugar. Está la, quietinho, no canto dele com outro nome, é um cara bom na comunidade, todo mundo precisa dele.

Enrique Padrós: Até hoje o Fortini está com ouro nome?

Aluízio: É até hoje está com outro nome. É impressionante a vida do Fortini, e ele trabalha com o prefeito, trabalha com o delegado de polícia, o governador chama ele, porque ele fabrica máquinas, que todo mundo já inventou lá atras. Ele me mostrou uma máquina de descascar abacaxi. Mas isso ai já existe, mas ele fabrica, fica doido, encantado. Ele inventa máquina de fazer ração, alambique, mas eu acho que ele copia coisas que já existem e ganha um dinheirão com isso. Ele recebe uma pensão da Itália, alguma coisa que recebe da Argentina dado por uma senadora, porque ele se envolve com a política, ele era do partido radical, faz campanha para o partido radical, o negócio dele é mais atender o pequeno produtor. Ele atende o pequeno produtor com as invenções dele.

As exposições (agrícolas) são feitas ele está lá com as maquinetas dele, e ele recebe um fomento para fazer as maquininhas. Quero dizer que o cara está muito bem, ele virou argentino missioneiro. Ele está lá no mesmo lugar, na mesma casinha que ele construir com o Gustavo Buarque Schiller . O jipinho da VPR está lá, enferrujado, caindo aos pedaços, mas ele faz andar, porque é um excelente mecânico, mas essas coisas o Onofre nunca ficou sabendo. Nunca ficou sabendo que a gente comprou um castelo, uma casa de um alemão nazista na beira do rio Paraná, e que essa casa tem até adega, que para passar da cozinha para a sala de refeição tem que passar por uma (porta) que roda para o pessoal (serviçal) não ver quem está comendo, coisas dos nazistas mesmo. Na beira do rio tinha até um correio na beira do rio com as lanchas lá.

Então havia, do rio Uruguai ao rio Paraná, esquema de retorno, isso nunca chegou até Santiago, essa informação, se essa informação tivesse chegado até Santiago teria caído todo mundo. Houve tentativas de descobrir, o José Carlos Mendes foi assediado pelo Onofre Pinto para contar onde nós estávamos, teve uma ocasião que eu recebi informação que eu era muito buscado. Nesse ponto eu tenho que tirar o chapéu para minha mulher. Ai eu pedi para o Pepe para vir para o Brasil e dizer para minha mulher para pegar um ônibus  vir se encontrar comigo em Santiago. Eu não fui para Santiago, só para despistar, e ela foi para Santiago, lógico, fazendo tudo para ser seguida, (logicamente ela deve ter sido seguida até Santiago), para despistar o Pepe daqui, eu não estava em Santiago, estava aqui, ao lado.

E quando ela chegou em Santiago o negão Onofre chamou ela para conversar. O Negão, eu não sei por que (um comandante, sargento, não pode, não cabe), chamou a Eunice para tomar café em uma confeitaria e ficou o tempo todo “onde que ele está? Conta para mim, como eu faço para chegar lá? Como é que faz? Então, será que o Onofre era um argente? Não sei, só sei que morreu, e morreu pela repressão. Então não era argente, era um sujeito que queria ter o comando de tudo, o controle de tudo e como uma parte da organização se desgarrou e passou andar com as próprias pernas e ele não tinha acesso. Mas na clandestinidade como que vai ter acesso, não pode centraliza inaudível.

Então depois dessa coisa toda que aconteceu, eu voltei, cinco anos mais tarde eu  voltei para o estado do Rio (1979). Fiquei no estado do rio participando de coisas, das coisas da anistia já. Eu era clandestino mas eu pensava assim, e falava para os companheiros que ficavam cuidando de mim. Se eu for preso não se preocupe, eu só quero que tenha alguém do meu lado para saber que eu fui preso, mas se eu for preso eu vou para o “Frei Caneca” e sabe quem vai me visitar? Fafá de Belém, o Vilela não sei quem. Não tem mais …  o projeto de anistia já está na câmara dos deputados. Eu não tinha mais nenhum receio. Eu andava claro, me cuidando um pouquinho, mas despreocupado, porque eu preferia ficar no Rio, ser preso no Rio do que ser preso na Argentina.

Isso em 1979 vim para o rio tranquilo, até que chegou a anistia, peguei meu irmão que é advogado foi na Marinha pegou o papel lá um papel de anistia, de anistiado, a certidão de anistiado, e com isso eu pus no bolso e vim embora. Era o único documento que eu tinha, que eu queimei os meus documentos falsos, antes de vir para o Brasil.

Gilberto: entrou por onde no Brasil.

Aluízio: Entrei por aqui (Foz do Iguaçu) que havia na época duas cunhadas minhas que trabalhavam na receita e mais outro amigo que trabalhava no setor marítimo da Polícia Federal e eles acho que facilitam um pouco o meu retorno. E era 1979 estava tranquilo, voltei tive cuidado peguei um carro até Curitiba, de Curitiba outro carro até São Paulo, de São Paulo outro carro até o Rio, tranquilo, fui para Cabo Frio … inaudível

Enrique Padrós: O Bona Garcia também foi contatado pelo Onofre em Buenos Aires, o Bona vinha do Chile e o Bona também desconfiou, vocês não se encontraram?

Aluízio: Não

Enrique Padrós: Só depois? Quando vocês soube que o Bona também tinha desconfiado, quando vocês trocaram?

Aluízio: O Bona me contou em 1980 e alguma coisa, eu fiquei sabendo pelo Bona que ele foi assediado, ele assediou também o Antônio Maffi lá em Braga, assediou o Umberto Trigueiros Lima, ele queria trazer gente. A missão do Alberi, eu li muito, eu pensei em muita coisa, eu me informei muito e penso no seguinte, você está julho de 1974 já não havia mais nada, era o governo Geisel, Herzog já havia morrido, Manoel Fiel Filho também.

Começou um desmonte da estrutura da repressão, de certa estrutura de repressão. SNI mantém, mas aquela repressão secreta que recebia verba secreta que estavam fazendo e acontecendo, essa foi desmontando. Vai tirando ao gás, já não havia mais quem prender, botim de guerra? Já não havia mais botim de guerra como era. Prendia matava ficava com o apartamento, com o carro, com o dinheiro. E com isso ai foi montado uma estrutura dentro da repressão que faturou alto né, muito alto. Só do Jorge  levava um monte.

E não havia mais o botim de guerra, verba secreta … vai esvaziando essas estruturas da repressão. O que que passa pela minha cabeça: mandar uma pessoa lá fora no Chile, mandou para o Chile primeiro, depois com a queda de Allende ele foi para o México e para Buenos Aires. Tirar um cara daqui, escolheram um cara que era militante do MNR, que era famoso, famoso, que era da guerrilha de Três passos, famoso Alberi. Então ele era uma referência forte dentro da esquerda, tirar esse cara, mandar para Santiago para organizar gente para trazer, passar a conversa (bom de conversa) com o povo doido para voltar, todo mundo doido para voltar.

Fazer isso para que? Só para matar? Trazer e matar? Então é isso que não cola. Para que? os caras estão lá sossegados, traz e mata? Então eu começo a pensar, que alguns setores da repressão, alguns generais, o Paulo Malhães e, não me lembro o nome dos outros, o próprio Fleury e o pessoal dele tinham que justificar a existência da máquina repressora. Mas como justificar se não tem nada? Ninguém está fazendo nada, não tem nenhuma ação, está tudo desmantelado, até o Partidão acabou, prenderam tudo, não tem mais nada. Eu acho que o Alberi foi para trazer as pessoas para justificar que o perigo da guerrilha está ai, os banidos estão voltando, olha esses caras ai, olha o negão Onofre ai, para justificar esse negócio todo.

Tanto que quando eles chegam, eles atravessam a fronteira com a maior tranquilidade e foram para o sítio do tio do Alberi com a maior tranquilidade e eles tiram um grupo e eles tiram cindo e levam para um determinado lugar e executam. Cinco menos o Negão, o Negão continua no sítio. Mas por que o negão não foi junto? Dá para entender tem que fazer faz de vez. Seguraram o negão, mataram os cinco (os dois Carvalhos, o argentino e o Ramos. O Ramos com pouco histórico de resistência, o Ruggia da argentina não fazia resistência nem lá nem cá, os Carvalhos que eram os mais procurados e o Lavéchia que era velhinho já. E o Negão ficou, era figurão, fundador da VPR, levaram o Negão lá na aula, olha os caras, morreram, quer morrer também ou quer negociar?

Nessa altura do campeonato, você não imagina que o Negão foi valente, não vamos negociar (foi isso que ele deve ter dito né), fechou a cara e começou fazendo o jogo. Se ele começou fazendo o jogo, trouxeram ele para Foz do Iguaçu, que aqui estariam o Malhães e outros para conversar. Mas o que que eles queriam do Negão? Outros contatos? Tentaram outros contatos, mas ele não tinha outros contatos. O dinheiro do VPR? Talvez, talvez, talvez tenha sido o dinheiro da VPR que eles queriam, imaginavam que o Negão estava lá com dois milhões e seiscentos mil dólares que na época era muito dinheiro, seguramente ele ainda tinha uns 200 ou 300 mil, entrega a grana.

Levaram Negão na agência dos correios, enviar telegrama para o pessoal de Buenos Aires, levaram Negão na agência da telefônica, Negão foi e telefonou, claro, ficaram cuidando dele. Dias depois que ele faz esses dois contatos veio a ordem de Brasília, executa o cara e some com ele. Vai deixar ele vivo, não tinha mais nada para dar, nem dinheiro nem contato, a ordem veio de Brasília, executa e some com o corpo.

Isso a gente só descobriu anos, muitos anos mais tarde, o que aconteceu com o pessoal que veio com aquele contato que eu tive com o Alberi. Talvez a missão do Alberi seja isso, eu não vejo nenhum motivo dessa missão do Alberi a não ser essa.

Enrique Padrós: Eu concordo com essa tese, nós conversávamos sobre isso, só tem uma coisa que pensando aqui contigo, justificar que eles estão invadindo para poder manter a estrutura. No Uruguai se fez alguma coisa parecida, mas foram mantidos vivos, para poder mostrar. Porque aqui eles deixam entrar executa e se tem a notícia, mas talvez terias sido mais impactante mostrar a “terrível” guerrilha está voltado.

Aluízio: mostraram internamente só.

Enrique Padrós: Clara internamente e também colocaram decisões importantes.

Aluízio: não mostraram o corpo, não fizeram alarde. Internamente sim, todos os que participaram, escalões importantes, todos os escalões ficaram sabendo. Não foi uma ação isolada daqui do exército de fronteira, foi uma ação de cima para baixo, então internamente na escala de comando não sei se todo o mas uma parte dela ficou sabendo o que aconteceu.

Gilberto: O que é curioso é que o Alberi não se descobriu de imediato?

Aluízio:Não

Gilberto: Não houve testemunha, mas até onde se sabe foi a última missão dele, ele não tinha mais serviço, em alguma medida isso foi um serviço “inventado”.

Aluízio: Porque depois disso o Alberi ficou por aqui, com essa vida marginal dele, mas quando matam o irmão dele ali na estrada do colono, o Alberi passa a frequentar o CBA-Centro Brasileiro de Anistia, frequentou durante muito tempo o CBA, ia lá pedir justiça para o irmão. Eu não sei a dupla personalidade. Ou se ele estava lá no rio para tomar mais informações. Hoje não há dúvidas, depois que o Conrado, lá no Uruguai deu aquela entrevista e que os documentos sobre o Conrado foram descobertos. Quem tem muita coisa sobre isso é o Cunha, que descobriu recentemente muitos documentos do Conrado, e que cita o Agente Alberi e a missão no exterior. Tinha várias missões no exterior. Não foi só essa, tinham várias missões que o Conrado abriu não sei para quem, e que estavam no documento.

Enrique Padrós: Nos termos da Operação Condor, que é uma outra problemática dentro dessa dimensão, isso é uma “Pré  Operação Condor”? ?Isso tem a ver com a operação condor? Ou não? Eu conheci e entrevistei a pouco tempo atrás a irmã do Enrique Ruggia, e também tem esse fato de ele ser um cidadão estrangeiro. Ela conta a história que o caso do irmão dela demorou muito tempo para a sociedade argentina aceitar como um problema interno inaudível. Por outro lado, ela não consegue visualizar que houve uma conexão argentina nesse fato. Porque claro, como cidadão argentino, ela gostaria que lá houvesse reconhecimento. Do que tu tens levantado, do que tu tens feito, das novas informações que tu possa estar indicando: essa é uma operação brasileira que teve evidentemente a participação de alguns setores polícias argentinos? Ou dá para dizer que houve alguma coisa a mais? Teve uma participação também importante dos argentinos?

Aluízio: Quando eles voltaram do Chile e foram para Buenos Aires, foram todos eles fichados em Buenos Aires, eles eram refugiados. Moravam naquele Nosocômio é um abrigo e eles eram controlados pela polícia política argentina no Nosocômio. E eles eram controlados no dia a dia. Eu não tenho dúvida de que eles eram controlados em Buenos Aires. E quem controlava? Eu não sei se era a polícia brasileira, a polícia argentina ou as duas. Mas que a Polícia argentina controlou o movimento dos refugiados controlou e isso eu não tenho dúvidas. Os refugiados que estavam aqui em Missiones, Buenos Aires foram todos controlados. Eles estavam de passagem, indo par algum lugar, algum pais que acolhesse. Acho que foi isso que foi decidido, acolhe, recebe, mas não fica na Argentina. A colaboração entre polícia política do Brasil e da Argentina, do Paraguai e depois com a Chilena e Uruguaia, sempre houve colaboração. Isso você encontra documento nos arquivos, e de monte, sobre pedidos de informação, daqui para lá, de lá para cá.

Então pode ser que essa operação tenha sido uma Operação em que a Polícia Política Argentina tenha colaborado com informações dentro de Buenos Aires, na saída. É bem provável que tenha tido facilidades em Buenos Aires para poder operar também, para poder sair. Saiu de ônibus, saiu bem, saiu com um grupo de refugiados de Buenos Aires tranquilo, sem nenhum tipo de dificuldades, nenhum tipo de dificuldades para chegar até a fronteira, nenhum tipo de dificuldades para chegar em Posadas que era uma cidade minada de agentes e atravessam a fronteira. Provavelmente houve algum tipo de colaboração.

Você encontra documentos que dizem: “Um grupo de guerrilheiros passou por Eldorado a caminho da fronteira”. Mas isso é Polícia Federal de lá para a polícia federal de cá que não sabiam de nada. Porque também tem isso né, se era uma operação secreta que nem toda a polícia sabia então a polícia que não sabe acaba prendendo. Depois tem que soltar, ordem superior.

Então você encontra documentos desse tipo, informações Gendarmeria de Eldorado informando a polícia daqui que um grupo passou por lá. E foi justamente naquela época que eles passaram por Eldorado, tiveram que passar por Eldorado para chegar a Posadas. Não, sai de Posadas, passa por Eldorado para ia a Santo Antonio. Então deve ter ocorrido isso.

Gilberto: Uma questão importante pelas suas pesquisas mais recentes e seus trabalhos todo, falar alguma coisa sobre a estrutura de repressão em Foz do Iguaçu, a dinâmica do aparato repressivo. O que  você consegue definir hoje,  como funcionava isso, qual o papel que tinha Foz do Iguaçu, o papel que tinha a Itaipu?

Aluízio: Para a esquerda, Foz do Iguaçu era rota de saída de muitas as organizações, a POLOP tinha muita gente por aqui, a ALN, todo mundo tinha, conhecia gente por aqui, em Argentina em Assunção.

Mas isso não tinha nada a ver com a estrutura repressiva, porque a estrutura repressiva surgiu aqui, surgiu para controlar os paraguaios refugiados, que vieram para cá em 1954. Por que sempre houve aquela coisa, que estão espirando, conspirando e armando. Então havia um setor de organização política, digamos assim, da polícia federal era mais em função dos paraguaios a repressão política. Tanto que os inaudível ficaram ai e nunca houve nada. Nós viemos para cá, também com a maior tranquilidade não havia nada.

Estavam de olho no Paraguai isso sim. Também mais ou menos, porque os paraguaios se estabeleceram, viraram comerciantes, membros do Rotary, do Lyons, Maçonaria, vivendo a vida na cidade né. Fizeram frequentando o quartel e cantando seresta para o comandante do batalhão. Você veja bem, mesmo depois de 1965 quando  caiu o grupo do Jefferson Cardim, que trouxeram eles aqui para o quartel, deram um pau. Eu vejo que quando nós caímos e caiu Nova Aurora, e mesmo depois que caiu o Jefferson Cardim  não se montou estrutura repressiva aqui na fronteira.

Essa estrutura do DOPS, de espião, não tinha essas coisas, só começa a aparecer em 1969 e 1970. Começa pela Marinha, você vai nos arquivos você vai encontrar os primeiros documentos de inteligência na década de 1970, e os documentos de inteligência do serviço reservado do exército o S2 começa a funcionar controle político a emitir documentos na década de 1970. Antes de 1970 a emissão de documentos era raridade, não existe. Havia o S2 mas para que? Para controlar paraguaio e contrabando, nunca nos parou. A polícia federal era contrabando, documentos falsos e essas coisas assim. Mas a partir de 1970, o Serviço de Informação-SI da Polícia Federal começa também a emitir documentos, controlar e a receber a difusão. Procuras, buscas, buscas, buscas, buscas, muitas  buscas, e essas buscas estão todas concentradas em 1970. Antes de 1970 você encontra algumas difusões, poucas difusões. Relacionado a que? ao Brizola, ao brizolismo, ao Darcy Ribeiro a essas coisas, circulava quando chega 1970, mais para frente 1974 começa a ter algumas ações integradas das polícias, da Polícia Federal, do Serviço Secreto do Exército com a repressão do Paraguai.

Quando sequestraram os quatro cidadãos paraguaios: Aníbal, Rodolfo, César e Alexandre. Veja bem, são casos que pouca gente conhece. No mesmo dia, mesma hora, mesmo minuto, mesmo segundo, eles foram tirados das casas, da cama, e levados para um lugar que dizem não saber. Tiraram, sumiram com caras, depois de algum tempo eles aparecem. Foram levados para Goias, para uma fazenda, uma casa dessas casas secretas do exército. Ninguém sabe o que aconteceu lá, que tipo de interrogatórios eles sofreram o que queriam deles. Se foi a pedido do Stroessner? Porque receberam denúncias que havia um complô para matar  Stroessner.

Gilberto: Isso já no final de 1975?

Aluízio: Não 1974, foi no final de 1974. Foi logo após a morte do Goiburú, aquele que me engessou e da morte do Aquino, não sei se eu falei morreu ele e o irmão. Quando eles caíram sequestraram esses paraguaios, os quatro. Com a acusação de que havia um complô para matar o  Stroessner. Levaram para lá eu não sei porque e eles também não falam. Não sei se sentem vergonha, um era maçom, outro era Lyons Club, encomendador.

O Rodolfo não quer falar tem problema, o César é uma pessoa difícil, o César é aquele que eu estava na casa dele e aparece a moça de nine-saia e eu caso com ela. É o César Cabral, ficou rico. Hoje é a segunda fortuna do Paraguai, depois do candidato a presidente é ele, ele é sócio do cara na rede hoteleira.

Gilberto: Desistiu da revolução?

Aluízio: Desistiu e ficou rico, ele fala isso. Aluísio, estou rico porque eu desisti da revolução e aprendi muito com vocês, a ser inteligente, estudar, pensar. “Tudo bem, você fez a sua opção”. Mas é um sujeito bom. Eu pergunto César o que aconteceu lá? Por que você foi o primeiro que saiu, você era o único com antecedentes políticos, foi do MR8, que entrou em contato com o Incompreensível em Tucumã. Você sabia de tudo isso e foi preso no Rio, a mulher dele levada para a Ilha das Flores com o neném de 4 meses e soltaram os cachorros encima do neném para ele falar. Com todo esse antecedente levaram para uma casa secreta e foi o primeiro a sair, mais por que?

Na casa do Cesar a Polícia Federal o CIE, ficou na casa dele morando um tempão, esperando alguém chegar. Eu estava lá fora no exterior, mais tinha acesso a essas informações. Cuidado, não entrar em contato com o César porque tem gente lá.

O César me disse que eles queriam saber de mim, esperavam que eu fizesse um contato porque não sabiam onde eu estava. Tudo isso acontece naquele ano de 1974, e essa operação dos paraguaios foi uma operação de polícia política brasileira e de Polícia Política Paraguaia. A morte do casal montonero no Rio Iguaçu, era uma operação entre Brasil e Argentina não tenho dúvidas.

Gilberto: E o brasileiro em Porto Iguaçu?

Aluízio: Eu estou me referindo ao casal, era uma lancha brasileira, piloto brasileiro, bandeira brasileira e que você encontra documentos no arquivo do arquivo do terror, de que havia um complô para a vinda desse casal. O casal estava vindo, estava chegando, estava vindo por Foz do Iguaçu.

Gilberto: Tem uma referencia sobre uma operação em um bar em Porto Iguaçu em setembro de 1976 que sequestra e mata um refugiado brasileiro.

Aluízio: Em porto Iguaçu eu não sei. Porque Porto Iguaçu era mais vila, bem pequeninha. O Alberi ficou um tempo morando lá, tinha um sítio era contrabando. O Alberi entrou em uma fase fim é sempre esse, o cara é caguete, traíra, acaba virando bandido e morre bandido. E o fim dele foi esse.

E o Condor andou por aqui, andou nessas operações mas andou muito com as trocas de informações. Essa assessoria de informações da Itaipu, a Itaipu foi especialista nisso. Tem montanhas de documentos em relação aos uruguaios, trocando documentos com o Uruguai, com a Argentina, com o Paraguai, com o Chile polícias. A ASE tinha muita gente, primeiro porque a Polícia Federal é a Polícia Federal, faz concurso bonitinho, é outra cabeça. Pode até entrar no esquema de repressão, mas não é um profissional da repressão política, o exército é um soldado é bater continência baixar para lá, baixar para cá, e quando prende, prende. Mas não é uma OBAN ou um DOI-CODI.

Exército prende aqui na fronteira e quando prende não sabe o que fazer com aquele preso, não sabe nem interrogar. Depois se aperfeiçoou um pouquinho. Com a Itaipu na década de 1970-72-73 começou a vir para cá os manjados, os profissionais da repressão, os caras que estudam, pegavam preso, interrogavam o preso e diziam você é da AP, você é da POLOP, isso tudo pelo discurso do preso já identificavam.

Eram caras estudados e vieram com a Itaipu. Vieram com a Itaipu trabalhar com a Itaipu com alguma empreiteira. Tinham várias empreiteiras, vários serviços terceirizados, muita terceirização. Em dólar, muito dinheiro, vai ficar no Rio, em São Paulo, vieram para cá, morar no hotel Burbom ganhando rios de dinheiro.

Itaipu era um ninho da repressão política, passou a ser o ninho da repressão política e viajou para Assunção, Buenos Aires, fazer relatório, você encontra muitos documentos aqui produzidos pela assessoria da Itaipu paraguaia, encontra lá, encontra aqui, encontra no arquivo nacional, encontra no arquivo público do estado do Paraná. Montanhas e montanhas de difusão, então eu não tenho dúvidas de que Itaipu facilitou e muito, com muita grana, porque era muito dinheiro para manter aqueles agentes viajando. Eu não sei se eles entraram direto nas operações, talvez não, mas mais nas informações;

Gilberto: Só para registrar, são dois documentos que são transcritos em seu livro da documentação da Polícia Federal, são informes da polícia argentina para a polícia brasileira e depois ele é sequestrado em Porto Iguaçu “Francisco Marodim”, é um brasileiro exilado que é sequestrado.

Aluízio: Não sei, eu encontrei esse documento e não consegui descobrir o quem foi esse Marodim, mataram ele.

Gilberto: é uma prova da colaboração da Polícia Política.

Aluízio: eu tentei descobrir quem era, mas não descobri quem era essa pessoa. Talvez tenha sido mais coisas do tempo de Brizola, se mataram ele ali em Iguaçu.

Enrique Padrós: Aluísio uma última pergunta, eu não volto nela, bom no futuro sim. Gostaria de desejar muito obrigada por essa generosidade e percebo isso da fala que fosse citado pelos companheiros e muitas companheiras nessa caminhada e nessa trajetória. E muitos deles fosse citando e dizendo morreu depois, faleceu lá, foi morta.

A pergunta seguinte: a gente sabe do teu enorme esforço que você tens feito. Como que se convive com todas perdas, porque você teve muitas perdas?

Aluízio: muitas, muitas, muitas …

Enrique Padrós: Como se convive com isso?

Aluízio: Não tem como, não é? É muito difícil lembrar. De repente tu está assim, companheiros que conviveram com a gente, morreram aqui ou morreram no exterior como o Tito. Então você começa a fazer uma avaliação de tido isso, dessa caminhada não é? Eu não sei como dizer. Nós tivemos um companheiro nosso que morou aqui no sítio do Boi-Piquá, e que mataram ele no Rio, que foi o Quincas. Ele era estudante de economia. Ele morreu na rua Bolivar em Copacabana. Então o Quincas era muito ligado com nós aqui. Então essas coisas afetam não é?

No meu curso de Ciências Sociais, para você ver também. Tem eu, Umberto, Rogério (três), Maria do Carmo (quatro), Vera Wrobel (cinco), Clarisse (seis), Ivan (sete), que eu me lembro. Dos sete o Ivan morreu, os demais todos foram presos, isso de uma classe. Teve o Joarez que estava sempre ali por perto e foi uma morte que afetou muito a gente (quando ele se matou lá né).

Então essas mortes de fato abalam, abalam mesmo. Tanto que quando nós sobrevivemos nós assumimos um compromisso de voltar e continuar a luta. Não só pela troca, por termos sido libertados com a eliminação de companheiros que morreram logo em seguida. Mas também o compromisso que a gente tem com tantos que morreram em todo esse trajeto e essa é a coisa não é? Não dá para acomodar.

Muitos companheiros nossos que a gente encontra acomodaram. Esses dias … eu tenho ido muito nas reuniões, eu sempre tenho acompanhado as reuniões da Comissão Nacional da Verdade, os colaboradores nessas coisa todas eu vou. Na instalação havia muitos ex-presos políticos, inaudível, eu acho que a Suzana foi também. Mas depois eu olho assim e só vejo eu, gente mais o que é isso, a Comissão Nacional da Verdade? O Raul Ferreira, ele não chegou a ser preso. Ele foi em uma. Eu não vejo os presos políticos indo nas reuniões.

Ontem mesmo eu estava trocando ideias com o pessoal do Movimento Verdade e iça e disse: “Eu não estou entendendo esse negócio, onde estão os companheiros?”. Eu sei que tem muita gente na ativa, muita gente na ativa e muita gente que não quer saber de nada. Quem não ficou louco está bebendo, outros não querem saber de nada. Vai vota participa e mais nada, a maioria não quer saber de nada. Uma parte participa mas não é assim, não são tão afoitos. Então a geração de 1968, não justifica dizer que é uma geração sofrida, massacrada em seus ideais, perdeu muito e talvez sejam esses os motivos.

Eu não sei quais os motivos do que acontece com a geração de 1968 em relação as tarefas dos dias de hoje, as tarefas de hoje: a Comissão da Verdade, fazer avançar um projeto político, eu quero discutir com o pessoal as questões de inaudível e ninguém quer discutir. Ninguém quer discutir avanços! Então, eu não sei o que aconteceu! Porque a gente encontra isso também na Argentina, onde estão? Onde estão os Montoneros? Não estão participando de nada?

Incompreensível, guarda Nacionalista Peronista. Não estão vivendo o processo, não estão vivendo o processo.  Incompreensível, então de vez, então essa coisa é um fenômeno. O Pepe Mujica, o que que Mujica está fazendo além de ter uma vida franciscana? O que ele faz além de mostrar que  prepara o seu café da manhã, que anda num fusquinha? Tá tudo bem, mas o que avançou no Uruguai?

Então, a minha geração acho que é muito frustrada, pelas perdas, pelos fracassos, pela derrota. Porque a derrota não foi apenas derrota militar, foi derrota política. Não adianta neguinho falar “foi apenas derrota militar, politicamente nós ganhamos”. Ganhamos uma ova, nós perdemos, perdemos.

É preciso fazer uma reflexão também na nossa posição política. Havia uma ditadura violenta e poderosa, havia a necessidade de derrubar, derrotar. Não dava para fazer o que fizeram os velhinhos do partidão, que ficaram: “Não vocês é que estão radicalizando, e a ditadura está radicalizando porque vocês estão radicalizando”. Também não era isso. Mas a gente deveria ter colocado como bandeira principal da nossa luta, a luta pelo retorno a normalidade democrática.

As bandeiras democráticas deveriam ser as bandeiras prioritárias, teria somado forças aos demais setores democráticos, populares para avançar em uma plataforma democrático burguesa, que naquele momento era necessário. Foi o que aconteceu depois, eu acho que nós cometemos alguns erros de avaliação política. É por isso que a gente foi derrotado politicamente, a derrota militar foi forte, porque foi a dominação física, mas a derrota política pesou muito na nossa cabeça.

Depois cai a União Soviética, merda, cai a União Soviética, a gente tinha uma puta crítica a União Soviética ao Partido Comunista Soviético, mas ela era nossa referência, era nossa referência. A gente quando ouvia o hino da União Soviética, via algum filme Soviético, vibrava, chorava, era uma merda mas era nossa. Era nossa merda! Como Cuba é, de repente cai o muro, de repente cai tudo aquilo ali.

Acho que tudo isso foi pesando. E as frustrações que vieram depois, a esperança com o Partido dos Trabalhadores, a esperança com Dilma, essas coisas. A gente joga muito forte com a esperança e vê que não é assim, que não é assim.

 

Gilberto: Encerrando, com o agradecimento, independente de que tivéssemos inúmeras outras questões, e sempre tem questões vontade de pedir mais a sua opinião, a sua interpretação hoje. Mas acho que a gente só pode dizer que fica impressionado com a quantidade de coisas que se produziu em um dia de trabalho e agradecer muito e dizer que ao mesmo tempo a gente não vai para de incomodar vai apresentar outras demandas, acho que é isso.

Aluízio: Sempre fica alguma coisa para atrás em relação a nossa experiência na região, ao nosso contato com a população isso fica para uma outra oportunidade ...

 

Sessão 2

Primeira parte da sessão dois, dia 23/3/2013, casa do Aluizio

Transcrição: Débora

(2ª seção, 23/3, a confirmar)

 

Aluízio:- É, de fato, nos últimos trinta anos, muita coisa foi produzida. Vocês mesmos, lá em Rondon têm uma produção grande, né?! As universidades produzem todo dia, toda hora, todo mundo produz. Os jornalistas produzem, os escritores produzem, os pesquisadores produzem documentos e mais documentos, livros e mais livros. Ou seja, a Comissão Nacional da Verdade teria e está fazendo, o que? Um apanhado de tudo isso, né?! E escrevendo. Vai ser o relatório, vai ser o relatório. Aqui, se a Comissão é uma comissão do Estado, não é do governo, é uma comissão do estado, o que ela escrever passar a ser a história. Imagino assim...

 

Carla:- Oficial...?

 

Aluízio:- Oficial, éa historia. E todo o material didático de ensino fundamental, médio, universidade, vai ter como referência o relatório. Ai a gente pergunta:“Nós precisamos mudar a cabeça dos militares?” Nós não, eles têm que mudar a cabeça... Guerra Fria acabou não tem mais Guerra Fria, o perigo interno não existe, a doutrina de segurança nacional é uma coisa que ficou lá para trás. Então, vamos tirar da grade do colégio militar, tanto do colégio militar de ensino médio, como das academias militares, aquela grade da doutrina de segurança nacional. E passa a ser, o relatório da Comissão Nacional da Verdade, a referência para as academias e para a escola.

E para as escolas a polícia federal mudou a grade, mas para as escolas das polícias militares dos estados, que nas escolas que,não sei se são de todo o estado, mas na maioria dos estados brasileiros, dentro das escolas de formação de policiais militares, que é a polícia dos estados, a visão que se tem de História é a visão da doutrina de segurança nacional ainda. Então não é só dentro do exercito, marinha, aeronáutica, nos colégios militares.

Não sei se eu contei para vocês, que no ano antepassado, a mãe de um aluno de uma escola militar, de Belo Horizonte, ligou para mim desesperada. Porque o filho dela levou meu livro para a sala de aula e ela foi chamada, se o aluno insistisse ele seria expulso, que não podia entrar com literatura subversiva, com aquele conteúdo dentro do colégio militar. Então, existe essa mentalidade no século XXI, tantos anos passados.

A gente espera que, pelo menos essa tarefa a Comissão Nacional da Verdade consiga fazer: a de mudar as grades e a visão, as visões né, dentro das escolas militares, para que os novos militares, para que os oficiais que estão surgindo, e vão surgir daqui para frente, tenham uma visão democrática, uma visão democrática das coisas né. E não essa visão que eles possuem atualmente, a própria polícia militar, que é uma visão de bater, bater e bater, matae depois justifica como auto de resistência, porque aprendeu lá atrás como fazia um auto de resistência, que justifica a violação do direito humano.

 

Carla:- A ideia de que a população brasileira apoiou a ditadura, a sua fala mostra que isso não pode ser dito dessa maneira nem com essa visão doméstica. A gente percebe que, em outros processos, como por exemplo, o que aconteceu na Espanha, depois das Foças de Franco e que houve uma explosão de memória, que eles chamam assim, e que isso começou a vir à tona. Hoje em dia se faz uma avaliação, que coloca como um problema essa criação de uma história oficial, porque ela passaria a ser a verdade do estado, então claro, a gente coloca uma expectativa imensa num relatório da Comissão, porque se ele vai ser usado como a história oficial, o que vai estar escrito lá, né...?!

 

Aluízio:  - Então hoje, a comissão é composta de sete. Têm três juristas, três membros ou quatro membros, saíram do poder judiciário. Tem um tucano lá, que é o José Carlos Dias... É o poder judiciário né, o atual e acho que fora do poder judiciário só tem a Rosa Cardoso e a psicóloga lá né, que eu não sei o nome dela agora. Só tem os dois, os outros saíram do poder judiciário. Mas todos...a gente acredita que todos eles, com exceção talvez... até o José Carlos Dias, vão se basear nos relatórios, nos relatórios que eles estão recebendo né... Eu acredito que vai ser um bom relatório. Que não pode ser diferente. Estão ouvindo todos, eles não estão convocando todos, mas todos que se oferecem eles ouvem.

A participação do Brasil na Operação Condor, quem vai escreve e vai trabalhar o relatório é o Luís Cláudio Cunha. A pessoa que nós sabemos que é um bom pesquisador, que trabalha há anos essa questão, e está indo a fundo nisso ai, né... Então eu acredito que vai ser um bom relatório sim, não tenho duvidas.

 

Gilberto:- Me diga dentro desses estudos históricos que tem sido feito, jornalísticos, como que o senhor acompanha as disputas que têm em torno do que foi a ditadura. Sabe a história da Folha de São Paulo com a “ditabranda”; as comparações: “ah, na Argentina foi pior”; ou mesmo interpretações do tipo de que, a ditadura só começa mesmo depois do AI-5; ou que a ditadura termina em 79 com a anistia e não muito tempo depois. Não sei em que medida esse tipo de interpretação está presente é reproduzida socialmente, tem espaço na mídia.

 

Aluízio:- É, existem muitas disputas né, mas disputas pequenas, médias e grandes, né. Então existem disputas entre os comitês, existe a fogueira da vaidade. Recentemente a Comissão Nacional da Verdade fez um pronunciamento, e o Jair, Jair Krischke ficou muito bravo porque ele dizia que, foi ele quem investigou tudo, e a Comissão da Verdade não reconhece a autoria do trabalho dele. Um pouco de vaidade, todo mundo né... Isso seria um tipo de disputa, existem outras que são dos grandes veículos de imprensa, que ai mais uma vez você chega nos pactos né.

Eles vão até que ponto, que eles não podem repercutir os relatórios, e os pronunciamentos a Comissão Nacional da Verdade, que vai contra a toda uma linha editorial, da Folha por exemplo. Que quando vai haver o comitê da verdade em São Paulo, está trabalhando muito isso, já tem documentos suficientes, declarações suficientes da participação da Folha nas operações de prisões e tal, de campana – campana é ficar observando – e participação da Folha de São Paulo.

Então quando esse relatório vier à tona, que é da comissão nomeada pelo governador do estado de São Paulo, comissão oficial do estado de São Paulo, quando sair a Folha vai publicar? Dificilmente né, não sei né se vai publicar. Então tem essas coisas ai né.

 

Gilberto:- A questão do envolvimento empresarial, uma das coisas que apareceu agora na Fiesp, em certa medida o Borcemjá se sabia, mas parecia ser algo muito isolado, parecia não era representado. Mas era a Fiesp enquanto instituição, o presidente da Fiesp frequentando um centro de tortura.

 

Aluízio:- Pois é, então, se isso vai repercutir não sabemos né, mas você vê por outro lado, o presidente da Confederação Brasileira de Futebol, que é o Marin está lá, continua. Não saiu apesar de todo o bombardeio, apesar de tudo que foi dito, escrito, falado, ele continua lá, tá caindo, mas não cai, não sei se chega até a copa né...

 

Gilberto:- Mas não são informações... Essa por exemplo, do envolvimento empresarial, que por trazer o sentido história da ditadura, mais amplo, que não só o militar, tá em contradição com esse espírito de conciliação? Porque é difícil você conciliar quando você percebe que a ditadura cumpriu um sentido histórico, que se expressa nesse movimento empresarial.

 

Aluízio:- Mas você vê a contradição que vai existir.  Ter uma lei que propõem a reconciliação nacional, por outro lado, as investigações vão levar a certos confrontos e o que vai acontecer lá na frente, nós não sabemos. 

   Como que a Comissão Nacional da Verdade vai dizer: “isso ai não pode investigar, isso pode, isso não pode”? Tem que investigar tudo, e os comitês estaduais, eles cumprem esse papel. A Comissão Estadual da Verdade do Paraná, falando do nosso chão, foi feito uma constituição boa, só que o governador não dá posse. E ela vai investigar desde Porecatu até as coisas mais recentes. Vai se centrar muito em cima da universidade na questão da reitoria Porecatu, vai fazer um trabalho... Eu estou propondo que a Comissão Estadual da Verdade, faça um trabalho sobre a fronteira, tem um grupo de trabalho específico para fronteiras, nossa fronteira, fronteira do Paraná né, que é uma fronteira extensa, onde aconteceram muitas coisas, desde Mundo Novo, Guaíra ali até chegar a Barracão. Então, nós temos essa fronteira com o Paraguai e com a Argentina, e a Comissão Estadual da Verdade poderia ter um grupo de trabalho, que poderia esse grupo de trabalho estar baseado na universidade estadual, para fazer um trabalho de pesquisa de fronteiras, especifico de fronteiras né, “A Ditadura e a Fronteira do Paraná”.

 

Carla:- Talvez uma última questão. O senhor gostaria de fazer para a gente uma avaliação do que foi a Ditadura, qual o papel histórico dela?

 

Aluízio:- Agora ou depois do almoço?

 

Carla:- O senhor que sabe.

 

Aluízio:- Não, agora, agora... Aproveitar que tá... Então vamos dar uma palmada né. Pois é, você veja, quando esse grupo – não digo os militares, porque não dá para generalizar né - assaltou o poder, assaltou o poder né, tentaram em 54 não deu, porque o (...?...) deu um tiro lá e abortou o golpe, mas a República do Galeão foi uma tentativa de golpe. Tentaram impedir a posse do Juscelino, teve aquele manifesto do Marechal Lott e também abortou o golpe, impediu o golpe e JK tomou posse. Tentaram depois impedir a posso do presidente João Goulart e não conseguiram né, o movimento da legalidade, aquela coisa toda.

Ai em 64 (vai fazer aniversário agora né) criaram as condições de forma subjetiva e objetiva, prepararam bem, muito bem prepararam, com o dinheiro que entrou, criando o Instituto de Ação Democrática e todas essas coisas, criando as comissões propícias para o golpe através de manifestações, marcha da família “Com Deus e pela Liberdade”, o perigo comunista de fechar tudo, de tomar as igrejas e transformar a igreja em creche, de tirar os filhos das famílias, comer criancinhas, então teve todas aquelas condições de uma guerra psicológica interna para o golpe.   

Então assalto ao poder, assaltam ao poder, assaltam o poder em cima sem saber o que fazer com ele, tanto que havia uma proposta de eleição em 65 e haveria eleição em 65, e aquela grupo já sabia que com a eleição o Juscelino poderia voltar, ai o grupo vai editando, editando, editando suas leias, seus atos ilegais, mas atos dentro da legalidade da ditadura, ela criou sua legalidade, ela teve juristas que criaram toda uma legalidade para o ilegal. E traça uma doutrina de segurança nacional e uma doutrina de desenvolvimento nacional e o que ela deixou? A pergunta é o que ela deixou não o que nós sabemos, o que ela deixou no campo do desenvolvimento nacional um país extremamente endividado. Cresceu? Cresceu! Cresceu em que sentido? No sentido das grandes obras, mas houve um endividamento por outro lado.   

Que tipo de crescimento nós tivemos, tivemos quando eles deixaram, entregaram o poder para os civis, entregaram o país com... não tenho os números agora... com alto índice de inflação né, inflação de dois dígitos ou três dígitos, era uma coisa terrível, todo dia a maquinha de marcar o preço né. O salário aviltado logicamente, porque como não havia aumento salarial o poder de compra estava lá em baixo, lá em baixo, apesar da indústria de manufaturados crescer e produzir geladeira, televisão... E o poder aquisitivo não dava possibilidade da massa assalariada adquirir os bens de consumo que a indústria estava produzindo né.            

Então deixa o país endividado, uma alta inflação, o poder aquisitivo lá em baixo, não resolveu a questão do analfabetismo, que o mobral foi um fracasso, ou seja, mostrou que a tirania por mais que tenha sob o controle o poder legislativo, a imprensa, os sindicatos, a academia, as universidades, tudo sob seu controle não conseguiu fazer o país avançar, avançar no sentido de melhorar a qualidade de vida da população, a tirania não resolveu, deixou um saldo de mortos, desaparecidos, prisões, traumas e está vindo tudo a tona agora.  

Pagamos um preço muito alto por uma aventura, uma aventura, uma aventura patrocinada pelos Estados Unidos, pelo governo americano, que não queria perder o Brasil, tinha medo do Brasil ser um forte aliado de Cuba, ou uma segunda Cuba no cone sul, tinha medo do comunismo, ou seja, medo aquela paranoia americana do anti comunismo, da Guerra Fria, nós fomos vitimas da Guerra Fria.

O país passou por tudo isso e o saldo é esse, o saldo foi muito ruim, não deixou nada, deixou a copa de 70 (risos), a copa de 70... O que a ditadura trouxe de bom? Vamos procurar alguma coisa de bom, o que pode ter deixado de bom, as grandes obras, ponte Rio Niterói, Itaipu Binacional, a Transamazônica (risos), as grandes obras. Então e hoje existe um tabor, que pouco se fala, mas existem pesquisadores já trabalhando nisso, que a corrupção foi muito grande, porque assumiram o poder com visão militar, com a visão ética dessa academia e aquela coisa toda, mas com o tempo foi se corroendo, tanto que Figueiredo e o Golbey eles viam que o poder militar, que a instituição militar no Brasil estava se corroendo devido a corrupção, e a corrupção começava dentro de casa, fulano comprou carro zero e você não tem, fulano foi para a Europa você não.

Bom, a corrupção em alto nível de corrupção dentro das forças armadas estava deteriorando a instituição militar, até isso eles conseguiram, deteriorar uma instituição militar permanente, instituição nacional permanente que tem toda uma história, conseguiram transformar soldados, suboficiais e oficiais em mortos e assassinos e torturadores, coisa que nunca torturaram, as três armas conseguiram isso e mais a corrupção, conseguiram até eles próprios que foram vitimas do sistema que montaram ai né.

 

 

 

Segunda parte da sessão 2, gravada na casado Aluizio, em 23/3/2013 (já retirada parte de bate-papo)

Entrevistador 02: Então. A gente tinha pensado em ver, também o senhor fez a avaliação da ditadura, se poderia fazer uma avaliação talvez da luta armada como um todo no Brasil.

Aluizio: Hum.

Entrevistador 01: Revolução.

Entrevistador 02: Da revolução, estratégia.

Entrevistador 02: Não sei se você também quer formular Gilberto? Melhor?

Entrevistador 01: Não.

Aluizio: A gente poderia começar por ai?

Entrevistador 01: Sim.

Entrevistador 02: Pode ser. Estamos gravando né Lucas? Agora não?

Entrevistador 04: Comecei antes de começar falar agora.

Entrevistador 02: Tá.

Aluizio:Então tá bom pode ser desse jeito (inaudível). Essa avaliação existe, várias avaliações hoje né sobre do, do que aconteceu né, quem fala muito é o Daniel Aarão Reis, ele fala muito, fala até demais.

Entrevistador 02: Ahum.

Aluizio: Tem coisas que dá até pra concordar, mas, veja bem, quando a gente depois daquelas analises e leituras e debates sobre as etapas da revolução, a gente foi amadurecendo a ideia de que a contradição principal não era não era a nação brasileira e o imperialismo, não era uma contradição ao nacional onde que embarcava numa mesa na frente como burguesia e classe operaria, camponesa e tal e  amadurecemos a ideia de frente da luta de classe, da frente operaria camponesa contra a burguesia né e  a ditadura como instituição da luta de classe como instituição de interesses, privilégios da burguesia, que a ditadura veio exatamente, que veio pra conservar manter e defender os privilégios e que no agravamento da luta de classes na década de 60 quando a luta de classe chegou ao seu nível mais elevado em outras, em outros momentos da história nacional do que classe não chegou a ser tão aguçada  tão radical como foi é na década de 60, no início da década de 60. Eu só vi algo semelhante no, só vi algo semelhante no Chile, no Chile tava assim a flor da pele, né. Era muito nítido o confronto de classes no Chile né, mas, o confronto de classes no Brasil também estava nítido e muito nítido no campo e muito nítido com o movimento sindical de um lado travando as suas batalhas e a burguesia defendendo seus privilégios e conspirando, batendo na porta dos quartéis e como dizia é verdade, os militares não queriam dar o golpe, não era já tinham se ferrado quebrado a cara três vezes. Saíram de uma campanha da legalidade, eles foram, foram, foram eles foram conquistados ou impulsionados pelo latifúndio e a burguesia e o departamento do Estado e entraram na coisa e gostaram da coisa e ficaram né, então o marcador do golpe e acabaram indo pro governo e gostaram de administrar o Estado e acabaram ficando durante todo aqueles anos porque é um processo de ficar, é um processo de ficar. Quando nós, eu preciso alongar um pouco porque se não fica uma resposta muito solta, então quando a gente decide fazer o confronto tendo em vista essa perspectiva, perspectiva de derrubar a ditadura e implantar, a verdade era essa nossa perspectiva democrática, socialista, essa nossa perspectiva de libertação nacional de construir uma socialia , quando a gente decide fazer isso nossa visão era fazer isso é com um grande partido, construir um partido para fazer isso, que não era mais o PCB que era de fazer isso com insurreição de massa, com movimento de massa, com greve geral, com greves setoriais, entende, com passeatas, movimentos, então vem as passeatas, vem a greve de Osasco, greve de Contagem, dentro da visão insucerealista né, que mais quando é o processo de repressão vai se , vai se agravando e vai sofisticando também a repressão as nossas visões vão mudando insurreição com guerrilha, guerrilha e insurreição, é preciso de um negócio armado, não é?! Pra construir um partido é preciso a defesa armada, então movimento de massa com defesa armada, é a defesa armada do movimento de massa, e até que, até que o AI5, o AI5  vem não é e fecha definitivamente todas as possibilidades de se fazer o movimento de massas e dai a perspectiva de guerrilha ela predomina e prevalece, tanto que o PCBR que tinha visão e conteve a visão durante de muitos anos em construir um partido revolucionário e derrubar a ditadura pelos meios de movimentos de massas, o PCBR muda, bastante muda, muda sem mudar, não  mudou o escrito mudou a forma de praticar.  O PCBR deu uma organização trotskista. Eles não querem aceitar, uma organização troquista quena prática. O PCdoB se envolve completamente na construção da guerrilha no Araguaia, Ação Popular já não existia mais, Ação Popular passou toda lá pro PCdoB, ficou uma parte ainda da Ação Popular que não aderiu naquela época ao PCdoB né, que foi o pessoal do pastor, ex-deputado Paulo Wright, esse pessoal da Ação Popular, ela continuou com a sua visão de ir para o campo ir pra fábrica e seu militante e virar operário virar camponês, vira sei lá aquele processo da Ação Popular. As demais organizações caíram em cima, fazer guerrilha fazer expropriação, vamos fazer uma arma de quartel, toca de guerrilha tal e num processo as ações foram, foram evoluindo, evoluindo. Hoje você faz uma análise de tudo que aconteceu, e vê, havia outra saída, não havia outra saída, nós não tínhamos outra saída, porque só o partidão não aderiu, mas foi vítima lá na frente, só o partidão não aderiu, tirando o partidão e essa ala da AP que ficou que não aderiu ficou ah do Betinho e do Wright eu não sei quem mais seria dessa, dessa, desse segmento da Ação Popular e a Polop que ficou porque a Colina saiu e continuou na Polop e esses demais foram pra luta armada, impulsionados ou pelo movimento político  que o país vivia ou pela, pelo, pelo fim de qualquer possibilidade de luta, por meio e os pacíficos institucionais ou também por influência da Revolução Cubana do Padre Camilo Torres da Montanas da Colômbiado Glandado no Peru, não é isso? Não é isso, do Peru o Degradava, na Venezuela, e no Peru era o, o.

Entrevistador 01: Blanco. O Hugo Blanco.

Aluizio: Hugo Blanco, que (inaudível) ali no Uruguai. Essas influências mais coisas guevaristas né?!E toda a literatura que surgiu, “O regime aberto sobre revolução” isso tudo levou a gente caminhar nessa, nessa direção, nessa direção. Então poderíamos ter aderido, ido pra outro caminho? Tinha a gente poderia não ter feito nada, muita gente ficou sem fazer nada, uma opção também né?!Não deixa fazer nada, assistir e esperar a ditadura cair de podre, ou atuar dentro do MDB, ou atuar no meio sindical, minando com jornalzinho, meio clandestino tal também é foi opção, e foram opções e todas foram opções válidas. Contei pra vocês da outra vez, a gente chegava na casa do (inaudível),fulano, de ciclano, batia na porta , vamos subir a serra moçada?!  Não eu tenho família, eu tenho isso tenho primo, eu não posso vão vocês estudante solteiro não é, ou seja, muitos ficaram pra traz, muitos, mas muitos, muitos mesmos, mas também foi uma opção ficaram pra traz,  ficaram, derem apoio derem respaldos , foram simpatizantes, derem apoio de todo tipo, só tiraram o apoio quando a repressão (inaudível) família tirou apoio, tirou apoio, tirou amigos, tia, né todo mundo. Nós ficamos isolados, isolamento e aniquilação, cerceamento e aniquilamento né da guerrilha quando, mesmo a gente ficou sem base social completa né, nem dentro da família nem dos companheiros, o que era um perigo, um contato qualquer tipo de contato era perigoso, quando(inaudível)foi pro Chile trouxe uma cartinha morreu né ?!Então eu não vejo sabe, sinceramente eu não vejo a possibilidade hoje assim se nós teríamos uma outra possibilidade de caminhada sabe?! Talvez, talvez a gente tivesse é, tá concentrado nossas forças é no movimento de massas, mas que movimento de massas se não era possível mais fazer o movimento de massas de nenhum tipo? Nem dentro das faculdades, nem nas fábricas, pessoal de Contagem, foi fazer guerrilha na Colina, a Conceição, Manuel Parda todos eles as lideranças de campanha as lideranças de Osasco entraram na VPR que não havia condições de continuar fazendo greve dentro das fábricas é na região do ABC. Então tentou-se mas não conseguiu, ninguém, eu não acredito que o Roque  com Ebraim é ali de Osasco entraram na VPR porque queria entrar na VPR por uma aventura, não eles queriam ficar na fábrica, eles entraram porque não tinha mais condições de continuar fazendo é o trabalho político dentro  das fábricas do ABC tá, é assim seria o que eu vejo, penso muito nisso não sabia outra saída né?! Não sabia outra saída, havia possibilidade de outra saída. Ficar no partidão, pra ganhar o Congresso do partidão tem mostrado que é impossível tem mostrado, tanto que o PCBR desistiu de ganhar o Congresso do partidão. Continuar no partidão, continuar no partidão pra fazer imprensa clandestina, continuar combatendo dentro da legalidade talvez fosse uma possibilidade dentro da estratégia do partidão, parte de uma frente política com a burguesia não é, dentro de uma frente política ampla que o partidão se envolveu até na frente ampla com Lacerda e Juscelino né, então o partidão definiu um caminho, vamos derrubar a ditadura usando os instrumentos da ditadura, as armas que a ditadura nos dá a legalidade que a ditadura nos dá né, essas pequenas brechas que nós temos ai dentro das instituições, mas o partidão também quebra a cara lá na frente, cai a direção, cai a direção central, cai a direção de intermediárias, as quedas foram cair até aqui no Paraná como foiaquela (inaudível) que perdeu todo o partidão do Paraná operação, tudo tem nome, o Ivan, Ivan, Ivan de Curitiba, o Ivan que escreve livros, tenho o dado dele aqui, bem ali aquele azul, tira ali, tem o nome, esse não, aqui azul, bem ali.

Entrevistador 03: Milton Ivan.

Aluizio: Milton Ivan. Ele escreveu muito sobre, sobre as prisões do partidão no Paraná né?!  Porque ele é do partidão né?

Entrevistador 02: Ah sim

Aluizio: Ele era né?  Milton Ivan. Não escapou ninguém, não escapou ninguém, até parlamentares, até parlamentares, porque uma, eu sempre digo gente, tem oposição armada, tem oposição isso, tem oposição sindical, tem oposição camponesa, tem oposição (inaudível), mas tem a oposição parlamentar, não se pode esquecer que dentro do parlamento, figuras como Alencar Furtado e outros da ditadura, Chico Pinto não é poxa vida. Então é preciso dar um destaque especial na oposição parlamentar, derrota da ditadura não foi uma coisa de um, muitas coisas acontecendo né?!

Entrevistador 02: Sim.

Aluizio: Muitas coisas acontecendo né foram minando alcance interno, externo que a oposição parlamentar teve um papel né, muito importante.

Entrevistador 01: Essa seria exatamente a questão seguinte.

Aluizio: De que?

Entrevistador 01: Pedir um pouco sua opinião sobre se a ditadura caiu de podre, se ela foi,é uma das teses, se ela planejou o seu fim com êxito, ou se ela planejou seu fim, mas, não,não foi de formacom que ela queria, é se foi derrubada pelo governo de massas. Qualque é a ponderação desse conjunto?

Aluizio: Uma coisa é certa,não foi derrubada pelo movimento de massa, isso. Não foi, sem dúvida, sabe por quê? Tanto que a pressão internacional foi muito grande, tem as prisões, não sei o nome da operação lá.

Entrevistador 03: Marumbi.

Entrevistador 01: Marumbi.

Aluizio: Marumbi. Operação Marumbi, então o eloque a Itaipu ia buscar recursos lá fora, né?! , e nos protocolos sempre havia duas condicionantes, ambiental e direitos humanos e todos os financiamentos dos bancos internacionais cobravam isso do governo brasileiro que também os financiadores eram cobrados pelas organizações de direitos humanos no mundo todo e por, pelos brasileiros que estavam exilados. Os brasileiros que estavam exilados estavam todo dia na frente da embaixada na frente dos bancos fazendo movimento né, e cobrando coisa e dentro dos Estados Unidos surgiram grandes aliados e fortes aliados, isso tudo ai, mas as coisas que aconteciam aqui, mas as pegadas, que amarca repressiva cometeucom a morte no final do Manzagol e Manoel Fiel Filho né e essas coisas acontecendo, mas a corrupçãodentro das forças armadas, mas o milagre que não deu certo, a inflação, o endividamento de terra, isso ai chega um ponto que não dá mais, vamos entregar essa ratadura ai pra frente né, não foi nem planejado, vamos entregar né, tentou-se fazer uma abertura gradual, lenta ah não sei o que mas foi indo.

Entrevistador 02: É. Gradualmente segura.

Aluizio: Segura, mas acho que foi feito, foram feito muito rapidinho né?! Muito rápido, tentaram ainda fazer essa abertura dentro da câmera dos deputados, com eleição do Maluf, Maluf, mas a oposição parlamentar, mas a oposição internacional, nacional, não sei o que deu maioria a oposição e acabou no colégio eleitoral ganhando de Tancredo, depoisda nossa derrota na direta já né.

 Entrevistador 02: Ahum.

Aluizio Palmar: Mas foi tudo também, o movimento de massa na direta já, mas a ditadura, tava podre quando surge a direta já, não tinha mais condições de, que foi um grande movimento de massa foi a direta já, não tinha mais condições de, que foi um grande movimento de massa foi o direta já, na verdade só foi quando foi exibido  o apodrecimento da ditadura, os  militares não queria sair, entregar, tava buscando uma forma de sair, queriam sair pelo meio institucional,  ganhar a eleição na Câmera, não deu, ganhou   o Tancredo e Tancredo morre né.

Entrevistador 02: Ahum.

Aluizio Palmar: Não se sabe por que,pra que como até hoje.

Entrevistador 02: É.

Aluizio Palmar: A morte de Tancredo nós não temos a causa esclarecida.

Entrevistador 01: E as greves do ABC? Que papel que tiveram?

Aluizio Palmar: Já foi no outro processo exterior né, foi dentro desse processo de abertura já né, processo de abertura, 79(1979), 79(1979), 78(1978), finzinho, 79(1979), já no apodrecimento da ditadura, acredito que sim, isso foi, se o sistema tivesse fechado não teria greve no ABC.

Entrevistador 01: Ahum

Aluizio: Mesmo assim o Lula foi presidente né?!

Entrevistador 01: Sim.

Aluizio: Foi preso, a direção foi presa, padres foram presos, a morte do Fiel Filho foi antes né?

Entrevistador 01: Sim, 76(1976), logo depois do (inaudível).

Aluizio: É.

Entrevistador 01: Sim.

Aluizio: Já era uma violência mais forte né. Estamos indo.

Entrevistador 02: Estamos indo.

Entrevistador 01: Já fomos muito.

Entrevistador 02: Fomos.

Aluizio:Que?

Entrevistador 01: Já fomos muito.

Aluizio: Já, nós temos esses roteiros né?!

Entrevistador 02: É.

Aluizio: Na verdade é que fomos derrotados, nós da luta armada a nossa derrota foi derrota militar e forte, nós fomos massacrados, nós, é, são coisas não tinha mesmo, eu penso assim, nós tivemos uma ilusão.

Entrevistador 01: Uma falha?

Aluizio: Não sei cara, não consigo entender se foi uma avaliação errada que como pode um grupo de jovens, maioria, você vai ver o perfil de todos os combatentes, das organizações armadas, maioria saíram das classes médias, as chamadas médias urbanas, a maioria, tem muitos camponeses, alterados, mas a maioria, e jovens, e jovens, mas nós sem experiência militar, mas todos foram a luta. Luta de libertação começam assim, começa sem experiência militar, sem arma boa, nossas armas eram insuficientes, nós sabíamos que nossas armas não eram suficientes, a gente tentou comprar, chegamos a comprar uma grande quantidade e que viria pela embaixada da Argélia do Brasil e da embaixada da Síria. Fizemos uns contatos ,estabelecemos contratos com o pessoal das cidades e caiu, quando caiu é a VPR, Juarez de Brito, Maria do Carmo Brito.

 Entrevistador 03: Pessoal da VPR?

Aluizio: É. Quando eles caíram, já entregaram todo o esquema com a embaixada da Síria e a embaixada da Líbia, mas quando nós caímos, a repressão já tomou conhecimento disso, porque sabia que o dinheiro do bom burguês, uma boa parte foi pra comprar armas fora, que nós tínhamos consciência que nossas condições eram precárias, mas mesmo que nós tivéssemos armamento bom, nós seriamos massacrados né, não tínhamos condições de ai vai ligar lá.

 

 

[CS: TENHO DÚVIDAS SE NÃO FALTA UMA PARTE NESSE SESSÃO]

 

 

Sessão três

 

Transcrição feita por Juliana. Seção 3 de Aluizio Palmar, feita no CD Foz, só Carla entrevistou

8/10/2013

 

Carla Luciana Silva: Hoje é dia oito de outubro de dois mil e treze, nós estamos aqui na sede do Centro de Direitos Humanos e Memória Popular de Foz do Iguaçu. Vamos fazer um depoimento tentando comentar um pouco a atividade realizada no dia vinte e um de setembro de dois mil e treze, conforme o Aluízio Palmar vai comentar agora para nós.

Aluízio Palmar: Bem, no dia vinte e um de setembro, um grupo de ex-militantes da Vanguarda Popular Revolucionária, se encontrou. Foi uma confraternização por um lado, por outro lado, foi para nós muito importante como uma reconstrução de memórias, reconstrução de nossas memórias e das memórias coletivas, teve esse papel. O grupo se reuniu, então no ponto de encontro que foi a cidade de Montes Claros na Província de Misiones – Argentina.

Em seguida nós fomos fazer uma visita no lugar Missionero de Che Guevara, o local onde passou sua infância, a infância de Che Guevara foi naquela área. Fica a beira do Rio Paraná, na margem esquerda do Rio Paraná, no lado argentino, estivemos ali no local, onde o pai dele a mãe dele as irmãs dele administravam uma fazenda de erva-mate, extração de erva-mate, que ali não era uma região de madeira, e ai nós estivemos fazendo aquela visita importante naquela região da infância de Che Guevara.

Mais tarde, a gente deslocou até a cidade de Aristóbulo del Valle, que fica bem próxima da fronteira entre Brasil e Argentina, ainda na província de Missiones, para passar para o outro lado tem o Rio Uruguai. Aquela área onde nós estivemos seria uma das duas áreas que a VPR tinha naquela região.

Mas ai acontece o seguinte, a nossa falta de planejamento, e é difícil você fazer planejamento dentro da clandestinidade, ainda mais na clandestinidade da clandestinidade - já vou explicar – porque veja bem, o sítio, a área onde o Roberto de Fortini implantou uma base, foi ele e o Gustavo Buarque  Schiller, eles construíram aquela base, com objetivo de receber os militantes da VPR que estavam em treinamento, que haviam saído de Cuba e estavam voltando da Coreia do Norte. E ao lado, eu também estava com outra base, fazendo a mesma coisa que eles. Tanto que ali ao lado do sítio do Fortini tem um lugar chamado Salto Encantado, fica ao lado a três quilômetros, nem isso, e Salto Encantado foi onde eu chaguei em 1969 para fazer uma descaracterização.

Eu não sabia que o Fortini estava ali do meu lado, o Fortini já estava quando eu cheguei, ele e o Gustavo, estavam levantando a casinha. Eu cheguei ao lado deles, em um lugar chamado Salto Encantado, bem do ladinho três quilômetros. Cheguei eu e o Pepe, o boliviano, eu fui para tirar a tinta do cabelo, tirar lente de contato, isso em um contato meu lá em Salto Encantado. E eles não sabiam e eles não sabiam, depois quando eu fui para Campo Grande, mais próximo a fronteira já ocupar uma posse um sítio, fiquei fazendo a mesma coisa, construindo uma base para receber o pessoal que estava voltando do treinamento, o mesmo trabalho do Fortini. E ele não sabia que eu estava na cidade bem perto dele, em Campo Grande, uns 30 e poucos quilômetros, acho que nem isso, bem do ladinho. Porque é assim, Aristóbulo, Salto Encantado e Campo Grande.

Eu cheguei primeiro em Salto Encantado para fazer a minha descaracterização para entrar em Campo Grande que é um sitio, que é uma posse, porque na verdade todo mundo ali era posseiro. A região que eu fui era uma região de posseiros brasileiros, eram brasileiros vindos do Rio Grande do Sul e estavam ocupando a fronteira, uma boa parte também fazia contrabando de trigo, né? Que era o pessoal do comércio, ali da barranca do rio, onde eu estava eram posseiros plantadores de chá, pantação de chá. Já o Fortini estava em uma área de mais argentinos, o sítio do Fortini  foi um sítio adquirido.

 

Aluízio Palmar: Eu estava esquecendo de dizer o seguinte, que além dessa base do Fortini em  Aristóbulo del Valle e outra em Campo grande, havia uma terceira base. A terceira Base ficava em Capiovi que fica na barranca do Rio Paraná, bem próximo ao Rio Paraná.

Ali a VPR comprou uma propriedade, uma boa propriedade, e bem próximo a ele havia um Castelo, era uma casa imensa com porão, com um baita porão todo embaixo da terra, não sei se era para guardar comida, vinho. Era de um alemão, a gente imagina que era um desses que vieram logo após a 2° Guerra né? E morava ali, havia até um correio na beira do rio e os barcos passavam para deixar correspondência. Foi uma coisa muito interessante que o Fortini que comprou para a VPR de Capiovi.

Do sítio de Capiovi ficou um pedaço, tem um pedaço lá ainda, que é a ruína do castelo, o castelo pegou fogo. Tem uma área de contrabando e não sei que, do outro lado tem uma via paraguaia um lugar perigoso. O Fortini morou lá muito tempo, ele estava sempre com um pé em Aristóbulo e outro pé ali.

Qual era o projeto? O projeto do Fortini, que na verdade ele veio para a Argentina sem ninguém saber onde ele ia, nem ele e nem ??????? eles não disseram para ninguém em que lugar estariam a posição geográfica né?, cidade localização. Eu também, ninguém ficou sabendo  onde eu estava, por isso eu disse clandestinidade dentro da clandestinidade. Nós éramos os clandestinos mas dentro da VPR nós também éramos clandestinos.

Carla Luciana Silva: Foi quando vocês saíram do Chile?

Aluízio Palmar: Sim,

Carla Luciana Silva: E alguém tinha a coordenação dessas três áreas?

Aluízio Palmar: Não, era a clandestinidade dentro da clandestinidade. Dentro da VPR só sabia da área do Fortini, o próprio Fortini, o Gustavo, a Nadja e os contatos que o Fortini tinha na região. Da minha base só sabia eu, Mendes, Pepe, e os contatos que eu tinha na região. Que era o homem da farmácia a mulher dele do meu cabelo, a Drª Glades ??????  que tinha um sanatório na cidade da Candelária e o Drº. Alderete de Campo Grande que também tinha um sanatório. Então era uma rede se sanatório, dois sanatórios e uma farmácia. Eles chamam de sanatório, mas na verdade é mini hospital, dois mini-hospitais um em Candelária outro em Campo Grande e a farmácia de Salto Encantado, essa era minha rede.

A rede do Fortini já era uma rede diferente, era uma rede de cultivo de horti-fruti, ele produzia muita horta, hortaliças, muitas verduras, e ele vendia no mercado lá de Posadas, chamam de feirinha ou mercadinho. E ele já estava querendo levar as hortaliças lá de Mendoza e trazer de Mendoza ???????????????????/ e também gente entende.

Qual era o projeto de Fortini, era uma lilha de montanha que chegava na barranca do Rio Uruguai e ia até Paraguai, por isso que tinha aquele castelo até Capiovi. A montanha e o mato iam até Capiovi. Já o meu era mais simples, era direto para o Brasil, direto para a minha região, que era uma região de Santa Rosa essa coisa assim.

Ou seja, a gente estava fazendo a mesma coisa, na mesma área, sem um saber que outro estava fazendo, desperdício total  de forças e de recursos, porque poderia estar em outra região, não precisava estar ao lado dele né?, e era até perigoso, porque eu poderia cometer um erro qualquer minha área queimar e consequentemente queimar o Fortini. Ou vice-versa, poderia acontecer algum caso de ele e o Gustavo se queimarem e me queimar também, porque a repressão começa a procurar gente né?

Por isso que quando eu me envolvi com o Movimento Agrário Missionero e queimei e tive que sair da região eu poderia ter queimado o Fortini. Eu saí da região, mas não ele estava lá para avisar Fortini caí fora. Eu não sabia dele, eu sabia que eles estavam ali em  algum lugar, porque certa ocasião eu andava na cidade de Oberá, estava indo da fazenda para o sítio, saindo de um sanatório e indo para outro, e na cidade uma pessoa me viu e me chamou, que foi o Gustavo Buarque Schiller, eu custei à reconhece-lo, mas eu encontrei com Gustavo em Oberá. E depois me encontrei com a Nadja, com a Nadja foi ponto, com o Gustavo foi casualidade, assim como eu vi o Gustavo e o Gustavo me viu, poderia ter um agente da repressão estar por ali. Mas faz parte do negócio. Eu imaginava que eles andavam pela região, só não sabia aonde, mas os nossos planos eram esses.

Quando nós fomos no dia vinte e um de setembro que nós fomos conhecer esses lugares, não deu para conhecer os três, nós não fomos nem a Campo Grande, onde ainda vivem alguns contatos, camponeses que viviam ali. E nem fomos no castelo de Capiovi, fomos apenas a Aristóbulo. Que é uma coisa muito interessante, que o Fortini convive com toda a comunidade, e tem o trabalho dele de produção de Máquinas e produz “N” máquinas, todo o tipo de máquinas, ele é um engenheiro de máquinas, ele cria maquinas ele mesmo constrói as máquinas eu já havia ido da outra vez, havia ido com o Ladislau Dawbor, o Bona já tinha ido antes, eu fui porque eu só fiquei sabendo que o Fortini estava vivo em 2004, em 2004 que eu tive o contato com o Fortini. Foi quando o Fortini me encontrou, eu não sabia se o Fortini estava vivo ou morto, ou oque. Então em 2004 a gente se encontrou, e eu fui lá no sítio, do Fortini, eu fui com o César Cabral, depois eu voltei mais uma vez, com o Ladislau, e essa foi a terceira ida.

O Ubiratan de Souza foi a primeira vez, o Calino a primeira vez, o Bona já foi a segunda - quem mais esteve lá – o Mendes foi a primeira vez, o ????//// também a primeira vez. E dois companheiros de Três Passos tinham ido das outras vezes, que eram da quela pesqueira, que eram daquela pesqueira da VPR que era quele projeto, eram projetos muito grandiosos, de produção de peixes. E a produção dos peixes tinha muito a ver com a base tática, que era uma base tática da VPR, na região de Três Passos na fronteira com a Argentina e que caiu em 1969, tenho impressão que foi em 1969 que caiu a pesqueira, quando o Fortini foi preso.

Então os dois companheiros já estiveram lá, que foram da pesqueira também. Então é o grupo da VPR que foi. O grupo que esteve ali reconstruindo a memória, lembrando dos companheiros, foi muito bom, foi muito emocionante, acho que, estar ali naquele local. O Gregório, por exemplo, que era o Ubiratan de Souza, ele foi fazer o treinamento na Coreia, ele seria uma das pessoas que a gente receberia, ou eu, ou o Fortini, receberia ali, para depois entrar no território nacional.

Ai você pergunta, acho que eu entendi, “entrar para que?”. É difícil dizer entrar para que, o Bona ia entrar? Eu não sei. O Ubitaran ia entrar. O ????????/ ia voltar, muita gente ia voltar. Voltar para que? Talvez para fazer algumas operações, uma retomada de contatos. Nós já não estávamos pensando em formar coluna guerrilheira. Na verdade havia uma certa dúvida, voltar para que? Havia uma vontade de voltar ou um compromisso em voltar, as duas coisas juntas.

Mas a intenção era essa, sair do Chile e ir para aquela região, virar colono, virar camponês e ser mais um. Na minha região, como era uma região de mais brasileiros, era mais fácil até de se inserir, porque as pessoas atravessavam o rio, com muita facilidade. Por causa da farinha, então tinha os farinheiros, os balseiros, um conluio geral que ninguém pedia documentos. Passavam para o outro lado, voltavam, os colonos tinham família, passavam o final de semana do outro lado, voltavam passavam a semana em casa. Até que um dia o governo Argentino viu que aquilo ali estava virando uma região de “brasentino” não é?, que era como aqui, uma região de “brasiguaios”.

Uma região onde circulava moeda nacional brasileira, falava-se português em pleno território argentino e os caras atravessavam assim, como se estivessem em sua própria terra. Então começaram a tirar, eu saí antes da expulsão dos brasileiros da região Misionera de Campo Grande Aristóbulo até ????????/, que era a região ocupada.

Carla Luciana Silva: Mas o que foi que aconteceu que você se queimou lá na região?

Aluízio Palmar: No meu caso, havia um movimento chamado Movimento Agrário Missionero, não era para eu me envolver, mas eu era produtor de chá. Pequeno produtor, ali todos eram pequenos, mas não haviam grandes produtores só pequenos, tanto que a colheitadeira era coletiva, todos usavam. A gente só pagava a manutenção, todos usavam. E todos nós trabalhávamos de forma coletiva também, eu tinha minha produção de chá, mas eu ia trabalhar na colheita dos meus vizinhos, e meus vizinhos iam trabalhar na minha colheita e assim era a coisa né?.

Então como havia o Movimento Agrário Missionero que reivindicava a melhoria no preço do chá, eu não podia ficar fora, fiquei dentro, mas um pouquinho só dentro, não tanto. E houve uma repressão violenta contra o MAM. O MAM tinha umas táticas radicais, de queimar viatura da polícia jogar ??????/ na estrada, coisas assim. Então houve uma radicalização do Movimento Agrário Missionero, que era coordenado pelo ERP – Exército Revolucionário Popular, já era PR e estava virando o ERP.

Isso foi, [durante o governo de] Lanusse, General Lanusse era presidente da Argentina, já preparando a transição para a volta de Peron, entrando o Campo, mas ainda era Lanusse. Então a repressão foi meio bárbara, e eu então senti que eu estava me queimando muito naquela área, então eu fui para Posadas, para o Sanatórios de Candelária, fiquei lá hospitalizado. Hospitalizado não porque eu fiquei dentro do sanatório.

Carla Luciana Silva: Candelária é no Brasil?

Aluízio Palmar: Não, Candelária é na Argentina na região de fronteira. Depois eu fui saindo, fui saindo e depois eu fui para Posadas. Quando caíram três companheiros nossos em Assunção, que foi aquele grupo de execução do General Alfredo Stroessner, os irmãos ???????/ e mais um companheiro. Quando os três caíram, logo em seguida prenderam o ?????????(Agustín Goiburú), ai eu vi que não tinha mais possibilidade de ficar em Missiones.

O mesmo ???????? falou para mim, cai fora daqui por que a situação é muito complicada e estava complicada. Eu construí uma metalúrgica, [trabalhei na metalúrgica], então eu já estava queimado em Posadas e próximo às coisas acontecendo. As prisões em Assunção, e provavelmente quem caiu em Assunção foi torturado, e não sabendo até que ponto eles resistiam, na dúvida, saí da área.

E não deu outra, a ?????????????// entrou no sítio de Campo Grande. E havia umas metralhadoras que eu engraxei, muita graxamesmo, latas imensas de graxa, para elas ficar dentro da graxa, em sacos, e enterrei. Fiz vários depósitos, o Dr Alderete sabia dos Depósitos, e o Alderete foi preso e caíram as metralhadoras. O  Alderete ficou preso um tempão na Argentina e depois foi mandado para a Suíça. Voltou da Suíça quando houve a redemocratização da Argentina.

Então de fato, o sítio estava queimado. Mas a queimação era rede. Eu estava clandestino em relação ao Chile porque não tinha necessidade de abrir para o Chile, mas tinha que abrir para a militância, que era o pessoal que estava no norte do Paraná,[juliana 1]  que não sabiam qual era a localização do sítio, o Mendes não sabia a localização do sítio. Mas os paraguaios que estavam em Assunção sabiam a localização do sítio, pelo  Alderete. Então é o efeito dominó, um caí aqui e vai. Eu escapei por pouco dessa coisa, porque se eu tivesse continuado no sítio, eu teria caído, eu era brasileiro né?

Carla Luciana Silva: Vocês chegaram a receber companheiros que vinham, chegaram a ficar lá, o da Coreia?

Aluízio Palmar:  Não, não chegamos a receber. O Pepe foi para tomar pé da situação e ver a linha de chegada já para trazer o pessoal, que era o o boliviano o ????????????/ que mora em Santa Cruz. Ele foi, esteve lá no sítio, e até se encontrou comigo num boteco, estava lá com os colonos tomando cachaça, com chapéu de palha, eu vivia assim caracterizado como um colono. Ele me viu e eu vi ele passou, eu fui atras e ele me disse, eu vim aqui já para trazer o pessoal. Mas logo em seguida tivemos quela queda, caiu Recife, né?. Recife caiu em janeiro de 1971, certo?, foi quando caiu Recife 1973?

Aluízio Palmar: O Pepe foi a base na Campo Grande, ele ia levar primeiro um grupo de três ou quatro pessoas, no máximo, não chegaria a cinco. Seria um grupo pequeno, para não chamar atenção e voltou para o Chile, e ninguém apareceu lá porque caiu Recife.

Quando caiu Recife a luzinha vermelha acendeu, infiltração (Cabo Anselmo), a organização estaria em tese contaminada. Não sabíamos até que ponto, nós tínhamos segurança que ali o chile não conhecia, essa segurança nós tínhamos, de que o Chile não conhecia a nossa localização. Mas em Santiago, a militância da VPR entrou em   povorosa [apavorada?]. Ninguém sai daqui para lugar nenhum, agora é investigação, a moral caiu muito, a combatividade foi lá para baixo, a falta de confiança generalizada. Impossível fazer qualquer coisa.

E começou então um processo de  sobre a conjuntura nacional a luta armada, já havia esse processo mas agora amadureceu muito mais, ainda em 1973 o isolamento político e as derrotas e as mortes e a queda de Recife devido infiltração, logo, Cabo Anselmo, e já se havia confiança. E a questão do Honofre Pinto foi complacente, e totalmente liberal né? Havia uma desconfiança muito grande em relação ao Honofre Pinto e a militância não sabia até que ponto Onofre Pinto conhecia as bases onde eles iam, será que não é o segundo Recife? Estamos indo para onde? Para o açougue?

Isso ai levou com que houvesse desmobilização geral e completa de vez, isso ai, mas o Movimento Agrário Missionero, eu me senti queimado. Eu vou ficar fazendo o que aqui? Não vem mais ninguém.

Carla Luciana Silva: E o Fortini?

Aluízio Palmar: Ai que está? Eu não sei de onde eu fiquei sabendo, acho que foi de Posadas que eu fiquei sabendo que do Chile não iria aparecer mais ninguém. E eu fui a Santiago, eu voltei a Santiago, para saber o que estava acontecendo. Toca não toca, o que faz com isso. A minha coisa, eu não sabia do Fortini, o que faço. A gente foi para uma reunião não sei onde, era em um sítio, e decidimos fazer a desmobilização da Luta armada, a dissolução, e eu voltei para a Argentina, para a minha áreas, desmobilizei tudo e fui para Posadas. Fiquei em Posadas, fazendo metalúrgica e fazendo alguma coisa junto com esse pessoal da Argentina a questão do Stroessner né. Até que eu vi que não dava mais nada e fui sobreviver. Agora eu vou ficar por aqui, porque cai Allende, logo em seguida cai Allende, teve o “tancaço”, eu fui [para o Chile] logo depois do “tancaço” voltei, e quando eu quis voltar para o Chile cai Santiago, a Unidade Popular, então não pude mais voltar.

Mas eu sabia que o Fortini estava por ali, mas eu não tinha como entrar mais para a região. Eu não podia entrar na região para avisar Fortini, mas Fortini tinha seus canais. Fortini falava com a Europa, ele falava italiano, tinha passaporte italiano, podia pegar um avião em Buenos Aires e ir para Itália. Tinha canais com a Itália, tanto que o Gustavo foi estudar na França, saiu dali, foi estudar na França, voltou. Os contatos de Fortini eram todos via Europa. Se ele perdeu contato com Santiago ele continuou mantendo o contato com a VPR na Europa. Diferente do meu caso, no meu caso eu perdi o contato com todo mundo, caiu Allende eu não tive mais contato com ninguém. Eu nem sabia se o Pepe morreu ou estava vivo, do Mendes, não sabia de mais ninguém. Os paraguaios tinham caído lá em Assunção, morreram, depois fiquei sabendo que morreram na tortura ??????. ??????.

E o grupo que saiu e foi para a Argentina, teve um grupo que eu vi que estava lá em Posadas, eu pequei um menino na rua comprei cigarros e mandei entregar, diga que foi um amigo que mandou entregar. Eu não quis manter contato, eu estava em possadas e o pessoal que veio de Santiago ficou internado [enterrado?] no hotel, de trânsito para ir para algum lugar. Por que Peron aceitou com essa condição, né?, aceito os refugiados mas em trânsito. E aquele pessoal que ficou de trânsito em Buenos Aires vei para cá, né?, e morrendo aqui. Então essas bases tinham praticamente esses objetivos.

Fortini se manteve, eu não sei como o Fortini sobreviveu esses anos de 1972, 1973, 1974, 1975, 1976 e a ditadura argentina de 1976 em diante. E aparece, o Fortini aparece  bem depois da Anistia, bem depois da Anistia ele aparece para o Bona, em Porto Alegre. E em Três Passos que ele criou junto com o ???????????/ uma associação de perseguidos políticos. Ele nunca deixou essa luta né?

Mas ali, dentro de Aristóbulo ninguém sabia das atividades que Fortini tinha, das ideias de Fortini, ele está agora se abrindo. O filho dele não sabia que ele era um homem de esquerda, ficou sabendo recentemente, em questão de três anos, um homem já, deve ter uns 30 anos já aquele rapaz. Ele era clandestino mesmo, porque ele também foi sobreviver. A opção dede foi sobreviver. Não podia voltar para o Brasil, podia ter ido para a Europa, para a Itália, mas ele quis ficar por ali, a vida dele é o sítio e o trabalho comunitário. Ele acha que fazendo um trabalho comunitário ele está fazendo a revolução, essa é a visão dele. Então ficou por ali.

Carla Luciana Silva: Na verdade quando você volta para o Brasil em 1979, você volta de Posadas então?

Aluízio Palmar: Não eu saí de Posadas quando caiu o grupo lá de Assunção, e fui para o Chaco.

Carla Luciana Silva: A resistência. E lá que é a Fábrica de Soda?

Aluízio Palmar: Quando caiu Assunção e caiu Foz do Iguaçu, caiu três aqui em Foz do Iguaçu, caiu Assunção, o Goiburu ainda não havia sido sequestrado, mas logo em seguida o Goiburu é sequestrado e também desaparece. E antes eu fui ao Goiburu e ele disse cai fora daqui, ele estava todo queimado, você pode cair a qualquer momento. Eu não sei se eu estava queimado, eu não tenho ideia, nem procurando documento. Eu encontrei um documento que diz que um agente me viu em Posadas, não sei até que ponto eu poderia cair ou não. Mas na dúvida, como não havia mais nada para ser feito ali, eu foi para Chaco, na resistência. E foi de lá que eu voltei para o Brasil. O Fortni continuou ali, continuou no castelo em Capiovi, que é o castelo e na base, que foi onde nós estivemos no dia vinte e um de setembro de dois mil e treze. Por isso que a gente disse, que foi o primeiro aparelho, o aparelho que não caiu. Não caiu nem esse e nem Capiovi e lá em Aristóbulo ele tem os equipamentos de máquinas e um jipe que ele usava.

Carla Luciana Silva: Por isso que vocês chamavam de o jipe da VPR?

Aluízio Palmar: É, é aquele jipe que está ali. Aquele era o jipe que ele usava para ir, porque o Fortini montou essa estrutura de hortaliças e tinha uma “quitanda” lá em Alta Posse, ele tinha uma pessoa para cuidar mas o negócio dele era a horta, cuidar o alface, do repolho, tomate e não sei o que. Esse era o esquema de Fortini. Um troço assim esquisito, típico dele.

Carla Luciana Silva: Funcionava?

Aluízio Palmar: Funcionou, porque ele carregava as hortaliças, o Gustavo e todo o pessoal dele.

 

 



[1]          Enrique Padrós: E temos a história do Rebeldinho.

            Aluízio: Eu nunca vi guerrilha com cachorro! Só a nossa mesmo. Nós estávamos no mato e apareceu um cachorro, não sei se era de algum sítio por ali ou se era de um caçador. Nós adotamos o cachorro e demos o nome de Rebeldinho para o cachorro, que ficou com a gente por ali e depois foi com a gente para o sítio e ficou no sítio. Quando eu caí, caiu o sítio, que já tinha outro dono, porque eu vendi o sítio e o cachorro também e daí os militares levaram, eu não sei por que levaram o cachorro para o quartel. Ficou lá no quartel um tempão. Acho que era porque lá no quartel tinha uma onça e diziam que iam jogar o Rebeldinho para a onça. Não estou nem ai se deram o Rebeldinho para onça. Mas um dia eu estou ali na janela e o Rebeldinho lambendo bota, o famoso lambe bota (rsrs). Esse era bambe bota mesmo. Correndo com a linguinha de fora brincando com os milico … mas é traíra (rsrsrsrs) Nunca mais eu o vi.

            Enrique Padrós: cachorro sem consciência de classe (rsrsrs)

            Aluízio: Sem consciência de classe, despolitizado, quanto tempo do nosso lado de repente muda desse jeito; pulou a cerca não é? Essa é a história do Rebeldinho. (rsrsrsrs).


 [juliana 1]Quem eram essas pessoas e quais atividades que estavam organizando no PR

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